“Diz o néscio no seu coração: Não há Deus. Os homens
têm-se corrompido, fazem-se abomináveis em suas obras; não há quem faça o
bem” Salmos 14:1
Esta
passagem freqüentemente citada captura a essência de como o indivíduo religioso
médio vê o ateísmo. O ateísmo provavelmente é a posição filosófica mais
impopular – e mais incompreendida – na América atual. É comumente vista com
medo e desconfiança, como se fosse uma doutrina que advoga uma grande variedade
de perversões – desde a imoralidade, o pessimismo e o comunismo até o niilismo
total.
O
ateísmo é comumente considerado uma ameaça aos indivíduos e à sociedade. É “a
ciência divorciada da sabedoria e do temor a Deus”, escreve um filósofo, “à
qual o mundo tem de agradecer diretamente pelas piores malignidades da ‘guerra
moderna’...”. Numa crítica recente, Vincent P. Miceli alega que “toda forma de
ateísmo, mesmo o inicialmente bem-intencionado, constringe, encolhe, escraviza
o indivíduo ateu dentro e contra si próprio e, eventualmente, quando o ateísmo
toma proporções epidêmicas entre os homens, desemboca na escravização e no
assassinato da sociedade”.
Com
similares representações do ateísmo como um mal, uma força destrutiva,
religionistas através da história têm prescrito várias formas de punição aos
ateus. Platão, em sua construção do estado ideal, fez da “impiedade” um crime
que deveria ser punido através de cinco anos de encarceramento na primeira
ofensa e através da morte no segundo convício. Jesus, que é oferecido como o
paradigma do amor e da compaixão, disse que os descrentes serão lançados na “na
fornalha de fogo” onde “haverá choro e ranger de dentes”, do mesmo modo que “o
joio é colhido e queimado no fogo” (Cf. Mateus 13:40-42). Tomás de Aquino, o
grande teólogo medieval, ensinou que “o pecado da descrença é maior que
qualquer outro pecado que ocorre na da perversão da moral”, e recomendou que o
herege “fosse exterminado do mundo através da morte” após a terceira ofensa.
Apesar de os ateus atualmente desfrutarem de uma quantidade comparável de
liberdade nos Estados Unidos, a luta pelos direitos legais dos ateus tem sido
uma batalha difícil e contínua. Por exemplo, até o início deste século muitos
estados não permitiam que um ateu testemunhasse em corte, o que significava que
um ateu não poderia efetivamente arquivar acusações civis e criminais. O
raciocínio por detrás desta proibição era que, já que o ateu não acredita em
recompensas e punições após a morte, ele não se sentiria moralmente obrigado a
contar a verdade numa corte. Em 1871
a Corte Suprema do Tenessee publicou esta declaração
memorável:
O homem que possui a audácia de confessar que não
acredita num Deus demonstra uma negligência de caráter moral e completa
ausência de responsabilidade moral, assim ele nem mesmo deve ser ouvido ou
acreditado numa corte de justiça de um país designado como cristão.
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Aqui
temos o estereótipo de um ateu como um insensível cínico amoral – uma descrição
que permanece difundida em nosso próprio tempo. O ateísmo – assim acusam-no –
não é senão puro negativismo: destrói e não reconstrói. O ateísta é contraposto
à própria moral, e a luta entre a crença em um deus e a descrença é vista como
uma batalha entre o bem e o mal. Se verdadeiro, o ateísmo é declarado como
tendo implicações ominosas numa escala cósmica. A. E. Taylor expressa o medo de
muitos teístas quanto escreve:
...mesmo em horas do mais completo e sereno
desprendimento intelectual, não podemos escapar da questão da possibilidade
de se eliminar Deus tanto do mundo natural ou do mundo moral sem converter
ambos num pesadelo incoerente.
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Esta
imagem de um mundo sem deus é apenas uma entre muitas. O ateísmo tornou-se tão
apinhado de mitos e mal-entendidos que muitas críticas supostamente endereçadas
ao ateísmo são notáveis por sua completa irrelevância. Alguns críticos
religiosos preferem atacar as idéias impopulares associadas ao ateísmo em vez
de encarar o desafio do ateísmo diretamente. De fato, não é incomum encontrar
livros inteiros com o intuito expresso de demolir o ateísmo, mas que falham em
discutir questões básicas como por que alguém deveria acreditar em deus em absoluto. Estes
livros contentam-se em identificar o ateísmo com personalidades específicas
(como Nietzsche, Marx, Camus e Sartre) e, criticando as visões desses
indivíduos, o autor religionista acredita ter destruído o ateísmo. Na maioria
dos casos, entretanto, o crítico nem mesmo discutiu o ateísmo.
Apresentar o ponto de vista ateístico é uma tarefa difícil e frustrante. O ateu
precisa penetrar a barreira do medo e da suspeita que o confronta, e precisa
convencer o ouvinte de que o ateísmo não representa uma degeneração, mas um
passo adiante. Isto freqüentemente requer que o ateísta tome uma posição
defensiva para explicar por que o ateísmo não conduz a conseqüências
desastrosas. Espera-se que o ateu responda uma série de questões; as
apresentadas a seguir são típicas.
Sem
deus, o que resta da moral? Sem deus, qual propósito há na vida do homem? Se
não acreditarmos num deus, como podermos ter certeza de qualquer coisa? Se deus
não existe, a quem nos voltaremos num tempo de crise? Se não há outra vida,
quem irá recompensar a virtude e punir a injustiça? Sem deus, como podemos
resistir à investida do comunismo ateístico? Se deus não existe, o que resta do
merecimento e da dignidade de cada pessoa? Sem deus, como o homem pode alcançar
a felicidade?
Estas questões e outras similares refletem a íntima conexão entre a religião e
os valores nas mentes de muitas pessoas. Como resultado, a questão da
existência de deus torna-se mais do que um simples problema filosófico – e o
ateísmo, visto que é interpretado como um ataque a estes valores, assume uma
relevância muito além de seu real significado. As defesas da religião são
freqüentemente saturadas de furor emocional, e o ateu vê-se moralmente
condenado, diagnosticado como um homem confuso e infeliz, e ameaçado com uma
variedade de punições futuras. Enquanto isso, a frustração do ateísta aumenta
ao passo que ele descobre que seus argumentos em prol do ateísmo são fúteis,
que o crente médio – que foi persuadido a crer por razões emocionais, não
intelectuais – é impenetrável a argumentos contra a existência de um ser
sobrenatural, não importando quão meticulosos e cuidadosamente apresentados
sejam estes argumentos. Há muito em jogo: se a escolha precisa ser feita entre
o conforto da religião e a veracidade do ateísmo, muitas pessoas sacrificarão
esta última sem hesitação. Na perspectiva deles, há muito mais a ser discutido
a respeito da existência de Deus que simplesmente se ele existe ou não.
Isso
deixa o ateu em que posição? Ele precisa oferecer o ateísmo como um modo de
vida alternativo à religião, completo, com seu próprio conjunto de valores? O
ateísmo é um substituto para a religião? O ateísmo pode satisfazer as
necessidades morais e emocionais do homem? O indivíduo ateu deve defender-se
contra toda acusação de imoralidade e pessimismo? O ateísmo oferece quaisquer
valores positivos? Estas questões não são complexas quanto podem parecer. O
ateísmo é uma posição clara, facilmente definível; é uma tarefa fácil delinear
o que o ateísmo pode ou não realizar. A fim de compreender o escopo do ateísmo,
entretanto, é necessário que removamos as paredes de mitos que o circundam –
com a esperança de que os temores e os preconceitos contra o ateísmo também
desmoronem. Para alcançar tal objetivo, precisamos determinar o que o ateísmo é
e o que o ateísmo não é.
II
O Significado do Ateísmo
“Teísmo” é definido como a “crença em um deus ou deuses”. O termo “teísmo” às
vezes é usado para designar a crença em um tipo particular deus – o deus
pessoal do monoteísmo –, mas, como utilizado neste livro, “teísmo” significa a
crença em qualquer deus ou número de deuses. O prefixo “a” significa “ausência”,
então o termo “a-teísmo” literalmente significa “sem teísmo”, ou sem crença em
um deus ou deuses. O ateísmo, portanto, é a ausência de crença teística. Quem
não acredita na existência de um deus ou de um ser sobrenatural pode ser
apropriadamente denominado um ateu.
O
ateísmo às vezes é definido como “a crença de que nenhum tipo de Deus existe”,
ou como a alegação de que um Deus não pode existir. Estas são categorias de
ateísmo, elas não exprimem o significado do ateísmo – e são relativamente
enganosas no que diz respeito à natureza básica do ateísmo. O ateísmo, em sua
forma básica, não é uma crença, é a ausência de crença. Um ateu não é
primariamente uma pessoa que acredita na inexistência de deus; em vez disso,
ele não acredita na existência de deus.
Como
aqui definido, o termo “ateísmo” tem um escopo mais abrangente do que os
significados comumente atribuídos a ele. Os dois tipos mais comuns são
descritos por Paul Edwards como se segue:
Em primeiro lugar, há o sentido mais familiar em que uma
pessoa é uma ateísta. Se ele afirma que não há um Deus, toma-se como
significado disto que “Deus existe” expressa uma proposição falsa. Em segundo
lugar, há também outro sentido mais amplo em que uma pessoa é uma ateísta: se
ela rejeita a crença em Deus, não importando se sua rejeição baseia-se na
visão de que a crença em um
Deus é falsa.
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Ambos estes significados são importantes tipos de ateísmo, mas nenhum faz jus
ao ateísmo em seu sentido mais abrangente. “Ateísmo” é um termo privativo, um
termo negativo, indicando oposto de teísmo. Se usarmos a expressão
“crença-em-deus” como um substituto para teísmo, veremos que sua negação é
“sem-crença-em-deus” – ou, em outras palavras, “a-teísmo”. Este é simplesmente
um outro modo de dizer “sem teísmo” ou ausência de crença em deus.
“Teísmo” e “ateísmo” são termos descritivos: eles especificam a presença ou a
ausência de crença em deus.
Se uma pessoa é designada como uma teísta, isto nos diz
somente que ela acredita num deus, não por que acredita. Se uma pessoa é
designada como uma ateísta, isto nos diz somente que ela não acredita num deus,
não por que não acredita.
Há
muitas razões pelas quais alguém pode não acreditar na existência de um deus;
talvez nunca tenha encontrado o conceito de deus antes, ou considere a idéia de
um ser sobrenatural absurda, ou pense que não há evidência para respaldar a
crença num deus. A despeito de qual a razão, se alguém não acredita na
existência de um deus, este alguém é um ateu – está ausente de crença teística.
Neste contexto, teísmo e ateísmo abarcam todas as possíveis alternativas em
relação à crença em um deus: um indivíduo é um teísta ou um ateísta; não há
outra escolha. Ou bem se aceita a proposição “deus existe” ou bem se não a
aceita. Ou se acredita num ser sobrenatural ou não se acredita. Não há terceira
opção ou meio-termo. Isto imediatamente levanta a questão do agnosticismo, o
qual tem tradicionalmente sido oferecido como uma terceira alternativa para o
teísmo e o ateísmo.
III
Agnosticismo
O
termo “agnóstico” foi cunhado por Thomas Huxley em 1869. “Quando atingi a
maturidade intelectual”, diz Huxley, “e comecei a perguntar a mim mesmo se era
um ateu, um teísta ou um panteísta... Descobri que quanto mais aprendia e
refletia, menos pronto estava para responder”. De acordo com Huxley, os
expoentes destas doutrinas, apesar de suas óbvias diferentes, partilham uma
assunção comum, uma assunção com a qual ele discorda:
Eles estavam bastante certos de que haviam alcançado uma
certa “gnose” – de que tinham, de modo mais ou menos bem-sucedido,
solucionado o problema da existência; enquanto eu tinha bastante certeza de
que não tinha, e possuía uma convicção bastante forte de que o problema era
insolúvel.
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Quando
Huxley ingressou na Sociedade Metafísica, descobriu que as várias crenças lá
representadas tinham nomes: “a maioria de meus colegas eram istas de algum tipo
ou outro”. Huxley, sem um nome para sua incerteza, estava “sem um trapo de
rótulo para cobrir-se”. Ele era uma raposa sem uma cauda – então deu a si
próprio uma cauda atribuindo-se o termo “agnóstico”. Parece que Huxley
originalmente usou este termo de uma forma relativamente jocosa. Ele selecionou
a seita religiosa primitiva conhecida como “Gnósticos” como um exemplo primo de
homens que alegavam conhecimento do sobrenatural sem justificativas; e
distinguiu-se como um “a-gnóstico” estipulando que o sobrenatural, mesmo se
existir, jaz muito além do escopo do conhecimento humano. Não podemos dizer se
existe ou não, então devemos suspender nosso julgamento.
Desde o tempo de Huxley, “agnosticismo” adquiriu um número de diferentes
aplicações baseadas em sua derivação etimológica da negativa “a” e do radical
grego gnosis (“saber”). Agnosticismo, como um termo genérico, atualmente
significa a impossibilidade de conhecimento numa dada área. Um agnóstico é uma
pessoa que acredita que algo é inerentemente incognoscível à mente humana.
Quando aplicado à esfera da crença teística, um agnóstico é aquele que defende
que algum aspecto do sobrenatural apresenta-se eternamente fechado ao
conhecimento humano.
Apropriadamente considerado, o agnosticismo não é uma terceira alternativa ao
teísmo e ateísmo porque concerne a um diferente aspecto da crença religiosa.
Teísmo e ateísmo referem-se à presença ou ausência de crença num deus;
agnosticismo refere-se à impossibilidade de conhecimento em relação a um deus
ou ser sobrenatural.
O
termo “agnóstico”, em si mesmo, não indica se alguém acredita ou não num deus.
O agnosticismo pode ter tanto teístico quanto ateístico.
O
agnóstico teísta acredita na existência de deus, mas defende que a natureza de
deus é incognoscível. O filósofo medieval judeu, Maimonides, é um exemplo desta
posição. Ele acreditava em deus, mas recusava-se a atribuir características
positivas a este deus alegando que tais características introduziriam a
pluralidade na natureza divina – um procedimento que iria, segundo acreditava
Maimonides, conduzir ao politeísmo. De acordo com o religioso agnóstico,
podemos dizer que deus é, entretanto – devido à incognoscibilidade da natureza
sobrenatural – não podemos dizer o que deus é.
Assim como seu primo teístico, o agnóstico ateu defende que qualquer reino
sobrenatural é inerentemente incognoscível à mente humana, mas este agnóstico
suspense seu julgamento um passo antes. Para o agnóstico ateu, não apenas a
natureza de qualquer ser sobrenatural é incognoscível, mas também a existência
de qualquer ser sobrenatural. Não podemos ter o conhecimento do incognoscível;
portanto, conclui este agnóstico, não podemos ter conhecimento da existência de
deus. Devido a esta variedade de agnóstico não se submeter à crença teística,
ele qualifica-se como um tipo de ateu.
Várias defesas foram oferecidas para esta posição, mas geralmente originando-se
de um empirismo estrito; por exemplo, a doutrina de que o homem deve ganhar
todo seu conhecimento inteiramente através de seus sentidos. Já que um ser
sobrenatural jaz muito além do escopo da evidência sensorial, não podemos
afirmar nem negar a existência de um deus; fazer qualquer um dos dois, de
acordo com o agnóstico ateu, equivale a transgredir os limites do entendimento
humano. Enquanto este agnóstico afirma a possibilidade teórica de uma
existência sobrenatural, ele acredita que a questão deve permanecer, em última
análise, incerta e indecisa. Deste modo, para o agnóstico ateu, a resposta
apropriada à questão “Existe um Deus?” é “Eu não sei” – ou, mais
especificamente, “Eu não posso saber”.
Se esta descrição representa a exata posição de Thomas
Huxley – isto é algo que não está inteiramente claro. Às vezes, como vimos, ele
parece indicar que a existência do sobrenatural, apesar de possível, é
incognoscível. Noutro lugar, entretanto, ele escreve que “não se importa muito
em considerar qualquer coisa como ‘incognoscível’”. E, sumarizando os
fundamentos do agnosticismo, Huxley não se refere a qualquer coisa como
incognoscível ou “insolúvel”.
...é errado para um homem dizer que ele está certo da
verdade objetiva de qualquer proposição a não ser que possa produzir uma
evidência que justifique logicamente sua certeza. É isso que o agnosticismo
afirma; e, em minha opinião, essa é toda a essência do agnosticismo... a
aplicação do princípio resulta na negação, ou suspensão do julgamento, de um
número de proposições em relação às quais nossos “gnósticos” eclesiásticos
contemporâneos professam certeza total.
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Esta
passagem sugere que, na opinião de Huxley, não há evidência suficiente para
justificar a crença num deus, então dever-se-ia suspender o julgamento sobre o
assunto. Discutindo se a existência de deus é incognoscível a princípio ou
apenas atualmente desconhecida, ele escreve:
Do que eu tenho certa é que há muitos tópicos sobre os
quais não sei coisa alguma; e que, tanto quanto posso perceber, estão fora do
alcance de minhas faculdades. Mas, se essas coisas são cognoscíveis a
qualquer outra pessoa, este é exatamente um daqueles assuntos que estão além
de meu conhecimento, apesar de que eu possa ter uma opinião razoavelmente
forte em relação às probabilidades do caso.
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Huxley é relutante em defender a absoluta incognoscibilidade do sobrenatural, e
deseja sustentar, em vez disso, que, tanto quanto ele sabe, o conhecimento do
sobrenatural jaz além do poder das faculdades humanas. Não seria forçado demais
dizer que, na visão de Huxley, a cognoscibilidade do sobrenatural é em si uma
questão incognoscível.
Devido à ambigüidade da posição agnóstica tradicional, o termo “agnóstico” tem
sido empregado numa variedade de modos. É comumente usada para designar alguém
que se recusa a afirmar ou negar a existência de um deus, e devido ao ateísmo
estar freqüentemente associado à categórica negação do teísmo, o agnosticismo é
oferecido como uma terceira alternativa. Aqui está uma típica explicação,
encontrada na Enciclopédia Católica:
Um agnóstico não é um ateu. Um ateu nega existência de
Deus; um agnóstico professa a ignorância sobre Sua existência. Para este
último, Deus pode existir, mas a razão não pode comprová-lo nem contestá-lo.
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Perceba que o agnosticismo emerge como uma terceira alternativa apenas se o
ateísmo for estreitamente definido como a negação do teísmo. Nós vimos,
entretanto, que o ateísmo, em seu sentido mais amplo, refere-se basicamente à
ausência de crença em deus, não necessariamente à negação de deus. Qualquer
pessoa que não acredita em deus, por qualquer motivo, carece de crença teística
e, portanto, qualifica-se como uma ateísta.
Enquanto o agnóstico da variedade Huxley pode se negar a afirmar se o teísmo é
verdadeiro ou falso – “suspendendo”, assim, seu julgamento –, ele não acredita
na existência de um deus (se acreditasse, seria um teísta). Já que este
agnóstico não aceita a existência de um deus como verdadeira, ele está ausente
de crença teística, ele é ateístico – e o agnosticismo de Huxley emerge como
uma forma de ateísmo.
Assim, como previamente indicado, agnosticismo não é uma posição independente
ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo, pois classifica de acordo com um
critério diferente. Teísmo e ateísmo separam aqueles que acreditam num deus
daqueles que não acreditam. O agnosticismo separa aqueles que acreditam que a
razão não pode penetrar o reino do sobrenatural daqueles que defendem a
capacidade da razão de afirmar ou negar a veracidade da crença teística.
O
agnóstico teísta encontra oposição não apenas dos ateus, mas também dos outros
teístas que crêem que a natureza de deus pode ser conhecida (pelo menos até
certo grau) pela mente humana. Igualmente, o agnóstico ateu encontra oposição
dos outros ateus, que se recusam a aceitar a possibilidade teórica da
existência sobrenatural, ou que argumentam que a razão pode eficientemente
demonstrar a falsidade ou a incoerência do teísmo.
As
posições agnósticas foram duramente criticadas pelos crentes e descrentes;
iremos examinar as objeções ao agnosticismo posteriormente. Nosso objetivo aqui
é elucidar a relação do agnosticismo com o teísmo e o ateísmo para que se possa
evitar mal-entendidos futuros. O agnosticismo é comumente usado como um refúgio
àqueles que desejam escapar do estigma do ateísmo, e sua vagueza ganhou um
status de uma forma intelectualmente respeitável de dissidência religiosa. Em
muitos casos, entretanto, o termo “agnóstico” é mal utilizado.
O
agnosticismo é uma posição filosófica legítima (apesar de que, em minha
opinião, está equivocada), mas não é uma terceira alternativa ou um meio-termo
entre teísmo e ateísmo. Em vez disso, é uma variante ou do teísmo ou do
ateísmo. O autoproclamado agnóstico ainda precisa especificar se acredita ou
não num deus – e, ao fazê-lo, compromete-se com o teísmo ou compromete-se com o
ateísmo. Mas compromete-se a si próprio. O agnosticismo não é a escapatória que
comumente se pensa ser.
IV
As Variedades de Ateísmo
O
termo “ateísmo” tem sido utilizado até aqui para cobrir todo caso de descrença
em deus ou deuses. Analisaremos agora sucintamente as várias manifestações do
ateísmo.
O
ateísmo pode ser dividido em duas grandes categorias: implícito e explícito.
(a) Ateísmo implícito é a ausência de crença teística sem uma rejeição
consciente desta; (b) Ateísmo explícito é a ausência de crença teística devido
à consciente rejeição desta.
(a) Um ateu implícito é uma pessoa que não acredita em um
deus, mas que não rejeitou ou negou explicitamente a veracidade do teísmo.
Ateísmo implícito não pressupõe familiaridade com a idéia de um deus.
Por
exemplo, uma pessoa que não possui conhecimento sobre a crença teística não
acredita num deus, mas também não nega a existência de tal ser. A negação
pressupõe algo para ser negado, e ninguém pode negar a veracidade do teísmo sem
antes saber o que é o teísmo. O homem não nasce com o conhecimento inato do
sobrenatural; até que lhe seja apresentada a idéia ou ele próprio a conceba,
ele é incapaz de afirmar ou negar sua veracidade – ou mesmo “suspender” seu
julgamento.
Esta
pessoa representa um problema para as classificações tradicionais. Ela não
acredita em um deus, então não é uma teísta. Ela não rejeita a existência de um
deus, então, de acordo com a acepção em que comumente o ateísmo é utilizado,
ela não é uma ateísta. Esta pessoa também não afirma que a existência do
sobrenatural é desconhecida ou incognoscível, então não é uma agnóstica. A
falha das classificações tradicionais em incluir esta possibilidade indica sua
falta de compreensão.
Como
definido neste capítulo, um homem alheio ao teísmo é um ateu porque não acredita
em um deus. Esta categoria também incluiria a criança com capacidade conceitual
de compreender as questões envolvidas, mas que ainda está alheia a elas. O fato
de esta criança não acreditar num deus faz dela uma ateísta. Já que esses casos
de descrença não são o resultado de uma rejeição consciente, são mais bem
designadas como sendo um ateísmo implícito.
Neste ponto, objeções podem ser levantadas em protesto contra o uso da palavra
“ateísmo” para abarcar o caso da criança desinformada. Alguns religionistas sem
dúvida dirão que esta vitória barata do ateísmo foi conseguida através de
definições arbitrárias. Em resposta a isto, precisamos notar que a definição de
ateísmo como sendo a ausência da crença em deus ou deuses não é arbitrária.
Apesar de este significado ser mais amplo do que o comumente aceito, ele tem
sua justificativa no significado do termo “teísmo” e no prefixo “a”. Também,
como dito anteriormente, esta definição de ateísmo tem a virtude de representar
a antítese do teísmo, e deste modo “teísmo” e “ateísmo” abarcam todas as
possibilidades de crença e descrença.
Olhando de perto, é provável que as objeções a se chamar a criança desinformada
de ateísta surgirão da assunção de que ateísmo implica algum grau de degradação
moral. Como ousam chamar crianças inocentes de ateístas! Certamente é injusto
degradá-las desta maneira.
Se o
religionista está incomodado pelas implicações morais de se denominar uma
criança desinformada de ateísta, o problema está nestas implicações morais, não
na definição de ateísmo. Reconhecer esta criança como uma ateísta é um passo
importantíssimo para remover o estigma moral vinculado ao ateísmo, pois força o
teísta ou a abandonar seus estereótipos do ateísmo ou a estendê-los até o
absurdo patente. Se ele recusar-se a descartar seus mitos favoritos, se ele
continuar a condenar os descrentes como imorais per se, a lógica exige que ele
condene a criança inocente também. E, a não ser que esse teísta seja um
ardoroso seguidor de Calvino, ele perceberá o que esta impetuosa reprovação
moral do ateísmo realmente representa: irracionalidade.
A categoria de ateísmo implícito também
se aplica à pessoa familiarizada com as crenças teísticas e que não as
consente, mas que não rejeitou explicitamente a crença num deus. Recusando
comprometer-se, a pessoa pode ser indecisa ou indiferente, mas permanece o fato
que ela não acredita em um deus. Logo, esta pessoa também é uma ateísta
implícita.
O ateísmo implícito é convenientemente ignorado por aqueles teístas que
representam o ateísmo como uma crença positiva em vez da ausência de crença.
Apesar de isso parecer uma distinção sutil, ela tem importantes conseqüências.
Se alguém apresenta uma crença positiva (por exemplo, uma afirmação que alguém
alega ser verdadeira), este alguém tem a obrigação de apresentar evidências em
seu favor. O ônus da prova recai sobre a pessoa que afirma a veracidade de uma
proposição. Se a evidência não é contundente, se não há motivos suficientes
para se aceitar a proposição, ela não deve ser acreditada. O teísta que afirma
a existência de um deus assume a responsabilidade de demonstrar a veracidade
desta asserção; se ele falhar nesta tarefa, o teísmo não deve ser aceito como
verdadeiro.
Alguns crentes tentam escapar da responsabilidade de prover evidências
invertendo a responsabilidade ao ateísmo. O ateísmo, que é representado como
uma crença rival ao teísmo, claramente não pode demonstrar a inexistência de um
deus, então se alega que o ateísta não é melhor que o teísta. Este também é o
argumento favorito do agnóstico, que alega rejeitar o ateísmo e o teísmo
afirmando que nenhuma das posições pode apresentar demonstrações.
Quando o ateísmo é reconhecido como a ausência de teísmo, a manobra precedente
cai por terra. O ônus da prova aplica-se somente a casos de crença positiva.
Para exigir uma prova do ateu, o religionista deve representar o ateísmo como
uma crença positiva que requer comprovação. Quando o ateu é visto como uma
pessoa que carece de crença em um deus, torna-se claro que ele não está
obrigado a “provar” coisa alguma. Um ateu enquanto ateu não acredita em nada
que requer demonstração; a designação de “ateísta” não nos diz no que ele
acredita, mas no que ele não acredita. Se outros desejam que ele aceite a
existência de um deus, é responsabilidade deles argumentar em prol do teísmo –
mas o ateu não necessita argumentar de modo similar em prol do ateísmo.
É crucial distinguir entre o ateísmo enquanto tal e as muitas crenças que um ateu
pode defender. Todos os ateus de fato adotam algumas crenças positivas, mas o
conceito de ateísmo não abarca tais crenças. O ateísmo refere-se apenas ao
elemento da descrença em deus, e já que não há conteúdo nisso, já que não há
nenhuma crença positiva, a exigência de comprovação não se aplica.
O ateísmo não é necessariamente o produto final de uma cadeia de raciocínio. O
termo “ateísta” diz apenas que este alguém não acredita em deus, mas não
especifica por que motivo. Independentemente da causa da descrença, se alguém
não acredita em um deus, este alguém é um ateu.
O teísmo precisa ser aprendido e aceito. Se nunca for aprendido, não poderá ser
aceito – e o indivíduo permanecerá implicitamente um ateu. Se o teísmo é
aprendido, mas mesmo assim rejeitado, o indivíduo será um ateu explícito – o
que nos conduz ao segundo tipo de ateísmo.
(b) Um ateu explícito é aquele que
rejeita a crença em um deus. Esta rejeição deliberada do teísmo pressupõe
familiaridade com as crenças teísticas e às vezes é caracterizada como um
anti-teísmo.
Há várias motivações para o ateísmo explícito, algumas são racionais e algumas
não. O ateísmo explícito pode ser motivado por fatores psicológicos. Um homem
pode não acreditar em deus porque odeia seus pais religiosos ou porque sua
esposa trocou-o pelo pregador da vizinhança. Ou, num nível mais sofisticado,
alguém pode achar que a vida é fútil e desamparada, e que não há espaço
emocional para deus num universo trágico. Motivações como essas podem ser de interesse
psicológico, mas são filosoficamente irrelevantes. Elas não são justificativas
racionais para o ateísmo, e não vamos levá-las em consideração aqui.
A mais significante variedade de ateísmo é o ateísmo explícito de natureza
filosófica. Este ateísmo defende que a crença em deus é irracional e, portanto,
deve ser rejeitada. Já que esta versão do ateísmo explícito baseia-se na
crítica das crenças teísticas, ele é mais bem descrito como ateísmo crítico.
O ateísmo crítico apresenta-se de várias formas. Ele é freqüentemente
expressado pela frase “Eu não acredito na existência de um deus ou ser
sobrenatural”. Esta profissão da descrença freqüentemente deriva-se do malogro
do teísmo em prover evidência suficiente em seu próprio favor. Em face à
ausência de evidência, este ateu explícito não vê motivos para acreditar em
qualquer ser sobrenatural.
O ateísmo crítico também assume formas mais fortes, como “Deus não existe” ou
“A existência de deus é impossível”. Estas afirmações geralmente são feitas
após um conceito específico de deus, como o Deus do cristianismo, ter sido
julgado absurdo ou contraditório. Assim como somos forçados a dizer que uma
“esfera quadrada” não existe e não pode existir, assim somos levados a admitir
que, se o conceito de deus entrar em contradição, ele não existe e não pode
existir.
Finalmente, há o ateu crítico que se nega a discutir a existência ou
inexistência de um deus porque acredita que o conceito de “deus” é
ininteligível. Não podemos, por exemplo, discutir racionalmente a existência de
um “unie” até que saibamos o que é um “unie”. Se nenhuma descrição inteligível
é apresentada, a discussão precisa interromper-se. Analogamente, se nenhuma
descrição inteligível de “deus” é apresentada, a discussão precisa
interromper-se. Este ateu crítico, deste modo, diz: “A palavra ‘deus’ não faz
sentido para mim, então eu não tenho idéia do que significa dizer que ‘deus’
existe ou não existe”.
Estas variedades de ateísmo crítico são idênticas num aspecto importante:
possuem caráter essencialmente negativo. O ateu, enquanto ateu, tanto implícito
quanto explícito, não afirma a existência de qualquer coisa; não faz qualquer
afirmação positiva. Se a ausência de crença é um resultado do desconhecimento,
esta descrença é implícita. Se a ausência de crença é o resultado de uma
deliberação crítica, esta descrença é explícita. Em ambos os casos, a ausência
de crença teística é a essência do ateísmo. Várias posições ateísticas diferem
somente no que diz respeito às diferentes causas da descrença.
Este livro foi escrito na perspectiva do ateísmo crítico. Sua tese básica é que
a crença em deus é inteiramente infundada – e, mais adiante, que há muitas
razões para não se acreditar num deus. Se o teísmo é destruído
intelectualmente, os motivos para se acreditar em deus desmoronam, e assim se é
racionalmente forçado a não acreditar em um deus – ou, noutras palavras, se é
obrigado a ser ateu.
Este livro não é uma crítica do teísmo e uma defesa do ateísmo: a crítica do
teísmo é a defesa do ateísmo. O ateísmo não é a ausência de crença em deus e
mais certas crenças positivas: ateísmo é somente a ausência de crença em deus. Se pudermos
demonstrar que o teísmo é infundado, falso ou ilógico, então, simultaneamente,
estabelecemos a validade do ateísmo. Esta é a razão pela qual o caso do ateísmo
é O Caso Contra Deus.
V
Jacques Maritain e a Difamação do
Ateísmo
As divisões precedentes do ateísmo são simples e imparciais. Eles não
prejudicam o caso contra ou a favor do ateísmo sugerindo implicações morais.
Similarmente, poderíamos também listar as variedades de teísmo, como monoteísmo
e politeísmo, sem sugerir quaisquer conseqüências morais. Infelizmente, quando
se está discutindo uma posição que alguém desaprova radicalmente, o espírito da
objetividade é, não raro, sacrificado pelo preconceito e pelo emocionalismo.
Isto não é mais evidente em qualquer lugar senão nos escritos de Jacques
Maritain, um proeminente filósofo católico.
Em The Range
of Reason [O Alcance da Razão], Maritain devota mais de uma dúzia de páginas às
variedades de ateísmo, e já que suas classificações são largamente utilizadas
por outras fontes cristãs (como a Enciclopédia Católica), é instrutivo analisar
sua abordagem. Maritain tipifica o tratamento injusto que o ateísmo tem
recebido nas mãos dos teólogos e dos filósofos religiosos. Apesar de que,
presumivelmente, Maritain pretende que suas classificações sejam justas e
imparciais, elas transparecem sua aversão pessoal pelo ateísmo. Sob o pretexto
da categorização, Maritain joga suas cartas contra o ateísmo atribuindo a ele
um status moral e psicológico inferior.
Considere-se o caso do que Maritain denomina “ateísmo prático”. Ateus práticos
“acreditam que eles acreditam em Deus (e... talvez acreditem Nele em seus
cérebros) mas... em verdade negam Sua existência através de cada um de seus
feitos”.
<O:P>Dizer que homens acreditam
“em seus cérebros” é um modo confuso de admitir que eles, de fato, aceitam a
existência de um ser sobrenatural. Por qualquer concepção racional de teísmo,
tais pessoas são teístas, pura e simplesmente. Eles podem ser teístas
hipócritas, que talvez professem ser cristãos enquanto ignoram a moral cristã –
mas se esses homens de fato acreditarem em deus “em seus cérebros”
(significando: como uma questão intelectual), então eles são teístas,
independentemente de sua conduta ou crenças morais.
Mas a idéia de um cristão hipócrita
ofende as sensibilidades de Maritain. A crença em deus é moralmente boa, e o
teísta que não alcança certos padrões morais, de um certo modo, não acredita
verdadeiramente em deus.
Como se alguém se tornasse ateu através de suas ações,
Maritain apresenta a simples resposta de que, se alguém é suficientemente
imoral e hipócrita, este alguém merece ser chamado de ateu. Com a desculpa de
estar classificando, Maritain purifica o teísmo, empurrando os indesejáveis ao
campo ateístico, no qual ele não encontra dificuldade em aceitar seu
comportamento inadequado. Afinal, que mais se pode esperar de um homem ímpio?
Pelo motivo da imoralidade, hipocrisia e possivelmente outros traços
repugnantes, Maritain rotula o condenado como um ateu – um “ateu prático”, mas
um ateu de qualquer modo. Ateísmo prático, como definido por Maritain, é o lixo
conceitual para os rejeitos teísticos; na realidade, isso é um capricho pessoal
elevado ao status de categoria filosófica. Se divergência também é incompatível
com teísmo, então o próprio Maritain qualifica-se como um “ateu prático”.
Outra forma principal de ateísmo, de acordo com Maritain, é o “ateísmo
absoluto”. Ateus absolutos “de fato negam a existência do próprio Deus no Qual
os crentes acreditam e... são levados a mudar inteiramente sua própria escala de
valores e destruir neles próprios tudo que conota Seu nome”.
Já podemos presumir que o ateísmo absoluto, como o ateísmo prático, irá
envolver distinções morais. O ateu absoluto muda seus próprios valores e busca
destruir tudo que o faz lembrar de deus. O que nos faz lembrar de deus? Se
tomarmos as palavras de Maritain, deus está associado com tudo de bom e decente
– nada surpreendente que isto nos conduz à conclusão de que o ateu absoluto
está travando uma guerra contra a bondade. Maritain, deste modo, conclui que “o
ateísmo absoluto de modo algum é a mera ausência de crença em Deus. Em vez disso é a
recusa de Deus, a luta contra Deus, um desafio a Deus. E, quanto ele alcança
sua vitória, acarreta mudanças no homem em seu próprio comportamento íntimo, dá
ao homem uma espécie de solidez insensível, como se o espírito tivesse sido
recheado de matéria morta e seus tecidos orgânicos transformados em pedra”.
Os ateísmos “prático” e “absoluto” são considerados por Maritain como
categorias compreensíveis (uma terceira – “pseudo-ateísmo” – é dispensada como
irrelevante), e assim o ateu previdente tem a escolha de classificar-se como
hipócrita ou como alguém constantemente engajado numa destruição de valores,
enchendo-se assim de “substância morta”. Isso não chega a ser uma alternativa
atraente, muito menos precisa, mas proporciona a Maritain um veículo para
destruir o ateísmo sem preocupar-se com questões tão mundanas como precisão,
respeito intelectual e argumentos racionais.
Maritain distorce a posição ateística com notável facilidade e audácia e, ao
fazê-lo, perpetua muitos dos mitos irracionais sobre o ateísmo. Para aqueles
que acreditam que apenas os incultos e ignorantes caluniam o ateísmo, J.
Maritain e seus seguidores representam uma instrutiva evidência do
contrário.
VI
O que o Ateísmo não é
Muitos mitos do ateísmo, como aqueles apresentados por Maritain, dependem de se
atribuir ao ateísmo características que não lhe pertencem. Por causa disso,
torna-se essencial identificar o que o ateísmo não é.
(a) Comumente se acredita que o ateísmo
“envolve o que se denomina cosmovisão, uma visão completa da vida”. Um
religionista nos diz que o ateísmo “não pode contentar-se apenas em ser a
simples negação dos dogmas religiosos; precisa elaborar sua própria concepção
da vida humana e tornar-se uma realidade positiva”.
Quando o ateísmo é representado pelos teístas como um estilo de vida, este é
invariavelmente caricaturado como malévolo ou indesejável. Contrariamente,
quando é representado pelos ateístas como um modo de vida, é caricaturado como
benéfico em vez de daninho. Joseph Lewis, um proeminente ateu da tradição
livre-pensadora americana, escreve que o ateísmo “equipa-nos para encarar a
vida, com sua multidão de experiências e tribulações, melhor que qualquer outro
código de vida que eu tenha sido capaz de encontrar”. Na opinião de Lewis,
“Ateísmo é uma filosofia corajosa e vigorosa”.
Ver o ateísmo como um estilo de vida, seja benévolo ou malévolo, é um
mal-entendido. Assim como a ausência de crença em elfos mágicos não acarreta um
código de vida ou um conjunto de princípios, analogamente a descrença em deus
não implica qualquer sistema filosófico específico. Do simples fato de que uma
pessoa é uma ateísta não se pode inferir que esta pessoa irá adotar qualquer
crença positiva em
particular. As convicções positivas são um assunto totalmente
distinto do ateísmo. Enquanto alguém pode partir de uma posição filosófica
básica e inferir o ateísmo como conseqüência dela, este processo não pode ser
revertido. Não se pode passar do ateísmo para uma crença filosófica básica,
pois o ateísmo pode ser (e tem sido) incorporado dentro de muitos e
incompatíveis sistema filosóficos.
(b) O rótulo de “ateu” anuncia
desacordo de alguém com o teísmo. Não anuncia o “acordo com” ou a “aprovação
de” outros ateus.
A prática de se vincular o ateísmo com um conjunto de crenças, especialmente
crenças morais e políticas, permite ao teísta agrupar os ateus todos sob uma
bandeira comum, com a implicação de que um ateu concorda com a crença de outro
ateu. E aqui temos a sempre popular “culpa por associação”. Já que os
comunistas são notoriamente ateísticos, alguns teístas argumentam, deve haver
alguma conexão entre o ateísmo e o comunismo. A implicação aqui é que o
comunismo de alguma forma é uma conseqüência lógica do ateísmo, assim o ateu
precisa defender-se contra a acusação latente de comunismo.
Esta prática irracional e grosseiramente injusta de se vincular o ateísmo com o
comunismo está perdendo popularidade e raramente é encontrada em absoluto,
senão entre políticos conservadores. Mas a mesma técnica básica às vezes é
usada pelo filósofo religioso para tentar desacreditar o ateísmo. Em vez de
comunismo, o sofisticado teólogo irá associar o ateísmo com o existencialismo –
que projeta uma visão pessimista da existência – e então chegará à conclusão de
que o ateísmo conduz a uma visão pessimista do Universo. Parece que a segunda
melhor coisa para convencer pessoas a não serem ateístas é assustá-las com ele.
Apesar de que alguns ateus são comunistas e alguns são existencialistas, isso
não nos diz nada sobre o ateísmo ou outros ateus. É provável que o cristão,
como o ateu, não acredita na existência de elfos mágicos – mas isso não implica
uma significante área de concordância entre os dois. Sucede o mesmo com o
ateísmo.
Assim como um teísta pode discordar de outro teísta em questões importantes,
igualmente um ateu pode discordar de outro em questões importantes. Um ateu
pode ser um capitalista ou um comunista, um objetivista ou subjetivista ético,
um produtor ou um parasita, um homem honesto ou um ladrão, um indivíduo
psicologicamente saudável ou um neurótico. A única coisa incompatível com o
ateísmo é o teísmo.
(c) Ao discutir ateísmo, muitos
religionistas adotam a seguinte estratégia de ação: se tudo o mais falhar,
psicologize. Se não conseguir vencer o ateu no campo das idéias, torne-se seu
terapeuta: simpatize-se com ele, informe-lhe de seus problemas psicológicos enterrados
que o levam a rejeitar deus. E, acima de tudo, assegure-o de que a plenitude e
a felicidade aguardam-no na igreja da vizinhança.
Um filósofo fala do “desejo natural por Deus” que, se não for saciado, “conduz
à absoluta frustração”. Outro filósofo afirma que, se os homens decidirem não
acreditar em um deus, “tanto quanto forem inteligentes, serão entristecidos
pela sua decisão”, pois um mundo sem deus “seria notavelmente escasso em
alegria”. Fulton Sheen nos diz que a felicidade “é a ascensão do que é inferior
em nós ao que é superior, do nosso egotismo ao nosso Deus”. Um teólogo chegou a
afirmar que a frase “o homem sem deus” envolve uma contradição.
São João Crisóstomo estava simplesmente afirmando a verdade central desta
tradição em seu famoso dito: “Ser homem é temer a Deus”... Deus, que é o Autor
da natureza, é integral à natureza do homem. Logo, o homem que não teme a Deus
de algum modo não existe, e sua natureza de algum modo não é humana. Em
contrapartida, aí está ele. Eis o problema.
Ser um ateu é repentinamente ser menos que um humano – ser um enigma, um
paradoxo ambulante, um problema psicológico. Como coloca um teísta, “A
descrença á uma interrupção no desenvolvimento”. A saúde mental, afirma um
psicólogo, “exige um bom relacionamento interpessoal consigo mesmo, com os
outros e com Deus” – o que, observa Thomas Szasz, “claramente coloca todos
ateus na classe dos mentalmente doentes”.
Essas afirmações merecem poucos comentários, mas é interessante notar o
intimidante padrão utilizado para avaliar a relação entre o ateísmo e a
felicidade. Se o ateu é infeliz, isso é atribuído à sua descrença. Vinculando a
felicidade com a íntima conexão com deus, o “ateu feliz” é definido como fora
da existência.
O padrão comum para se vincular deus e felicidade é como se segue: todo ser
humano naturalmente deseja o bem, o objeto da felicidade. Deus é a bondade
última e auto-suficiente. Portanto, toda pessoa naturalmente deseja deus como
um corolário de sua natureza como ser humano. A felicidade divorciada de deus é
uma contradição em termos.
A partir desta dúbia linha de pensamento, temos a posterior conclusão de que o
ateu está lutando com frustrantes conflitos internos. Ele deseja a felicidade
mas, ao negar deus, nega a felicidade a si próprio. O ateu de alguma forma está
travando uma guerra contra si próprio, contra sua própria natureza – e isto o
torna neurótico, se não esquizofrênico.
Esta psicologia teológica é o freudismo invertido. Enquanto religionistas têm
sido incomodados pelas tentativas dos psicólogos para reduzir o teísmo a
motivações neuróticas, esses teístas não hesitam em empregar a mesma técnica em
sua vantagem contra os ateus. Quando o teísta anuncia sua crença num ser sobrenatural,
ele normalmente compreendido por suas palavras. Quanto o ateu anuncia sua
descrença em deus, entretanto, ele é freqüentemente confrontado com: “Oh, não
verdadeiramente!” Ou: “É uma pena que você seja tão infeliz”. Ou: “Espero que
sua atitude negativa em relação à vida mude”.
O ateu também encontra sua
descrença analisada com relação à sua idade. Se o ateu é jovem, sua descrença é
atribuída à sua rebeldia e imaturidade – uma “fase” que com alguma sorte
passará. Se o ateu é um homem de meia-idade, sua descrença é vinculada à
frustração da rotina diária, ao amargor do malogro ou à alienação de si próprio
e seu semelhante. Se o ateu é idoso, a explicação está na desilusão, no cinismo
e na solidão que às vezes acompanham os últimos anos.
Contrariamente ao que muitos teístas gostam de acreditar, ateísmo não é uma
forma de rebelião neurótica ou doença mental. O religionistas não pode livrar o
mundo dos ateus confinando-os num asilo isolado onde podem ser ignorados.
Rotular o ateísmo como um problema psicológico é uma febril e quase risível
tentativa de evadir as questões fundamentais da verdade e falsidade. O teísmo é
verdadeiro? Que motivos temos para acreditar em um Deus? Essas são
perguntas importantes, e essas são as perguntas que o teísta deve fazer a si
próprio se deseja confrontar o desafio do ateísmo.
Ademais, há uma grosseira desonestidade envolvida em se oferecer a felicidade
como um motivo para se acreditar num deus. Os teístas que apelam à felicidade
como uma recompensa para a crença demonstram uma chocante desconsideração à
intelectualidade e à busca pela verdade. Mesmo se o teísmo conduzisse à
felicidade (o que ele não faz), isso não demonstraria sua veracidade. A
psicologização do ateísmo, deste modo, é irrelevante à questão do teísmo versus
ateísmo. O teísta que tenta derrotar o ateísmo subordinando a verdade ao
emocionalismo não consegue coisa alguma, senão revelar seu desprezo pela
capacidade de pensamento humana.
VII
A Significância do Ateísmo
Poder-se-ia objetar que reduzimos o ateísmo a uma trivialidade. Não é uma
crença positiva e não oferece quaisquer princípios construtivos, então que
valor possui? Se o ateísmo pode ser comparado em não se acreditar em elfos
mágicos, então por que é importante? Por que devotar um livro inteiro a um
assunto trivial?
O ateísmo é importante porque o teísmo é importante. O assunto de deus não é
uma questão remota e abstrata com pouca influência sobre a vida dos homens.
Pelo contrário, é a essência da religião Ocidental – especificamente, da
tradição judaico-cristã –, que inclui um sistema de doutrinas que lida com
todos ramos principais da filosofia.
Se alguém acredita, como eu acredito, que o teísmo não é apenas falso, mas
também pernicioso ao homem, então a escolha entre teísmo e ateísmo assume uma
grande importância. Se considerado puramente como uma idéia abstrata, o teísmo
pode ser dispensado sem discussões prolongadas. Mas, quando considerado dentro
do contexto apropriado – dentro do vigamento de sua significância história,
cultural, filosófica e psicológica –, a questão de deus está entre os assuntos
mais cruciais de nosso tempo.
Se, milhares de anos atrás, um culto de adoradores de elfos tivesse originado
um conjunto de doutrinas, uma religião, baseada em sua crença nos elfos – e se
essas doutrinas fossem responsáveis por extensos danos –, então este livro
talvez pudesse ser intitulado O Caso Contra os Elfos. Historicamente,
entretanto, deus foi mais atraente que os elfos, então em vez disso estamos
discutindo O Caso Contra Deus.
Apesar de o ateísmo possuir caráter negativo, ele não precisa ser destrutivo.
Quando usado para erradicar a superstição e seus efeitos nocivos, o ateísmo é
uma perspectiva benevolente e construtiva. Ele purifica o ar, deixando a porta
aberta para os princípios positivos e filosofias que se baseiam não no
sobrenatural, mas na capacidade do homem de pensar e compreender.
A religião teve o desastroso efeito de colocar conceitos de importância vital –
como a moral, a felicidade e o amor – num reino sobrenatural inacessível à
mente e ao conhecimento humanos. A moral e a religião tornaram-se tão
entrelaçadas que muitas pessoas não podem conceber uma ética divorciada de
deus, mesmo em princípio – o que conduz à assunção de que o ateísta veio para
destruir valores.
O ateísmo, entretanto, não é a destruição da moral; é a destruição da moral
sobrenatural. Similarmente, o ateísmo não é a destruição da felicidade e do
amor; é a destruição da idéia de que a felicidade e o amor podem ser alcançados
apenas em outro mundo. O ateísmo traz estas idéias de volta à Terra, ao alcance
da mente humana. O que ele faz com elas após este ponto é uma questão de
escolha. Se ele descartá-las em favor do pessimismo e do niilismo, a
responsabilidade está com ele, não com ateísmo.
Suprimindo qualquer possível apelo ao
sobrenatural – o que, em termos de conhecimento humano, significa o
incognoscível –, o ateísmo exige que questões sejam discutidas através da razão
e do entendimento humano; elas não podem ser empurradas para um deus
misterioso.
Se o ateísmo está correto, o homem está sozinho. Não há deus para pensar por
ele, para olhar por ele, para garantir sua felicidade. Essas são
responsabilidades somente do homem. Se o homem deseja conhecimento, deseja
pensar por si próprio. Se o homem deseja sucesso, precisa trabalhar. Se o homem
deseja felicidade, deve esforçar-se para alcançá-la. Alguns homens consideram
um mundo sem deus uma visão aterrorizante; outros vêem como um desafio
revigorante e divertido. Como uma pessoa irá reagir ao ateísmo depende apenas
dela própria – e o grau em que está disposta a assumir a responsabilidade por
suas próprias escolhas e ações.
VIII
O Teísmo na Defesa
A tarefa de desmitificar o ateísmo agora está suficientemente completa, e
chegou a hora de se colocar o ônus da defesa no lugar apropriado: sobre o
teísta. Não estaremos mais preocupados em resgatar o ateísmo da neblina de
mal-entendidos inventados pelos religiosos para obscurecer as questões
fundamentais. O ateu não é obrigado a responder afirmações arbitrárias,
assunções sem comprovação e generalizações grosseiras relacionadas à natureza e
às conseqüências da posição ateística. O ateísmo é a ausência da crença em um
deus, nada mais. Se o teísta deseja derivar implicações monumentais desta
ausência de crença, deve argumentar em favor de suas alegações.
Sem o recurso da depreciação do ateísmo através da mitologia e da calúnia, o
teísta é privado de suas maiores ferramentas evasivas. Agora ele é levado a
encarar os fatos, a apresentar suas crenças de modo inteligível e argumentar
pela veracidade destas. É o ateu que exige a prova do teísta, não o oposto.
Antes de proceder, é necessário oferecer algumas observações preliminares
concernentes à natureza de nossa investigação. O conflito entre teísmo e
ateísmo centra-se na existência ou inexistência de um deus. A questão envolve
duas grandes ramificações da investigação filosófica: metafísica e
epistemologia.
A metafísica é o estudo da realidade, da existência como tal – em contraste com
os estudos especializados da existência, como a física (matéria inanimada) e a
biologia (entidades viventes). A metafísica lida com conceitos como matéria,
consciência e causalidade.
A epistemologia é o “estudo ou a teoria da origem, natureza, métodos e limites
do conhecimento”. A epistemologia lida com conceitos como veracidade,
falsidade, certeza e erro.
Teremos freqüentemente ensejo para fazer referências às implicações metafísicas
e epistemológicas da crença teística, então pede-se que o leitor mantenha estas
categorias em mente. “O que existe?” é uma questão da metafísica. “Como alguém
o conhece?” é uma questão da epistemologia.
Ao longo da maior parte deste livro estaremos preocupados com uma questão, e
uma questão apenas: O teísmo deve ser aceito como verdadeiro? Em última
análise, esta é a única questão importante. Após responder esta questão, iremos
explorar as implicações éticas e psicológicas da crença religiosa, mas essas
áreas são secundárias à questão básica da veracidade.
O teísmo agora está na defesa; ele pode apenas destruir o ateísmo através da
defesa da crença em um deus. Se sua defesa falhar, o teísmo falha – e o ateísmo
emerge como a única alternativa racional.
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