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domingo, 17 de fevereiro de 2013

ROBERT GREEN INGERSOLL (1833-1899)



Esta biografia foi preparada por Afonso M. C. Amorim.




Robert Green Ingersoll é muito pouco conhecido atualmente. Entretanto, ele era o mais famoso orador porta-voz político norte-americano do século passado. Talvez o mais conhecido norte-americano na era pós guerra civil.


Ingersoll nasceu em Dresden, Nova York em 1833. Seu pai era um pastor presbiteriano que mudava constantemente de congregação. Os Ingersolls deixaram Dresden quando o pequeno Robert era ainda um bebê de menos de quatro meses. Ingersoll ficaria famoso como morador da cidade de Peoria, Illinois; em Washington; e finalmente em Nova York. Entretanto, a casa de nascimento de Ingersoll persiste como o único local em que residiu que está aberta à visitação pública, como uma homenagem.


Ingersoll ingressou na vida pública em Peoria, Illinois, como advogado. Depois de relevantes serviços na guerra civil, ele serviu como procurador geral em Illinois. Politicamente ele se aliou aos republicanos, o partido de Lincoln, que naqueles dias eram a voz do modernismo. Os discursos inflamados de Ingersoll logo fizeram dele o mais requisitado orador em favor dos candidatos republicanos, e suas causas. Sua carreira como jurista foi destacada. Ele montou uma defesa bem sucedida de dois homens falsamente acusados no escândalo Star Route, talvez o mais controvertido processo político do final do século passado.

 
Mas foram seus discursos privados que o tornaram famoso. Em turnês freqüentes em percorreu os EUA de costa a costa e discursava perante platéias que lotavam casas de espetáculo, falando sobre tópicos que variavam de Shakespeare, ciência e religião. Numa época em que a oratória era a forma predominante de entretenimento público, Ingersoll era o inigualável mestre dos oradores americanos. Ingersoll era amigo de presidentes, de literatos famosos como Mark Twain, capitães da indústria, como Andrew Carnegie, e figuras destacadas nas artes. Ele era também admirado por reformadores como Elizabeth Cady Stanton. Outros americanos se consideravam seus inimigos. Ele se opôs energicamente contra os Direitos Religiosos de sua época. Ele foi um dos primeiros divulgadores dos trabalhos de Charles Darwin, e um incansável defensor da ciência e da razão. Mais ainda, ele defendia os direitos das mulheres e dos negros.

 

O NASCIMENTO E A JUVENTUDE DE INGERSOLL

Robert Ingersoll nasceu em 11 de Agosto de 1833, o mais jovem de cinco filhos de John e Mary Ingersoll. John Ingersoll era um pastor presbiteriano. Era um homem que acreditava, nas palavras de ElbertHubbard, que "tudo aquilo que desse prazer, não era totalmente bom". Segundo se dizia, era um pastor severo e independente. John Ingersoll pregava o abolicionismo tão energicamente, que freqüentemente as congregações o demitiam. Em Dresden ocorreu o mesmo; os Ingersolls deixaram a cidade antes de Robert ter completado quatro meses de idade. Mary Ingersoll morreu aos trinta e um anos de idade, quando Robert tinha ainda um ano e meio de idade. Reverendo Ingersoll e os cinco filhos continuaram a peregrinar. Durante a infância de Robert a família viveu em diferentes comunidades em Nova York, Ohio e Wisconsin. Robert recebeu pouca escolaridade formal. Ele viu pela primeira vez os bancos de uma sala de aula convencional quando tinha quinze anos, enquanto sua família estava residindo em Waukesha, Wisconsin.

Mais tarde ele iria afirmar que sua real educação começou quando ele estava esperando numa loja e encontrou um livro de poesias de Robert Burns.


Por fim a família veio para Seattle, Illinois. Nesta cidade, Robert Green Ingersoll, agora um rapaz, decidiu procurar seu destino. Ele tinha herdado a habilidade do pai na oratória, já tinha visto o suficiente sobre o que representava a vida errante de um pregador. Ele se praticou seguidamente a profissão das leis com dois advogados, e desta maneira, ele se qualificou para a prática da profissão.


OS ANOS EM PEORIA COM SEU IRMÃO EBON CLARK INGERSOLL

Ingersoll iniciou a prática da advocacia na cidadezinha de Peoria, Illinois. Seu escritório prosperou. Ambos os irmãos se tornaram ativos namilitância política local.


Em 1862 Robert Ingersoll ingressou no 11º Regimento de Cavalaria de Illinois, e chegou ao posto de Coronel. O Regimento de Ingersoll lutou com distinção na batalha de Shiloh durante a guerra da secessão. Logo em seguida Ingersoll foi capturado. Como geralmente ocorria com oficiais no início da guerra, Ingersoll foi colocado em liberdade condicional: foi libertado na condição de não lutar mais.

Ingersoll construiu a fama de orador durante e depois da guerra Em 1867, ele foi nomeado o primeiro procurador geral do Illinois. Este foi o primeiro - e o último - cargo público que ocupou. Os discursos de Ingersoll tiveram um papel fundamental na campanha congregacional do irmão Ebon. Em 1868 Ingersoll foi indicado representante político dos republicanos, mas não aceitou a missão quando foi proibido de discursar sobre temas polêmicos, como direitos das mulheres e religião.



INGERSOLL E A POLÍTICA


Ingersoll foi o mais conhecido orador político da América no século XIX. Em 1876 ele fez um discurso na convenção nacional republicana em Cincinatti, Ohio, nomeando James G. Blaine para a presidência. O partido nomeara, em vez disso, Rutherford Hayes, mas o discurso marcante de Ingersoll -- desde então conhecido como o discurso do Cavaleiro com plumas, foi considerado, durante as décadas seguintes como o discurso político da época. Candidatos procuravam avidamente os serviços de Ingersoll. Ele trabalhava para qualquer candidato presidencial republicano, de Grant a MacKinley. Entretanto, devido a seus pontos de vista controvertidos, Ingersoll nunca foi convidado a participar de cargo público por nenhum dos políticos cujos mandatos ele ajudou a conquistar.


INGERSOLL E A LEI


A prática da advocacia deu mais fama ainda a Ingersoll. Começando em1880, ele defendeu Thomas J. Brady e Stephen W. Dorsey, no famoso escândalo de Star Route. O caso Star Route que dizia respeito a corrupção em correios no interior, foi o escândalo Watergate daquela época. A nação assistia a habilidade do advogado conduzindo aquele que seria o mais longo julgamento da história americana. Depois de meses de batalha, Ingersoll conseguiu a absolvição dos seus clientes. Charges da época sugeriram que o julgamento fizeram de Ingersoll um homem rico. Na verdade ele foi pago apenas com um rancho no Novo México, de utilidade duvidosa.

 
Em 1886 Ingersoll se ofereceu para a defesa gratuita de Charles B.Reynolds, um proeminente livre-pensador que havia sido preso em Boonton, New Jersey, sob a arcaica acusação de blasfêmia. Reynolds foi indiciado, e Ingersoll pagou do próprio bolso os 50 dólares de fiança. Mas Ingersoll ironizou de tal maneira a idéia da blasfêmia num código de leis de uma sociedade livre, que desde então em poucos estados se viram outros processos por blasfêmia.


UM ORADOR FASCINANTE


Entre 1865 e 1899 Ingersoll percorreu todos os EUA em mais de doze turnês. Ele enchia os maiores teatros da época, cobrando um dólar deingresso. Ingersoll fazia discursos de três a quatro horas, de improviso. Nenhum outro ser humano foi mais visto e ouvido do que ele -- até o advento do rádio e TV. Seus assuntos variavam entre Shakespeare, Burns e religião, de política e questões morais, das vidas de famosos patriotas e cientistas. Entre seus mais conhecidos discursos, estavam "Os deuses","Fantasmas", "Humboldt", "Shakespeare", e "O que devemos fazer para sermos salvos?".

Ingersoll foi admirado por líderes contemporâneos em todos os campos de atuação. Entre seus admiradores, estavam o presidente James Garfield, poeta Walt Whitman, General Ulysses Grant, industrial-filiantropo AndrewCarnegie, inventor Thomas Edison, pastor Henry Ward Beecher. Samuel Clemens (Mark Twain), era particularmente impressionado com Ingersoll. Depois de ouvir um discurso de Ingersoll, ele escreveu à sua esposa Olivia Langdon Clemens: "Que órgão maravilhoso é o da fala, quando manobrado por um mestre!".

 

QUANTOS RETORNOS À TERRA NATAL


Ingersoll parece ter retornado à sua terra natal apenas uma vez. Ele discursou para 8000 admiradores em Yates County Fair em Penn Yan, duas milhas distante de sua região de nascimento, em 1º de Outubro de 1899. Em1951 em Geneva, N.Y., jornais publicaram a alegação de que Ingersoll havia retornado a Dresden cedo na sua carreira, fazendo um comovedor Dia de Recordações em 1866. Páginas manuscritas deste discurso com letra semelhante à sua existem até hoje. Se o relato de 1951 for comprovado,este pode ser considerado a primeiro discurso melodramático que se tornaram a marca registrada de Ingersoll em toda a sua vida. E o lugar se ajusta claramente ao seu lugar de nascimento.



AS RESIDÊNCIAS DE INGERSOLL DEPOIS DE DEIXAR PEORIA


Ingersoll morou também em Washington e Nova York. Nenhuma dessas casas resiste até hoje. Sua casa de tijolos aparentes em Nova York foi demolida nos anos 20 para dar lugar ao Hotel Gramercy Park. Os seus admiradores colocaram uma placa em sua memória quando o hotel foi inaugurado. Anos depois a placa foi vandalizada e teve de ser removida. O Comitê da Memória de Robert Green Ingersoll colocou uma nova placa na área externa do mesmo hotel em 1988.



MORTE E LEMBRANÇAS


Ingersoll faleceu de insuficiência cardíaca em 21 de Julho de 1899, na espaçosa casa de seu genro em Dobbs Ferry-on-Hudson, Nova York . Ele tinha 65 anos de idade A casa onde morreu permanece de pé, mas foi convertida em condomínio. Não está aberta ao público, e não possui nenhuma placa comemorativa. Ingersoll foi sepultado com honras militares no Cemitério Nacional de Arlington, Virginia, onde sua grande lápide ainda pode ser vista. Pouco tempo depois de sua morte, seus trabalhos completos foram reunidos e publicados pelo seu cunhado Clinton P. Farrell. A rica edição de 12volumes ficou conhecida como a Edição de Dresden, em homenagem à sua cidade de nascimento. A Edição Dresden foi reimpressa diversas vezes. As últimas edições contêm a biografia de Ingersoll feita por Herman Kittredge, formando um terceiro volume.



QUEM "BOB" NÃO ERA


Robert Ingersoll é freqüentemente confundido com dois outros famosos Ingersolls do século XIX. A companhia de Relógios Ingersoll vendia valiosos relógios de bolso ao preço de um dólar. Apesar de Robert e o fundador da companhia terem tido o mesmo ancestral, não havia outra conecção entre eles. Robert Ingersoll não tinha também nenhuma ligação coma Companhia Ingersoll-Rand, um fabricante de compressores e equipamentos de construção ainda em atuação até o presente.




FRASES DE ROBERT INGERSOLL




A inspiração da Bíblia depende da ignorância da pessoa que a lê".Robert G. Ingersoll político e professor Americano.


"Não acredito em nenhum deus, em nenhuma religião. Mas eu tenho um credo: sejamos felizes e façamos aos outros felizes. Não é muita coisa, mas é o suficiente para esta vida. Se houver outra vida, ao lá chegarmos pensaremos em alguma lei apropriada" Robert G. Ingersoll político e professor Americano.

A Religião persegue, tortura e queima quem discorda dela. A Ciência e a Filosofia nunca mataram ninguém, apenas buscam descobrir as leis da natureza (Robert G. Ingersoll)

“Se Cristo realmente disse “Eu não vim trazer a paz, mas a espada”, esta é a única profecia do Novo Testamento que se cumpriu.”

"A religião nunca será capaz de reformar a humanidade porque religião é uma escravidão". [Robert Green Ingersoll (1833-1899)].


"Deus disse aos judeus que matassem todos os hereges, todos os que adorassem outro deus. Então ele enviou seu filho ao mundo para pregar uma nova religião. Se os judeus o mataram, eles não fizeram mais do que cumprir seu mandamento e Deus não pode se queixar". [Robert Green Ingersoll].


"Quem seguisse hoje o que manda o Antigo Testamento seria preso como criminoso. Quem seguisse o Novo Testamento seria declarado louco". [Robert G. Ingersoll, Third Interview on Rev. Talmadge, 1882].



"Por que somos tão presunçosos a ponto de achar que um ser infinito precisa do nosso louvor?" [Robert Green Ingersoll].


"Parece-me que tudo o que é necessário para convencer uma pessoa razoável de que a Bíblia é uma simples invenção humana - uma invenção de bárbaros - é lê-la. Leia a Bíblia como você leria qualquer outro livro. Pense nela como você pensaria a respeito de qualquer outro. Tire dos olhos a venda do respeito reverente. Tire do coração o fantasma do medo e expulse do trono do seu cérebro a serpente da superstição. Leia então a Santa Bíblia e você se espantará por ter, algum dia, suposto que um ser de infinita sabedoria, bondade e pureza foi o autor de tal ignorância e tal atrocidade". [Robert Green Ingersoll (1833-1899), norte-americano, livre pensador, agnóstico, no livro "The Gods" ("Os deuses"), 1872]. 





 


 
 




 
 

  


 





  



 














 

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O QUE É RELIGIÃO?






I

Afirma-se que um Deus infinito criou todas as coisas, que governa todas as coisas e que suas criaturas devem ser obedientes e gratas ao criador; que tal criador exige certas coisas, e a pessoa que concorda com tais demandas é religiosa. Este tipo de religião tem sido substancialmente universal.

Por muitos séculos e em muitos povos existiu a crença que tal Deus exigia sacrifícios – que lhe agradava quando pais derramavam o sangue de seus bebês. Posteriormente, supôs-se que ficava satisfeito com o sangue de bois, cordeiros e pombas, e que, em troca ou em consideração a tais sacrifícios, Deus dava a chuva, o sol e a colheita. Também se acreditava que se os sacrifícios não fossem feitos, este Deus enviaria pestilência, fome, inundação e terremotos.

A última fase desta crença no sacrifício foi, de acordo com a doutrina cristã, que Deus aceitou o sangue de seu filho – que, depois de seu filho ter sido assassinado, ele, Deus, satisfez-se e deixou de desejar sangue.

Durante todos esses anos e em todos esses povos, havia a crença de que este Deus ouvia e respondia orações, que perdoava pecados e salvava as almas dos verdadeiros fiéis. Isso, de um modo genérico, é a definição de religião.

Agora, as questões são estas: será que a religião foi fundamentada em qualquer fato conhecido? Será que este tipo de ser – Deus – existe? Será que foi ele quem nos criou? Será que alguma oração já foi respondida? Será que algum sacrifício de bebês ou bois assegurou a mercê deste Deus invisível?

Primeiro:

Um Deus infinito criou os homens?

Por que criou os intelectualmente inferiores?

Por que criou os deformados e os desvalidos?

Por que criou os criminosos, os dementes, os loucos? O poder e a sabedoria infinitas podem apresentar qualquer justificativa para a criação dessas falhas?

Tais falhas estão sob a obrigação de seu criador?

Segundo:

Um Deus infinito é o governador deste mundo?

É o responsável por todos os chefes, reis, imperadores e rainhas?

É o responsável por todas as guerras que foram travadas, por todo o sangue inocente que foi derramado?

É o responsável por séculos de escravidão, pelas costas que foram feridas pelo flagelo, pelos bebês que foram vendidos ainda no seio de suas mães, pelas famílias que foram separadas e destruídas?

Este Deus é o responsável pela perseguição religiosa, pela Inquisição e por todos os instrumentos de tortura?

Este Deus permitiu que os cruéis e vis destruíssem os bravos e os virtuosos? Permitiu que tiranos derramassem o sangue de patriotas?

Permitiu que seus inimigos torturassem e queimassem seus amigos?

Quanto vale um Deus dessa espécie?

Um homem decente, tendo poder para evitá-lo, permitiria que seus inimigos torturassem e queimassem seus amigos?

É possível concebermos uma malevolência suficiente para dar preferência aos inimigos em vez dos amigos?

Se um Deus bondoso e infinitamente poderoso governa este mundo, como podemos justificar os ciclones, os terremotos, a pestilência e a fome?

Como podemos justificar o câncer, os micróbios, a difteria e o milhar de outras doenças que atacam durante a infância?

Como podemos justificar as bestas selvagens que devoram seres humanos e as serpentes cujas mordidas são letais?

Como podemos justificar um mundo onde a vida alimenta-se da vida?

Será que os bicos, garras, dentes e presas foram inventados e produzidos pela infinita misericórdia?

A bondade infinita deu asas às águias para que suas presas fugazes pudessem ser arrebatadas?

A bondade infinita criou os animais de rapina com a intenção de que eles devorassem os fracos e os desamparados?

A bondade infinita criou as inumeráveis criaturas inúteis que se reproduzem dentro de outros seres e se alimentam de sua carne?

A sabedoria infinita produziu intencionalmente os seres microscópicos que se alimentam do nervo óptico?

Pense na idéia de cegar um homem para satisfazer o apetite de um micróbio!

Pense na vida alimentando-se da própria vida! Pense nas vítimas! Pense no Niagara de sangue se derramando no precipício da crueldade!

Tendo em vista tais fatos, o que é, afinal, a religião?

É o medo.

O medo constrói altares e oferece sacrifícios.

O medo erige catedrais e curva a cabeça dos homens em adoração.

O medo dobra os joelhos e profere as orações.

O medo finge amar.

A religião ensina virtudes escravizantes – obediência, humildade, autonegação, perdão econformismo.

Lábios – religiosos e tementes – repetem, tremulantes, esta passagem: “Ainda que ele me mate, nele confiarei” (cf. Jó – 13:15). Isso é um abismo de degradação.

A religião não ensina autoconfiança, independência, hombridade, coragem, autodefesa. A religião faz de Deus o mestre e do homem seu servo. E tal mestre não consegue ser suficientemente grandioso para fazer da escravidão algo aprazível.

  
II

Se Deus existe, como podemos saber se ele é bom? Como podemos provar que é misericordioso, que se importa com sua criação?

Se tal Deus existe, então viu, em muitas ocasiões, milhões de suas pobres criaturas arando os campos, semeando grãos, e quando os viu, sabia que dependiam da colheita para sobreviver e, ainda assim, esse bondoso Deus, esse ser compassivo, não lhes proveu chuva. Fez o sol nascer, roubando da terra toda a umidade, e não enviou chuva. Viu as sementes que os homens plantaram murchar e perecer, mas não enviou chuva.

 Viu as pessoas olharem, com tristeza, a terra estéril, e não enviou chuva. Viu-os, lentamente, devorar o pouco que tinham, e viu-os quando vieram os dias de fome – viu-os definhando lentamente, viu-os famélicos, com seus olhos combalidos; ouviu suas preces, viu-os devorar os miseráveis animais que tinham, viu pais e mães, ensandecidos pela fome, matando e comendo seus bebês depauperados – e, apesar de o céu sobre eles ser como bronze e a terra abaixo como ferro, não enviou qualquer chuva. Podemos dizer que, no coração deste Deus, havia a flor da piedade? Podemos dizer que se importa com sua criação? Podemos dizer que sua piedade é eterna?

Constitui uma prova de que este Deus é bondoso o fato de ele enviar ciclones que destroem vilarejos e cobrem os campos com corpos desfigurados de pais, mães e bebês? Constitui uma prova de sua bondade ver que ele abriu precipícios na terra que engoliram milhares de crianças indefesas? Ou será que ele é bom porque vulcões os devastaram em rios de fogo? Podemos inferir que Deus é bondoso a partir dos fatos que conhecemos?

Se essas calamidades não ocorressem, suspeitaríamos que Deus não se importa com os seres humanos? Se não houvesse fome, pestilência, ciclones ou terremotos, pensaríamos que Deus não é bom?

De acordo com os teólogos, Deus não fez todos os homens iguais. Fez raças que diferem em inteligência, estatura e cor. Há algum traço de bondade, de sabedoria nisso?

Deveriam as raças superiores agradecer a Deus pelo fato de não serem inferiores? Se dissermos que sim, então faço outra pergunta: deveriam as raças inferiores agradecer a Deus por não serem superiores, ou talvez deveriam agradecer a Deus por não serem bestas selvagens?
Quando Deus fez essas raças diferentes, sabia que as superiores escravizariam as inferiores, sabia que os inferiores seriam conquistados e, finalmente, destruídos.

Se Deus fez isso, se sabia do sangue que seria derramado, das agonias que seriam enfrentadas, se viu os incontáveis campos repletos de cadáveres, se viu as costas ensangüentadas dos escravos, todos os corações partidos das mães cujos bebês foram roubados – se Deus viu e sabia disso tudo, será que conseguiríamos conceber um demônio mais malevolente?

Por que, então, deveríamos dizer que Deus é bondoso?

As paredes úmidas dos calabouços contra as quais os bravos e os generosos viram-se definhar, os patíbulos manchados e glorificados com sangue nobre, os escravos sangrando e sem uma gota de esperança, os mártires que foram envolvidos em chamas, os virtuosos estirados em aparelhos de tortura, vendo suas juntas e músculos desfazendo-se, os corpos feridos e sanguinolentos dos justos, os olhos que foram extintos por buscarem a verdade, os incontáveis patriotas que lutaram e pereceram em vão, as esposas exploradas, espancadas e infelizes, os rostos esquálidos de bebês desprezados, os milhões de assassinados no passado, as vítimas de vendavais, inundações e incêndios, as forças aprisionadas da Terra, os trovões e raios, as torrentes de lava escaldante, a fome, a praga e as dores intermináveis, as bocas pingando sangue, as presas que envenenam, os bicos que ferem e dilaceram, o triunfo da escória, as leis e o poder dos corruptos, as coroas que a crueldade vestiu, os hipócritas de batina, com suas mãos ensangüentadas e unidas em oração, agradecendo seu Deus – este fantasma demoníaco – pela liberdade ter sido banida do mundo: essas recordações de um passado amedrontador, esses horrores ainda existem.

Tais fatos aterrorizantes negam a existência de qualquer Deus que deseja e possui poder para proteger e abençoar a raça humana.

  
III

A maior parte das pessoas se apega ao sobrenatural. Se abandonarem um Deus, logo em seguida imaginam outro. Tendo posto Jeová de lado, falam sobre o poder que trabalha pelo bem.

O que é este poder?

O homem avança, e necessariamente avança através da experiência. Um homem, desejando ir a um certo local, chega a um ponto onde a estrada bifurca-se. O homem segue pelo caminho da esquerda, acreditando ser esse o caminho certo, e continua a viajar até descobrir que tomou o caminho errado.

Então redefine seu percurso e toma o caminho da direita, chegando, assim, ao local desejado. A próxima vez em que o homem quiser ir àquele lugar, não seguirá pelo caminho da esquerda, pois já fez essa trajetória e sabe que é errada. Assim, ele segue pelo caminho da direita, e por isso os teólogos dizem: “Há um poder que trabalha pelo bem”.
Uma criança, encantada pela beleza de uma chama, tenta pegá-la com a mão. A mão é queimada, e após isso a criança mantém sua mão longe do fogo. O poder que trabalha pelo bem ensinou uma lição à criança.

A experiência acumulada do mundo é o poder e a força que trabalha pelo bem. Essa força não é consciente, não é inteligente. Não tem vontade, não tem objetivo. É somente um resultado.

Milhares também tentaram estabelecer a existência de Deus pelo fato de termos aquilo que se denomina senso moral; isto é, uma consciência.

Teólogos e muitos dos assim chamados “filósofos” insistem que este senso moral, este senso de dever, de obrigação, veio de fora, e que a consciência é algo especial. Partindo da idéia de que este senso moral não foi produzido aqui, que não foi produzido pelos homens, então imaginam um Deus do qual isso proveio.

O homem é um ser social. Vivemos juntos em famílias, tribos e nações.

Os membros de uma família, de uma tribo ou de uma nação que aumentam a felicidade da família, da tribo ou da nação são considerados bons membros. São elogiados, admirados e respeitados. São considerados bons, isto é, morais.

Os membros que produzem miséria na família, na tribo ou na nação são considerados maus membros. São acusados, desprezados e punidos. São considerados imorais.

A família, a tribo, a nação, criam padrões de conduta, de moralidade. Não há qualquer coisa de sobrenatural nisso.

O mais grandioso dos seres humanos disse: “A consciência nasce do amor”.

Este senso de obrigação, de dever, foi produzido naturalmente.

Entre selvagens, as conseqüências imediatas das ações são levadas em consideração. Na medida em que os povos avançam, as conseqüências mais distantes são percebidas. O padrão de conduta tornasse mais elevado. A imaginação é cultivada. O homem torna-se capaz de colocar a si mesmo no lugar do outro. O senso de dever torna-se mais forte, mais imperativo. O homem passa a julgar a si próprio.

O homem ama, e o amor é o princípio, a fundação das mais elevadas virtudes. Se fere alguém que ama, então vem o remorso, o arrependimento, a tristeza, a consciência. Nisso tudo não há nada de sobrenatural.

O homem enganou a si próprio. A natureza é um espelho no qual o homem vê sua própria imagem, e todas as religiões sobrenaturais se embasam na pretensão de que a imagem, que parece estar por detrás deste espelho, foi alcançada.

Todos os metafísicos espiritualistas, de Platão a Swedenborg, manufaturaram seus fatos, e todos os fundadores de religião têm feito o mesmo.

Suponhamos que um Deus infinito exista. O que podemos fazer por ele? Sendo infinito, também é incondicional; sendo incondicional, não pode ser beneficiado ou prejudicado. Deus não pode querer: ele tem.

Pense no egotismo de um homem que acredita que um ser infinito deseja suas preces!

  
IV

O que nossa religião produziu? Obviamente, os cristãos admitem que todas as outras religiões são falsas, e conseqüentemente precisamos examinar apenas a nossa.

O cristianismo deu luz a algo bom? Tornou o homem mais nobre, mais compassivo, um pouco mais honesto? Quando a Igreja tinha o controle, isso tornou os homens melhores e mais felizes?

Qual foi o efeito do cristianismo na Itália, na Espanha, em Portugal e na Irlanda?

O que a religião fez pela Hungria ou pela Áustria? Qual foi o efeito do cristianismo na Suíça, na Holanda, na Escócia, na Inglaterra, na América? Sejamos honestos. Esses países poderiam ter sido piores sem religião? Poderiam ter sido piores se tivessem qualquer outra religião, que não o cristianismo?

Torquemada teria sido pior se tivesse sido um seguidor de Zoroastro? Calvino teria sido mais sanguinário se tivesse acreditado na religião dos habitantes das Ilhas do Sul? Os holandeses teriam sido mais tolos se tivessem negado o Pai, Filho e Espírito Santo e, em vez disso, adorassem a sagrada trindade da salsicha, da cerveja e do queijo? John Knox teria sido pior se tivesse deserdado Cristo e se tornado um seguidor de Confúcio?

Peguemos nossos caros e compassivos patriarcas puritanos. O que o cristianismo fez por eles? Os fez odiar o prazer. Na porta da vida penduraram as vestimentas da morte. Eles silenciaram todos os sinos da alegria. Faziam berços embalando caixões. No ano puritano havia doze dezembros. Tentaram fazer desaparecer a infância e a juventude, o canto de bebês e a melodia da manhã.

A religião dos puritanos era uma pura maldição. Os puritanos acreditam que a Bíblia é a palavra de Deus, e esta crença sempre fez aqueles que a portaram cruéis e vis. Os puritanos teriam sido piores se tivessem adotado a religião dos índios da América do Norte?

Permitam que eu me refira a apenas um fato que demonstra a influência da crença na Bíblia em seres humanos: “No dia da coroação da rainha Elizabeth, ela foi presenteada com uma Bíblia por um velho homem representando o Tempo, com a verdade sentada ao seu lado como uma criança. A rainha recebeu a Bíblia, beijou-a, e empenhou-se em lê-la diligentemente. Em dedicação a esta Bíblia abençoada, a rainha foi piamente exortada a passar todos os papistas pelo fio da espada”.

Neste incidente vemos o real espírito dos protestantes que amam a Bíblia. Em outras palavras, é tão demoníaco, tão infame quanto o espírito católico.

A Bíblia fez com que o povo da Geórgia se tornasse gentil e compassivo? Os linchadores seriam mais ferozes se adorassem deuses de madeira e pedra?


V

A religião foi utilizada e, em todos os países, em todos os tempos, ela falhou.

A religião nunca tornou o homem misericordioso.

Lembre-se da Inquisição.

Que efeito teve a religião na escravidão?

A religião sempre foi inimiga da ciência, da investigação e do livre-pensamento.

A religião nunca tornou os homens livres.

Nunca tornou o homem moral, moderado, laborioso e honesto.

Os cristãos são mais moderados, sequer mais virtuosos, sequer mais honestos que selvagens?

Entre selvagens não percebemos claramente que seus vícios e crueldades são fruto de suas superstições?

Para aqueles que acreditam na uniformidade da natureza, a religião é impossível.

Podemos afetar a natureza e as características da matéria através da oração? Podemos apressar ou atrasar as marés através da oração? Podemos mudar a direção dos ventos oferecendo sacrifícios? Se nos ajoelharmos, isso nos trará saúde? Podemos curar uma doença através da súplica? Podemos enriquecer nosso conhecimento através de uma cerimônia? Podemos receber virtude ou honra como esmolas?

Não são os fatos do mundo mental produzidos de um modo tão necessário quanto os fatos do mundo material? Deste modo, aquilo que chamamos de mente não é precisamente tão natural quanto aquilo que chamamos de corpo?

A religião apóia-se na idéia de que a natureza tem um Mestre, que este mestre ouve preces e orações, que este mestre pune e recompensa, que ama a adoração e a lisonja e odeia os bravos e os livres.

O homem obteve, alguma vez, qualquer ajuda do céu?


VI

Se temos uma teoria, precisamos de fatos para fundamentá-la. Precisamos de embasamento empírico. Não podemos construir nosso conhecimento através da intuição, de fantasias, de analogias ou inferências. A estrutura precisa de uma fundamentação. Se pretendemos construir, devemos começar pelo alicerce.

Tenho uma teoria e tenho quatro fundamentos para ela.

O primeiro fundamento é que a matéria – a substância – não pode ser destruída, não pode ser aniquilada.

O segundo é que a força não pode ser destruída, não pode ser aniquilada.

O terceiro é que matéria e força não podem existir separadamente – nenhuma matéria à parte da força e nenhuma força à parte da matéria.

O quarto é que aquilo que não pode ser destruído também não pode ser criado – que o indestrutível é incriável.

Se essas quatro proposições são fatos, segue-se necessariamente que a matéria e a força são eternas, que não podem ser aumentadas ou diminuídas.

Segue-se que nada foi ou pode ser criado, que nunca houve ou pode haver um criador.

Segue-se que não pode haver qualquer inteligência, qualquer intenção por detrás da matéria e da força.

Não há inteligência sem força. Não há força sem matéria. Conseqüentemente, não há qualquer possibilidade de ter existido uma inteligência, uma força por detrás da matéria.

Logo, o sobrenatural não existe e não pode existir. Se essas quatro proposições são fatos, a natureza não tem qualquer mestre. Se a matéria e a força são eternas, segue-se necessariamente que Deus não existe, que nenhum Deus criou ou governa o Universo, que nenhum Deus existe para responder às orações, que nenhum Deus socorre os oprimidos, que nenhum Deus se compadece com o sofrimento dos inocentes, que nenhum Deus se importa com os maus tratos dispensados aos escravos ou com as mães que perderam seus bebês, que nenhum Deus resgata os torturados, que nenhum Deus salva os mártires das chamas. Em outras palavras, isso prova que o homem nunca recebeu qualquer ajuda do céu, que todos os sacrifícios foram em vão e que todas as preces foram proferidas ao vento, sem ninguém para ouvi-las. Não finjo saber – apenas digo o que penso.

Se matéria e força são eternas, segue-se que tudo que foi possível já aconteceu, que tudo que é possível está acontecendo e que tudo que será possível acontecerá.

No Universo não há acaso, não há caprichos. Todos eventos têm seu antecedente.

Aquilo que nunca aconteceu não poderá acontecer. O presente é o produto necessário de todo o passado, a causa necessária de todo o futuro.Na cadeia infinita de eventos não há – e não pode haver – qualquer elo quebrado, qualquer elo faltando. A forma e o movimento de cada estrela, o clima do mundo todo, todas as formas de vida animal e vegetal, todos instintos, a inteligência e a consciência, todas as afirmações e negações, todos os vícios e virtudes, todos os pensamentos e sonhos, todas as esperanças e medos, são necessidades. Nenhuma das incontáveis coisas e relações no Universo poderia ser diferente.


VII

Se a matéria e a força são eternas, então podemos dizer que o homem não teve um criador inteligente, que o homem não foi uma criação especial.

Sabemos – se é que sabemos qualquer coisa – que Jeová, o oleiro divino, não misturou e moldou barro na forma de homens e mulheres e então lhes soprou o sopro da vida.

Sabemos agora que nossos primeiros pais não eram “estrangeiros” neste mundo. Sabemos que eram nativos, que foram produzidos aqui, que suas vidas não foram criadas pelo sopro de qualquer divindade. Sabemos agora – se é que sabemos qualquer coisa – que o Universo é natural e que os homens e as mulheres surgiram naturalmente. Atualmente, sabemos quais são nossos ancestrais, podemos fazer nossa árvore genealógica.

Temos todos os elos da corrente – e não obtivemos tais informações de livros inspirados. Temos fatos: fósseis e formas vivas.

Das criaturas mais simples, de uma sensação cega, de uma forma viva rudimentar, de um desejo vago, até uma única célula com núcleo, até uma estrutura cheia de fluido, até uma estrutura com paredes duplas, até um verme achatado, até algo que já respira, até um organismo que possui uma medula espinhal, até um elo entre os invertebrados e os vertebrados, até um que possui um crânio – uma casa para o cérebro –, até uma forma dotada de barbatanas e, em seguida, outra com barbatanas posteriores e anteriores, até os répteis, até os mamíferos, até os marsupiais, até os lêmures habitantes de árvores, até os simiescos e, finalmente, até o homem.

Conhecemos os caminhos que a vida percorreu. Conhecemos as pegadas da evolução – elas foram traçadas. O último elo foi encontrado. Por isso, estamos em débito, acima de tudo, ao maior dos biólogos, Ernest Haeckel.

Acreditamos agora que o Universo é natural; negamos a existência do sobrenatural.


VIII

Por milhares de anos homens e mulheres têm tentado reformar o mundo. Criaram deuses e demônios, paraísos e infernos; escreveram livros sagrados, realizaram milagres, construíram catedrais e calabouços; coroaram e destronaram reis e rainhas; maltrataram e aprisionaram, torturaram e queimaram pessoas vivas; pregaram e rezaram; valeram-se de promessas e ameaças; adularam e persuadiram; apregoaram e ensinaram; de diversos modos, empenharam-se em tornar as pessoas honestas, temperadas, laboriosas e virtuosas; construíram hospitais e asilos, universidades e escolas. Parecem ter feito o máximo que estava ao seu alcance para tornar a humanidade melhor e mais feliz, e ainda assim falharam.

Por que falharam? Vou dizer o porquê.

Ignorância, pobreza e vício estão povoando o mundo. A sarjeta transformou-se num berçário.

Pessoas incapazes de sustentarem a si próprias enchem lares, casebres e choupanas de crianças, ficando à mercê do “Senhor”, da sorte e da caridade. Não são suficientemente inteligentes para pensar sobre as conseqüências ou sentir responsabilidade. Ao mesmo tempo, não querem crianças, pois estas são uma maldição – para os pais e para si próprias.

O bebê não é bem-vindo porque, na verdade, constitui um fardo. Essas crianças inconvenientes abarrotam prisões, asilos, creches, hospitais, e também lotam os patíbulos. Poucas se salvam pelo acaso ou pela caridade, mas a grande maioria constitui um malogro. Elas se tornam viciosas, ferozes. Vivem através da fraude e da violência, e posteriormente transmitem seus vícios aos seus filhos.

Contra esta inundação de vícios, as forças reformistas são inúteis, e a própria caridade se converte em uma forma inconsciente de promover o crime.

O insucesso parece ser a “marca registrada” da natureza. Por quê? Porque a natureza não possui um projeto e tampouco inteligência. A natureza produz sem objetivo, sustenta sem intenção e destrói sem pensamento. O homem possui uma pequena inteligência, e deveria usá-la. O intelecto é a única coisa capaz de elevar a humanidade.

A verdadeira questão é esta: podemos evitar que os ignorantes, os pobres e os viciosos continuem abarrotando o mundo com seus filhos?

Podemos evitar que esse Missouri de ignorância e vício deságüe no Mississipi da civilização?

Precisamos ser as eternas vítimas de uma paixão ignorante? O mundo pode ser civilizado a um ponto em que as conseqüências serão levadas em consideração por todos?

Por que homens e mulheres concebem filhos dos quais não podem cuidar, que são um fardo e uma maldição? Por quê? Porque possuem mais paixão do que inteligência, mais paixão do que consciência, mais paixão do que razão.

Não é possível reformar estas pessoas com panfletos ou conversas. Não é possível reformar essas pessoas com orações e credos. A paixão é – e sempre foi – surda. As armas da reforma são substancialmente inúteis. Criminosos, prostitutas, mendigos e malogros aumentam em número diariamente. As prisões, os asilos e os abrigos para pobres estão lotados. A religião está com as mãos atadas. A lei pode punir, mas não pode reformar criminosos e tampouco prevenir o crime. A maré do vício está subindo. A guerra que está sendo atualmente travada contra as forças do mal é tão vã quanto a guerra dos vaga-lumes contra a escuridão da noite.

Há apenas uma esperança. A ignorância, a pobreza e o vício precisam parar de povoar o mundo. Isso não pode ser feito pela moral. Isso não pode ser feito através discursos ou exemplos. Isso não pode ser feito pela religião ou pela lei, por padres ou por carrascos. Isso não pode ser feito através da força, seja esta física ou moral.

Para alcançar tal objetivo há apenas um modo. A ciência deve tornar a mulher a dona, a senhora de si mesma. A ciência é a única possível solução, ela deve conceder à mulher o poder de decidir por si mesma se deseja ou não se tornar uma mãe.

Isso soluciona toda a questão. Isso liberta a mulher. Os bebês que nascerem serão bem-vindos. Serão embalados com toda a felicidade. Encherão os lares de luz e felicidade.

Indivíduos que acreditam que escravos são mais puros e verdadeiros que os homens emancipados, que acreditam ser o medo um guia mais seguro que o conhecimento, que apenas os que obedecem ordens alheias são verdadeiramente bons e que a ignorância é o solo no qual a perfeição, a cheirosa flor da virtude cresce, irão cobrir suas faces chocadas com suas mãos em protesto.

Indivíduos que pensam que a luz é inimiga da virtude, que a pureza jaz na escuridão, que é perigoso que os seres humanos conheçam-se a si mesmos e os fenômenos naturais que afetam seu bem estar ficarão horrorizados com a idéia de fazer da inteligência o mestre da paixão.

Contudo, anseio pelo dia em que homens e mulheres, guiados pela sua noção das conseqüências futuras, pela moralidade nascida da inteligência, se recusarão a perpetuar aflições e dores, se recusarão a abarrotar o mundo com malogros.

Chegado este tempo, cairão as paredes das prisões, os calabouços serão inundados de luz e a sombra do patíbulo não mais amaldiçoará a Terra. A pobreza e o crime não se perpetuarão. As mãos magras da necessidade não mais se estenderão por esmolas. Tudo isso se tornará poeira. O mundo será inteligente, virtuoso e livre.


IX

A religião nunca poderá reformar a humanidade porque religião é escravidão.

É muito melhor ser livre, abandonar os fortes e as barricadas do medo, erguer-se com firmeza e encarar o futuro com um sorriso.

É muito melhor, às vezes, dar a si mesmo momentos de desprendimento, para divagar e navegar segundo a maré com a força cega do mundo; pensar e sonhar, esquecer as correntes e limitações da vida, esquecer propósitos e objetivos e viajar pela galeria de imagens em nossa mente; sentir novamente os abraços e beijos do passado, relembrar a manhã de nossas vidas; ver novamente os falecidos, as suas faces; pintar um quadro sensato do futuro, esquecer todos os deuses, suas promessas e ameaças; sentir novamente em nossas veias o fluir da felicidade e ouvir a música marcial, o bater rítmico de um coração destemido.

E então se colocar a serviço de todas as coisas úteis e, através do pensamento e da ação, alcançar o seu ideal; dar asas aos seus sonhos para que eles, como abelhas, possam realizar a arte de encontrar néctar nas coisas mais comuns; buscar, com olhos treinados e decididos, pelos fatos; encontrar as sutis ligações que conectam o distante e o agora.

Aumentar o conhecimento, aliviar o fardo dos fracos, desenvolver o cérebro, defender a justiça, construir um palácio para nossa alma. Isso é a verdadeira religião, isso é a verdadeira adoração.


Autor: Robert G. Ingersoll
Texto original: What Is Religion?
 Escrito em 1899