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quarta-feira, 3 de abril de 2013

RELIGIÃO E EPILEPSIA

Estrutura mental da espiritualidade e seu papel evolutivo ainda são um mistério.

Um dos temas atuais mais palpitantes em neurociências é saber "onde" estão as redes neurais cerebrais que codificam a crença (ou a fé). Localizacionistas apostam no lobo temporal, e tal convicção se fundamenta na religiosidade das pessoas que sofreram lesão nessa área.


Trabalhos científicos enfatizam o fato de que portadores de epilepsia do lobo temporal desenvolvem religiosidade exacerbada. Entre casos famosos mencionados encontra-se o pintor Vincent Van Gogh. Qual teria sido a origem do seu fervor religioso, levando-o a tornar-se um pregador tão obstinadamente preocupado com seus deveres que acabou expulso de sua seita?


Numa tentativa de compreender melhor o fervor religioso despertado em pessoas com lesão temporal o neurologista Vilayanur Ramachandran estudou dois pacientes epiléticos do lobo temporal, ambos com tendência espiritualista exacerbada.


Submeteu-os a um experimento simples, conectando-lhes ao braço um eletrodo que capta impulsos elétricos na pele quando a pessoa é envolvida por alguma emoção. Numa tela de computador assistiam a figuras neutras (como bola de tênis, árvore e quadro-negro) intercaladas com imagens de sexo, violência, símbolos religiosos e palavras alusivas a Deus.

Para surpresa dos examinadores, os impulsos mais intensos não se deram com cenas violentas ou eróticas: naqueles dois epiléticos do lobo temporal, a intensidade aumentava nitidamente quando os pacientes viam imagens religiosas.

Assim, seria lícito supor - por mais absurdo que possa parecer - que existem áreas no cérebro cujos circuitos são especializados em fé ou apego religioso?


É exatamente aí que se inicia a penumbra do nosso conhecimento. Talvez por isso os neurocientistas tenham se negado sistematicamente a dedicar tempo de pesquisa ao tema.

Um epilético com lesão no lobo temporal e que desenvolvera religiosidade exacerbada quando não havia nele nenhum vestígio de interesse religioso antes da cirurgia causadora da lesão contou-me que, ocasionalmente, sofre uma crise em que tem a nítida sensação de sair do corpo, uma evidente sensação extra-sensorial.


Relatos como esse se encaixam na experiência tornada pública em 2001 por Olaf Blanke. Ele colheu o extraordinário relato de uma paciente que passou por uma experiência extra-sensorial quando teve o giro angular direito estimulado por uma corrente elétrica. Ela estava se submentendo a cirurgia de crânio para a retirada de áreas geradoras de descargas epiléticas no lobo temporal.

Esse tipo de operação geralmente se faz sob anestesia local, pois é importante que o paciente esteja acordado para orientar os médicos quanto à sensação experimentada em cada área estimulada. Assim, colocam-se delicadamente eletrodos sobre o córtex cerebral, e desencadeia-se uma estimulação elétrica enquanto se aguarda a reação do paciente. Dessa forma, faz-se um mapa das áreas cerebrais próximas à lesão, permitindo identificar o local, remover precisamente a área afetada e preservar as áreas sadias das vizinhanças.


Quando neurocirurgiões estimularam o giro angular (região próxima à porção mais posterior do lobo temporal), a paciente relatou a sensação de levitar. Os estímulos foram repetidos várias vezes, e, numa delas, ela se referiu à sensação extracorpórea; estava a cerca de 2 metros distante do próprio corpo, perto do teto da sala, observando os médicos operar sua cabeça.


Até que ponto o resultado desses experimentos se superpõem?


Pode uma avaria nas redes neurais que parecem governar a fé desencadear uma crença que não existia ou estava adormecida?

 E qual o papel do giro angular na sustentação da imagem corporal?

Por que a estimulação dessa área cortical projeta para o paciente sua imagem fora do corpo?

Que papel a evolução atribuiu ao lobo temporal no controle das nossas crenças?

 Se nossos genes são de fato "egoístas", a que atribuir a crença ilimitada em outra vida, em outra dimensão?

E por que tais crenças se tornam acentuadas quando estruturas do lobo temporal são atingidas?

Respostas a essas questões talvez sejam um dos maiores desafios para as neurociências.




Edson Amâncio, neurocirurgião do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, é doutor pela Unifesp e autor de "O homem que fazia chover."

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