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sábado, 2 de março de 2013

PALESTRA PROFERIDA POR SAM HARRIS




Bem, é uma grande honra está aqui.

Parece que eu e meus colegas Christopher e Dan, estamos aqui para argumentar contra Deus, no estado que acabo de saber que é o mais religioso de seu país.

Estou encorajado pelo número de mãos levantadas.

Só quero garantir para os que estão aqui, que forem religiosos, que nossa intenção não é ofendê-los nesta manhã.

Contudo, vou pagar sua hospitalidade dizendo exatamente o que penso sobre religião.

Sou alguém que passou os últimos dois anos criticando a fé religiosa.

Eu me familiarizei bastante no modo como pessoas de fé defendem seus Deus.

Na verdade não existe muitas maneiras de se fazer isso. Parece haver somente três.

Ou você argumenta que uma religião específica é verdadeira, ou você argumenta que ela é útil, ou você ataca o ateísmo como intolerante, ou ainda que corrói valores humanos.

A única linha de argumento que a valida a esse debate ou na verdade qualquer debate, sobre a validação da religião, é o argumento que a religião é verdadeira, e não se uma religião específica é verdadeira, porque obviamente todas não podem ser verdadeiras.

Nosso oponente aqui representam duas fés diferentes e mutuamente incompatíveis.

Jesus foi o Messias?

O rabino Dinesh, provavelmente não vai concordar nesse ponto.

Como Bertrand Roussel apontou há mais de 100 anos, mesmo que soubéssemos que uma religião era verdadeira, perfeitamente verdadeira, pela multiplicidade dos fiés, dada a sua incompatibilidade mútua, todos os crentes, deveriam esperar a danação eterna, simplesmente como questão de probabilidade.

Antes que eu me aprofunde na questão de verdades religiosas, eu quero ilustrar quão confusa a pessoa deve ser para argumentar que é razoável acreditar em Deus, porque a religião é útil, ou porque dá sentido a vida, ou porque faz as pessoas moralmente mais corretas do que seriam sem ela, como o rabino sugeriu, ou porque fazem essas pessoas mais felizes, enfim qualquer benefício que você possa imaginar da religião.

Imagine que você está andando na rua e encontre um velho amigo.

Ele parece extremamente feliz e você perguntas quais as novidades. E ele lhe diz que tudo mudou na vida dele, no dia em que percebeu que estava destinado a casar com Angelina Jolie.

Pode ocorrer a você perguntar o porque ele acredita nisso. Afinal Angelina Julie é uma das mais famosas e bela mulher do planeta, não por acaso ela é casada com Brad Pitt, e eles tem algo em torno de 27 filhos a essa altura.

E se o seu amigo, sentindo seu ceticismo, dissesse “você não entende, essa crença da sentido a minha vida. Eu sei que meu propósito de vida é ser marido de Angelina Jolie”.

Se seu amigo dissesse “essa crença me faz uma pessoa melhor, eu sou agora incrivelmente gentil com crianças”, antecipando que terá que criar os filhos de Angelina quando Brad for embora.

E se seu amigo dissesse “você pode acreditar no que quiser, mas eu não quero viver em um universo em que eu não me case com Angelina Jolie”.

Deve ser muito claro a esse ponto, que seu amigo perdeu o juízo. Ele é provavelmente uma pessoa perigosa e esse é precisamente o tipo de conversa que passa por conhecimento em círculos religiosos e pode tentar passar por conhecimento aqui.

Certamente o argumento da moralidade é desse tipo.

Crenças não são como vestuário. Conforto, utilidade e beleza, não podem ser nossos critérios conscientes para adotá-la.

Para acreditar numa proposição, você tem que crer que há boas razões para acreditar. E o efeito que essa crença vai ter na sua vida não pode está entre essas razões.


E isso que é ter o julgamento turvado por um viés.

É por isso que temos expressões como “wyshfull thinking” e “self Deception”.

Acreditar que há um Deus e também acreditar que você tem tal relação com sua existência, que se ele não existisse você não acreditaria.

Como a suposta utilidade da religião se encaixaria nesse esquema?

Não se encaixa!



Reornemos à questão da verdade. É muito comum as pessoas dizerem que não há conflito entre religião e ciência, porque elas se relacionam com assuntos diferentes. E isso é uma mentira.

Religião e ciência ambas fazem afirmações sobre como o mundo é. E fazem afirmações incompatíveis sobre a realidade e elas fazem tais afirmações baseadas em padrões muito diferentes de evidências e maneira de argumentar.

Deveria se muito claro que há um conflito, um conflito perfeito entre exigir boas evidências para o que você acredita e estar satisfeito com uma evidência ruim, ou com nenhuma evidência.

Então religião e ciência conflitam porque não há como separar as verdades de ambas.

A afirmação de que Jesus nasceu de uma virgem, é a afirmação central do cristianismo, e também é uma afirmação sobre biologia. A afirmação de que ele ressuscitou dos mortos, é uma afirmação sobre história. E é uma afirmação sobre sobrevivência humana à morte. É aparentemente uma afirmação sobre o voou humano sem a ajuda da tecnologia.

Judeus, cristãos e muçulmanos, discordam de muitas coisas, mas todos concordam que no dia do juízo final, toda pessoa que já viveu vai ressuscitar fisicamente.


Quais leis da física isso violaria?

Nós sentimos tentados a dizer todas!

Se as afirmações básicas das religiões são verdadeiras, a ciência é tão cega para essa realidade oculta, e as leis da natureza não são suscetíveis a essas modificações sobrenaturais, que torna toda empreitada da ciência ridícula.

Se, por outro lado, as afirmações básicas das religiões são falsas, a maioria das pessoas desse planeta está profundamente confusa sobre a natureza da realidade. E envolvidos por medos e esperanças irracionais.

E muitas pessoas desperdiçam suas vidas e espalham essa ilusão, na maioria das vezes com resultados trágicos. Parece-me que nenhuma pessoa que pense pode ficar indiferente entre os dois lados dessa dicotomia.

Costuma se a imaginar que descrente como eu, deve está, em princípio, fechado a vida espiritual.

Isso não é verdade, você pode ter uma vida ética e espiritual profunda, sem mentir para si mesmo, ou a seus filhos, sobre a natureza da realidade.

Sem fingir saber coisa que você não sabe. Não há nada que impeça um descrente de experimentar o êxtase e o amor transcendente, arrebatamento e admiração.

Na verdade não há nada que impeça um descrente de ir a uma caverna e praticar meditação, por um ano como os místicos.

O que os descrentes não costumam fazer são afirmações injustificadas e injustificáveis, sobre a natureza do cosmo e sobre a origem divina de certos livros, na base dessas experiências.

Essa é uma diferença que faz notar.

Eu quero sugerir, que o quer que seja verdade sobre nossas circunstâncias em termo de ética e espiritualidade pode ser descoberto agora e pode ser ensinado numa linguagem compatível com nosso crescente entendimento científico do mundo e da mente humana.

Quaisquer descobertas que ainda estão para ser feitas para maximizar o bem-estar humano, podem ser discutidas em uma linguagem que não é completa afronta a tudo que aprendemos nos últimos 2000 anos.

E se filiar uma religião da Idade do Ferro, como cristianismo, judaísmo e islamismo, é fazer uma afirmação tácita de que isso é impossível, e que não há, de fato, uma maneira de entender nossas circunstâncias, usando as ferramentas do nosso entendimento moderno do mundo.

E que algumas medidas de superstição é necessária, alguma medida dessa mitologia, e que nós temos que mentir um pouco. A questão é que podemos depositar nossa confiança apenas num diálogo humano. E a questão é você quer depositar em um diálogo do século XXI, onde temos toda a literatura e ensinamentos do mundo disponíveis, ou você quer depositar num diálogo do século do século I ou século VII, como preservado em um dos nossos livros sagrados?



Muito obrigado.



Sam Harris


domingo, 24 de fevereiro de 2013

A RELIGIÃO FAZ MAL AO MUNDO
















Dependendo do ângulo em que é observado, o filósofo americano Sam Harris, de 40 anos, exibe uma des-concertante semelhança física com o ator Ben Stiller, mas seu trabalho nunca está para comédias. Junto com o biólogo inglês Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio, Sam Harris é um dos mais ativos militantes contra as religiões. 

Em 2005, nos Estados Unidos, ele lançou O Fim da Fé e ficou mais de trinta semanas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Neste ano, produziu um novo best-seller com críticas à religião. Com 91 páginas, Carta a uma Nação Cristã, já lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é um compêndio em defesa do ateísmo. 

É redigido com uma linguagem tão cortante e argumentos tão implacáveis que, por vezes, roça o panfletário, mas dá seu recado com clareza absoluta. O filósofo bate em cada um dos pilares da fé e conclui: "A religião agrava e exacerba os conflitos humanos muito mais do que o tribalismo, o racismo ou a política". Ele deu a seguinte entrevista:

O movimento dos ateus é forte nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente. É uma decorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001?

                Vejo dois motivos simultâneos para essa confluência geográfica: os atentados de 11 de setembro e a escancarada religiosidade do governo de George W. Bush. A conjunção desses dois fatores levou muitas pessoas a se preocupar com o fato de que a fé está agora dos dois lados do balcão. Esse é um jogo altamente perigoso.

Por quê?

               A fé é, intrinsecamente, um elemento que, em vez de unir, divide. A única coisa que leva os seres humanos a cooperar uns com os outros de modo desprendido é nossa prontidão para termos nossas crenças e comportamentos modificados pela via do diálogo. A fé interdita o diálogo, faz com que as crenças de uma pessoa se tornem impermeáveis a novos argumentos, novas evidências. A fé até pode ser benigna no nível pessoal. Mas, no plano coletivo, quando se trata de governos capazes de fazer guerras ou desenvolver políticas públicas, a fé é um desastre absoluto.

O senhor acha que o mundo seria melhor sem religião, sem fé, sem crença em Deus?
 
Seria melhor se não houvesse mentiras. A religião é construída, e num grau notável, sobre mentiras. Não me refiro aos espetáculos de hipocrisia, como quando um pastor evangélico é flagrado com um garoto de programa ou metanfetamina, ou ambos. Refiro-me à falência sistemática da maioria dos crentes em admitir que as alegações básicas para sua fé são profundamente suspeitas. É mamãe dizendo que vovó morreu e foi para o céu, mas mamãe não sabe. A verdade é que mamãe está mentindo, para si própria e para seus filhos, e a maioria de nós encara tal comportamento como se fosse perfeitamente normal. Em vez de ensinarmos as crianças a lidar com o sofrimento e ser felizes apesar da realidade da morte, optamos por alimentar seu poder de se iludir e se enganar.


É possível conciliar ciência e religião?

A diferença entre ciência e religião é a diferença entre ter bons ou maus motivos para acreditar nas hipóteses sobre o mundo. Se houvesse boas razões para crer que Jesus nasceu de uma virgem ou que voltará à Terra, tais proposições fariam parte de nossa visão racional e científica do mundo. Mas, como não há boas razões para acreditar nisso, quem o faz está em franco conflito com a ciência. É claro que as pessoas sempre acham um modo de mentir para elas mesmas e para os outros. A estratégia, nesse caso, é dizer que tal crença decorre da fé. Com freqüência, ouvimos dizer que não há conflito entre razão e fé. É o mesmo que dizer que não há conflito entre fingir saber e realmente saber. Ou que não há conflito entre auto-engano e honestidade intelectual.


Haverá o dia em que a humanidade deixará de ter fé ou a fé faz parte da natureza humana?

O desejo de compreender o que se passa no mundo é inato, assim como o desejo de ser feliz, de estar cercado por pessoas que amamos ou o desejo de ser mais feliz, mais carinhoso, mais ético no futuro. Mas nada disso nos obriga a mentir para nós mesmos, ou para nossos filhos, a respeito da natureza do universo. É claro que nossa compreensão do universo é incompleta e desconhecemos a extensão exata de nossa ignorância. Não temos como antecipar as maravilhosas descobertas que serão feitas. O que sabemos com absoluta certeza, aqui e agora, é que nem a Bíblia nem o Corão trazem nossa melhor compreensão do universo.


Mas nem a Bíblia nem o Corão se pretendem um manual científico para entender o mundo?
 
Esses livros não são sequer um guia sobre moralidade que possamos considerar minimamente adequado, e falo de moralidade porque é um campo em que ambos se consideram exemplares. A Bíblia e o Corão, por exemplo, aceitam a escravidão. Qualquer um que os considere guias morais deve ser a favor da escravidão. Não há uma única linha no Novo Testamento que denuncie a iniqüidade da escravidão. São Paulo até aconselha aos escravos que sirvam bem aos seus senhores e sirvam especialmente bem aos seus senhores cristãos. É desnecessário dizer que a Bíblia e o Corão, além de não servir como guias em termos de moralidade, também não são autoridade em física, astronomia ou economia.

Que tipo de impacto seu livro pode ter sobre os leitores religiosos?
 
Eu ficaria feliz se o livro levasse os leitores a se perguntar por que, em pleno século XXI, ainda aplaudimos pessoas que fingem saber o que elas manifestamente não sabem nem podem saber. Não há uma única pessoa viva que saiba se Jesus era filho de Deus ou se nasceu de uma virgem. Na verdade, não há uma pessoa viva que saiba se o Jesus histórico tinha barba. No entanto, em muitos países é uma necessidade política simular que sabemos coisas sobre Deus, sobre Jesus, sobre a origem divina da Bíblia. Imagino que qualquer pessoa religiosa que leia Carta a uma Nação Cristã com a cabeça aberta descobrirá que os argumentos usados contra a fé religiosa são absolutamente irrespondíveis. Isso deve ter algum efeito sobre o modo de ver o mundo dos leitores. Eles certamente vão perceber que ser um cristão devotado faz tanto sentido quanto ser um muçulmano devotado, que, por sua vez, é tão lógico quanto ser um adorador de Poseidon, o deus do mar na Grécia antiga. É hora de falarmos sobre a felicidade humana e nossa disponibilidade para experiências espirituais na linguagem da ciência do século XXI, deixando a mitologia para trás.

O Brasil é um país aparentemente tolerante com as diferentes religiões e conhecido pelo sincretismo religioso. Num país assim, é mais fácil ou mais difícil para o ateísmo crescer?
 
Em certo sentido, deve ser mais fácil. O convívio intenso de crenças inconciliáveis deve levar as pessoas a compreender que tais crenças são produtos de acidentes históricos, são contingenciais, são criadas pelo homem e, portanto, não são o que pregam ser. Judeus e cristãos não podem estar ambos certos porque o núcleo de suas crenças é contraditório. Na verdade, eles estão equivocados sobre muitas coisas, exatamente como estavam antes os adoradores dos deuses egípcios ou gregos. Ou os adoradores de milhares de deuses que morreram durante a longa e escura noite da superstição e da ignorância humana. Em qualquer lugar que os seres humanos façam um esforço honesto para chegar à verdade, nosso discurso transcende o sectarismo religioso. Não há física cristã, álgebra muçulmana. No futuro, não haverá nada como espiritualidade muçulmana ou ética cristã. Se há verdades espirituais ou éticas a ser descobertas, e tenho certeza de que há, elas vão transcender os acidentes culturais e as localizações geográficas. Falando honestamente, esse é o único fundamento sobre o qual podemos erguer uma civilização verdadeiramente global.