Mostrando postagens com marcador Giulio Scribani. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Giulio Scribani. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

TORTURA INQUISITORIAL EM TRIORA




O caso de Franchetta Borelli de Triora

Franchetta Borelli vivia em Triora, uma pequena cidade nos Prealpes, na província de Impéria, fronteira com a França. Tinha 65 anos quando foi submetida a duas sessões no cavalo de estiramento. Uma durou 15 horas ininterruptas, a outra, 23. Apesar da dor atroz, a mulher demonstrou uma força de espírito excepcional. Em dado momento, provavelmente para tentar se distrair dos sofrimentos físicos, começou a brincar e conversar com o comissário e os carrascos.

Abaixo transcrevemos, quase na íntegra, seu segundo dia de interrogatório, como está relatado nos documentos originais conservados no Arquivo do Estado de Gênova, no Arquivo Bispai de Alberga e no Arquivo Paroquiano de Triora.

Foi perguntado à acusada se estava decidida a dizer a verdade, e ela respondeu: "Senhor, já disse toda a verdade."

Foi perguntado se eram verdadeiras as coisas que havia começado a confessar durante o último interrogatório, e ela respondeu: "Eu estava com febre e não sabia o que estava dizendo."

Tendo em vista a obstinação e a audácia da acusada, foi então ordenado que fosse despida e vestida com um camisão de lona branca, que lhe fossem raspados os cabelos e pêlos pubianos e que, finalmente, fosse colocada sobre o cavalo de estiramento, para ser submetida à tortura. Então ela disse: "Julgai-me, Senhor; ajudai-me, Deus Todo-Poderoso, mandai-me ajuda e conforto. O Senhor Deus me ajudará... Calem-me, pois disse a verdade... Senhor Deus, liberta-me dos falsos testemunhos. Vós sabeis quem sou, os juízes do mundo não podem sabê-lo... Se apertar os dentes, dirão que rio...




Ai, meus braços... Ajudai-me, Senhor, e não me abandonais, pois só tenho conforto em Vos...

Calem-me. Se não disse a verdade, que Deus nunca me aceite no Paraíso. Falta-me coração. Senhor, mandai-me o anjo do céu, para que me proteja e defenda... Calem-me, eu disse a verdade. Se não me calarem agora, calar-me-ão morta; falta-me o fôlego. Senhor, mandai-me o anjo do céu. Cristo, que podeis mais do que os falsos testemunhos, arrancai-me a alma do corpo e a mandai para onde deve ir."

Então ela se calou e disse: "Meu coração está explodindo. O Senhor não me deixará chegar ao amanhecer, pois chamará para Si minha alma. Senhor comissário, dê-me um pouco de vinagre ou de vinho."

Bebeu um copo de vinho e disse: "Misericórdia, peço misericórdia. Tirem-me daqui e me dêem de beber."

Foi-lhe dado outro copo de vinho, e depois disse: "Senhor comissário, queria comer um ovo."

E assim lhe foi dado um ovo. Já fazia cinco horas que estava sob tortura, e nada disse nem se lamentou, até a 11ª hora, quando falou:

"Ajude-me quem puder." E após um tempo disse: "Ai, meu coração; aí, minha cabeça. Quer me fazer descer um pouco, senhor comissário?”E quando o comissário disse que a faria descer se falasse a verdade, ela respondeu: "Ora, eu já falei."

E calou-se. E após doze horas disse: "Estou sendo escalpelada. Ai, meu pescoço."

E após treze horas disse: "Dêem-me um pouco de água, que estou morrendo de sede."

Foi-lhe perguntado se queria vinho, e ela disse que não; e assim foi-lhe dada água para beber, e calou-se. E depois: "Não estou enxergando bem, estou com dor nas mãos e não estou mais vestida."

E quando o comissário disse que não devia se preocupar com a roupa, mas em dizer a verdade e cuidar da alma, respondeu: "A alma vem antes de qualquer outra coisa. Tire-me daqui."

E quando o comissário disse que, se declarasse a verdade, seria desamarrada e tirada de lá, respondeu: "Já disse a verdade. Não consigo mais segurar a urina. A verdade, eu já disse; se pudesse ver a minha alma..."

Após quatorze horas de tortura, seu irmão trouxe-lhe ovos frescos, que ela bebeu, depois dizendo: "Não posso mais usar meus braços; e veja também como está minha língua... Não aguento mais... Pelo amor de Deus, façam-me descer um pouco, para que eu, pelo menos, consiga respirar."

E então foi-lhe ordenado dizer a verdade; depois seria solta e poderia respirar o quanto quisesse. E ela respondeu:

"Meu senhor, desça-me daqui, pois já disse a verdade. Alguém me ajude, se possível; não aguento mais, sinto meu coração explodir. Fazeis que me ajudem, Senhor; já disse a verdade. Ah, como são cruéis. Será possível que ninguém quer me dar uma colher para enfiar na garganta? Senhor, ateie fogo aos meus pés, mas me tire daqui."

E quando o comissário disse que, se não declarasse a verdade, acenderia o fogo, ela respondeu: "Faça-me queimar, pois já disse a verdade, mas me tire daqui, pois não resistirei mais. Não me deixe ainda mais desesperada. Acerte-me com um martelo na cabeça e acabem com minha falta de ar. Já disse a verdade. Virgem Maria, fazei que me soltem e mandai-me alguma ajuda."

E quando o comissário disse que, se declarasse a verdade, mandaria soltá-la e descê-la, ela respondeu:

"Eu disse a verdade. Ai, mãe, falta-me coração. Em Roma, o cavalo não dura mais do que oito horas. Eu já estou aqui há uma noite e muitas horas do dia. Quem me contou foi um habitante de Triora que chegou de Roma anteontem, quando eu estava em Gênova... Estou com frio nos pés."

E foi-lhe dito que, se declarasse a verdade, o comissário mandaria soltá-la. E ela respondeu: "Não me atormentem mais; eu já disse a verdade e não preciso dizê-la de novo. Morro de frio nos pés. Tenha piedade, senhor comissário, e mande trazer um pouco de brasa para me esquentar."

E assim, por ordem do comissário, foi colocada a brasa sob os pés da acusada, e ela se calou. Duas horas depois, disse: "Meus pés estão gelados."

E mais uma vez, por ordem do comissário, foi colocada a brasa, e ela disse: "Senhor, faça-me descer daqui. Dez horas a mais ou a menos não fazem diferença... E o que vê aqui é um rato..."

E olhava o comissário, mas nada via. A acusada então começou a falar intimamente com todos, como se estivesse sentada em uma cadeira, dizendo, entre outras coisas: "Em Triora, as castanhas marrons são tão bonitas!"

E vendo um dos assistentes remendando as meias, começou a falar: "Em troca dos serviços que me presta, quando sair daqui, vou remendar suas meias."

E assim falou várias vezes na presença do comissário e de seus familiares por quase uma hora [...] E, dirigindo-se ao comissário, disse: "Senhor, permite que me preparem uma sopa e me desçam para que eu possa tomá-la?"

E tendo o comissário decidido que deveria tomá-la sem sair do cavalo, ela disse: "Tomarei igualmente sem dúvida, mas não ficará muito boa, com este tormento [...]"

Calou-se, pois parecia rir do comissário e de quem a cercava [...].
Após vinte e três horas de tormento, sem dar o menor suspiro, o comissário lhe disse: "Franchetta, não lhe importa se ficará presa aqui mais uma ou duas horas, não é verdade?" Ela, então, voltou-se para ele e os assistentes e disse, rindo: "Devia ter me descido duas horas atrás, mas achei que não estaria de acordo."

Após essa última galhofa, o suplício finalmente foi suspenso. Seu caso foi mandado ao tribunal de Gênova, que não pôde fazer nada além de absolvê-la.

Triora foi o palco de uma verdadeira caça às bruxas que levou 13 mulheres à morte, algumas de 12 ou 13 anos. Outras morreram em decorrência das torturas sofridas, enquanto muitas foram transferidas para a prisão de Gênova, onde morreram de fome e pelas terríveis condições em que eram obrigadas a viver.

O comissário que conduziu as perseguições, Giulio Scribani, é lembrado como um homem terrível e impiedoso, tendo sido excomungado em razão de sua fúria, mas logo reabilitado por questões de conveniência política. Uma das "supostas bruxas" disse: "Se o Diabo existe, sem dúvida mora no corpo daquele juiz que passa dois dias sem comer e sem dormir, alimentando-se dos horrores da tortura."