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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

OS MASSACRES EM NOME DA FÉ

Iconoclastia. Condenação de culto e destruição de imagens sacras. Substituição de  imagens por pinturas. Restauração do culto as imagens. Proibição de qualquer discussão a respeito de imagens.



O imperador do Oriente, Justiniano (527-565),1 conseguira consolidar o próprio poder graças ao auxílio de um "esquadrão da morte" treinado por ele próprio. Na prática, tratava-se de um bando de sanguinários que assassinava todos os seus rivais na corrida pelo trono: o general Vitaliano, o eunuco Amázio e um número impreciso de aristocratas.2

Uma testemunha da época comentou: "Até mesmo a mão de Deus, guiada pelo Patriarca, protege suas iniciativas de erradicar os inimigos da fé".3 De seu longo reinado, ficaram o imenso Corpus iuris civilis, código que ordena em um único conjunto de leis orgânicas toda a jurisprudência romana, e a decidida política de reconquista militar dos territórios ocupados pelos bárbaros.

 Mas não se pode esquecer o massacre de Nika, em janeiro de 532. Durante a partida de uma corrida de bigas no imenso hipódromo de Constantinopla, o imperador Justiniano e sua mulher, Teodora, foram vaiados pela multidão que reclamava das excessivas obrigações fiscais. O protesto transformou-se em um verdadeiro tumulto, que teve como insólitos aliados líderes de facções de grupos populares e de aristocratas. Justiniano precisou se refugiar em seu palácio, tal foi o assédio dos revoltosos.

O imperador, então, ofereceu doações em dinheiro aos líderes e convocou o povo todo para uma assembleia pública no hipódromo, onde anunciaria importantes novidades.

Os revoltosos, dessa forma, se reuniram no estádio, onde, em vez do imperador, entraram soldados do general Narsete, que assassinaram os presentes. Calcula-se que trinta mil pessoas tenham sido mortas.

Outro episódio famoso foi a violenta repressão aos rebeldes samaritanos, quando foram mortas mais de cem mil pessoas.


Talvez menos conhecida seja a pragmática disposição de 554, que estendeu a legislação imperial à Itália "liberta" dos bárbaros e que impôs a restituição de todos os bens desapropriados pelos godos aos aristocratas e à Igreja.

Dentre as propriedades a serem restituídas, havia também escravos e servos da gleba que os "bárbaros" haviam alforriado e que, assim, perderiam seu status de homens livres.4

O programa de Justiniano pode ser resumido pelo seguinte lema: "Um só Estado, uma só lei, uma só Igreja".5

A legislação imperial regulamentava cada aspecto da vida do Império, inclusive o religioso. Os bispos eram, em todo e qualquer aspecto, funcionários do Estado, com deveres de funcionários públicos, "assistentes sociais" e magistrados.6 Uma série de leis regulava, de maneira minuciosa, praticamente cada detalhe da vida do clero e dos monges, incluídas aí as práticas litúrgicas, como a entoação dos três cânticos principais do dia nos mosteiros (matutino, laude e vespertino). Além disso, as penas previstas para os transgressores eram severas: por exemplo, uma diaconisa que se casasse poderia ser punida com a morte ao lado do marido, e um monge que abandonasse o hábito era convocado pelo exército.7

As repressões de Justiniano

Justiniano foi um tenaz defensor da ortodoxia (é claro que era ele quem decidia o que era "ortodoxo" e o que não era) e um implacável perseguidor dos hereges e pagãos.

Um edito de 529 obrigava os súditos ainda não convertidos a se batizarem e se "instruírem na verdadeira fé dos cristãos". Os desobedientes seriam punidos com o confisco de todos os bens e a perda de todos os direitos; os batizados que voltassem a ser pagãos seriam punidos com a morte.8 Contra os hereges maniqueístas,' eram previstas medidas ainda mais graves: a morte e o confisco dos bens. A pena de morte também era aplicada aos ex-maniqueístas que voltassem a professar sua velha religião, que se relacionassem com os antigos companheiros de fé sem denunciá-los ou que guardassem escritos daquela seita, em vez de entregá-los às autoridades.10

Quando as tropas bizantinas reconquistaram a África e a Itália, Justiniano confiscou os templos de donatistas e arianos e mandou seus clérigos para o exílio.

É atribuída a ele a frase: "Para eles, já basta viver!"11 A repressão provocou uma rebelião de militares arianos na África, mas que foi contida após poucos meses de luta.

Em uma época em que os cultos pagãos ainda sobreviviam e os cristãos estavam divididos em infinitas correntes doutrinárias, é óbvio que não era difícil encontrar um traço qualquer em algum adversário político que o tornasse "inimigo da fé". De fato, não poucos expoentes da alta nobreza, acusados de paganismo ou heresia, foram presos, torturados, mortos ou se suicidaram.12

Outras igrejas montanistas foram destruídas pelos missionários de Justiniano nas décadas que se seguiram. Os ossos dos fundadores da seita, guardados e venerados como relíquias, foram incinerados.13

Com os judeus, no entanto, Justiniano manifestou uma relativa tolerância. Deixou-os livres para praticar seu culto, ainda que eles fossem juridicamente inferiores aos cristãos. Por exemplo, um judeu não podia testemunhar contra um cristão nem possuir escravos cristãos.

Seus ritos também eram disciplinados pela lei: os judeus não podiam celebrar sua Páscoa se esta acontecesse antes da cristã, nem discutir ou interpretar as passagens da Bíblia. Por lei, deviam acreditar na ressurreição dos mortos, na existência dos anjos e no juízo universal.14

O imperador, por outro lado, foi impiedoso com os samaritanos, os "cismáticos" do judaísmo: privou-lhes do direito de testemunhar e de herdar, e mandou destruir suas sinagogas.

A perseguição fez eclodir uma verdadeira revolta na Palestina; em represália, muitos cristãos foram mortos, e igrejas, incendiadas. "Seguiu-se uma violentíssima repressão: vilarejo por vilarejo, colina por colina, o país foi reconquistado em 529 e 530. Mais de cem mil samaritanos foram mortos, muitos fugiram para a Pérsia, outros se converteram."15 Em 555, uma segunda revolta foi contida de forma igualmente dura.

Portanto, quando se tratava de defender a "fé verdadeira", Justiniano não olhava nos olhos de ninguém. Mas abriu uma exceção para os monofisistas, pois sua mulher também era monofisista. E, como ela, muitos outros súditos, sobretudo no Egito, um dos "celeiros" do império. Teve para com eles um comportamento que oscilava entre repressão e tentativas de reconciliação.

No período entre 527 e 544, alternaram-se concílios, manifestações em praças, exílios, reintegração de bispos e teólogos mononsistas, intervenções de tropas para tirar bispos e sacerdotes hereges de seu posto, editos dogmáticos (ou seja, decretos que impunham posições doutrinárias por lei).16

Em 544, Justiniano emanou um edito que acolhia, ao menos em parte, as teses monofisistas. O texto, conhecido como "A condenação dos três capítulos", declarava heréticas as doutrinas de Teodoro de Mopsuéstia (morto mais de um século antes); Teodoreto, teólogo; e Ibas de Edessa, acusado de nestorianismo.

Nas primeiras décadas do século XX, o lema de um político vienense que embarcara no carro do anti-semitismo era: "Decido eu quem é judeu ou não".17 O lema de Justiniano (mas também de muitos outros reis e imperadores cristãos antes dele) poderia ter sido: "Decido eu quem é herege ou não".


O papa preso

O papa Virgílio (537-555) se recusou a assinar o edito imperial. As tropas de Justiniano reagiram tirando-o de Roma para levá-lo à presença do soberano.18

A isso sobreveio um longo período de "toma-e-dá", de inflamadas conversações entre o imperador e o papa, que durou anos. Até que, em 551, Justiniano, impaciente, mandou prender o papa. "Uma tropa armada os cercou e arrancou o papa e os bispos que estavam com ele da igreja na qual haviam se refugiado. Virgílio, que os soldados tentaram pegar pela barba e pelos pés, agarrou-se a uma coluna do altar, que se quebrou, e a mesa do altar o teria esmagado, se seus clérigos não a tivessem segurado. Os gritos hostis da multidão fizeram a tropa bater em retirada, obrigando Justiniano a negociar. No dia seguinte, Virgílio, confiando na promessa solene do imperador de que não lhe seria feito nenhum mal, concordou em voltar ao palácio de Placídia, mas logo foi feito prisioneiro, ficando impossibilitado de receber seus clérigos e sendo submetido a várias vexações."19

Virgílio conseguiu fugir do palácio-prisão e se refugiou na basílica de Santa Eufêmia, na Calcedônia. Veio outro período de negociações e "acidentes de percurso" (as tropas imperiais entraram em Santa Eufêmia e prenderam os colaboradores do papa), ao final do qual o pontífice concordou em convocar um concilio ecumênico para dirimir a questão.

O concilio se reuniu em Constantinopla em 553. Virgílio não compareceu em protesto, pois os bispos ocidentais estavam sub-representados.

No final, os bispos presentes aprovaram as teses imperiais e censuraram os atos do papa.20

Teodoro de Mopsuéstia, morto 125 anos antes, foi declarado "ímpio", "herege" e excomungado post-mortem. Os clérigos romanos que apoiavam o pontífice foram exilados ou presos.21 As conclusões do concilio foram impostas por lei, e os hereges que voltassem atrás da retratação seriam condenados à morte.22 A validade do II Concilio de Constantinopla ainda é reconhecida pela Igreja Católica e pela ortodoxa. Virgílio aprovou, com relutância, a Condenação dos Três Capítulos e morreu, talvez envenenado, no caminho de volta.23

A nova confissão de fé, que deveria ter conciliado as várias almas da cristandade, acabou descontentando a todos. No Egito e na Síria, as Igrejas monofisistas prosseguiram em suas estradas. Muitos bispos, monges e clérigos católicos dissidentes foram presos e açoitados. O novo bispo de Roma, Pelágio, enfrentou a hostilidade geral dos cristãos de Roma e só pôde voltar à cidade com a ajuda das tropas imperiais.

Na Itália, chegou a haver um cisma: o bispo de Aquiléia se autoproclamou patriarca e deu vida, com outros bispos do norte da Itália e da Dalmácia, a uma Igreja autônoma que duraria mais de um século.24


A heresia monotelista

O imperador do Oriente, Eráclio (610-641), na tentativa de dar fim às disputas em torno da natureza de Cristo, que ainda dividiam e enfraqueciam a cristandade, enquanto a expansão árabe-islâmica já pressionava o Império, criou, junto com o patriarca de Constantinopla, Sérgio, uma nova doutrina, o monotelismo, imposto por lei.

De acordo com essa doutrina, Cristo tinha duas naturezas, divina e humana (fato sobre o qual não se insistia muito, para não desagradar os monofisistas), mas uma só vontade, a divina. O cerne da questão teológica estava em um campo capaz de encontrar adeptos tanto por parte dos monofisistas quanto de seus adversários.

A doutrina monotelista foi aceita pelo papa Onório I, mas rejeitada por seus sucessores. Para os bispos e teólogos da Igreja de Roma, atribuir a Cristo apenas uma natureza divina significava reduzir a humanidade e, portanto, diminuir o valor da Paixão.

Essa decisão custou ao papa Severino o saque do Palácio de Latrão pelas tropas bizantinas, além do banimento de toda a corte papal de Roma.25 Em 648, o imperador bizantino Constante II lançou um edito proibindo todas as contendas a respeito da vontade de Cristo.

O papa Martinho I reagiu condenando o edito imperial e excomungando o patriarca de Constantinopla, e também pagou por sua insubordinação: foi preso em 653 sob a acusação de conspirar contra o Império, levado a Constantinopla, arrastado pela cidade nu e acorrentado, preso e, finalmente, mandado para o exílio na Criméia, onde morreu em consequência das privações sofridas em 655.26

Outro adversário do monotelismo, o monge grego Máximo, o Confessor, foi preso, torturado, mutilado e depois exilado.27

Apenas em 681, com o VI Concilio Ecumênico de Constantinopla, encerraram-se as controvérsias sobre a posição do Filho na Trindade.


Os cristãos destroem imagens sacras

No século VII, os cristãos se dividem acerca da questão do culto das imagens e se inaugura um século de guerras, invasões militares, perseguições, revoltas populares.

De um lado, estão os mosteiros, donos de imensas riquezas, com grande apoio popular graças exatamente ao culto das imagens sacras. De outro, estão os iconoclastas, que condenam as imagens sagradas como ídolos e superstições.

Os imperadores do Oriente temem o poder e a influência dos mosteiros e, assim, se aliam aos iconoclastas. Quem se rebela contra a nova corrente é perseguido e morto. Nem os bispos de Roma, tão distante de Constantinopla, conseguem escapar. Enfrentam várias conjurações e até mesmo expedições militares.

Mas a frota mandada por Bizâncio para sujeitar o papa afunda em uma tempestade. Deus apóia o culto das imagens?28

Iconoclastia

A iconoclastia (do grego eikon, imagem, e klaein, quebrar) consiste em um amplo movimento que se desenvolveu nos territórios do Império Bizantino, após os sermões de Serantapico de Laodicéia (cerca de 723). Os iconoclastas se remetiam às Sagradas Escrituras e, em particular, ao segundo dos dez mandamentos: "Não farás para ti ídolos nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, nem embaixo, na Terra, nem do que existe nas águas, debaixo da terra..."29

Os imperadores de Constantinopla, de imediato, apoiaram o movimento para ganhar a simpatia das comunidades orientais, próximas do invasor muçulmano, e para limitar o poder dos mosteiros.

No ano de 725, o imperador Leão III se declarou contrário à veneração das imagens e publicou algumas disposições que limitavam seu culto. Vários bispos orientais aderiram às diretivas imperiais, mas a oposição dos monges provocou, em Constantinopla e em outras cidades, revoltas populares reprimidas de maneira sanguinária.

A política iconoclasta dos imperadores de Constantinopla continuaria por mais de sessenta anos, período em que os adoradores das imagens seriam depostos, perseguidos, torturados e mortos sem piedade, e em que a questão das imagens teria servido de pretexto até para uma sangrenta guerra civil.

Em 786, a imperatriz Teodora convocou um concilio em Constantinopla, com a aprovação do papa, para restaurar o culto às imagens. A assembleia, no entanto, teve de ser dissolvida pela rebeldia de algumas tropas iconoclastas.

O concilio se reuniu depois em Nicéia, onde confirmou a validade do culto às imagens (787). Mas a iconoclastia seria recrudescida, primeiro durante o brevíssimo reinado de Constantino IV (deposto e cegado pela própria mãe, Irene), e depois, com maior estabilidade, sob o imperador Leão V, que subiu ao trono em 813, e seus sucessores. A adoração às imagens foi restaurada definitivamente em 843.

A iconoclastia deteriorou gravemente as relações entre o Império Bizantino e a Igreja de Roma. Os papas se opuseram orgulhosamente a essa doutrina e resistiram às reprovações de Constantinopla, que tentou em vão submeter a Igreja latina através de conjurações, ataques-surpresa e expedições militares. As divergências entre o papa e o imperador acabaram afastando total e definitivamente a cidade de Roma do controle da administração bizantina.


UMA PEQUENA CRONOLOGIA

723 - Por volta desse ano, com os sermões de Serantapico de Laodicéia, ganha espaço entre os árabes uma doutrina que condena a adoração às imagens sagradas: em breve, a iconoclastia irá se propagar até Constantinopla.

726 - O imperador Leão III se pronuncia contrariamente à adoração às imagens e manda retirar a imagem de Cristo de cima da porta de bronze do palácio imperial. A ordem dá ensejo a um protesto popular duramente reprimido. Em Roma, o papa Gregório II condena o edito de Leão III e convida os fiéis da Igreja de Roma a não segui-lo.

727 - Aproveitando as divergências que opõem Gregório III e o imperador Leão III, e as rebeliões populares que eclodem em várias cidades bizantinas, o rei lombardo Liutprando ocupa Sutri e Ravena, levando o exarco (o governador) Escolástico a fugir. Sutri, depois, é cedida ao papa. Essa doação é por muitos considerada a certidão de nascimento do Estado Pontifício.

Em Roma, exércitos fiéis a Bizâncio tentam matar Gregório II, mas são derrotados pelo povo romano; o exarco Paulo tenta capturar o papa, mas sua tentativa fracassa com a oposição das milícias romanas.

728 - O exarco Paulo se dirige a Roma, mas é derrotado e morto pelos antiiconoclastas. No mesmo ano, Roma se rebela contra o novo exarco Eutíquio, nomeado pelo imperador Leão III, separando-se definitivamente de Bizâncio. Os bizantinos, no entanto, conseguem reconquistar Ravena e tentam ocupar Bolonha, mas são derrotados pelos lombardos. Liutprando, rei dos lombardos, por sua vez, como defensor da fé ortodoxa e do papado, toma dos bizantinos a cidade de Classe e vários territórios na Emília.

729 - Acordo entre o exarco Eutíquio e o rei lombardo Liutprando. Eutíquio ajuda Liutprando a sujeitar os duques de Spoleto e Benevento, que, até então, gozavam de uma quase completa autonomia, em troca de auxílio para reconquistar Roma. Os dois exércitos, então, dirigiram-se a Roma, mas antes do ataque decisivo o papa Gregório II conseguiu convencer Liutprando a desistir da empreitada.

730 - Após o fracasso das tentativas com o clero contrário à iconoclastia, o imperador bizantino Leão III publica um edito em que ordena a destruição de todas as imagens cultuadas, depondo o patriarca Germano, que se recusa a aprová-lo. Para boicotar a igreja itálica antiiconoclasta, ele submete a Sicília e a Calábria à jurisdição do patriarcado de Constantinopla.

731 - O papa Gregório II se recusa a reconhecer Germano, o sucessor iconoclasta do patriarca de Constantinopla, mas pouco tempo depois falece. Sucedido por Gregório III, que de pronto condena a doutrina iconoclasta; mas os mensageiros encarregados de levar a decisão a Constantinopla são presos pelo comandante Sérgio na Sicília.

742 - O novo imperador Constantino V, em meio à campanha contra os árabes, é atacado e derrotado por seu cunhado Artavasde, que se proclama imperador, apresentando-se como o campeão da "adoração às imagens", e é coroado em Constantinopla. Enquanto o culto às imagens é restaurado na cidade, Constantino V foge e obtém o apoio incondicional de anatólicos e trácios.

743 - Constantino V retoma o poder pelas armas, manda cegar Artavasde e seus dois filhos, e se vinga de seus seguidores.

753 - O rei dos lombardos, Astolfo, impõe um tributo pessoal aos romanos, a título de protetorado. Sua recusa a suspender a aplicação do tributo leva o papa a solicitar o auxílio de Constantinopla para defender Roma, mas o imperador Constantino V se recusa a intervir. Com a ruptura da paz, os lombardos dirigem-se a Roma vindos de várias direções, para bloquear todas as vias de acesso à cidade. Diante do perigo lombardo, o papa envia um peregrino ao rei dos francos, Pepino, pedindo sua ajuda. Mas o rei Pepino não intervém, o papa deixa a Itália e, nos primeiros dias do ano seguinte, junta-se ao rei dos francos em Vetry.

754 - No palácio imperial de Hieria, na costa adriática do Bósforo, reúne-se um concilio de bispos favoráveis à iconoclastia ("sínodo acéfalo"), que condena a adoração das imagens. Após a assembleia, em toda parte as imagens sagradas são destruídas e substituídas por pinturas de temas profanos. Os dissidentes são perseguidos sem trégua.

756 - Astolfo mais uma vez cerca Roma. O papa manda outros embaixadores a Pepino, para pedir ajuda. Os francos descem até a península, derrotam o exército lombardo e impõem a Astolfo um novo tratado. O rei lombardo entrega o papa a Pentápolis e Comacchio e aceita pagar um tributo ao rei dos francos. Pepino dá ao pontífice os territórios, que se tornam oficialmente "patrimônio de São Pedro", recusando-se a aceitar o pedido dos embaixadores bizantinos que requeriam a restituição do exarcado de Ravena.

760 - Trezentos navios bizantinos chegam à Sicília para atacar a Península Itálica, enquanto a diplomacia de Constantinopla trabalha fervorosamente para isolar o papa.

767 - Em Constantinopla, a oposição à iconoclastia se reúne em torno do abade Estêvão de Auxentios, que, no entanto, é assassinado pelo povo, encorajado pelo imperador.

768 - Sérgio, filho de Cristóvão, no comando dos lombardos, monta acampamento na colina de Gianicolo. O papa Constantino é preso, e, para ocupar seu posto, é eleito o padre Felipe. Mas Cristóvão intervém e faz o povo romano expulsar Felipe, levando a uma nova eleição regular, na qual é escolhido Estêvão III. A eleição é acompanhada por novas desordens e uma série de vinganças.

775 - O imperador oriental Constantino V morre durante uma expedição contra os búlgaros. É sucedido pelo filho Leão IV, mais moderado e fortemente influenciado pela mulher, Irene, adepta do culto às imagens.

780 - A morte prematura de Leão IV leva ao trono seu filho, Constantino VI, de apenas 10 anos. A mãe, Irene assume a regência e se opõe vitoriosamente a uma tentativa de usurpação por parte dos tios paternos de Constantino, obrigando-os a se tornarem padres.

784 - Na igreja dos Santos Apóstolos em Constantinopla é aberto um concilio para restaurar a adoração às imagens, mas a intervenção dos soldados da guarda, em um primeiro momento, provoca a dispersão da assembléia. A imperatriz Irene afasta as tropas iconoclastas da capital com o pretexto de uma campanha contra os árabes e chama para Constantinopla tropas trácias, fiéis ao culto às imagens.

786 - Inicia-se, na igreja dos Santos Apóstolos, em Constantinopla, um concilio para retomar a adoração às imagens, mas a intervenção dos soldados da guarda, em um primeiro momento, dissolve a assembleia. A imperatriz Irene então afasta as tropas iconoclastas da capital, com o pretexto de uma campanha contra os árabes, e convoca tropas trácias, fiéis ao culto às imagens, para ocupar Constantinopla.

787 - Finalmente é realizado em Nicéia um concilio convocado pela imperatriz bizantina Irene, que retoma definitivamente — não sem oposição — o culto às imagens.

790 - Eclode, em Constantinopla, uma grande divergência entre o imperador Constantino VI e sua mãe, Irene, que gera uma rebelião de iconoclastas contra a imperatriz, que, no entanto, consegue sufocá-la. Irene, então, tenta legalizar o próprio poder absoluto, apoiada pelas tropas da capital, mas a decisiva intervenção do exército da Ásia Menor proclama Constantino IV o único monarca.

797 - O imperador bizantino Constantino VI, que nesse meio-tempo ganhou o apoio dos ortodoxos e dos iconoclastas, morre após ter sido cegado por ordem de sua mãe, Irene, que se torna a única governante do Império. Irene é a primeira imperadora de Bizâncio e, para conservar a simpatia da população, concede isenções fiscais, em especial aos mosteiros, levando o sistema financeiro do Estado ao caos.

802 - Para resolver o problema da coroação do imperador Carlos por parte de Bizâncio, são enviados a Constantinopla embaixadores do papa e do imperador do Ocidente, com a missão de pedir a mão da imperadora do Oriente, Irene, de forma a unificar os dois territórios. Contudo, pouco tempo depois da chegada dos embaixadores, uma revolta palaciana depõe Irene, que é deportada para Prinkipos e, posteriormente, para Lesbos, onde morre.

815 - Depois da Páscoa, tem inicio em Constantinopla um sínodo que anula o Segundo Concilio de Nicéia e volta à iconoclastia, retomando as perseguições contra os fiéis ao culto das imagens.

820 - O imperador de Bizâncio, Leão, o Armênio, é morto por seguidores de um antigo companheiro seu de armas, Miguel, o Armoriano, que ascende ao trono sob o nome de Miguel II. Durante seu reinado, as divergências religiosas têm um momento de trégua, já que ele proíbe qualquer discussão a respeito do culto às imagens.

829 - Sobe ao trono de Bizâncio o filho de Miguel II, Teófilo, último expoente da iconoclastia. Em seu reinado, a arte bizantina floresce notavelmente.

837 - João, o Gramático, tutor do imperador Teófilo e chefe dos iconoclastas, torna-se patriarca de Constantinopla e dá início a uma severa perseguição aos adoradores de imagens.

842 - Morre o imperador de Bizâncio, Teófilo, e a iconoclastia, já pouco popular, rui definitivamente.

843 - O patriarca João, o Gramático, é deposto em Constantinopla. Metódio é eleito para assumir seu lugar, e um sínodo realizado em março proclama solenemente a restauração do culto às imagens.


Nasce o Estado Pontifício

Pouco depois da morte de Justiniano, assentaram-se na Itália vizinhos inconvenientes para os bispos de Roma: os lombardos, que em várias ocasiões ocuparam boa parte da península.

Em 728, o rei dos lombardos, Liutprando, tentou tirar vantagem do conflito que opunha a Igreja de Roma e o Império Bizantino acerca da questão da iconoclastia e, sob o pretexto de defender o papa, invadiu os territórios bizantinos do exarcado de Ravena e da Pentápolis (composta por Rimini, Pesaro, Fano, Senigallia e Ancona).30 No mesmo ano, doou à Santa Sé os castelos de Sutri, Bomarzo, Orte e Amélia (o episódio é conhecido como a "Doação à Santa Sé"). Os territórios em si não tinham grande valor estratégico, mas foram o primeiro núcleo do que depois se tornaria o Estado da Igreja.

Nas décadas sucessivas, entretanto, o reino lombardo se tornou uma ameaça concreta à independência de Roma. Assim, os papas solicitaram a ajuda dos francos, um povo germânico que vivia há séculos na antiga Gália.31 No biênio 755-756, o rei dos francos, Pepino, desceu à Itália a pedido do papa Estêvão II, derrotou os lombardos que sitiavam Roma e presenteou a Igreja com Ravena, a Pentápolis e Comacchio. O ato do rei franco não foi uma doação desinteressada, e sim o pagamento de uma dívida. Alguns anos antes, na verdade, Pepirio era um simples ministro palaciano (o que hoje chamamos de "primeiro-ministro") do rei Quilderico III. Deu um verdadeiro golpe de Estado, com a aprovação prévia do papa. O próprio Estêvão II foi à Gália para coroá-lo rei, ungindo-o com óleo sagrado, em um rito tirado da Bíblia.32

Carlos Magno, filho de Pepino, ampliaria os territórios daquilo que, para todos os efeitos, era um Estado, dando-lhe a forma que manteria por mais de um milênio.


As "Doações de Constantino"

Todos Os territórios tão generosamente presenteados por Pepino eram, na verdade, propriedade do imperador de Bizâncio, que, furioso, protestou contra o furto. Providencialmente, tirou do nada um antigo documento, nada menos que o testamento assinado do imperador Constantino I. De acordo com o documento, Constantino, curado da lepra graças à ajuda do papa Silvestre, já havia doado à Igreja de Roma não só os territórios reconquistados por Pepino, mas toda a Península Itálica e o primado sobre as igrejas metropolitanas de Antioquia, Constantinopla, Alexandria e Jerusalém. Eis a razão por que, em dado momento, Constantino se mudou para Constantinopla: porque dera Roma ao papa.

O documento, conhecido como "Doação de Constantino" era falso, mas por dois séculos todos o acreditaram verdadeiro, inclusive os adversários do papa. A doação justificaria o poder temporal do pontífice durante toda a Idade Média. Nos séculos seguintes, entre altos e baixos, a Igreja incrementaria suas posses e sua influência sobre a vida política europeia.

Os papas Gregório VII (1073-1085) e Inocêncio III (1198-1216) chegariam a teorizar a teocracia, ou seja, a supremacia do poder da Igreja sobre o dos reis e imperadores. Só em 1440, o humanista Lorenzo Valia conseguiria provar definitivamente que a doação era uma fraude, em seu tratado De falso credita et ementita Constantini Donatione.


FONTE

1.   Colocamos entre parênteses os anos do efetivo reinado.
2.   Dario Fo, La vera storia di Ravenna, Franco Cosimo Panini Editore, Modena.
3.   Ibid, p. 208.
4.   Ambrogio Donini, Storia dei cristianesimo - dalle orígini a Giustiniano, Teti editore, Milão, p. 331.
5.   Ibid, p. 331.
6.   Giuseppe Alberigo - Jean Marie Mayeur, op. cit, p. 375.
7.   Ibid., p. 374-6.
8.   Ibid, p. 377.
9.   Vide Apêndice.
10. Giuseppe Alberigo - Jean Marie Mayeur, op. cit, p. 381.
11. Ibid.
12. Ibid., p. 378-381.
13. Ibid., p. 381. Outras informações sobre os montanistas no Apêndice.
14. Ibid., p. 379.
15. Ibid., p. 380. 16.Ibid., p. 382-96.
17. William L Shirer, Storia del Terzo Reich, vol. 1, Einaudi, Turim, 1962 (ou 1971), p. 36-38.
18. Giuseppe Alberigo - Jean Marie Mayeur, op. cit, p. 397. 19.Ibid., p. 399
20. Ibid., p. 400-3. 21.Ibid., p. 403.
22. David Christie-Murray, I percorsi delle eresie, Rusconi, Milão, 1998, p. 113-4.
23. Ambrogio Donini, op. cit., p. 330.
24. Giuseppe Alberigo - Jean Marie Mayeur, op. cit, p. 403-4.
25. Cronologia Universale UTET.
26. David Christie-Murray, op. cit, p. 116.
27. Ibid., p. 115-6.
28. Vide parágrafo sobre iconoclastia.
29. A Bíblia Sagrada, Deuteronômio, 5,8.
30. Estes territórios formam, aproximadamente, o atual território de Marche e da Emília-Romana.
31. Os francos foram evangelizados diretamente por missionários católicos, ao contrário, por exemplo, dos godos arianos.

32. Alessandro Barbero, Cario Magno: un padre dell'Europa, Laterza, Roma-Bari, 2000, p. 22-24.