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sábado, 10 de junho de 2017

SERMÕES DA MONTANHA




Tomaz da Fonseca
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Excertos

"... Sempre que uma grande e luminosa descoberta fornece benefícios aos mortais, facilitando e adoçando a vida, logo surgem os padres nos púlpitos, condenando-a como obra contra Deus e contra a fé de nossos pais.


Foi deste modo que perseguiram, sacrificaram e desonraram (quantos morreram cobertos de ignomínia e de miséria irresgatável!) Copérnico, que descobrira o movimento da Terra; Newton e La Place, que ensinaram o sistema do mundo; Franklin e Dawis, que abrigaram do raio e das explosões do grisu; Galvani e Volta, que revelaram as correntes eléctricas, hoje dominadoras do mundo; Wheratstone e Morse, que, por meio do telégrafo, fizeram voar o pensamento com a velocidade dum raio... Perseguiram Bacon e Descartes, ultrajaram Look e Espinosa. Le Bon, que iluminou as cidades a gás, foi obrigado a emigrar; Galileu, que nos legou o termómetro, a balança hidrostática e nos revelou o movimento da Terra, foi agarrado e torturado pelo dedo de Deus, nesse tempo ao serviço da Inquisição; Rousseau, que nos ensinou a arte de educar as crianças, foi um dos homens mais perseguido e mais repetidas vezes condenado pela igreja.


Filhos do diabo eram também Quinguet, autor dos candeeiros; Mariotte, dos manómetros; Paulino de Campânia, dos sinos; Finiguerra, da gravura a buril; Dombarle, da charrua; Senefelder, da litografia. Filhos do Diabo foram ainda Pironet, que descobriu a bomba; Sauvage, a hélice; Margraf, o açúcar de beterraba; Fresman, a borracha; Cromston, a fiação mecânica; Robert, a máquina de fabricar papel; Filipps, o sino de mergulhar; Fresnel, os faróis das costas; Deville, o alumínio; Soubeiram, o clorofórmio; Deschamps, a lâmpada económica; Vaucauson, os autómatos; Filippe Chiese, as diligências; Otho Guericke as máquinas pneumáticas; Fischer, as bombas de incêndio; Montgolfier, o carneiro hidráulico; E. Adour, o alambique, Gay Lussac, o alcoómetro; Lee, as pontes pênsis; Baptista Chambrai, a cambraia, e os esposos Curie, o radium. Nenhum deles teve jamais as atenções da Igreja para outro fim que não fosse a perseguição, a calúnia, o extermínio.


Lincoln, que pacificou a América, e Garibaldi, que libertou a Itália, eram dois filhos do Inferno, às ordens de Satanás"...

Montalembert e Lamenais, que defenderam a liberdade da Ciência e a supremacia do livre-exame, foram anatematizados pelo Papa, como inimigos da Verdade. Entre nós: quantas vítimas inocentes, sacrificadas em nome desse Deus? Lembro apenas duas: Damião de Gois, glória de Portugal, condenado pela Inquisição a apodrecer no fundo de um cárcere abominável; e Alves Martins, bispo de Viseu e ministro de Estado, que dava tudo aos pobres, que não tinha guarda-roupa nem cruz de brilhantes, morreu amaldiçoado pela Igreja, chegando os seus próprios colegas a negar-lhe uma missa, a missa fúnebre, a missa que se diz a toda a gente!

À vista destes factos, quais são as obras de Deus? Quais os seus homens? Quem manda ele para nos dirigir e resgatar? Inácio de Loiola, que ensinou à Humanidade a arte de sofrer e ser cadáver; Torquemada, que inaugurou a Inquisição da Espanha, encarcerando, degolando e queimando muitos milhares de cidadãos prestantes; Carlos 9º e Catarina de Médicis, que, em uma noite apenas, cobriram de sangue as ruas de Paris, matando e afogando cegamente o seu povo indefeso; Pedro, o Eremita, e Urbano 2º, os fautores das Cruzadas, onde morreu, com fomes, febres e guerras inúteis, a flor da mocidade de toda a Europa; o patriarca S. Domingos, que fundou o mais tenebroso e sanguinário dos tribunais - a Inquisição -; Simão de Monfort, que massacrou os albigenses, gente simples e de bons costumes que havia numa província ao sul da França; e o abade Citeaux, que nessa guerra de extermínio mandava matar indistintamente velhos e moços, mulheres e crianças, culpados e inocentes, alegando que Deus saberia distinguir os ímpios dos católicos, chegando, desse modo, e num só dia a massacrar 60.000!... Três pessoas distintas, mas todas elas realizando o pensamento e a obra do deus Verdadeiro.


Os soldados do general russo Anhalt, quando atiravam ao ar com as crianças turcas, aparando-as em seguida na ponta das lanças, faziam-no em nome de Deus, entre orações e missas. Igual procedimento tinham os companheiros de Fernão Mendes Pinto, quando, no Oriente, queimavam, gotejando sangue no meio dos incêndios.


Filhos de Deus foram também o frade Jacques Clement e Ravaillac, que apunhalaram respectivamente os reis de França Henrique 3º e 4º, este último o bom, o justiceiro, o laborioso e grande Henrique. Filhos de Deus eram os papas Sérgio 3º, que teve de Marosia um filho adulterino, mais tarde o papa João 11º, que, tendo roubado em Nápoles uma mulher ilustre, viveu depois com ela, publicamente amancebado; Alexandre 6º, que teve de Vanosia, dama romana, quatro filhos e uma filha, e dava banquetes às prostitutas e envenenava os seus inimigos; Paulo 3º que passava o melhor do seu tempo a gerar filhos, que depois elevava a cardeais; Júlio 3º que tinha por amante um lindo moço, de que fez um pequeno cardeal; João 22º, que, mediante 80 soldos pagos à Santa Sé, consentia que os leigos dormissem com as mães e irmãs, e por pouco mais os pais com as filhas; que permitia aos diáconos o assassínio com as condições de darem 240 soldos; aos bispos e aos abades um pouco mais abonados, o direito de apunhalarem o semelhante, se dessem 300 libras."


"Pois são factos há muito averiguados e bem conhecidos dos que estudam e lêem. Mas se ainda fosse só isso!... Que pensaríeis então se vos dissesse, por exemplo, que só uma das obras de Deus, as tais cruzadas à Terra Santa, custaram inutilmente a vida a dois milhões de crentes? Que direis que só desde o papado de Leão 10º a Clemente 9º, os carrascos zelosos da fé, espalhados pela França, Holanda, Alemanha, Flandres e Inglaterra; a Saint-Barthelemy, os missionários da Vendea, de Cevennes, da Irlanda, queimaram degolaram e massacraram para cima de outros dois milhões de seres humanos?

Las Casas, bispo espanhol e testemunha ocular de muitas perseguições e autos de fé, atesta que só na América, se imolaram a Deus, por imposição do clero, dose milhões de indígenas! As guerras religiosas do Japão, provocadas pelos missionários europeus, que iam propagar o catolicismo, custaram o melhor de 400.000 vidas! E à sua parte, a Inquisição, no resto dos países, fez queimar igual número de pessoas, sob o pretexto de heresia ou de fé morta.

Os massacres de Meridol e Cabrières são também dignos de Deus: 22 grandes bairros incendiados, crianças de peito lançadas às chamas, jovens desfloradas e cortadas aos bocados, pobres velhas sem préstimo obrigadas a arrastar-se por cima de brasas vivas, tendo cheios de pólvora os orifícios da maternidade e do anus; os maridos, os pais, os irmãos, tratados pouco mais ou menos da mesma sorte; tudo isto junta mais ao rol de Deus o melhor de 18.000 vidas! A guerra religiosa, que se seguiu ao suplício de João Huss e Jerónimo de Praga, custou 150.000 existências. E, no século 14, o grande cisma do Ocidente cobriu a Europa de cadáveres, pois nada menos de 50.000 foram as vítimas dessa raiva papal.


As cruzadas contra os imperadores, desde Gregório 7º, roubaram à Europa 300.000 homens, pelo menos. Nas dos frades cavaleiros (porque também esses tiveram as suas cruzadas) que desbastaram todas as terras marginais do Báltico, os sacrificados não ficaram abaixo dos 100.000. Igual número sucumbiu na cruzada contra o Languedoc, largo tempo coberto pelas cinzas das fogueiras. As guerras movidas pelos papas e bispos entre si custaram 20.000. A imperatriz Teodora, viuva de Teófilo, em cumprimento da penitência imposta pelo seu confessor, fez massacrar 120.000 maniqueus, em 845. As querelas religiosas entre iconoclastas e iconólatras, eliminaram mais de 60.000 vidas. As disputas sobre a consubstancialidade, em matéria de sacramentos, desbastaram muitas províncias, sendo mais de 300.000 cristãos degolados e queimados por outros igualmente cristãos. E como estas outras vítimas: como estes outros atentados, iníquos, monstruosos!"


Que leia por exemplo, as páginas que tratam do ano mil. Ah! os falsos pavores dessa era terrível, que tantas desgraças e tão grande retrocesso social motivaram no mundo! Foi isso, como digo, no ano mil da nossa era. A igreja e com ela toda a cristandade, clamava que fizessem penitência, porque Deus ia dar fim ao mundo. Pois bem, Deus, que sabia tudo, Deus, que todos os dias falava com os seus padres, e estes que toda a hora recebiam, possuíam a Deus, nenhum disse a verdade às multidões. Deus consentiu que os homens deixassem de cultivar os campos, construir as casas, abrir estradas, educar a mocidade, amar e procriar, ordenando-lhes apenas que rezassem, chorassem e morressem de dor, esterilmente, como lobos famintos num deserto! E isto, durante anos e anos!


Muitos, para não assistirem à pavorosa e universal catástrofe, iam afogar-se nos rios, asfixiar-se nas adegas, abrasar-se nos fornos e, quantos, quantos, não foram sepultar-se vivos, em fundas valas e em negras cavidades subterrâneas! Tudo era desolação e morte, na expectativa , desse fim, E Deus viu tudo, Deus quis tudo, e a Igreja a tudo assistiu, como executora dos mandatos divinos.


Pois bem, todas essas lágrimas essas mortes, essas sepulturas vivas, esses ventres estéreis e, principalmente, esses irreparáveis retrocessos intelectuais, morais e económicos, tudo isso se teria evitado se Deus quisesse ser, por um instante que fosse, não digo já pai amantíssimo, mas simplesmente juiz consciencioso, alma de bom sentir e bom querer. Bastava que dissesse ao seu vigário na Terra uma palavra só; bastava um gesto, um aceno, e tudo se teria remediado e evitado. Mas não quis. E ate parecia ser ele o primeiro a sentir e a confessar o medo. Pois o ano mil passou e tudo continuou como dantes menos as terras e outros bens da gente ignara e simples, que passaram a posse dos conventos.


Duvidais também, porventura, das fomes, dos incêndios e das pestes, que no século 17 encheram de luto o mundo inteiro?


Só nas ruas de Londres, em 1664, caíram 50.000 ingleses fulminados pelas epidemias. Para cúmulo de infortúnio, sobreveio, depois, um tão formidável incêndio, que destruiu quase toda a cidade. E na França, ainda o quadro de luto e de miséria foi mais horrorizante. Do alto do seu trono de nuvens, Deus viu a Franca, agonizando com a cólera; viu morrer, viu pedir misericórdia, e ficou mudo, e conservou-se inerte! Ruas inteiras, bairros completes das mais populosas cidades ficaram desertos e sem vida. E quando, à noite, nas ruas, onde a vida palpitava ainda, alguém passava, acossado de pânico, via constantemente abrirem-se janelas, onde caía um corpo, fechando-se em seguida, muitas vezes para não mais se abrirem. De espaço a espaço, passava pelas ruas o carroção lutuoso e sinistro, que recolhia os mortos e seguia para a vala comum. Por fim não havia já quem os enterrasse. Os corpos eram lançados fora, ao acaso, por todos os pontos da cidade, e assim ficavam, decompondo-se, à vista de Deus, que lá das cumeadas do Infinito se estava revendo e regalando com a perfeição da sua obra.


E o Diabo? Esse não se esquece nunca do bem que precisamos, e por isso nos manda de pronto os seus agentes - Apolónio, Galeno, Gutenberg, Watt Palissy, Lavoisier - recomendando-lhes sempre que trabalhem e lutem no sentido do Bem e da Verdade, comuns a todo o ser criado; que sejam moderados, económicos, magnânimos e justos, a fim de podermos e sabermos, para que mutuamente nos amemos e libertemos da dor e da miséria, até que um dia possamos realizar o nosso grande sonho de beleza, pairando, como águias, por sobre toda a imperfeição das coisas.


Que diferença, pois, entre o bom Deus e o mau Diabo, o qual, apenas pressente estas desgraças, estas crises morais e económicas, logo corre a chamar os seus amigos, a quem vai levar o segredo da maior felicidade, ensinando-Ihes a procurar o ferro, o ouro, a prata, o cobre e a platina; indica os bons terrenos, tanto os que produzem frutos, como os que encerram minas de hulha; marca os pontos onde a vida melhor se poderá viver e dilatar; aplica à indústria o carvão e o vapor, funde os metais, prepara enxadas e charruas. Foi ele que nos ensinou a domesticar o boi e o cavalo, que nos levou ao fundo das minas, aos grandes e inesgotáveis depósitos carboníferos; conduziu-nos através das florestas, desceu connosco ao fundo dos oceanos e, não farto de nos prestar todo este apoio, ajudou-nos ainda a erguer os muros e lançar os telhados da nossa habitação, preparou-nos os remédios na doença, evitou-nos as correntes de ar, as chuvas, as pestes, os tormentos contínuos, as misérias sem fim, e, finalmente, deu-nos a paz, a abundância, a liberdade e o sonho, a resignação e o amor.


E Deus maquinando na sombra! Que virá agora? Que nos dará ele em desconto do bem que o outro nos mandou ?- pergunta a cristandade suplicante, interroga o mundo em desalento ! Ah! dá-nos, por exemplo, o Santo Oficio, Inácio de Loiola e Torquemada, para que seja castigado e destruído esse povo rebelde, que assim tenta desobedecer-lhe, inventando artes de prosperar e ser feliz.


Mas o Diabo surge. E no ponto em que mais acesa encontra a guerra do Absoluto contra o Relativo, aí mesmo alicia os seus agentes. Enquanto um lança ao mar o seu navio, outro faz circular comboios, outro voa nos ares, como as águias do Cáucaso, o povo fraterniza, atenuando assim as cóleras de Deus. Emigra para novas terras, procura novos horizontes, sulca os mares, interna-se em florestas, ama, luta e é feliz, quanto pode sê-lo um perseguido do Infinito.


E Deus sempre descontente. De Roma chovem os anátemas, e os papas, seus intérpretes, ameaçam de morte a humanidade, exigindo suplícios, martírios, agonias. A sociedade clama? Tem fome de pão e sede de justiça? Deus não hesita, manda-a encarcerar, banir, privar dos sentidos, da alegria, do trabalho que redime, do amor que adoça e santifica as almas, do espírito que liberta as consciências, da luz que move o mundo e anima a vida.


E o Diabo contente, porque vê os homens cumprindo os seus deveres. E porque espera e crê na sua obra de resgate, leva-os às fabricas e às minas, ensina-lhes a tecer o linho, cardar a lã, canalizar o gás e a água, sanear as ruas e os pântanos, arborizar os montes, evitar os perigos, prever o tempo, conhecer os astros, anunciar os eclipses e redimir consciências, formando caracteres e organizando povos em comunas livres na livre comunhão de todo o bem. Pio 9º, esse filho de Deus, escreve o Sílabus! Condena humanidade à escravidão e à ignorância! Embora : não conseguirá realizar os seu s planos, porque o Diabo chama Garibaldi, Cavour e Mazzini e manda dar trabalho aos ociosos, pão aos famintos, escola aos ignorantes, património aos deserdados, paz aos perseguidos e felicidade aos miseráveis.


Mas para que vamos tão longe buscar factos que todos vimos já, perto da nossa porta? Lembram-se de quando, há anos, aqui caiu um raio que matou uma família inteira, à hora em que, no campo, preparava o pão de cada dia, abatendo também os bois com que lavravam a terra? Pois toda a gente, de um ao outro extremo do concelho, atribuiu a Deus essa calamidade irreparável. E quando tempos depois, aqui passou o comboio, a que já fizemos referência, comboio que nos conduzia à vida, ao trabalho, à liberdade, fazendo com que as nossas propriedades rendessem o dobro e a nossa produção tivesse mercado e venda pronta, todos disseram à uma: É o Diabo, é o Diabo! Por essa altura voltavam a perturbação e a dor ao coração do povo, sob a forma de cólera-morbus e varíola, que, caindo no seio das famílias, levou filhos e pais parentes e amigos. Debalde se fartaram todos de pedir a Deus misericórdia, para que suspendesse a cólera divina. Fizeram-se preces públicas, prometeram-se juntas de bois aos santos, tranças de cabelo virgem ás santas, romagens de joelhos ás ermidas, jejuns de um ano ao Santíssimo, e de nada valeu a nossa fé. Lembram-se bem não é verdade?...


...Deus, que nos ouve e nos vê decerto nos aplaude, pois está-nos fazendo o mesmo que tem feito aos que na Terra se dizem seus representantes... Querem vocês saber como ele usa assistir aos concílios e outras reuniões da Igreja? Em qualquer dessas assembleias, a que o papa assiste muitas vezes e onde estão cardeais, patriarcas, bispos e padres, ergue-se de lá um, muito solene, muito grave e, dirigindo-se ao espirito invisível, ao mistério, exclama Se Deus aprova, que se deixe estar. Por conseguinte, se o vosso receio é que Deus não esteja satisfeito connosco, digamos nós também, como esses padres, ao começar este serão: - Se Deus não está contente connosco, se não aprova as nossas intenções e decisões que vão seguir-se, que faça o favor de se manifestar, erguendo-se, falando, exteriorizando-se, enfim. ...Como vêem, Deus conforma-se, aprova as nossas decisões. Dá-nos o mesmo apoio que deu aos 318 bispos que, no ano 325, se reuniram em Niceia, para condenarem Ario, que negava a consubstancialidade do filho com o pai, o mesmo que deu aos 150 que, em 381, em Constantinopla, acrescentaram ao símbolo a palavra filioque, o mesmo ainda que deu aos 198 que, em Efeso, no ano de 341, se congregaram para condenar Nestório, que negara a União das duas naturezas em Cristo... Presta-nos o mesmo auxílio que prestou aos 135 bispos reunidos em Efeso, em 449, para excomungarem Flaviano e aplaudirem Eutiques; o mesmíssimo que prestou ainda aos 600 bispos do Oriente que, em 451, voltaram a reunir-se em Calcedónia para aprovarem agora o que haviam reprovado antes, excomungando Eutiques e louvando Flaviano... que morrera na Lídia, desterrado, abandonado, faminto e desonrado.


Deus, emudecendo aqui, junto a nós dá-nos as mesmas provas de amizade e protecção, que deu aos 150 bispos chamados a Constantinopla, em 553, para debaterem a poderosa questão dos três capítulos! Faz-nos a mesma justiça que fez aos 174 bispos reunidos no concílio de; Trulo, em 680, para condenarem o monoteísmo e proclamarem duas vontades em Cristo. (Quando, em 754 compareceram em Constantinopla 338 bispos a fim de condenarem o culto das imagens, anatematizando todo aquele que o defendesse, Deus, que estava tão presente como aqui, fez-lhes o mesmo que acaba de fazer-nos e o mesmo ainda que, 33 anos depois, lhes voltou a fazer, em novo concilio ecuménico, onde voltaram muitos daqueles que viviam ainda, a fim de ser restabelecido o culto das imagens, tão duramente excomungado antes e com à mesmíssima aprovação divina). Aplaude-nos, como aplaudiu os 319 bispos que no ano 861, se reuniram, sob a presidência de Focius, bispo de Siracusa, e com a assistência dos legados pontifícios, condenaram Inácio, patriarca de Constantinopla, bem como igualmente aplaudiu os bispos que, um ano depois, restabeleceram Inácio e excomungaram Focius, voltando ainda a excomungar Inácio e a louvar Focius com os bispos que de novo se juntaram, sempre de acordo com o papa e os seus legados.


Deus mostra por nós a mesma solicitude e carinho que mostrou em 867, aprovando as futuras decisões do grande concílio que em Constantinopla excomungou depois o papa Nicolau. A sua divina misericórdia assiste-nos, tão onipresentemente, como assistiu; ao papa Urbano 2º e seus súbditos, Placença e Clermont, no ano 1095, onde se decidiram e proclamaram as cruzadas. Dá-se aqui o mesmo que em 1074, quando Gregório 7º, cercado da sua corte e assistido, como nós, do Espírito Santo, condenou os padres simoníacos; o mesmo que, dois anos mais tarde, sucedeu em Worms, onde Deus deu a sua plena e incondicional aprovação aos bispos que depuseram o mesmo papa que, por sua vez, reuniu em Roma, na presença do mesmo Deus, 110 bispos, que tiveram licença para excomungar os promotores do concílio anterior. Deus, que logo se passou, indo aprovar e aplaudir as decisões daqueles bispos venerandos que, por sua vez, excomungaram e depuseram o papa, o qual foi obrigado a fugir, indo esconder-se na Torre de Santo Angelo, de onde fugiu, também, para ir morrer abandonado e inconsolável, na pequena Salerno! Esse Deus, justo e clemente, está junto de nós, afirmando-nos a sua adesão, tal como, no 4º concílio de Latrão, aos 71 primazes e metropolitas, aos 412 bispos e patriarcas, aos 800 abades e priores, além de muitos príncipes e embaixadores de vários reinos, que condenaram ao extermínio e à morte os desgraçados albigenses. E quando, mais tarde, o papa Clemente 7." excomungava o seu rival Urbano 7º , também papa, que por sua vez o excomungou a ele, era ainda Deus que presidia aos seus juízos, tal como está hoje presidindo aos nossos. Está aqui como esteve no concílio ecuménico de Pisa, onde, com a sua divina aprovação, foram excomungados os seus vigários infalíveis, Gregório 12º e Bento 13º. Está aqui e tão divinamente como esteve no célebre concílio em que João 22º foi obrigado a abdicar; em que, na sua 4ª e 5ª sessões, foi proclamada a supremacia dos concílios sobre os papas; em que na sessão 37ª, foi deposto o papa Bento 13, que o mesmo concilio havia eleito; e em que finalmente, foi condenado João Huss e Jerónimo de Praga, por haverem proclamado a suprema e única autoridade de Cristo sobre os papas eleitos a poder de dinheiro e capricho dos reis, pelo que se determinou fossem queimados vivos! E isto sempre sobre o olhar magnânimo do supremo Senhor, que, como aqui, não cessava de louvar e aplaudir esse procedimento!


Sim Deus aplaude a nossa obra, com a mesma veemência com que aplaudiu, por dezoito longos anos, a grande multidão de legados pontifícios, cardeais, patriarcas, arcebispos, abades, generais, príncipes e fiéis de todas as categorias, que no concilio de Trento estabeleceram o dogma do Purgatório, definiram a invocação dos Santos, o culto das imagens e relíquias, a doutrina das indulgências, acabando por condenar todos os livros que de algum modo pudessem instruir, esclarecer, aperfeiçoar e libertar a humanidade, ainda semi-cega dos terrores da Idade Media, em que os pregadores eram analfabetos e os santos se recusavam a aprender a ler e a lavar-se. Sim. Deus assiste à nossa obra com tão absoluta omnipresença como assistiu a Gregório 13 e ao seu sacro colégio, quando, em Roma, celebraram e mandaram celebrar festas de publico regozijo pela matança de S. Bartolomeu. Enfim, meus amigos, para terminarmos esta apresentação dos divinos poderes, Deus está tão presente à nossa assembleia, como estava, em 1869 à dos 747 bispos, que, na bastilha de S. Pedro, cheios de medo pelos destinos da Igreja, debateram o dogma da infalibilidade papal, dos quais, por sinal, só 535 o aprovaram, condenando assim a liberdade e a razão, pelo que foram obrigados a suspender as sessões e saírem de Roma a toda a pressa, para não serem escorraçados pela bota irreverente dos piemonteses, supremos senhores da Cidade Eterna.


Portanto Deus calando-se aqui, como sempre fez nesses grandes concílios do passado, mostra que está contente com o que temos feito e, sobretudo, com o que vamos dizer neste sentido...


Lisboa, 5 Janeiro de 1998


(Núcleo de Cidadãos amigos de Tomás da Fonseca)



sábado, 2 de março de 2013

PALESTRA PROFERIDA POR SAM HARRIS




Bem, é uma grande honra está aqui.

Parece que eu e meus colegas Christopher e Dan, estamos aqui para argumentar contra Deus, no estado que acabo de saber que é o mais religioso de seu país.

Estou encorajado pelo número de mãos levantadas.

Só quero garantir para os que estão aqui, que forem religiosos, que nossa intenção não é ofendê-los nesta manhã.

Contudo, vou pagar sua hospitalidade dizendo exatamente o que penso sobre religião.

Sou alguém que passou os últimos dois anos criticando a fé religiosa.

Eu me familiarizei bastante no modo como pessoas de fé defendem seus Deus.

Na verdade não existe muitas maneiras de se fazer isso. Parece haver somente três.

Ou você argumenta que uma religião específica é verdadeira, ou você argumenta que ela é útil, ou você ataca o ateísmo como intolerante, ou ainda que corrói valores humanos.

A única linha de argumento que a valida a esse debate ou na verdade qualquer debate, sobre a validação da religião, é o argumento que a religião é verdadeira, e não se uma religião específica é verdadeira, porque obviamente todas não podem ser verdadeiras.

Nosso oponente aqui representam duas fés diferentes e mutuamente incompatíveis.

Jesus foi o Messias?

O rabino Dinesh, provavelmente não vai concordar nesse ponto.

Como Bertrand Roussel apontou há mais de 100 anos, mesmo que soubéssemos que uma religião era verdadeira, perfeitamente verdadeira, pela multiplicidade dos fiés, dada a sua incompatibilidade mútua, todos os crentes, deveriam esperar a danação eterna, simplesmente como questão de probabilidade.

Antes que eu me aprofunde na questão de verdades religiosas, eu quero ilustrar quão confusa a pessoa deve ser para argumentar que é razoável acreditar em Deus, porque a religião é útil, ou porque dá sentido a vida, ou porque faz as pessoas moralmente mais corretas do que seriam sem ela, como o rabino sugeriu, ou porque fazem essas pessoas mais felizes, enfim qualquer benefício que você possa imaginar da religião.

Imagine que você está andando na rua e encontre um velho amigo.

Ele parece extremamente feliz e você perguntas quais as novidades. E ele lhe diz que tudo mudou na vida dele, no dia em que percebeu que estava destinado a casar com Angelina Jolie.

Pode ocorrer a você perguntar o porque ele acredita nisso. Afinal Angelina Julie é uma das mais famosas e bela mulher do planeta, não por acaso ela é casada com Brad Pitt, e eles tem algo em torno de 27 filhos a essa altura.

E se o seu amigo, sentindo seu ceticismo, dissesse “você não entende, essa crença da sentido a minha vida. Eu sei que meu propósito de vida é ser marido de Angelina Jolie”.

Se seu amigo dissesse “essa crença me faz uma pessoa melhor, eu sou agora incrivelmente gentil com crianças”, antecipando que terá que criar os filhos de Angelina quando Brad for embora.

E se seu amigo dissesse “você pode acreditar no que quiser, mas eu não quero viver em um universo em que eu não me case com Angelina Jolie”.

Deve ser muito claro a esse ponto, que seu amigo perdeu o juízo. Ele é provavelmente uma pessoa perigosa e esse é precisamente o tipo de conversa que passa por conhecimento em círculos religiosos e pode tentar passar por conhecimento aqui.

Certamente o argumento da moralidade é desse tipo.

Crenças não são como vestuário. Conforto, utilidade e beleza, não podem ser nossos critérios conscientes para adotá-la.

Para acreditar numa proposição, você tem que crer que há boas razões para acreditar. E o efeito que essa crença vai ter na sua vida não pode está entre essas razões.


E isso que é ter o julgamento turvado por um viés.

É por isso que temos expressões como “wyshfull thinking” e “self Deception”.

Acreditar que há um Deus e também acreditar que você tem tal relação com sua existência, que se ele não existisse você não acreditaria.

Como a suposta utilidade da religião se encaixaria nesse esquema?

Não se encaixa!



Reornemos à questão da verdade. É muito comum as pessoas dizerem que não há conflito entre religião e ciência, porque elas se relacionam com assuntos diferentes. E isso é uma mentira.

Religião e ciência ambas fazem afirmações sobre como o mundo é. E fazem afirmações incompatíveis sobre a realidade e elas fazem tais afirmações baseadas em padrões muito diferentes de evidências e maneira de argumentar.

Deveria se muito claro que há um conflito, um conflito perfeito entre exigir boas evidências para o que você acredita e estar satisfeito com uma evidência ruim, ou com nenhuma evidência.

Então religião e ciência conflitam porque não há como separar as verdades de ambas.

A afirmação de que Jesus nasceu de uma virgem, é a afirmação central do cristianismo, e também é uma afirmação sobre biologia. A afirmação de que ele ressuscitou dos mortos, é uma afirmação sobre história. E é uma afirmação sobre sobrevivência humana à morte. É aparentemente uma afirmação sobre o voou humano sem a ajuda da tecnologia.

Judeus, cristãos e muçulmanos, discordam de muitas coisas, mas todos concordam que no dia do juízo final, toda pessoa que já viveu vai ressuscitar fisicamente.


Quais leis da física isso violaria?

Nós sentimos tentados a dizer todas!

Se as afirmações básicas das religiões são verdadeiras, a ciência é tão cega para essa realidade oculta, e as leis da natureza não são suscetíveis a essas modificações sobrenaturais, que torna toda empreitada da ciência ridícula.

Se, por outro lado, as afirmações básicas das religiões são falsas, a maioria das pessoas desse planeta está profundamente confusa sobre a natureza da realidade. E envolvidos por medos e esperanças irracionais.

E muitas pessoas desperdiçam suas vidas e espalham essa ilusão, na maioria das vezes com resultados trágicos. Parece-me que nenhuma pessoa que pense pode ficar indiferente entre os dois lados dessa dicotomia.

Costuma se a imaginar que descrente como eu, deve está, em princípio, fechado a vida espiritual.

Isso não é verdade, você pode ter uma vida ética e espiritual profunda, sem mentir para si mesmo, ou a seus filhos, sobre a natureza da realidade.

Sem fingir saber coisa que você não sabe. Não há nada que impeça um descrente de experimentar o êxtase e o amor transcendente, arrebatamento e admiração.

Na verdade não há nada que impeça um descrente de ir a uma caverna e praticar meditação, por um ano como os místicos.

O que os descrentes não costumam fazer são afirmações injustificadas e injustificáveis, sobre a natureza do cosmo e sobre a origem divina de certos livros, na base dessas experiências.

Essa é uma diferença que faz notar.

Eu quero sugerir, que o quer que seja verdade sobre nossas circunstâncias em termo de ética e espiritualidade pode ser descoberto agora e pode ser ensinado numa linguagem compatível com nosso crescente entendimento científico do mundo e da mente humana.

Quaisquer descobertas que ainda estão para ser feitas para maximizar o bem-estar humano, podem ser discutidas em uma linguagem que não é completa afronta a tudo que aprendemos nos últimos 2000 anos.

E se filiar uma religião da Idade do Ferro, como cristianismo, judaísmo e islamismo, é fazer uma afirmação tácita de que isso é impossível, e que não há, de fato, uma maneira de entender nossas circunstâncias, usando as ferramentas do nosso entendimento moderno do mundo.

E que algumas medidas de superstição é necessária, alguma medida dessa mitologia, e que nós temos que mentir um pouco. A questão é que podemos depositar nossa confiança apenas num diálogo humano. E a questão é você quer depositar em um diálogo do século XXI, onde temos toda a literatura e ensinamentos do mundo disponíveis, ou você quer depositar num diálogo do século do século I ou século VII, como preservado em um dos nossos livros sagrados?



Muito obrigado.



Sam Harris


domingo, 24 de fevereiro de 2013

A RELIGIÃO FAZ MAL AO MUNDO
















Dependendo do ângulo em que é observado, o filósofo americano Sam Harris, de 40 anos, exibe uma des-concertante semelhança física com o ator Ben Stiller, mas seu trabalho nunca está para comédias. Junto com o biólogo inglês Richard Dawkins, autor de Deus, um Delírio, Sam Harris é um dos mais ativos militantes contra as religiões. 

Em 2005, nos Estados Unidos, ele lançou O Fim da Fé e ficou mais de trinta semanas na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times. Neste ano, produziu um novo best-seller com críticas à religião. Com 91 páginas, Carta a uma Nação Cristã, já lançado no Brasil pela Companhia das Letras, é um compêndio em defesa do ateísmo. 

É redigido com uma linguagem tão cortante e argumentos tão implacáveis que, por vezes, roça o panfletário, mas dá seu recado com clareza absoluta. O filósofo bate em cada um dos pilares da fé e conclui: "A religião agrava e exacerba os conflitos humanos muito mais do que o tribalismo, o racismo ou a política". Ele deu a seguinte entrevista:

O movimento dos ateus é forte nos Estados Unidos e na Inglaterra, principalmente. É uma decorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001?

                Vejo dois motivos simultâneos para essa confluência geográfica: os atentados de 11 de setembro e a escancarada religiosidade do governo de George W. Bush. A conjunção desses dois fatores levou muitas pessoas a se preocupar com o fato de que a fé está agora dos dois lados do balcão. Esse é um jogo altamente perigoso.

Por quê?

               A fé é, intrinsecamente, um elemento que, em vez de unir, divide. A única coisa que leva os seres humanos a cooperar uns com os outros de modo desprendido é nossa prontidão para termos nossas crenças e comportamentos modificados pela via do diálogo. A fé interdita o diálogo, faz com que as crenças de uma pessoa se tornem impermeáveis a novos argumentos, novas evidências. A fé até pode ser benigna no nível pessoal. Mas, no plano coletivo, quando se trata de governos capazes de fazer guerras ou desenvolver políticas públicas, a fé é um desastre absoluto.

O senhor acha que o mundo seria melhor sem religião, sem fé, sem crença em Deus?
 
Seria melhor se não houvesse mentiras. A religião é construída, e num grau notável, sobre mentiras. Não me refiro aos espetáculos de hipocrisia, como quando um pastor evangélico é flagrado com um garoto de programa ou metanfetamina, ou ambos. Refiro-me à falência sistemática da maioria dos crentes em admitir que as alegações básicas para sua fé são profundamente suspeitas. É mamãe dizendo que vovó morreu e foi para o céu, mas mamãe não sabe. A verdade é que mamãe está mentindo, para si própria e para seus filhos, e a maioria de nós encara tal comportamento como se fosse perfeitamente normal. Em vez de ensinarmos as crianças a lidar com o sofrimento e ser felizes apesar da realidade da morte, optamos por alimentar seu poder de se iludir e se enganar.


É possível conciliar ciência e religião?

A diferença entre ciência e religião é a diferença entre ter bons ou maus motivos para acreditar nas hipóteses sobre o mundo. Se houvesse boas razões para crer que Jesus nasceu de uma virgem ou que voltará à Terra, tais proposições fariam parte de nossa visão racional e científica do mundo. Mas, como não há boas razões para acreditar nisso, quem o faz está em franco conflito com a ciência. É claro que as pessoas sempre acham um modo de mentir para elas mesmas e para os outros. A estratégia, nesse caso, é dizer que tal crença decorre da fé. Com freqüência, ouvimos dizer que não há conflito entre razão e fé. É o mesmo que dizer que não há conflito entre fingir saber e realmente saber. Ou que não há conflito entre auto-engano e honestidade intelectual.


Haverá o dia em que a humanidade deixará de ter fé ou a fé faz parte da natureza humana?

O desejo de compreender o que se passa no mundo é inato, assim como o desejo de ser feliz, de estar cercado por pessoas que amamos ou o desejo de ser mais feliz, mais carinhoso, mais ético no futuro. Mas nada disso nos obriga a mentir para nós mesmos, ou para nossos filhos, a respeito da natureza do universo. É claro que nossa compreensão do universo é incompleta e desconhecemos a extensão exata de nossa ignorância. Não temos como antecipar as maravilhosas descobertas que serão feitas. O que sabemos com absoluta certeza, aqui e agora, é que nem a Bíblia nem o Corão trazem nossa melhor compreensão do universo.


Mas nem a Bíblia nem o Corão se pretendem um manual científico para entender o mundo?
 
Esses livros não são sequer um guia sobre moralidade que possamos considerar minimamente adequado, e falo de moralidade porque é um campo em que ambos se consideram exemplares. A Bíblia e o Corão, por exemplo, aceitam a escravidão. Qualquer um que os considere guias morais deve ser a favor da escravidão. Não há uma única linha no Novo Testamento que denuncie a iniqüidade da escravidão. São Paulo até aconselha aos escravos que sirvam bem aos seus senhores e sirvam especialmente bem aos seus senhores cristãos. É desnecessário dizer que a Bíblia e o Corão, além de não servir como guias em termos de moralidade, também não são autoridade em física, astronomia ou economia.

Que tipo de impacto seu livro pode ter sobre os leitores religiosos?
 
Eu ficaria feliz se o livro levasse os leitores a se perguntar por que, em pleno século XXI, ainda aplaudimos pessoas que fingem saber o que elas manifestamente não sabem nem podem saber. Não há uma única pessoa viva que saiba se Jesus era filho de Deus ou se nasceu de uma virgem. Na verdade, não há uma pessoa viva que saiba se o Jesus histórico tinha barba. No entanto, em muitos países é uma necessidade política simular que sabemos coisas sobre Deus, sobre Jesus, sobre a origem divina da Bíblia. Imagino que qualquer pessoa religiosa que leia Carta a uma Nação Cristã com a cabeça aberta descobrirá que os argumentos usados contra a fé religiosa são absolutamente irrespondíveis. Isso deve ter algum efeito sobre o modo de ver o mundo dos leitores. Eles certamente vão perceber que ser um cristão devotado faz tanto sentido quanto ser um muçulmano devotado, que, por sua vez, é tão lógico quanto ser um adorador de Poseidon, o deus do mar na Grécia antiga. É hora de falarmos sobre a felicidade humana e nossa disponibilidade para experiências espirituais na linguagem da ciência do século XXI, deixando a mitologia para trás.

O Brasil é um país aparentemente tolerante com as diferentes religiões e conhecido pelo sincretismo religioso. Num país assim, é mais fácil ou mais difícil para o ateísmo crescer?
 
Em certo sentido, deve ser mais fácil. O convívio intenso de crenças inconciliáveis deve levar as pessoas a compreender que tais crenças são produtos de acidentes históricos, são contingenciais, são criadas pelo homem e, portanto, não são o que pregam ser. Judeus e cristãos não podem estar ambos certos porque o núcleo de suas crenças é contraditório. Na verdade, eles estão equivocados sobre muitas coisas, exatamente como estavam antes os adoradores dos deuses egípcios ou gregos. Ou os adoradores de milhares de deuses que morreram durante a longa e escura noite da superstição e da ignorância humana. Em qualquer lugar que os seres humanos façam um esforço honesto para chegar à verdade, nosso discurso transcende o sectarismo religioso. Não há física cristã, álgebra muçulmana. No futuro, não haverá nada como espiritualidade muçulmana ou ética cristã. Se há verdades espirituais ou éticas a ser descobertas, e tenho certeza de que há, elas vão transcender os acidentes culturais e as localizações geográficas. Falando honestamente, esse é o único fundamento sobre o qual podemos erguer uma civilização verdadeiramente global.
 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

A CIÊNCIA É UMA RELIGIÃO?











Tradução: Eliana Curado
 




Está na moda ter uma raiva apocalíptica da ameaça que representa à humanidade o vírus da AIDS, o mal da “vaca louca” e muitos outros, mas penso que devemos nos preocupar com a fé, um dos grandes males do mundo, comparável ao vírus da varíola, mas mais difícil de ser erradicado.

A fé, sendo uma crença não baseada em provas, é o vício principal de qualquer religião. Quem, ao olhar a Irlanda do Norte ou o Oriente Médio, pode dizer enfaticamente que o vírus cerebral da fé não seja extremamente perigoso? Uma das estórias contadas aos jovens muçulmanos que são homens-bomba suicidas é que o martírio é a maneira mais rápida de se chegar ao paraíso – e não apenas ao paraíso, mas a um lugar especial, onde serão recompensados com o prêmio de 72 noivas virgens. Ocorre-me que nossa melhor esperança pode estar associada a uma espécie de “controle de armas espirituais”: enviar teólogos especialmente treinados para diminuir progressivamente esse número de virgens.

Levando-se em conta o perigo representado pela fé, e considerando as realizações da razão e da observação na atividade chamada ciência, é irônico que, em minhas palestras públicas, sempre haja alguém que diga: “É evidente que sua ciência é apenas uma religião como a nossa. No fundo, a ciência não passa de fé”.

Bem, ciência não é religião e não toca a fé porque, apesar de ter muitas das virtudes da religião, não possui nenhum de seus vícios. A ciência se baseia em evidências verificáveis. A fé religiosa não somente falha em provas, mas também apregoa com orgulho e alegria sua independência de provas. Que outra razão os cristãos teriam para fazer essa crítica raivosa à dúvida de Tomé? Os outros apóstolos são exemplos de virtude para nós porque a fé lhes era suficiente. O cético Tomé, por outro lado, exigia a evidência. Talvez ele devesse ser considerado o santo patrono dos cientistas.

Uma razão pela qual eu sou confrontado com a idéia de que a ciência é no fundo uma religião é porque eu acredito de fato na evolução, e acredito com uma convicção apaixonada. Para alguns, isto pode parecer superficialmente com a fé, mas a evidência que me faz acreditar na evolução não somente é poderosamente forte, como também encontra-se à disposição de qualquer um que queira se debruçar sobre o tema para estudá-lo. Qualquer pessoa pode estudar as mesmas provas que eu e, presumivelmente, chegar à mesma conclusão. Mas, se você tem uma crença que se baseia somente na fé, eu não posso examinar suas razões. Você pode se esconder atrás de seu muro particular de fé, onde não posso alcançá-lo.

É claro que, na prática, os cientistas individuais às vezes recaem no vício da fé, e uns poucos talvez acreditem de modo tão simplório em sua teoria favorita que ocasionalmente cheguem a falsificar uma prova. Todavia, o fato de que isto às vezes aconteça não altera o princípio de que o fazem com vergonha, e não com orgulho. O método da ciência é tão bem arquitetado que geralmente traz à tona mais cedo ou mais tarde qualquer tentativa de falsificação da evidência.

A ciência é na verdade uma das disciplinas mais morais e honestas que existem, porque entraria em colapso inteiramente se não fosse por uma escrupulosa aderência à honestidade na apresentação da evidência. Como James Randi apontou, esta é a razão porque os cientistas são tão freqüentemente enganados por paranormais cheios de truques e porque o papel de desmascarar é melhor representado pelos prestidigitadores profissionais. Os cientistas simplesmente não antecipam a desonestidade deliberada. Há outras profissões (não é preciso mencionar os advogados especificamente) em que a falsificação das provas, ou pelo menos a sua adulteração, é precisamente o que as pessoas são pagas para fazer e que os torna melhores na profissão.

A ciência está livre do principal vício da religião, que é a fé. Mas, como assinalei, ela possui algumas das virtudes da Religião. A Religião pode desejar conferir a seus seguidores diversos benefícios, entre eles a explicação, a consolação e o encantamento. A ciência pode oferecer o mesmo.

Os seres humanos têm um grande apetite por explicações. Esta pode ser uma das principais razões porque a religião se difundiu tão universalmente, uma vez que pretende dar explicações. Nós somos dotados de uma consciência individual em um universo misterioso e desejamos entendê-lo. A maior parte dos religiosos oferece uma cosmologia, uma biologia, uma teoria da vida e uma teoria das origens, além de significados para a existência.

Assim fazendo, eles demonstram que a religião é, em certo sentido, ciência; mas não passa de má ciência. O argumento não considera que religião e ciência operam em dimensões separadas e dizem respeito a tipos de perguntas bastante distintos. Historicamente, as Religiões sempre tentaram responder a perguntas que pertencem propriamente à ciência, mas não deveriam ter permissão para se retirarem do terreno em que elas tradicionalmente têm tentado brigar. Elas oferecem tanto uma cosmologia quanto uma biologia; todavia, ambas são falsas.

O consolo é mais difícil para a ciência oferecer. Diferentemente da religião, a ciência não pode oferecer ao carente um encontro memorável com seus amados numa vida futura. Aqueles que foram maltratados nesta vida não podem, de um ponto de vista científico, antecipar uma doce vingança para seus atormentadores em uma vida após a morte. Poder-se-ia argumentar que, se a idéia de uma vida posterior é uma ilusão (como acredito que seja), a consolação que oferece é vazia.

 Mas não é necessariamente assim; uma falsa crença pode ser tão reconfortante quanto uma verdadeira, desde que o crente jamais descubra sua falsidade. Mas se o consolo for tão barato assim, a ciência é capaz de oferecer, em contrapartida, outros paliativos baratos, tais como analgésicos, cujo conforto pode ou não ser ilusório, mas que funciona bem.

O encantamento, todavia, é o terreno em que a ciência realmente sente-se à vontade. Todos os grandes religiosos abrigam o temor, a empolgação diante da maravilha e beleza da criação. É exatamente esta sensação de estremecimento, de temor reverente – de quase adoração -, este sentimento de admiração arrebatadora, o que a ciência moderna pode oferecer. E isto vai muito além dos sonhos mais selvagens dos santos e místicos. O fato de que o sobrenatural não tenha lugar em nossas explicações, em nossa compreensão do universo e da vida, não diminui o temor. Na verdade, acontece o contrário. O mero vislumbre através de um microscópio do cérebro de uma formiga, ou através de um telescópio, de uma galáxia remota de um bilhão de mundos, é o suficiente para substituir os salmos de louvor tolos e paroquiais.

Agora, quando me dizem que a ciência ou alguma parte específica dela, como a teoria da evolução, é apenas uma religião como qualquer outra, eu geralmente nego isto com indignação. Mas começo a me perguntar se talvez esta não seja uma tática errada. Talvez a tática certa seja aceitar o desafio com gratidão e exigir que as aulas de ciência tenham a mesma duração que as aulas de educação religiosa. Quanto mais eu penso nisso, mais eu percebo que deveríamos investir seriamente nesta idéia. Quero, então, falar um pouco sobre a educação religiosa e o lugar que a ciência poderia ocupar nela.

Eu lamento profundamente o modo como as crianças são educadas. Não estou familiarizado inteiramente com o modo como as coisas acontecem nos Estados Unidos, assim o que digo pode ter mais relevância no Reino Unido, onde há instrução religiosa para todas as crianças como imposição do Estado e obrigação legal. Isto é inconstitucional nos Estados Unidos, mas presumo que as crianças recebam de qualquer forma uma instrução religiosa na religião particular que seus pais julguem apropriada.

Isto me leva à observação sobre o abuso mental de crianças. Em uma edição de 1995 do Independent, um dos principais jornais londrinos, havia uma fotografia de uma cena relativamente doce e tocante. Era a época de Natal, e a foto mostrava três crianças vestidas como três homens sábios, encenando uma peça sobre a natividade. A estória associada à foto representava uma criança Muçulmana, outra Hindu e outra, Cristã. O ponto supostamente doce e tocante da estória é que todas elas participavam da peça sobre a Natividade.

O que não é doce e nem tocante é que estas crianças tinham todas quatro anos de idade. Como se pode dizer que uma criança de quatro anos seja Muçulmana, ou Cristã, ou Hindu, ou Judia? É possível falar de um economista de quatro anos de idade? O que você diria sobre um neo-isolacionista de quatro anos, ou um liberal Republicano de quatro anos? Há opiniões sobre o cosmos e o mundo que as crianças, uma vez crescidas, presumivelmente estarão em condição de avaliar por si mesmas. A Religião é um domínio em nossa cultura em que aceita-se prontamente, sem questionamento – sem nem mesmo se aperceber do quanto isto é bizarro – que pais tenham uma palavra total e absoluta sobre o que seus filhos serão, como seus filhos vão ser formados, que opiniões seus filhos terão sobre o cosmos, sobre a vida, sobre a existência. Você compreende o que quero dizer quando me refiro a abuso mental de crianças?

Considerando agora o que se espera que a educação religiosa seja capaz de oferecer, um de seus objetivos poderia ser encorajar as crianças a refletir sobre as questões profundas da existência, convidá-las a se colocar acima das preocupações tolas da vida cotidiana e pensar sub specie aeternitatis.

A ciência é capaz de fornecer uma visão da vida e do universo que, como já observei, com inspiração poética humilde, supera em muito quaisquer crenças mutuamente contraditórias e as tradições recentes e lamentáveis das religiões do mundo.

Por exemplo, como poderiam as crianças, nas aulas de educação religiosa, deixar de se sentir inspiradas, se pudéssemos fazê-las perceber um átimo da idade do universo? Vamos supor que, no momento da morte de Cristo, a notícia de sua morte tivesse começado a viajar pelo universo na velocidade máxima possível, distanciando-se da terra. Até onde essa notícia terrível poderia ter chegado, até agora? Segundo a teoria da relatividade especial, a notícia não poderia, sob quaisquer circunstâncias, ter alcançado mais que uma qüinquagésima parte do percurso de uma única galáxia – sequer a milésima parte do percurso até a galáxia vizinha da nossa, em um universo com 100 milhões de galáxias. O universo de modo geral não poderia ser outra coisa senão indiferente a Cristo, a seu nascimento, à sua paixão e à sua morte. Mesmo momentos muito importantes, como a origem da vida na Terra, poderiam ter viajado somente através de nosso pequeno feixe de galáxias. Mas esse evento é tão remoto em nossa escala de tempo terrena que, se você medisse esse tempo com seus braços abertos, a totalidade da história humana, a totalidade da cultura humana, representariam a poeira da ponta de seus dedos em um único movimento de uma lixa de unha.

É desnecessário dizer que o argumento do arquiteto do universo, parte importante da história da religião, não seria ignorado em minhas aulas de educação religiosa. As crianças olhariam para as maravilhas eloqüentes dos reinos vivos, avaliariam o Darwinismo em contraposição com as alternativas criacionistas e tirariam suas próprias conclusões. Eu penso que as crianças não teriam dificuldade em raciocinar de modo correto se lhes fossem apresentadas provas. O que me preocupa não é a questão do tempo igual para o ensino de ciência e religião, mas que, até onde posso perceber, as crianças do Reino Unido e dos Estados Unidos não tenham basicamente nenhum tempo para o estudo da teoria da evolução. Ao contrário, só lhes ensinam o criacionismo (quer seja na escola, na igreja ou em casa).

Seria interessante também ensinar mais que uma teoria da criação. A dominante nesta cultura é o mito da criação judeu, extraído do mito da criação babilônico. Há, claro, vários outros, e talvez devêssemos conceder a todos eles o mesmo tempo (exceto pelo fato de que não sobraria tempo para estudar nada mais). Sei que há Hindus que acreditam que o mundo foi criado em uma desnatadeira cósmica e povos da Nigéria que acreditam que o mundo foi criado por Deus a partir do excremento de formigas. Certamente estas histórias têm tanto direito a tempo igual quanto o mito Judeu-Cristão de Adão e Eva.

Já falamos demais sobre o Gênesis; agora vamos nos mover para os profetas. O Cometa de Halley retornará sem falha no ano 2062. As profecias Bíblicas ou Délficas não aspiram a esta precisão; astrólogos e seguidores de Nostradamus não ousam se comprometer com prognósticos factuais. Melhor ainda, disfarçam sua charlatanice com uma cortina de fumaça de imprecisão. Quando os cometas apareceram no passado, foram frequentemente vistos como prenúncios de desastres. A Astrologia tem tido um papel importante em várias tradições religiosas, incluindo o Hinduísmo. Supostamente os três reis magos que eu mencionei anteriormente foram conduzidos à manjedoura de Jesus por uma estrela. Nós poderíamos perguntar às crianças por que rota física elas imaginariam que a suposta influência estelar nos assuntos humanos poderia viajar.

Houve um programa chocante na Rádio BBC, no período natalino de 1995, que apresentava uma astrônoma, um bispo e um jornalista designados para refazer os passos dos três reis magos. Pode-se entender a participação do bispo e do jornalista (um escritor religioso), mas a cientista era uma supostamente respeitável escritora de astronomia, e mesmo assim ela seguiu adiante com isso! Durante todo o caminho ela falou sobre os portentos de Saturno e Júpiter em posição ascendente em relação a Urano, ou o que quer que fosse. Ela na verdade não acredita em astrologia, mas um dos problemas é que nossa cultura aprendeu a se tornar tolerante em relação à Astrologia, quando não vagamente entretida por ela – e tanto é assim que mesmo pessoas do meio científico que não acreditam em astrologia de certa forma pensam que seja uma diversão anódina. Eu trato a astrologia muito seriamente: penso que é profundamente perniciosa porque solapa a racionalidade, e gostaria de ver campanhas contra ela.

Quando as aulas de educação religiosa se ocupam da ética, não penso que a ciência tenha muito a dizer, e eu a substituiria pela filosofia moral racional. As crianças pensam que há padrões absolutos de certo e errado? E se pensam assim, de onde eles vêm? Você pode criar princípios de certo e errado que funcionem bem, como “faça com os outros o que gostaria que fizessem com você” e “o maior bem para o maior número” (o que quer que isso signifique)? É relevante perguntar como um evolucionista, qualquer que seja sua moralidade pessoal, de onde vem a moral, ou que caminhos levaram o cérebro humano a ter esse sentimento de certo e errado, essa tendência à ética e à moral?

Deveríamos valorizar a vida humana acima de todas as outras? Há uma parede sólida a ser construída em volta da espécie Homo sapiens, ou deveríamos considerar que há outras espécies que merecem nossas simpatias humanistas? Nós deveríamos, por exemplo, seguir o lobby do direito à vida, que está inteiramente voltado para a vida humana, e valorizar mais a vida de um feto humano, que tem as faculdades de um verme, que a de um chipanzé que pensa e sente? Qual é a base desta cerca que erguemos em volta do Homo sapiens – mesmo em volta de uma pequena peça de tecido fetal? (Não soa muito como uma idéia evolucionária, ao se pensar sobre ela.) Quando, na descendência evolucionária de nosso ancestral comum com os chimpanzés, a cerca de proteção foi erguida?

Bem, saindo então da moral para a escatologia, nós sabemos, pela segunda lei da termodinâmica, que toda complexidade, toda a vida, todo o riso, todo o sofrimento, inclinam-se para o frio nada no final. Eles – e nós – podem não ser mais que temporários; apostas locais do grande decline universal no abismo da uniformidade.
Nós sabemos que o universo está se expandindo e que provavelmente vai se expandir eternamente, embora seja possível que se contraia novamente. Nós sabemos que, o que quer que aconteça ao universo, o sol engolfará a terra em cerca de 60 milhões de séculos no futuro.

O tempo propriamente dito começou em um certo momento, e pode terminar em um certo momento – ou não. O tempo pode chegar ao fim localmente, em trituradores chamados buracos negros. As leis do universo parecem ser verdadeiras para todo o universo. Por que é assim? As leis poderiam ser outras nestes trituradores? Para ser um tanto especulativo, o tempo poderia começar novamente com novas leis da física, novas constantes físicas. Há hipóteses de que poderia haver muitos universos, cada um isolado tão completamente dos demais que, para o primeiro, os outros não existiriam. Neste caso, poderia haver uma seleção Darwinista entre os universos.

A ciência poderia dar uma boa explicação de si mesma na educação religiosa, mas isto não seria o bastante. Eu acredito que alguma familiaridade com a versão do Rei James da Bíblia é importante para quem deseja compreender as alusões que aparecem na Literatura Inglesa. Junto com o Book of Common Prayer, a Bíblia ganhou 58 páginas no Dicionário Oxford de Citações. Somente Shakespeare tem mais. Eu penso que não ter qualquer tipo de educação bíblica é uma escolha infeliz para as crianças que quiserem ler a Literatura Inglesa e entender a procedência de frases como “através de um vidro escuro”, “toda a carne é como a relva”, “esta corrida não é para o veloz”, “chorando no deserto”, “colhendo tempestade”, “entre o joio”, “Sem olhos em Gaza”, “Os que consolam Jô” e “a oferta singela da viúva”.

Quero ainda retornar à acusação de que a ciência é apenas uma fé. A versão mais extrema desta acusação – e que vejo com freqüência tanto em cientistas quanto em racionalistas – é a acusação de haver um fanatismo e uma intolerância tão grandes em cientistas e em religiosos. Às vezes pode haver um pouco de justiça nesta acusação, mas como fanáticos intolerantes nós cientistas somos meros amadores. Nós nos contentamos em discutir com aqueles que discordam de nossos pontos de vista. Nós não os matamos.

Mas eu negaria até mesmo a menor acusação de fanatismo puramente verbal. Há uma diferença muito, muito importante entre o sentimento forte, mesmo apaixonado, em relação a algo porque pensamos a respeito e examinamos as provas e, por outro lado, o sentimento forte em relação a algo que foi internamente revelado a nós, ou internamente revelado a outra pessoa na história e subseqüentemente reverenciado pela tradição. Há uma enorme diferença entre a crença que alguém está preparado para defender recorrendo à evidência e à lógica e uma crença que é apoiada por nada mais que a tradição, a autoridade ou a revelação.

Ciência se define pela aplicação rigorosa do método científico, pela formulação de hipóteses e teorias abertas à refutabilidade e falseabilidade, bem como pela publicação, circulação e intercâmbio da produção científica na comunidade de interpares.