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domingo, 9 de junho de 2013

PROCESSO INQUISITORIAL CONTRA ANTÔNIO JOSÉ DA SILVA









Antônio José da Silva, de cognome "o judeu" (Rio de Janeiro, 8 de Maio de 1705 - Lisboa, 19 de Outubro de 1739). Nasceu numa fazenda nos arredores do Rio de Janeiro e mudou-se para a Candelária com a família. Baptizado, mas de origem judaica, foi vítima da perseguição que dizimou a comunidade dos cristãos-novos do Rio de Janeiro em 1712. Em Lisboa, o dramaturgo e escritor, foi preso pela Inquisição portuguesa junto com a sua a mãe, a tia, o irmão (André) e a sua mulher, Leonor Maria de Carvalho, que se encontrava grávida. Viria a morrer na fogueira às mãos da Inquisição, num Auto-de-Fé. A sua vida é retratada no filme luso-brasileiro - O Judeu (1995).


TRASLADO DO Processo feito pela Inquizição de Lisboa CONTRA
Antonio Jozé da Silva___Poeta Brazileiro


PROCESSO de Antonio Jozé da Silva, christão novo advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro e morador n'esta de Lisboa Ocidental. Antonio Jozé da Silva.

PROCESSO de Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante de canones, solteiro, filho de João Mendes da Silva, natural da cidade do Rio de Janeiro e morador n'esta de Lisboa. Antonio Jozé da Silva. Rep. f. 190V.

PROCESSO de Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante de canones na Universidade de Coimbra, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade de Lisboa.


Em 8 de Agosto de 1726. Antonio Jozé da Silva. Os Inquizidores Apostolicos contra a eretica pravidade e apostazia n'esta cidade de Lisboa, e seu distrito, etc.

Mandamos a qualquer familiar ou official do Santo Officio, que 'esta cidade de Lisboa, ou aonde quer que fôr achado Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante da Universidade, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, e Lourença Continho, natural do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade ao pateo da Comedia, o prendaes com sequestro de bens por culpas que contra elle ha n'este Santo Officio obrigatorias á prizão, e prezo a bom recado, com cama e mais fato necessario a seu uzo, e até quarenta mil réis em dinheiro para seus alimentos, trareis e entregareis, debaixo de xaves, ao alcaide dos carceres secretos.

E mandamos em virtude de santa obediencia, e sob pena de excomunhão maior, e de quinhentos cruzados para as despezas do Santo Officio, e de procedermos como mais nos parecer, a todas as pessoas assi eccleziasticas, como seculares, de qualquer gráo, dignidade, condição e preeminencia que seja, vos não impidam fazer o sobredito, antes, sendo por vós requeridos, vos dêem todo o favor e ajuda, mantimentos, pouzadas, camas, ferros, cadêas, cavalgaduras, barcos, e tudo o mais que fôr necessario, pelo preço e estado da terra. Cumpri-o assim com muita cautela e segredo, e al não façaes. Dado em Lisboa no Santo Officio da Inquizição sob nossos signaes e sello d'ella aos 7 dias do mez de Agosto de 1726 annos. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. João Paes do Amaral.

Theotonio da Fonseca Soutomaior. D´este e sello. Conta 18.


-- AUTO DE ENTREGA

Anno do nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de 1726 annos. Aos 8 dias do mez de Agosto nos estáos e porta dos carceres secretos d'esta Inquizição, ahi pelo Conde de Villar maior foi entregue ao alcaide Fernando Cardozo o prezo Antonio Jozé da Silva, e sendo buscado na fórma do estilo, lhe não foi achado couza alguma; e de como o dito alcaide se deo por entregue do dito prezo fiz este auto, que assignou. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.


PROCESSO CONTRA ANTONIO JOZÉ DA SILVA  PLANTA DO CARCERE

Aos 8 dias do mez de Agosto de 1726 annos os Senhores Inquizidores mandaram pôr a este prezo. . . . . . . . .; o que foi satisfeito. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.

INVENTARIO

Aos 16 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza terceira das audiencias, estando ahi na da manhan o Senhor Inquizidor João Alvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que poz a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que prometeo cumprir.

Perguntado, que bens de raiz ou moveis tem, de que estivesse de posse ao tempo de sua prizão, de que natureza são, si de morgado, capella, fateuzim ou prazo em vida; que dinheiro, peças de ouro ou prata, letras ou assignados; que dividas lhe devem ou está devendo, que ações tem contra algumas pessoas, ou ellas contra elle. Dice, que por ser filho familia não tinha bens alguns moveis ou de raiz, mais que o vestido e roupa de uzo, e por tanto não tem couza alguma que declarar n'este seu inventario; de que fiz este termo, que sendo por elle ouvido e entendido dice estava escrito na verdade, e assignou com o dito Sr. Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi.

João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva.

TERMO DE CURADOR

Aos 8 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan o Senhor Inquizidor João Alvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e com elle o beneficiado Filipe Neri, e sendo pr rezente lhe foi dito, que pelo réo ser menor de 25 annos o faziam seu curador para que lhe prestasse sua autoridade para poder fazer actos validos em juizo, e pelo dito beneficiado foi dito, que aceitava o ser curador do dito menor, e lhe prestava sua autoridade para fazer actos em juizo, e o aconselharia no que fosse a bem de sua justiça e cauza; o que prometeo cumprir sob cargo do juramento dos Santos Evangelhos, que lhe foi dado; de que fiz este termo, que assignou. Manoel Lourenço

Monteiro o escrevi. Filipe Neri.

CONFISSÃO

Aos 8 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da manhan o Sr. lnquizidor João Álvares Soares, mandou vir perante si a um homem, que d'esta cidade veio prezo para os carceres secretos d'esta Inquizição no dito dia, e sendo prezente por dizer que queria confessar culpas de judaismo, que tinha cometido, lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que poz a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir, e dice chamar-se Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante de canones, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, e Lourença Coutinho, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade, de 21 annos de idade; e logo foi admoestado, que pois que tomava tão bom conselho, como de querer confessar suas culpas n'esta meza, lhe convém muito trazel-as todas á memoria para fazer d'ellas uma inteira e verdadeira confissão, e lhe fazem a saber, que está obrigado a dizer de todas as pessoas com quem communicou as crenças da lei de Moizés, ou sejam vivas, mortas, prezas, soltas, reconciliadas, parentes ou não parentas, auzentes d'este reino, ou n'elle rezidentes, tudo o que com ellas tiver passado acerca da dita lei, não impondo porém a si nem a outrem testimunho falso por ser o que lhe convém para descargo sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo da sua cauza; ao que respondeo, que só a verdade devia dizer, a qual era:

Que haverá quatro ou cinco annos n'esta cidade de Lisboa e caza de sua tia D. Esperança, não sabe de que, christan nova, viuva de Diogo de Montarroio, não lhe sabe o officio, nem o nome dos paes, natural da cidade do Rio de Janeiro, e moradora no dito tempo n'esta cidade e hoje defunta, reconciliada que havia sido por esta Inquizição, se achou com ella, e estando ambos sós por ocazião d'elle confitente ter amizade illicita, e procurar para fins torpes a uma criada da dita sua tia, a quem não sabe o nome, e ter a dita sua tia noticia dos intentos depravados d'elle confitente pelo suspeitar, e lhe facilitar o trato com a mesma moça, induzindo-o a elle contitente a que a procurasse, pois que não era pecado na lei de Moizés a simples fornicação, e respondendo-lhe elle confitente que vivia na lei de Christo, em que o tal acto torpe era pecado, a dita sua tia lhe dice, que vivesse na lei de Moizés, que era melhor e mais larga, e em que, como dito tem, não era pecado a simples fornicação, e que elle esperasse salvar sua alma, e que por sua observancia fizesse um jejum do dia grande no meado de Setembro, estando desde um dia a noite até o outro sem comer nem beber couza alguma; e que no dito dia á noite comesse o que tivesse sem excepção de qualidade de manjares de peixe ou carne; e que guardasse os sabados de trabalho como dias santos, porque ella dita Esperança sua tia, que isto lhe dizia e ensinava, cria e vivia na lei, em que esperava salvar-se, e que por sua observancia fazia as ditas ceremonias; e parecendo-lhe bem a elle confitente o que a dita sua tia lhe dizia e ensinava, e levado do apetite que tinha de conseguir os actos torpes que intentava com a dita moça, sem que lhe ficasse remorsos na consciencia, se apartou logo ali da lei de Christo, Senhor nosso, de que já tinha bastante noticia e instrução, e se passou á crença da lei de Moizés, esperando salvar-se n'ella, e assim o declarou á dita sua tia, dizendo-lhe que dali por diante ficava crendo e vivendo na dita lei com o intento de n'ella salvar sua alma, e que por sua observancia fazia as ditas ceremonias, como com effeito fez o jejum do dia grande uma unica vez, e aguarda dos sabados só no animo, porque como era estudante não deixava nos ditos dias de continuar o seu estudo; a crença dos quaes erros durou a elle confitente até o mez de Junho d'este prezente anno, em que pelo que ouvia a um pregador em S. Domingos, que pregava de Nossa Senhora, alumiado pelo Espirito Santo, e incitado do remorso da sua consciencia, se rezolveo a deixar a lei e tornar a abraçar a de Christo, Senhor nosso, e de haver cometido as ditas culpas está muito arrependido, e d'ellas pede perdão, e que com elle se uze de mizericordia.

Dice mais, que haverá seis mezes na cidade de Coimbra e caza de seu primo João Thomaz, christão novo, solteiro, estudante de medecina, filho de Miguel de Crasto, e Maria Coutinho, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade á praça da Palha, prezo n'esta Inquizição, se achou com elle, e estando ambos sós por serem companheiros, por ocazião d'elle confitente lhe dar parte do ensino que lhe havia feito a dita sua tia D. Esperança, da crença da lei de Moizés, para vêr si o mesmo aprovava, e com efeito o dito seu primo lh'o aprovara, e declarara entre praticas como cria e vivia na lei de Moizés para salvação de suas almas, e que por observancia da mesma se devia fazer as ceremonias e observar os preceitos, que o dito João Thomaz lhe mostrou na Biblia em alguns capitulos do Exodo, e com elle nunca mais passou mais couza alguma.

Dice mais, que haverá um anno pouco mais ou menos n'esta cidade de Lisboa e caza de sua prima Brites Eugenia, christan nova, solteira, filha do dito Miguel de Crasto e Maria Coutinho, natural do Rio de Janeiro, e moradora n'esta cidade, preza n'esta Inquizição, se achou com ella, estando ambos sós por estar a dita sua prima em um eirado, e por ocazião da mesma perguntar a elle confitente, si n'aquelle dia fazia o jejum do dia grande, e elle confitente lhe responder que não sabia o dia em que cahia, entre praticas se declararam como criam e viviam na lei de Moizés para salvação de suas almas, e para sua observancia lhe dice a dita Brites, que n'aquelle dia fazia o jejum do dia grande, e com ella nunca mais passou couza alguma.

Dice mais, que sendo no mesmo dia e por tanto haverá agora um anno pouco mais ou menos, n'esta cidade de Lisboa e caza da dita Brites, depois de com ella se haver declarado, descendo para uma caza de baixo, se achou com sua prima Branca, christan nova, solteira, irman inteira da dita Brites do Rio de Janeiro, e n'esta cidade preza n'esta Inquizição, e estando ambos sós por ocazião da mesma perguntar a elle confitente, si fazia n'aquelle dia o jejum do dia grande e elle confitente lhe dizer que não, porque o não sabia, e a mesma lhe dizer que fazia o dito jejum, entre praticas se declararam como criam e viviam na lei de Moizés para salvação de suas almas, por cuja observancia a dita sua prima lhe dice, que fazia o dito jejum, e nunca mais com ella se passou couza alguma.

Dice mais, que, haverá um anno ou quatorze mezes n'esta cidade de Lisboa e Rocio da mesma, se achou com seu primo Baltazar Rodrigues, christão novo, solteiro, irmão inteiro do dito João Thomaz, natural do Rio de Janeiro e morador n'esta cidade, onde faleceo, não sabe, que fosse prezo ou aprezentado, estando ambos sós por ocazião d'elle confitente lhe perguntar em que lei vivia, e o mesmo lhe responder que na de Moizés, se declararam e deram conta como criam e viviam na dita lei para salvação de suas almas, e com elle não passou mais couza alguma.

Dice mais, que haveria dez mezes n'esta cidade de Lisboa e caza de sua parenta Leonor, christan nova, solteira,filha de Francisco de Siqueira, medico, e Catharina de Miranda, natural do Rio de Janeiro, e moradora n'esta cidade, não sabe, que fosse preza nem aprezentada, se achou com ella, e estando ambos sós por ocazião de ser em um sabado que éra dia santo de guarda, e a dita Leonor dizer a elle confitente que o dito sabado era duas vezes dia santo, entre praticas se declararam como e viviam na lei de Moizés para salvação de suas almas, e com ella nunca mais passou couza alguma.

Dice mais, que haverá um anno pouco mais ou menos n'esta cidade de Lisboa e caza da dita Leonor, de quem acaba de dizer, se achou com uma irman inteira d'esta chamada Anna, não sabe de que, christan nova, solteira, natural do Rio de Janeiro, e moradora n'esta cidade, ao xão do Loureiro, não sabe, que fosse preza nem aprezentada, por ocazião de darem Ave Marias, que elle confitente não rezou, e a mesma perguntar porque as não rezava, e elle confitente lhe dizer que por viver na lei de Moizés, entre praticas que tiveram se declararam e deram conta como criam e viviam na dita lei por salvação de suas almas, e com ella não passou mais couza alguma.

Dice mais, que haverá onze mezes ou um anno n'esta cidade de Lisboa e caza de Alexandre Soares, se achou com uma filha do mesmo chamada Leonor, que na estatura reprezenta ter 17 annos, christan nova, solteira, não sabe o nome da mãe, e o pae é homem de negocio, natural do Rio de Janeiro, e moradora n'esta cidade, não sabe, que fora preza nem aprezentada, achou-se com ella, e estando ambos sós por ocazião da mesma perguntar a elle confitente, si sabia quando era o dia grande, e elle confitente lhe dizer que não sabia d'estas praticas, veio elle confitente a inferir, que ella era observante da lei de Moizés, e não passaram mais.

Dice mais, que haverá o mesmo tempo de onze mezes ou um anno, porque foi logo oito dias depois de passar o que tem dito com a dita Leonor, se achou com outra irman inteira d'essa chamada Elena, christan nova, solteira, natural e moradora n'esta cidade, e é irman mais nova das duas, não sabe, que fosse preza nem aprezentada, e estando ambos sós por ocazião da mesma perguntar a elle confitente, quando era o dia grande, e elle confitente lhe responder que não sabia, ficou entendendo elle confitente, que a mesma era observante da lei de Moizés, e com ella não passou mais couza alguma.

Dice mais, que haverá anno e meio, pouco mais ou menos, n'esta cidade de Lisboa e caza d'elle confitente, estando no escritorio da mesma, se achou com seu irmão inteiro André Mendes da Silva, christão novo, solteiro, filho de seus paes João Mendes da Silva e Lourença Coutinho, natural do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade e prezo que veio para esta Inquizição, e estando ambos sós o dito seu irmão lhe dice, que vivia na lei de Moizes sem para isso proceder motivo ou ocazião alguma, e elle confitente lhe dice, que tambem na mesma vivia, e por este modo se declararam por crentes da dita lei para salvação de suas almas, e com elle não passou mais couza alguma.

Dice mais, que haverá dois annos n'esta cidade de Lisboa e caza d'elle confitente achou-se com outro seu irmão inteiro chamado Baltazar Rodrigues, christão novo, advogado, cazado com Antonia Maria, natural do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade em companhia d'elle confitente, e estando ambos sòs o dito seu irmão Baltazar dice a elle confitente, que vivia na lei de Moizes, e elle confitente lhe respondeo, que tambem vivia na dita lei e por este modo se comunicaram por crentes e observantes da mesma para salvação de suas almas, e com elle nunca mais passou couza alguma, nem diceram quem os havia ensinado nem com quem mais se comunicavam, e se fiaram uns dos outros os parentes pelo serem e todos por amigos e da mesma nação; e al não dice nem ao costume.

Foi-lhe dito, que tomou muito bom conselho em principiar a confessar suas culpas, e lhe fizeram a saber, que lhe convém muito trazel-as todas á memoria para d'ellas fazer uma inteira e verdadeira confissão; não impondo porém a si nem a outrem testimunho falso, porque si o dicer inteiramente a verdade é o que lhe convém para descargo da sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo de sua cauza; e por tornar a dizer que tinha dito toda a verdade e que não tinha mais que declarar, foi outra vez admoestado em fórma, e mandado a seu carcere, sendo-lhe primeiro lida esta sua confissão, e por elle ouvida e entendida dice estava escrita na verdade, e que n'ella se afirmava, ratificava e tornava a dizer de novo, sendo necessario, sem ter mais que acrescentar, diminuir, mudar ou emendar, nem de novo que dizer ao costume sob cargo do juramento dos Santos Evangelhos, que outra vez lhe foi dado; ao que estiveram prezentes por honestas e religiozas pessoas, que tudo o sobre dito viram e ouviram e prometeram dizer verdade no que fossem perguntados, sob cargo do mesmo juramento, que tambem receberam, os licenciados Thomaz Feio Barbuda e Manoel de Figueiredo, notarios d'esta Inquizição, que ex causa assistiram a esta ratificação e assignaram com o réo, seu curador e o dito Sr. Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri Manoel de Figueiredo. Thomaz Feio Barbuda. .

E ido o réo para seu carcere, foram perguntados os sobreditos licenciados, si lhes parecia, que falava verdade e merecia credito, e por elles foi dito, que lhes parecia, que sim. João Alvares Soares. Manoel de Figueiredo. Thomaz Feio Barbuda.


CREDITO

Alexandre Henrique Arnaut, notario d'esta Inquizição, certifico dizer-me o Sr. Inquizidor João Alvares Soares, dava credito ordinario á confissão do réo Antonio Jozé da Silva, e o mesmo lhe dou eu notario; de que passei a prezente de mandado do dito Senhor Inquizidor, afóra quem assignei.

Lisboa no Santo Officio aos 8 de Agosto de 1726. João Alvares Soares. Alexandre Henrique Arnaut.

Aos 13 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza primeira das audiencias, estando ahi na audiencia da tarde o Sr. Inquizidor João Álvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que poz a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si cuidou em suas culpas, como n'esta meza lhe foi mandado, e quer acabar de confessar toda a verdade d'ellas por descargo da sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo de sua cauza. Dice, que sim, cuidara, e que não era de mais lembrado, pelo que lhe foram feitas as perguntas seguintes de sua genealogia, ao que respondendo dice: Que elle, como dito tem, se chama Antonio Jozé da Silva, christão novo, solteiro, estudante canonista, natural do Rio de Janeiro e morador n'esta cidade, de 21 annos de idade.

Que seus paes se chamam João Mendes da Silva, advogado, e Lourença Coutinho, ambos naturaes do Rio de Janeiro e moradores n'esta cidade. E que seus avós paternos e maternos são já defuntos, e os paternos se chamavam André Mendes da Silva e Maria, não sabe de que, natural d'este reino, não sabe de que terra, e moradores que foram no Rio de Janeiro, onde faleceram, e que os maternos se chamavam Baltazar Rodrigues Coutinho e Brites Cardoza, ella natural d'esta cidade de Lisboa, e elle do Rio de Janeiro, onde foram moradores e faleceram.

E que por parte do dito seu pae teve trez tios, e quatro tias, a saber: Bernardo Mendes, christão novo, sem officio, solteiro, natural e morador no Rio de Janeiro, André e Luiz Mendes, que faleceram solteiros, o Luiz n'esta cidade, (onde foi morador, e o André no Rio de Janeiro, Apolonia de Souza e Jozefa da Silva, solteiras, naturaes e moradoras no Rio de Janeiro, Izabel Corrêa e Anna Henriques, ambas naturaes e moradoras no Rio, de Janeiro, onde faleceram.

E que a dita sua tia Izabel Corrêa foi cazada com um official de guerra, a quem não sabe o nome, de quem teve a Anna, que é viuva de Narcizo Galhardo e assiste no Rio de Janeiro.

E que a dita sua tia Anna Henriques tambem foi cazada, não sabe com quem, de quem teve um filho, que foi juiz de fóra de Arraiolos, a quem não sabe o nome, nem o estado; e Maria, não sabe de que, cazada, não sabe com quem, dos quaes o juiz de fóra já é falecido, e a Maria vive no Rio de Janeiro; e que bem poderia a dita sua tia Anna Henriques ter mais filhos, mas que não tem noticias d'elles.

E que por parte da dita sua mãe teve dois tios e cinco tias, a saber: Diogo, Manoel Cardozo, o Diogo medico e o Manoel sem officio, ambos solteiros, naturaes do Rio de Janeiro e moradores que foram n'esta cidade, donde se auzentaram, não sabe para que terra, Izabel Cardoza, Branca Maria, Maria Coutinho, Francisca e Jeronima, todas naturaes do Rio de Janeiro e moradores que foram n'esta cidade, donde se auzentaram Francisca Coutinho, sendo solteira, e Maria Coutinho.

E que a dita sua tia Izabel Cardoza é moradora n'esta cidade, cazada com Rodrigo Mendes, homem de negocio, de quem não tem filhos. E que a dita sua tia Branca Maria tambem assiste n'esta cidade, cazada com Ignacio Cardozo, homem de negocio, de quem teve a Anna, que faleceo solteira.

E que a dita sua tia Maria Coutinho é viuva de Miguel de Crasto, advogado, de quem teve a João Thomaz, Brites e Branca, todos solteiros, e Silvestre de 11 annos e Thereza de 6, e Baltazar, que faleceo solteiro, dos quaes o Silvestre e a Thereza se auzentaram em companhia da dita sua mãe, e os mais se acham prezos n'esta Inquizição.

E que a dita sua tia Jeronima foi cazada com João Thomaz, sem officio, de quem tem a João Thomaz de 21 annos de idade, e Brites de 17, naturaes do Rio de J aneiro, onde assistem. E que elle tem dois irmãos, a saber: André e Baltazar, este cazado com Antonia Maria, de quem tem Miguel, de peito, e o André, solteiro, naturaes do Rio de Janeiro e moradores n'esta cidade em companhia do dito seu pae.

E que elle é christão batizado, e o foi na freguezia da Sé, na cidade do Rio de Janeiro, pelo paroco da mesma, a quem não sabe o nome, e foram seus padrinhos Marcos da Costa e sua tia Jozefa da Silva.

E que não sabe si é crismado, mas que lhe parece o ser no Rio de Janeiro, por se lembrar que o bispo da dita cidade andou crismando.
E que elle tanto que chegou aos annos de descrição ia ás igrejas, e n'ellas ouvia missa, pregação, se confessava e commungava, e fazia as mais obras de christão, e logo foi mandado pôr de joelhos, e depois de se persignar e benzer dice a doutrina christan, a saber o padre nosso, ave Maria, salve rainha, credo, os mandamentos da lei de Deos e os da santa madre igreja, que tudo soube suficientemente, excepto na salve rainha e credo, em que errou alguns pontos.

E que elle é estudante canonista e não aprendeo mais sciencia alguma.

E que elle nunca sahio fóra d'este reino, e depois que veio do Rio de Janeiro, que teria 8 annos de idade, assistia só n'esta cidade de Lisboa e na de Coimbra, onde falava com toda a sorte de pessoas, que se lhe offereciam, ou fossem christãos novos ou velhos.

E que elle nunca foi aprezentado, nem prezo mais do que agora, e que dos seus parentes foram prezos seus paes e tios acima nomeados assim paternos como maternos, excepto seu tio paterno André Mendes e tia materna Jeronima, defunta, e suas primas Brites, Branca e João Thomaz, e dos mais não sabe o fossem nem aprezentados.

Perguntado, si sabe ou suspeita a cauza da sua prizão. Dice, que entende está prezo pelas culpas, que tem confessado.

Foi lhe dito, que elle está prezo por culpas, cujo conhecimento pertence a esta meza, e lhe fazem a saber, que d'ella se não manda prender pessoa alguma sem primeiro preceder informação bastante de haver cometido culpas a elle pertencentes, e que esta houve para elle réo o ser, pelo que o admoesta com muita caridade da parte de Christo, Senhor nosso, confesse inteiramente toda a verdade de suas culpas por ser o que lhe convém para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e se uzar com elle de mizericordia; e por tornar a dizer que não tinha mais culpas de confessar, foi outra vez admoestado em forma e mandado a seu carcere, sendo primeiro lida esta sessão em prezença de seu curador, e por elle ouvida e entendida dice estava escrita na verdade, e assignou com seu curador e o dito Senhor Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.

CRENÇA

Aos 16 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza terceira das audiencias, estando ahi na da manhan o Sr. Inquizidor João Alvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que poz a mão, sob cargo de que lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si cuidou em suas culpas como n'esta meza lhe foi mandado, e quer acabar de confessar toda a verdade d'ellas para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo de sua cauza. Dice, que sim, cuidara, e que não tinha mais que confessar.

Perguntado, quanto tempo ha, que se apartou de nossa santa fé catholica e lei evangelica e se passou á crença da lei de Moizés, e quem lhe ensinou a dita crença. Dice, que haverá quatro ou cinco annos se apartou de nossa santa fé catholica e lei evangelica, e se passou á crença da lei de Moizés pelo ensino que da mesma lhe fez sua tia D. Esperança, como dice em sua confissão.

Perguntado, si communicou a dita crença com mais algumas pessoas das que tem dito, ou si fez algumas ceremonias mais das que tem confessado. Dice, que não.

Perguntado, em que Deos cria no tempo dos seus erros, que orações rezava, e a quem as oferecia. Dice, que no dito tempo cria em um só Deos, todo poderozo, a quem se encommendava com a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim.

Perguntado, si no dito tempo cria no misterio da Santissima Trindade e em Christo, Senhor nosso, e si o tinha por Deos verdadeiro e Messias prometido na lei, ou si espera ainda por elle como os Judeos esperam. Dice, que no dito tempo não cria no misterio da Santissima Trindade e em Christo, Senhor nosso, pelo não ter por Deos verdadeiro e Messias prometido na lei, e que do Messias não sabe nada.

Perguntado, si no dito tempo cria nos sacramentos da Igreja; e si os tinha por bons e necessarios para a salvação da alma, e si lhe fez alguma irreverencia principalmente ao da eucaristia. Dice, que no dito tempo não cria nos sacramentos da Igreja pelos não ter por bons e necessarios para a salvação da alma; porém que nunca lhe fizera irreverencia alguma.

Perguntado, si no dito tempo ia ás igrejas e n'ellas ouvia missa, pregação, se confessava e commungava, e fazia as mais obras de christão, e com que tenção o fazia. Dice, que no dito tempo fazia o conteúdo na pergunta por cumprimento do mundo.

Perguntado, si no dito tempo tinha seus erros por pecado e d'elles dava conta a seus confessores. Dice, que no dito tempo não tinha seus erros por pecado, e por isso se não confessava d'elles.

Perguntado, si sabia elle declarante no dito tempo, que ter crença na lei de Moizés, fazer seus ritos e ceremonias era contra o que tem, crê e ensina a santa madre Igreja de Roma, e contra o uzo commun dos fieis christãos. Dice, que no dito tempo muito bem sabia, que as leis eram entre si diversas e encontradas.

Perguntado até que tempo lhe durou a crença da lei de Moizés, e que cauza o moveo a apartar-se d'ella. Dice, que a crença da dita lei durou a elle declarante até o principio do mez de Julho ou fim de Junho, em que pelo que ouvio em um sermão a largou e tornou a abraçar a lei de Christo, Senhor nosso, como dice em sua confissão.

Perguntado, em que Deos crê de prezente, e em que lei espera salvar sua alma. Dice, que de prezente crê em Deos uno e trino, e na lei de Christo, Senhor nosso, e espera salvar sua alma.

Foi-lhe dito, que suas confissões têm muitas faltas e diminuições, quaes são não dizer de todas as pessoas com quem se communicou na lei de Moizés, e sabe vivem apartadas da fé, e têm crença na dita lei, nem de todas as ceremonias que fazia por observancia da mesma, nem outrosi o modo e circunstancias com que se communicou com as pessoas de que tem dito, nem todo o tempo que viveo na dita lei, de que tudo ha informação n'esta meza; pelo que de novo o admoestam com muita caridade da parte de Christo, Senhor nosso, abra os olhos da alma, e deixando quaesquer humanos respeitos que o podem impedir, confesse inteiramente toda a verdade de suas culpas, porque isso é o que lhe convém para descarga de sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo de sua cauza; e por tornar a dizer que tinha dito toda a verdade, foi outra vez admoestado em fórma e mandado a seu carcere, sendo lhe primeiro lida esta sessão, e por elle ouvida e entendida em prezença de seu curador dice estava escrita na verdade e assignou com seu curador e o dito Senhor Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.


IN ESPECIE

Aos 22 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da manhan o Sr. Inquizidor João Alvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz a mão, sob cargo do que lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si cuidou em suas culpas, como n'esta meza lhe foi mandado, e quer acabar de confessar toda a verdade d'ellas por ser o que lhe convém para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e bom despaxo de sua cauza. Dice, que sim, cuidara e que não era de mais lembrado.

Perguntado, em que certo lugar se achou elle réo, haverá seis mezes, com certa companhia de sua nação, onde além do que tem confessado, elle réo e a dita companhia se deram a entender, que eram observantes da lei de Moizés, declarando elle réo á dita companhia outras pessoas que sabia tinham crença na dita lei. Dice, que se não lembra.

Perguntado, em que outro certo lugar se achou elle réo, haverá sete para oito annos, com certa companhia de sua nação, onde além do que tinha confessado elle réo e a dita companhia entre praticas que tiveram, se declararam como criam e viviam na lei de Moizés para salvação de suas almas, e para sua observancia diceram, que rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e elle réo e a dita companhia fizeram em certo dia um jejum judaico. Dice, que é falso, porque no dito tempo ainda elle declarante não era observante da lei de Moizés.

Perguntado, em que outro certo lugar se achou elle réo, haverá dois para trez annos, com certa companhia de sua nação, onde além do que tem confessado entre praticas, que tiveram elle réo e a dita companhia, se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés para salvação de suas almas, e por sua observancia diceram, que não comiam peixe de pele, e rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e se ficaram tratando e communicando por crentes e observantes da dita lei até certo tempo. Dice, que se não lembra.

Perguntado, em que certo lugar se achou elle réo, haverá seis annos, em companhia de certas pessoas de sua nação, onde por ocazião de ser em um sabado que todos guardavam em observancia da lei de Moizés, elle réo e as pessoas da dita companhia se declararam por crentes e observantes da dita lei, por cuja observancia guardavam os ditos sabados; e que para os guardarem elle réo e as ditas pessoas se ajuntavam umas vezes em caza d'elle réo, e outras vezes em casa de certa pessoa da dita companhia. Dice, que no dito tempo ainda não era observante da lei de Moizés, e portanto falso o conteúdo na pergunta.

Perguntado, em que outro certo lugar se achou elle réo, haverá dois para trez annos, pouco ou menos, com certa companhia de sua nação, onde além do que tem confessado por ocazião de fazerem o jejum da rainha Estér, que vem no mez de Março, se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés para salvação de suas almas, por cuja observancia fizeram o dito jejum, e diceram, que faziam o do dia grande que vem no mez de Setembro, e outro que cae no mez de Dezembro, e rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e que quando faziam os ditos jejuns diceram se haviam de lavar da cintura para baixo, e vestiam roupa lavada, e no do dia grande haviam de vestir roupa em folha, e lêr no dito dia um capitulo da Escritura Sagrada do profeta Esdras. Dice, que o conteúdo na pergunta é falso, porque nunca fez o jejum da rainha Estér.

Foi lhe dito, que n'esta meza ha informação, que elle réo cometeo as culpas, fez as ceremonias, e se achou nas communicaçães, porque agora em particular foi perguntado,e lhe fazem a saber, que esta é a ultima admoestação, que lhe ha de ser feita antes do libello da justiça, que por suas culpas e diminuições o pretende acuzar; e porque lhe será melhor, e alcançará mais mizericordia si acabar de confessar toda a verdade de suas culpas antes do que depois de ser acuzado, de novo o admoestam com muita caridade da parte de Christo, Senhor nosso, abra os olhos da alma, e deixando quaesquer respeitos humanos, que o pódem impedir, confesse inteiramente toda a verdade de suas culpas, declarando todas as pessoas que sabe andarem apartadas da fé, e têm crença na lei de Moizés, e todas as cerimonias que fazia em observancia da dita lei, por ser o que lhe convém para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e se uzar com elle de mizericordia; e por tornar a dizer que não tinha culpas que confessar, foi outra vez admoestado em forma e mandado a seu carcere, e ao promotor fiscal do Santo Officio, que venha com libello criminal acuzatorio contra elle réo, sendo-lhe primeiro lida esta sessão em prezença de seu curador e por elle ouvida e entendida, dice estava escrita na verdade, e assignou com seu curador e o dito Senhor Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.


ADMOESTAÇÃO ANTES DO LIBELLO

Aos 23 dias do mez de Agosto de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da tarde os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos.

Muito Illustres Senhores. Diz a justiça A. contra Antonio Jozé, christão novo, estudante canonista. solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, e Lourença Coutinho, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador n'esta de Lisboa, réo prezo nos carceres d'este Santo Officio pelo crime de erezia e apostazia, conteúdo n'este processo. E si cumprir:

Provará, que, sendo o réo christão batizado, e como tal obrigado a ter e crer tudo o que tem, crê e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, elle o fez pelo contrario, e de certo tempo a esta parte, esquecido da sua obrigação e com pouco temor de Deos e da justiça, se apartou da nossa santa fé catholica e se passou á crença da lei de Moizés, tendo-a ainda agora por bôa e verdadeira, esperando salvar-se n'ella, fazendo por sua observancia seus ritos e cerimonias, e communicando-a com pessoa de sua nação, também apartadas da fé, com as quaes se tratava por crente e observante da dita lei.

Provará, que tanto é verdade o sobre dito, que o mesmo réo tem confessado n'esta meza, que de certo tempo a esta parte, persuadido com o falso ensino de certa pessoa de sua nação se apartou de nossa santa fé catholica, e se passou á crença da lei de Moizés. esperando salvar-se n'ella, fazendo seus ritos e cerimonias, e communicando-a com pessoas de sua nação, com as quaes se tratava por judeo; e que não cria no misterio da Santissima Trindade, nem em Christo, Senhor nosso, nem nos sacramentos da Igreja; e que não tinha seus erros por pecado, na crença dos quaes permaneceo até o tempo, que declarou em sua confissão, a qual com o maisque d'ella rezulta, aceita a justiça a seu favor, em quanto faz contra elle réo.

Provará, que o réo não tem feito inteira e verdadeira confissão de suas culpas, nem satisfatoria, antes muito diminuta, simulada e fingida; porque não declara todas as ceremonias, que faz por observancia da lei de Moizés, nem todas as pessoas, com quem a communicou, e sabe andarem apartadas da fé, não se prezumindo n'elle réo esquecimento algum, mas antes que o faz com muito dólo e malicia, por não estar arrependido de suas culpas e querer permanecer nos seus erros obstinado e cégo.

Por quanto provará, que elle réo se achou em certo lugar, haverá seis mezes, com certa companhia de sua nação, onde, além do que tem confessado, elle réo e a dita companhia se deram a entender, que eram observantes da lei de Moizés, declarando elle réo á dita companhia outras pessoas, que tinham a crença na dita lei.

Provará, que em outro certo lugar se achou elle réo, haverá sete para oito annos, com certa companhia de sua nação, onde, além do que tem confessado, elle réo e a dita companhia entre praticas, que tiveram, se declararam como criam e viviam na lei de Moizés para salvação de suas almas; e por sua observancia diceram, que rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e elle réo e a dita companhia fizeram em certo dia um jejum judaico.

Provará, que em outro certo lugar se achou elle réo, haverá dois para trez annos, com certa companhia de sua nação, onde, além do que tem confessado, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita companhia se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés para salvação de suas almas, e por sua observancia diceram, que não comiam peixe de pele, e rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e se ficaram tratando e communicando por crentes e observantes da lei até certo tempo.

Provará, que em certo lugar se achou elle réo, haverá seis annos, em companhia de certas pessoas de sua nação, onde, além do que tem confessado, por ocazião de ser em um sabado, que todos guardavam em observancia da lei de Moizés, elle réo e as pessoas da dita companhia se declararam por crentes e observantes da dita lei, por cuja observancia guardavam os ditos sabados, e por os guardarem elle réo e as ditas pessoas se ajuntavam umas vezes em caza de certa pessoa da dita companhia, e outras em caza d'elle réo.

Provará, que em outro certo lugar se achando elle réo, haverá cinco annos, pouco mais ou menos, com certa, companhia de sua nação, onde, além do que tem confessado, por ocazião de fazerem o jejum da rainha Estér, que vem no mez de Março, se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés para salvação de suas almas, para cuja observancia fizeram o dito jejum, e diceram, que o faziam o do dia grande, que vem no mez de Setembro, e outro que cae no mez de Dezembro, e rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim; e quando fizessem os ditos jejuns, diceram, que se haviam de lavar da cintura para baixo e vestir roupa lavada, e no dia grande roupa em folha, e lêr no dito dia um capitulo da Escritura Sagrada dos livros de Esdras.

Provará, que, sendo o réo por muitas vezes e com muita caridade admoestado n'esta meza da parte de Christo, Senhor nosso, que para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e bom despaxo de sua cauza quizesse acabar de confessar as suas culpas, e dizer toda a verdade d'ellas, declarando todas as pessoas, com quem se communicou na lei de Moizés, e todas as cerimonias, que fez por sua observancia, elle réo, uzando de máo conselho, não quis fazer, por ser, como ainda agora é, erege e apostata de nossa santa fé catholica, factor e descobridor de ereges; pelo que não merece, que com elle se uze de mizericordia alguma, mas de todo o rigor da justiça.

Pede recebimento, e provado o necessario o réo Antonio Jozé da Silva como erege e apostata de nossa santa fé catholica ficto, falso, simulado, confitente diminuto e impenitente, seja declarado por tal, e que incorreo em sentença de excomunhão maior, e em confiscação de todos os seus bens para o fisco e camara real, e nas mais penas de direito contra similhantes estabelecidas, e relaxado á justiça secular com a protestação ordinaria, feito em tudo inteiro cumprimento de justiça omni meliori modo via et forma juris.

Cum expensis.

E lido como dito é o dito libello, sendo pelo réo Antonio Jozé ouvido e entendido, logo pelos ditos Senhores foi dito o recebiam si et in quantum, e que o réo contestasse na fórma que lhe parecesse; e para o fazer com verdade e guardar segredo lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos, em que poz a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado que assim o fizesse, e elle prometeo cumprir.

Perguntado si é verdade o que se diz no dito libello, e em cada um dos artigos d'elle.Dice, que emquanto á primeira parte do primeiro e ultimo artigo, em que se diz ser elle réo christão batizado, e que fôra por muitas vezes admoestado n'esta meza quizesse acabar de confessar toda a verdade de suas culpas passava na verdade, e que o mais do dito libello contestava pela materia de suas confissões.

Perguntado, si tem defeza com que vir, e para a formar queria fazer procurador e estar com elle: Dice, que não tinha defeza com que vir, nem para que estar com procurador; o que visto pelos ditos Srs. Inquizidores o lançaram, e houveram por lançado da defeza com que podera vir, e mandaram corresse este processo seus termos ordinarios, e admoestado o réo outra vez em fórma, foi mandado ao seu carcere, sendo-lhe primeiro lida esta essão em prezença de seu curador, e por elle réo ouvida e ntendida, dice, que estava escrita na verdade, e assignou om seu curador, e com os ditos Srs. lnquizidores. Manoel odrigues Ramos, que o escrevi. João Alvares Soares.Filipe Maciel. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.


MAIS CONFISSÃO

Aos 3 dias do mez de Setembro de 1726 em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da tarde o Sr. Inquizidor João Alvares Soares; mandou vir perante si para efeito de ser citado a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz a mão, sob cargo de que lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si cuidou em suas culpas, como n'esta meza lhe foi mandado, e tem mais algumas que confessar para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo da sua cauza. Dice, que sim, cuidara, e que era de mais lembrado: Que, haverá dois annos na cidade de Coimbra e caza d'elle confitente, se achou com Manoel Nunes Ribeiro, christão novo, estudante legista, solteiro, filho de Diogo Nunes Ribeiro, medico, não sabe o nome da mãe, natural d'esta cidade, onde era morador, e hoje auzente, não sabe em que parte, nem que fosse prezo nem aprezentado, e estando sós por ocazião do mesmo dizer a elle confitente, que sabia, que elle vivia na lei de Moizés, se declararam como criam e viviam na dita lei para salvação de suas almas, e não passaram mais.

Dice mais, que suposto na confissão que em 8 de Agosto d'este prezente anno dicesse, que haveria onze mezes ou um anno, n'esta cidade de Lisboa e caza de Alexandre Soares, se achava com Leonor, filha do mesmo, natural do Rio de Janeiro e moradora n'esta cidade, e que estando ambos por ocazião da mesma perguntar a elle confitente, si sabia quando era o dia grande e elle confitente lhe dizer que não sabia, e que d'estas praticas veio elle confitente a inferir, que ella era observante da lei de Moizés, agora acrescenta, que na dita ocazião se achava tambem prezente outra mulher, a quem não sabe o nome, prima ou irman da dita Leonor, que, pelo modo que se vio estar, lhe parece assiste na mesma caza, christan nova, solteira, natural do Rio de Janeiro, e moradora n'esta cidade, como dito tem, em caza do dito Alexandre Soares, que reprezentaria ter quatorze annos de idade, e portanto estando todos trez, a saber elle confitente e as ditas, Leonor e a outra mulher, ambas lhe perguntaram, si sabia quando cahia o dia grande, de cujas praticas elle confitente veio a inferir, que ellas eram observantes da lei de Moizés, e não passaram mais.

Dice mais, que haverá cinco ou seis mezes, na dita cidade de Coimbra e caza de Manoel Gomes Cordeiro, se achou com Luiz Terra, cuja qualidade não sabe, estudante canonista, solteiro, não sabe o nome dos paes, natural da Bahia, e morador n'esta cidade, não sabe em que parte; não sabe, que fosse prezo, nem aprezentado, estando ambos sós o mesmo dando a elle confitente um abraço lhe dice, que vivia na lei de Moizes, e que João Thomaz havia dito tambem a elle e Luiz Terra, que elle confitente tambem vivia na dita lei, e que por o não saber mais cedo que elle confitente a observava, é que se não quizera com elle declarar mais cedo; ao que elle confitente lhe respondeo, que com efeito vivia na lei de Moizés, e este foi o modo porque se declararam, e não passaram mais, nem diceram quem nos haviam ensinado, nem com quem mais se comunicavam, e se fiaram uns dos outros por serem amigos da mesma nação, excepto o Luiz Terra, que lhe não sabe a qualidade; e al não dice, nem ao costume. E sendo-lhe lida essa confissão em prezença do seu curador, e por elle ouvida e entendida dice estava escrita na verdade, e que n'ella se afirmava, ratificava e tornava a dizer de novo, sendo necessario, sem ter mais que acrescentar, diminuir, mudar ou emendar, nem de novo que dizer ao costume sob cargo do mesmo juramento dos Santos Evangelhos, que outra vez lhe foi dado; ao que estiveram prezentes por honestas e religiozas pessoas, que tudo o sobredito viram e ouviram e prometeram dizer verdade no que fosse perguntado sob cargo do mesmo juramento, que tambem receberam os licenciados Manoel de Figueiredo e Thomaz Feio Barbuda, notarios d'esta Inquizição, que ex causa assistiram a esta ratificação e assignaram com o réo, seu curador e o dito Sr. Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o o escrevi. João Álvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Felipe Neri. Manoel de Figueiredo. Thomaz Feio Barbuda.

E ido o réo para seu carcere, foram perguntados os sobreditos licenciados, si lhes parecia, que falava a verdade e merecia credito, e por elles foi dito, que lhes parecia, que falava verdade e merecia credito, e tornaram a assignar com o dito Sr. Inquizidor. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. Manoel de Fiqueiredo. Thomaz Feio Barbuda.


CREDITO

Alexandre Henrique Arnaut, notario que escrevi a confissão retro do réo Antonio Jozé da Silva, certifico dizerme o Sr. Inquizidor João Alvares Soares lhe dava credito, e o mesmo lhe dou eu notado; de que passei a prezente de mandado do dito Sr. Inquizidor, em Lisboa no Santo Officio aos 17 de Setembro de 1726. João Alvares Soares.
Alexandre Henrique Arnaut.





CITAÇÃO PARA FORMAR INTERROGATORIOS

Aos 3 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da tarde os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dito, que elle era chamado e citado para se lhe dar a copia da prova da justiça, que tem contra si; que veja, si quer estar com procurador para lhe formar interrogatorios, por onde as testimunhas da justiça sejam reperguntadas; e pelo réo foi dito, que não tinha para que estar com procurador, e dava por repetidas as testimunhas da justiça; o que visto pelos ditos Senhores Inquizidores, o lançaram e houveram por lançado dos com que podéra vir; de que fiz este termo de mandado dos ditos Senhores Inquizidores, com quem assignou o seu curador. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. Antonio Jozé da Silva. Fliipe Neri.

Aos 4 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Senhores Inquizidores, apareceo o promotor fiscal do Santo Officio, e por elle foi dito, que este processo estava em termos de se lhe fazer publicação da prova da justiça, que lia contra o réo para lhe ser lida a dita publicação; e visto pelos Senhores Inquizidores o requerimento do promotor, mandaram se lhe tomasse por termo para haverem de lhe deferir; o que foi satisfeito. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.


ADMOESTAÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO

Aos 4 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da tarde os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dito, que elle fôra por muitas vezes admoestado n'esta meza quizesse acabar de confessar suas culpas, e que elle uzando de mão conselho até agora não tem feito, e lhe fazem a saber, que o promotor fiscal do Santo Officio requer com instancia se lhe faça publicação da prova da justiça, que contra elle ha; e por que lhe será melhor, e alcançará mais mizericordia, si acabar de confessar suas culpas antes que depois de ser lida a dita publicação, de novo admoestam com muita caridade da parte de Christo, Senhor nosso, o queira assim fazer para descargo de sua consciencia e salvação de sua alma, e bom despaxo de sua cauza; e por tornar a dizer que não tinha mais culpas que confessar, foi mandado levantar em pé, e logo lhe foi lida a dita publicação, e é a que adiante se segue. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.

Publicação da prova da justiça A., que ha n'esta Inquizição contra Antonio Jozé, christão novo, solteiro, réo prezo, conteúdo n'estes autos.

Uma testimunha da justiça A., jurada, ratificada e havida por repetida na fórma de direito, diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá sete para oito annos e trez mezes, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita companhia se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés com intento de n'ella se salvarem, e por sua observancia diceram, que rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e fizeram juntos um jejum judaico em uma sexta-feira: e do costume
dice a dita testimunha nada.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada e havida por repetida na fórma do direito, diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá dois para trez annos e um mez, pouco mais ou menos, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita companhia se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés com intento de n'ella se salvarem, e por sua observancia diceram, que não comiam carne de porco, lebre, coelho, nem peixe de pele, e rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim.

Dice mais a dita testimunha jurada, ratificada, e havida por repetida na fórma do direito, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva se achou em certo lugar em companhia de certas pessoas de sua nação, onde elle réo e as pessoas da dita companhia guardavam os sabados de trabalho como dias santos, lavando-se na vespera da cintura para baixo e vestindo os melhores vestidos; e do costume dice a dita testimunha nada.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada, e havida por repetida na fórma do direito, diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá cinco annos e um mez, pouco mais ou menos, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde por ocazião de fazerem o jejum da rainha Estér, que vem no mez de Março, se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés com intento de n'ella se salvarem, e por sua observancia diceram, que faziam o dito jejum da rainha Estér, e do dia grande que vem no mez de Setembro, e outro mais que vem no mez de Dezembro, e que rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e que quando faziam os ditos jejuns se haviam de lavar da cintura para baixo e vestir roupa lavada, e do dia grande vestir roupa em folha, e lêr um capitulo da Escritura Sagrada do profeta Esdras; e do costume dice a dita testimunha nada.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada e havida por repetida na fórma do direito, diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá um anno e um mez, pouco mais ou menos, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita companhia se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés com intento de n'ella se salvarem; e do costume dice a dita testimunha nada.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada e havida por repetida na fórma do direito, diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá quatro annos e um mez, pouco mais ou menos, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita companhia se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés com intento de n'ella se salvarem, e por crentes e observantes da dita lei se ficaram tratando e conhecendo até certo tempo; e do costume dice a dita testimunha nada.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada, e havida por repetida na fórma do direito, diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá um anno, pouco mais ou menos, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita testimunha declararam e deram conta como criam e viviam na lei de Moizés com intento de n'ella se salvarem, e por sua observancia diceram, que faziam o jejum do dia grande que vem no mez Setembro, que rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e que guardavam os sabados de trabalho como si fossem dias santos, e por crentes e
observantes da dita lei se ficaram tratando e conhecendo até certo tempo; e do costume dice a dita testimunha nada. Theotonio da Fonseca Soutomaior. João Alvares Soares.

E lida, como dito é, a dita publicação, sendo pelo réo Antonio Jozé da Silva ouvida e entendida, logo pelos ditos Senhores Inquizidores lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si é verdade o que se diz na dita publicação. Dice, que em quanto se conforma com a materia de suas confissões passa na verdade.

Perguntado, si tem contraditas com que vir, e para as formar quer estar com procurador. Dice, que não tinha contraditas com que vir, nem para que estar com procurador; o que visto pelos Srs. Inquizidores, o lançaram e houveram por lançado das com que podéra vir, e mandaram corresse este processo seus termos ordinarios, e admoestado o réo outra vez em fórma, foi mandado a seu carcére, sendo-lhe primeiro lida essa sessão, e por elle ouvida e entendida, dice estava escrita na verdade, e assignou com os ditos Srs. Inquizidores. Manoel de Figueiredo o escrevi. João Alvares Soares. Theotonio da Fonseca Soutomaior. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.


MAIS CONFISSÃO

Aos 7 dias do mez da Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da tarde o Sr. Inquizidor João Alvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'este autos, e sendo prezente para ser citado para a mais prova da justiça, que lhe acresceo, dice, que era de mais lembrado, ao qual foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que poz a mão,  sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir. E logo dice mais, Que, haverá um anno n'esta cidade de Lisboa, no caminho que vae das portas de Santo Antão para a horta do Conde da Ericeira, se achou com João Alvares, christão novo, estudante de artes, solteiro, filho de Francisco de Siqueira, medico, não sabe o nome da mãe, natural e morador n'esta cidade em companhia de seu pae, não sabe que fosse prezo nem aprezentado, estando ambos sós por ocazião de ser em um sabado de tarde e por tanto lhe dizer o dito João Alvares, que não ia ao estudo e o guardava por ser dia santo das pessoas de nação, e elle confitente lhe aprovou a guarda do dito sabado, e este foi o modo, porque ambos se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés, e não declararam emtanto, nem passaram mais, e não diceram quem os havia ensinado, nem com quem mais se communicavam, e se fiava um do outro por serem ainda alguma couza parentes, amigos, e da mesma nação, e al não dice, nem ao costume; e sendo-lhe lida esta sua confissão, por elle ouvida e entendida, dice estava escrita na verdade, e o que n'ella se afirma ratifica, e torna a dizer de novo, sendo necessario, que não tem mais que acrescentar, diminuir, mudar ou emendar, nem de novo que dizer ao costume sob cargo do juramento dos Santos Evangelhos, que outra vez lhe foi dado; ao que estiveram prezentes por honestas e religiozas pessoas, que tudo viram e ouviram, e prometeram dizer verdade no que lhes fosse perguntado sob cargo do juramento dos Santos Evangelhos, que tambem receberam, os licenciados Fabião Bernardes e Alexandre Henrique Arnaut, notarios d'esta Inquizição, que ex causa assistiram a esta ratificação, e assignaram com o réo, com o dito Sr. Inquizidor, e com seu curador. Manoel Lourenço Monteiro, o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri. Fabião Bernardes. Alexandre Henrique Arnaut.

E ido o réo para seu carcere, foram perguntados os ditos licenciados, si lhes parecia, que falava verdade, e merecia credito, e por elles foi dito, que sim, lhes parecia que falava verdade, e merecia credito, e tornaram a assignar com o dito Senhor Inquizidor. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi. João Alvares Soares. Fabião Bernardes. Alexandre Henrique Arnaut.


CREDITO

Manoel Lourenço Monteiro, notario do Santo Officio, que escrevi a confissão retro do réo Antonio Jozé da Silva, certifico dizer-me o Sr. Inquizidor João Alvares Soares, lhe dava credito ordinario, e o mesmo lhe dou eu notario; de que passei a prezente de mandado do dito Sr. Inquizidor, com quem assignei. Lisboa no Santo Officio 7 de Setembro de 1726. João Alvares Soares. Manoel Lourenço Monteiro.


CITAÇÃO PARA MAIS PROVAS

Aos 7 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da tarde os Srs. Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dito, que elle era chamado e citado de novo para formar interrogatorios para por elles serem reperguntadas as testimunhas da mais prova da justiça, que contra elle ha; que veja si quer estar com procurador para o dito efeito, e pelo réo foi dito não tinha para que estar com procurador, e havia por repetidas as testimunhas da justiça; o que visto pelos ditos Srs. Inquizidores, o lançaram e houveram por lançado dos interrogatorios, com que podéra vir; de que fiz este termo de mandado dos ditos Srs. Inquizidores, com quem o réo assignou com seu curador. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi. João Alvares Soares. Theotonio da Fonseca Soutomaior. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.

Aos 9 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Srs. Inquizidores, apareceo o promotor fiscal do Santo Officio, e por elle foi dito, que este processo estava em termos de se lhe fazer publicação da mais prova da justiça, que de novo acresceo ao réo Antonio Jozé da Silva n'elle conteúdo; por tanto requeria a elles, ditos Srs. Inquizidores, mandassem vir perante si ao dito réo para lhe ser lida a dita publicação; e visto pelos ditos Srs. Inquizidores o requerimento do promotor, mandaram se lhe tomasse por termo, para haverem lhe deferir; o que foi satisfeito. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.


ADMOESTAÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO

Aos 10 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dito, que elle fôra por muitas vezes admoestado n'esta meza quizesse acabar de confessar suas culpas, e que, uzando de máo conselho, até agora não tem feito, e lhe fazem a saber, que o promotor fiscal do Santo Officio requer com instancia se lhe faça publicação da prova da justiça, que mais lhe acresceo, e por que lhe será melhor e alcançará mais mizericordia, si acabar de confessar suas culpas antes que depois de lhe ser lida a dita publicação, de novo o admoestam com muita caridade da parte de Christo, Senhor nosso, o queira assim fazer para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma e bom despaxo de sua cauza; e por tornar a dizer que não tinha mais culpas que confessar, foi mandado levantar em pé, e logo lhe foi lida a dita publicação, e é a que adiante se segue. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.

Publicação da mais prova da justiça, que ha n'esta Inquizição contra Antonio Jozé, christão novo, solteiro, réo prezo, conteúdo n'estes autos.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada e havida por repetida na fórma de direito diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé, haverá seis para sete mezes, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, aonde, entre praticas que tiveram, elle réo e a dita companhia se deram a entender, que eram observantes da lei de Moizés, e o réo declarou á dita companhia, que também outras certas pessoas tinham crença na dita lei; e ao costume dice a dita testimunha nada. João Alvares Soares.

E lida, como dito é, a dita publicação, sendo pelo réo Antonio Jozé ouvida e entendida, logo pelos ditos Senhores Inquizidores lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz a mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si é verdade o que se diz na dita publicação: Dice, que em quanto se conforma com a materia de suas confissões passa na verdade.

Perguntado, si tem contraditas com que vir, e para as formar quer estar com procurador. Dice, que sim, tinha contraditas com que vir, e para formar queria estar com procurador, e logo lhe foi dito, que a esta meza vem advogar prezas n'ellas os licenciados Jacinto Roballo e Braz de Carvalho; que veja, si os quer por seus procuradores, e pelo réo foi dito, que a cada um dos ditos licenciados fazia seus bastantes procuradores e lhes dava todos os poderes em direito necessarios; o que visto pelos ditos Srs. Inquizidores, mandaram se desse recado a um dos ditos procuradores para vir estar com elle, e com o traslado da dita publicação formar as contraditas que lhe parecer, e admoestado o réo outra vez em fórma, foi mandado a seu carcere, sendo-lhe primeiro lida esta sessão, e por elle réo ouvida e entendida em prezença do seu curador, dice, que estava na verdade, e assignou com seu curador e com o dito Sr. Inquizidor. Fabião Bernardes o escrevi. João Álvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.


Publicação de mais prova da justiça A., que ha n'esta Inquizição contra Antonio Jozé, christão novo, solteiro, réo prezo, conteúdo n'estes autos.

Outra testimunha da justiça A. jurada, ratificada e havida por repetida na fórma de direito diz, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé, haverá seis para sete mezes, se achou em certo lugar com certa companhia de sua nação, onde, entre praticas, que tiveram, elle réo e a dita companhia se deram a entender, que eram observantes da lei de Moizés, e o réo declarou á dita companhia, que outras certas pessoas que lhe nomeou, tinham crença na dita lei; e ao costume dice a dita testimunha nada. Concorda com o original. Alexandre Henrique Arnaut. Muito Illustres Senhores. Para o réo Antonio Jozé haver de formar sua defeza, lhe é necessario, que se lhe declare o lugar, em que esta testimunha lhe dá cometida esta culpa. O procurador Braz de Carvalho. Antonio Jozé da Silva.

O promotor d'esta Inquizição faça a declaração, que o réo pede por seu procurador na forma do regimento e estilo do Santo Officio.

Lisboa em 12 de Setembro de 1726. João
Alvares Soares.

O lugar em que a testimunha dá a culpa ao réo é a cidade de Coimbra. Lisboa no secreto do Santo Officio 12 de Setembro de 1726. O promotor Agostinho Gomes Guimarães.

Muito Illustres Senhores.

O réo Antonio Jozé não uza de defeza coartada, pois não póde negar, que no tempo em que se lhe dá cometida esta culpa, assistisse na Universidade de Coimbra. E por artigos de contraditas e afim de se não dar credito ás testimunhas da justiça A. no que depuzera contra elle réo, diz este, que, na melhor fórma de direito, sendo necessario: Provará, que João Thomaz, suposto que era primo d'elle réo e cursava na dita Universidade de Coimbra, se tratavam sempre com tal aversão e contradição de genios, que se não comunicavam, nem conversavam, antes fóra da comunicação que com elle tinha lhe não descobria mais particulares alguns, excepto o que já tem dito.

Provará, que Luiz Terra não tinha elle réo amizade alguma particular com elle, e só em uma ocazião lhe dice a dita testimunha o que elle réo já tem confessado, depois do que tiveram umas diferenças, porque, intentando o sobredito cazar com uma prima do réo, este descobrio um defeito na qualidade do sobredito; o que a este foi notorio, e d'isto formou queixa contra o réo; pelo que não se falaram mais, nem o réo o via, o qual defeito era dizer o réo, que o sobredito era filho de um pescador; e assim poderia agravar mais a culpa a elle réo. H. F. P. P. R. pelo omni mel. mod. just. O procurador Braz de Carvalho. Antonio José da Silva.


NOMEAÇÃO

Aos 12 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza segunda das audiencias, estando ahi em audiencia da tarde o Senhor Inquizidor João Álvares Soares, mandou vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dito, que para prova dos artigos de contraditas com estas que tem vindo, lhe é necessario nomear testimunhas, e lhe convém muito, que sejam christans velhas, antes homens do que mulheres, nem familiares de sua caza, nem morem tão distantes que com dificuldade possam ser perguntadas; o que promete cumprir.


Ao 1
Bartolomeo Gomes, christão novo, estudante da Universidade, filho de Sebastião Gomes, mercador da capella, morador n'esta cidade a S. Francisco. Manoel Gomes, irmão do mesmo, em cuja companhia
assiste, e não tem mais.


Ao 2.°
Ignacio Nunes Velho, christão novo, estudante canonista, natural da Bahia, e morador n'esta cidade ao Ver do pezo. João Nunes, irmão do mesmo, não sabe o nome dos paes, assistente em companhia do dito seu irmão. João Pereira Manejo, christão novo, estudante companheiro dos ditos Ignacio e João Nunes, em cuja caza assiste, e não tem mais.

E feita assim a dita nomeação de testimunhas pelo réo Antonio Jozé da Silva, lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz sua mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si tudo o que tem articulado n'estes artigos de contraditas passa na verdade. Dice, que tudo o que tem articulado passa na verdade.

Perguntado, si tudo o que tem articulado o faz por entender, que faz a bem de sua pessoa e cauza, ou pela dilatar e embaraçar.

Perguntado, dice, que tudo o que tem articulado é para bem de sua justiça, e não para dilatar e embaraçar.

Perguntado, si se tornou a correr com amizade com o dito Luiz Terra depois das razões articuladas. Dice, que depois das razões articuladas o dito Luiz Terra fez matricula, veio para esta cidade e nunca mais o vio, e al não dice; e sendo-lhe lida esta sua nomeação em prezença de seu curador, e por elle ouvida e entendida dice, que estava escrita na verdade e assignou com seu curador e com o dito Senhor Inquizidor. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.

E junta, como dito é, a dita nomeação de testimunhas, com que o réo veio por seu procurador para os Senhores Inquizidores lhe houverem de deferir de seu mandado, lhe fiz concluzo. Lisboa 12 de Setembro de 1726. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.

Das contraditas com que o réo Antonio Jozé da Silva veio por seu procurador, recebemos ambos os artigos por informação sómente para se verem a final. Lisboa em meza de 12 de Setembro de 1726. João Alvares Soares.


CITAÇÃO PARA MAIS PROVA

Aos 12 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da tarde os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n’estes autos, e sendo prezente, lhe foi dito, que elle era chamado e de novo citado para se lhe dar a cópia da mais prova da justiça, que novamente lhe acresceo; que veja si quer estar com seu procurador para lhe formar interrogatorios, por onde a dita prova seja repetida, e por elle foi dito, que não queria estar com procurador e dava por repetidas a dita prova; o que visto pelos ditos Senhores Inquizidores, o lançaram e houveram por lançado aos interrogatorios, com que podéra vir; de que fiz este termo de citação, que o réo assignou com seu curador e os ditos Senhores Inquizidores. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi. João Alvares Soares. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.


REQUERIMENTO DO PROMOTOR ANTES DA
PUBLICAÇÃO

Aos 14 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Senhores Inquizidores, apareceo o promotor fiscal do Santo Officio, e por elle foi dito, que este processo estava em termos de se lhe fazer publicação da prova da justiça, que de novo acresceo ao réo Antonio Jozé da Silva n'elle conteúdo; por tanto requeria a elles ditos Senhores Inquizidores mandassem vir perante si ao dito réo para efeito de se lêr a dita publicação, e visto pelos ditos Senhores Inquizidores o requerimento do promotor, mandaram, que se lhe tomasse por termo para haverem de lhe deferir; o que foi satisfeito. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.


ADMOESTAÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO

Aos 16 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente lhe foi dito, que elle fôra por muitas vezes admoestado n'esta meza quizesse acabar de confessar suas culpas, e que elle, uzando de máo conselho, até agora não tem feito, e lhe fazem a saber, que o promotor fiscal do Santo Officio requer com instancia, que se lhe faça publicação da prova da justiça, que de novo lhe acresceo, e porque lhe será melhor, e alcançará mais mizericordia si acabar de confessar suas culpas antes que depois de lhe ser lida a dita publicação, de novo o admoestam com muita caridade da parte de Christo, Senhor nosso, o queira assim fazer para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e bom despaxo da sua cauza; e por tornar dizer, que não tinha mais culpas que confessar, foi mandado levantar em pé, e logo lhe foi lida a dita publicação, e é a que adiante se segue. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.

Publicação da mais prova da justiça A., que ha n'esta Inquizição contra Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'este processo. Dice mais a dita segunda testimunha da justiça A., jurada, ratificada, e havida por repetida na forma de direito, que sabe pelo vêr e ouvir, que o réo Antonio Jozé da Silva, haverá cinco para seis annos, se achou em certo lugar em companhia de certas pessoas da sua nação, onde por ocazião de ser em um sabado e falar-se na cerimonia d'este dia, se declararam por crentes e observantes da lei de Moizés para salvação de suas almas, e por sua observancia guardavam o dito dia de sabado e faziam os jejuns do dia grande e rainha Estér, e que não comiam carne de porco, coelho, lebre, e peixe de pele, e rezavam a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim, e se ficaram tratando por crentes e observantes da lei até certo tempo; e do costume dice a dita testimunha nada. João Paes do Amaral. João Alvares Soares.

E lida como dito é a dita publicação, sendo pelo réo Antonio Jozé da Silva ouvida e entendida, logo pelos ditos Senhores Inquizidores lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo prometeo cumprir.

Perguntado, si é verdade o que se diz na dita publicação. Dice, que emquanto se conforma com as materias de suas confissões passa na verdade.

Perguntado, si tem contraditas com que vir, e para as formar quer estar com procurador. Dice, que não tinha contraditas com que vir, nem para que estar com procurador; o que visto pelos ditos Senhores Inquizidores, o lançaram, e houveram por lançado das com que podéra vir, e mandaram corresse este processo em seus termos ordinarios; e admoestado o réo outra vez em forma foi mandado a seu carcere, sendo-lhe primeiro lida esta sessão, e por elle réo ouvida e entendida em prezença de seu procurador dice, que estava escrita na verdade, e assignou com seu curador e com os ditos Senhores Inquizidores. Fabião Bernardes o escrevi. João Alvares Soares. João Paes do Amaral. Antonio Jozé da Silva. Filipe Neri.

Estando este processo n'estes termos para os Senhores Inquizidores lhe haverem de deferir, de seu mandado lhe fiz concluzo afinal. Manoel de Figeiredo o escrevi.

Assiste ao despaxo d'este processo pelo ordinario de sua commissão, que anda no quaderno d'ellas, a que me reporto, o Senhor Inquizidor João Alvares Soares. Manoel de Figueiredo o escrevi. Antonio Jozé da Silva.

Foram vistos na meza do Santo Officio d'esta Inquizição de Lisboa em 18 de Setembro de 1726 estes autos, culpas, e confissões de Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante canonista, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro e morador n'esta de Lisboa, réo prezo, n'elles conteúdo, e pareceo a todos os votos, que as confissões do réo estavam em termos de serem recebidas, mas que visto deixar de dizer de sua mãe Lourença Coutinho, que lhe está dada pela segunda testimunha Brites Cardozo, sua tia, e Luiz Terra, que ambas aprova, e de suas tias Izabel e D. Maria Coutinho, que lhe estão dadas pela dita segunda testimunha, nem do jejum de Estér, que lhe dão a dita testimunha segunda e terceira testimunha, nem da Prehibita, que lhe dá a dita segunda, e não se prezumir esquecimento em pessoas tão suas conjuntas, antes que as encobre por serem as ditas culpas de relapsia, elle réo antes de outro despaxo seja posto a tormento, e n'elle pareceo a maior parte dos votos, que tenha um trato corrido, podendo-o sofrer, a juizo do medico e cirurgião, e arbítrio dos Inquizidores; o que satisfeito, se torne o processo a vêr em meza para se despaxar afinal; e assistir a este despaxo pelo ordinario de sua commissão o Inquizidor João Alvares Soares. João Paes do Amaral. João Alvares Soares. Fr. Domingos de S. Thomaz. D. Diogo Fernandes de Almeida. Antonio da Silva Araujo. Manoel de Almeida Carvalho.


ADMOESTAÇÃO ANTES DA SENTENÇA DO TORMENTO

Aos 23 dias do mez de Setembro de 1726 annos, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dito, que elle fôra muitas vezes admoestado n'esta meza com muita caridade quizesse acabar de confessar suas culpas, declarando todas as pessoas com quem as communicou; o que elle réo, uzando de máo conselho, até agora não quis fazer, e lhe fazem a saber, que seu processo foi visto por pessoas doutas e de san consciencia, e n'elle se tem tomado um assento mui rigorozo de sofrer, e porque lhe seja melhor, si acabar de confessar antes do que depois de se executar o dito assento, de novo o admoestam da parte do dito Senhor o queira assim fazer por ser o que lhe convém para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e bom despaxo da sua cauza; e por tornar a dizer que não tinha culpas que confessar, foi mandado vir á meza o promotor, e ao réo levantar em pé, e lhe foi lida a sentença do tormento, e é a que adiante se segue. Thomaz Feio Barbuda, que o escrevi. Antonio Jozé da Silva.

Acordam os Inquizidores, ordinario, e deputados da Santa Inquizição, que vistos estes autos, e os indicios que d'elles e da prova da justiça autora rezultam contra Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante de canones, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, natural da cidade de Coimbra, e morador n'esta de Lisboa, réo prezo, n'elles conteúdo, d'elle não ter feito inteira e verdadeira confissão de suas culpas, não declarando todas as pessoas com quem as communicou, e de como sendo por muitas vezes admoestado n'esta meza as quizesse acabar de confessar, elle réo, uzando de mao conselho, até agora não quiz fazer, mandam, que antes de outro despaxo o réo Antonio Jozé da Silva seja posto a tormento, conforme o assento, que em seu processo se tem tomado, onde será perguntado pelo libello da justiça e suas diminuições, para que acabe de confessar as suas culpas, e assim mandam se cumpra sem prejuizo do provado, e pelo réo confessado.

E lida, como é, a dita sentença do tormento por não apellar d'ella o réo Antonio Jozé da Silva, nem o promotor da justiça, mandaram os ditos Senhores Inquizidores, que se executasse o dito tormento; para o que fosse o réo levado á caza deputada para elle; o que foi satisfeito. Thomaz Feio Barbuda, que o escrevi.

Aos 23 dias do mez de Setembro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza deputada para o tormento, estando ahi em audiencia da manhan, sendo pelas nove horas e meia, os Senhores Inquizidores João Álvares Soares e Filipe Manoel e deputado D. Francisco de Almeida, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que poz sua mão, sob cargo do qual lhe foi mandado dizer verdade e ter segredo; o que tudo promete o cumprir; e logo lhe foi dito, que pela caza em que estava e instrumentos que n'ella via entenderia facilmente quão rigoroza e perigoza era a diligencia, que com elle se queria executar, a qual evitaria, si quizesse acabar de confessar todas as suas culpas, e por dizer que não tinha mais culpas que confessar, foi mandado para baixo, e chamados á meza os medicos e cirurgião, e mais ministros da execução do tormento, aos quaes foi dado o juramento dos Santos Evangelhos, em que pozeram suas mãos de bem e fielmente fazerem seus officios, e terem segredo; o que tudo prometeram cumprir, e sendo o réo despojado dos vestidos, que podiam servir de embaraço ao dito tormento,  foi lançado no potro, e começado a atar-lhe, foi protestado por mim notario em nome dos Senhores Inquizidores, que si n'aquelle tormento morresse, quebrasse algum membro, perdesse algum sentido, a culpa seria sua, e não dos Senhores Inquizidores e mais ministros, que o foram na sua cauza, que o sentenciaram conforme o merecimento d'ella, e por dizer que não tinha mais culpas, que confessar, se lhe continuou o tormento; e sendo atado em oito partes, e levando n'ella meia volta em todas as ditas oito partes que corresponde a um trato corrido, a que tinha sido julgado, foi mandado desatar e levar a seu carcere, e duraria o dito tormento um quarto de hora, em o qual gritou muito, e só chamava por Deos e não por Jezus, ou santo algum; e eu notario dou fé passar tudo na verdade, e assignei pelo réo por não estar capaz, e com os ditos Srs. Inquizidores e deputado. Thomaz Feio Barbuda, que o escrevi. João Alvares Soares. Thomaz Feio Barbuda.


Potro, Instrumento de Tortura


E estando este processo n'estes termos para os Senhores Inquizidores lhe haverem de defirir, de seu mandado lh'o fiz concluzo a final. Manoel de Figueiredo o escrevi.

Assiste ao despaxo d'este processo pelo ordinario de sua commissão, que anda no quaderno d'ellas, a que me reporto, o Senhor Inquizidor João Alvares Soares. Manoel de Figueiredo o escrevi. Antonio Jozé da Silva.

Foram vistos segunda vez na meza do Santo Officio d'esta Inquizição de Lisboa em 23 de Setembro de 1726 estes autos e culpas, e confissões de Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante canonista, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador n'esta cidade de Lisboa, réo prezo n'elle conteúdo, depois do assento da meza de 2 d'este mez de Setembro, porque foi mandado pôr a tormento e d'este se executar, como consta do termo do mesmo, e pareceu a todos os votos, que visto o réo, confessando suas culpas, dizer de si bastantemente, e de outras pessoas suas conjuntas e não conjuntas, satisfazendo a principal informação da justiça, e assentar bem na crença de seus erros e judaismo, porque foi prezo e acuzado, elle seja recebido ao gremio e união da santa madre Igreja, e vá ao auto publico da fé na fórma costumada com carcere e habito penitencial perpetuo, e n'elle ouça sua sentença, e abjure seus ereticos erros em forma, e que incorreo em sentença de excommunhão maior, e de que será absoluto in forma Ecclesiae, e em confiscação de todos seus bens para o fisco e camara real, e nas mais penas de direito contra similhantes estabelecidas, de que tenha penitencias espirituaes e instrução ordinaria; e que devia ser havido por erege pela sua propria confissão do mez de Agosto de 1721 em diante, e da mais concludente prova da justiça não consta o contrario, e assistio a este despaxo pelo ordinario de sua confissão o Inquizidor João Álvares Soares. João Paes do Amaral. Theotonio da Fonseca Soutomaior. João Alvares Soares. Antonio da Silva de Araujo. D. Diogo Femandes de Almeida. D. Francisco de Almeida. Antonio Jozé da Silva.

Acordam os Inquizidores, ordinario, e deputados da Santa Inquizição, que, vistos estes autos e culpas, e confissões de Antonio Jozé da Silva, christão novo, estudante canonista, solteiro, filho de João Mendes da Silva, advogado, natural da cidade de Coimbra e morador n'esta Lisboa occidental, réo prezo, que prezente está: Porque se mostra, que sendo christão batizado, e como tal obrigado a ter e crêr tudo o que tem, crê e ensina a santa madre Igreja de Roma, elle o fez pelo contrario, e de certo tempo a esta parte, persuadido com o ensino e falsa doutrina de certa pessoa de sua nação, se apartou da nossa santa fé catholica, e passou á crença da lei de Moizés, tendo-a ainda agora por boa e verdadeira, esperando salvar-se n'ella. E não cria no misterio da Santissima Trindade, nem em Christo, Senhor nosso, pelo não ter por Deos verdadeiro. E só cria em Deos todo poderozo, a quem se encommendava com a oração do Padre nosso sem dizer Jezus no fim. E por oservancia da dita lei fazia o jejum dia grande, que vem no mez de Setembro, estando então em todo elle sem comer nem beber sinão á noite, ceando então o que se lhe oferecia sem excepção de qualidade de manjares de peixe ou carne; e guardava os sabados de trabalho, como si fossem dias santos, communicando estas couzas com pessoas da sua nação, com as quaes se declarava por judeo. E não dava conta d'estes erros aos seus confessores pelos não ter por pecados, nem cria na confissão e mais sacramentos da Igreja pelos não ter por bons, e necessários para a salvação da alma, e os recebia e fazia as mais obras de christão por cumprimento do mundo, perseverando na dita crença até certo tempo, que declarou.

E pelo réo não ter feito inteira e verdadeira confissão de suas culpas, veio o promotor fiscal do Santo Officio com libello criminal e acuzatorio contra elle, que lhe foi recebido si et in quantum, e o réo o contestou pela materia de suas confissões, que continuou.

O que tudo visto, e o mais que dos autos consta, declaram, que o réo foi erege, apostata de nossa santa fé catholica, e que incorreo em sentença de excommunhão maior, e confiscação de todos os seus bens para o fisco e camara real, e nas mais penas em direito contra similhantes estabelecidas.

Visto porém como, uzando o réo de bom e saudável conselho, confessou suas culpas na meza do Santo Officio com mostras e signaes de arrependimento, pedindo d'ellas perdão e mizericordia, com o mais que dos autos rezulta, recebem ao réo Antonio Jozé da Silva ao gremio e união da santa madre Igreja, como pede: E mandam, que em pena e penitencia das ditas culpas vá ao auto publico da fé na fórma costumada, n'elle ouça sua sentença, e abjure seus ereticos erros em fórma; terá carcere e habito penitencial perpetuo; será instruido nos misterios da fé, necessarios para a salvação de sua alma, e cumprirá as mais penas e penitencias espirituaes, que lhe forem impostas: E mandam, que da excommunhão maior em que incorreo seja absoluto in forma Ecclesiae. - João Alvares Soares. Theotonio da Fonseca Soutomaior.

Publicada foi a sentença acima e atraz escrita do réo Antonio Jozé da Silva, n'ella conteúda no auto publico da fé, que na igreja do convento de S. Domingos d'esta cidade se celebrou em os 13 de Outubro de 1726, estando prezentes El-Rei Nosso Senhor D. João o Quinto, os Senhores Infantes D. Francisco e D. Antonio, os Senhores Inquizidores, e mais ministros da meza, muita nobreza e povo. Manoel Lourenço Monteiro o escrevi.

JURAMENTO EM FORMA

Eu Antonio Jozé da Silva perante vós, Senhores Inquizidores, juro n'estes Santos Evangelhos, em que tenho minhas mãos, que de minha propria e livre vontade anatematizo, e aparto de mim toda a especie de erezia, que for ou se levantar contra nossa santa fé catholica e Sé Apostolica, e especialmente estas em que cahi, e que agora em minha sentença me foram lidas, as quaes hei por repetidas aqui e declaradas. E juro de sempre ter e guardar a santa fé catholica, que tem ensinado a santa madre Igreja de Roma, e que serei sempre muito obediente ao nosso mui Santo Padre o Papa Benedito Bispo XIII, nosso Senhor, prezidente na Igreja de Deos, e a seus sucessores; e confesso, que todos os que contra esta santa fé catholica vierem, são dignos de condemnação; e juro de nunca com elles me ajuntar; e de os perseguir, e descobrir as erezias que d'elles souber aos Inquizidores ou prelados da santa madre Igreja, e juro e prometo quanto em mim for de cumprir a penitencia, que me é ou for imposta, e si tornar a cair n'estes erros, ou em outra qualquer especie de erezia, quero e me praz, que seja havido por relapso, e castigado conforme o direito, e si em algum tempo constar o contrario do que tenho confessado ante vossas mercês por meu juramento, quero, que esta absolvição me não valha, e me submeto á severidade e correição dos Sagrados Canones, e requeiro aos notarios do Santo Officio, que d'isto passem instrumentos, e aos que estão prezentes sejam testimunhas, e assignem aqui comigo, e assignei com as testimunhas abaixo assignadas e com seu curador por não poder assignar por cauza do tormento. Fabião Bernardes escrevi. Fabião Bernardes, Filipe Neri, Francisco Xavier de Faria. Thomaz Aquino Simões.


TERMO DE SEGREDO

Aos 14 dias do mez de Outubro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da tarde os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si, do carcere da penitencia, a Antonio Jozé da Silva, réo prezo, conteúdo n'este processo, e sendo prezente, lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos, em que pôz a mão, e sob cargo d'elle lhe foi mandado, que tenha muito segredo em tudo o que vio e ouvio n'estes carceres, e com elle se passou acerca do seu processo; e nem por palavra nem por escrito o descubra, nem por outra qualquer via que seja, sob pena de ser gravemente castigado; o que tudo elle prometeo cumprir, e sob cargo do dito juramento, de que se fez este termo de mandado dos ditos Senhores, que de seu rogo e cometimento, por não poder assignar por cauza do tormento, assignei por elle com seu curador. Fabião Bernardes o escrevi. Fabião Bernardes. Filipe Neri.


TERMO DE IDA E PENITENCIA

Aos 23 dias do mez de Outubro de 1726 annos em Lisboa, nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi em audiencia da manhan os Senhores Inquizidores, mandaram vir perante si a Antonio Jozé da Silva, conteúdo n'estes autos, e sendo prezente, lhe foi dito, que elle não torne a cometer as culpas porque foi prezo e processado n'esta Inquizição, nem outras similhantes, porque será castigado com todo o rigor do direito, e que trate de dar com sua vida e exemplo mostras de bom e fiel catholico christão, communicando com pessoas de que possa aprender san e catholica doutrina, apartando-se, quanto lhe for possivel, das que o podem perverter; e que cumpra o que prometeo na sua abjuração, e o que se contem em uma carta que lhe será dada; o que tudo prometeo cumprir, sob cargo do juramento dos Santos Evangelhos, de que fiz este termo de mandato dos ditos Senhores Inquizidores, com quem assignou. Thomaz Feio Barbuda, que o escrevi.



NOTIFICAÇÃO DE MÃOS ATADAS

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de 1739 aos 16 dias do mez de Outubro nos estáos e caza do despaxo da Santa Inquizição, estando ahi na audiencia da tarde os Senhores Inquizidores, foi o licenciado Thomaz Feio Barbuda de ordem dos ditos Senhores aos cárceres secretos da mesma, e em um em que estava Antonio Jozé da Silva, réo prezo conteúdo n'estes autos, o notificou e citou para domingo, que se contam 18 d'este prezente mez, ir ao auto publico da fé ouvir sua sentença, pela qual estava relaxado á justiça secular, e logo pelos guardas dos ditos carceres lhe foram atadas as mãos, e para o réo tratar do remedio da sua alma ficou com elle o padre Francisco Lopes, da Companhia de Jezus; de que fiz este termo de mandado dos ditos Senhores Inquizidores. Alexandre Henrique Arnaut o escrevi.

Acordão os Inquizidores, ordinario e deputados da Santa Inquizição, que vistos estes autos, culpas e confissões de Antonio Jozé da Silva, christão novo, advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador n'esta de Lisboa, réo prezo, que prezente está.

Porque se mostra, que sendo christão batizado, obrigado a ter e crer tudo o que tem, crê e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, elle o fez pelo contrario, vivendo apartado da nossa santa fé catholica, e tendo crença na lei de Moizés, tendo-a por boa e verdadeira, esperando salvar-se n'ella, fazendo por observancia da mesma seus ritos e ceremonias.

Pelas quaes culpas, sendo o réo prezo nos cárceres d'esta Inquizição, e na meza d'ella com muita caridade 29 Sentença final, datada de 13 de Março de 1739, três dias depois de emitida a certidão que confirma o interesse do Cardeal-Inquisidor.


PROCESSO CONTRA ANTONIO JOZÉ DA SILVA

Admoestado as quizesse confessar para descargo de sua consciencia, salvação de sua alma, e se poder uzar com elle de mizericordia, dice, que de certo tempo a esta parte vivera apartado de nossa santa fé catholica, tendo crença na lei de Moizés, pelo ensino que da mesma lhe fez certa pessoa de sua nação, e por observancia da dita lei guardava os sabados de trabalho, como si fossem dias santos, fazia o jejum do dia grande, estando n'elle sem comer nem beber sinão á noite; e não cria no misterio da Santissima Trindade, nem em Christo, Senhor nosso, pelo não ter por Deos verdadeiro, e só cria no Deos do céo, a quem se encomendava com a oração do Padre nosso, sem dizer Jezus no fim; e não dava conta d'estes erros a seus confessores por os não ter por pecados, nem cria na confissão e mais sacramentos da Igreja pelos não ter por necessarios para a salvação da alma, e os recebia e fazia as mais obras de christão por cumprimento do mundo, e comunicava estas couzas com pessoas de sua nação, tambem apartados da fé, com as quaes se declarava por judeo.

Por bem da qual confissão, uzando o Santo Officio de piedade com o réo, por este mostrar se queria converter de coração á nossa santa fé catholica, de que se havia apartado, e dar signaes de arrependimento, o recebeo ao gremio e união da santa madre igreja, e ouvio sua sentença no auto publico da fé, que na igreja do convento de São Domingos se celebrou em os 13 dias de Outubro de 1726, onde abjurou seus ereticos erros em fórma.

E devendo o réo apartar-se totalmente da crença da lei de Moizés, dando com sua vida mostras de bom e fiel christão, houve de novo informação no Santo Officio, que o réo continuava na crença da dita lei, e que por sua observância guardava os sabados de trabalho, como si fossem dias santos, e para não trabalhar nos ditos sabados e não ir á missa nos dias de preceito da Igreja se fingia doente, e fazia jejuns judaicos pelo decurso do anno, estando n'elles sem comer nem beber sinão á noite, em que ceava o que se lhe oferecia, communicando estas couzas com pessoas de sua nação, também apartadas da fé, com as quaes se declarava por crente e observante da lei de Moizés.

E sendo o réo pelas ditas culpas segunda vez prezo nos carceres do Santo Officio e na meza d'elle por muitas vezes e com muita caridade admoestado as quizesse confessar para descargo de sua consciencia e salvação de sua alma, pois que como catholico era obrigado a perseguir os ereges, como prometeo em sua abjuração, descobrindo e denunciando tudo o que soubesse obravam contra nossa santa fé catholica, respondeo, que não tinha culpas que confessar.

Pelo que veio o promotor fiscal do Santo Officio com libello criminal acuzatorio contra elle, que lhe foi recebido si et in quantum, e o réo contestou por negação, vindo com sua defeza e contrariedade, que outro sim lhe foi recebida, e por ella se perguntaram testimunhas, e ratificadas e repetidas as da justiça na fórma de direito, se lhe fez publicação de seus ditos, conforme o estilo do Santo Officio, a que veio com contraditas, que tambem lhe foram recebidas, e não provou couza relevante.

E guardados os termos de direito, e feitas as mais diligencias necesarias, seu feito se processou até final concluzão; sendo o réo por repetidas vezes admoestado que abrisse os olhos da alma, e deixando respeitos humanos, reconhecesse seus erros e os confessasse, sem elle os querer fazer.

E visto seu processo na meza do Santo Officio, se assentou, que o réo pela prova da justiça estava convencido em relapsia no crime de judaismo, e por erege apostata da nossa santa fé catholica convicto, negativo, pertinaz, e relapso foi julgado e pronunciado.

E para que com desengano da vida temporal podesse o rèo cuidar da salvação de sua alma e descargo de sua consciencia, foi finalmente citado para ir ao auto publico da fé ouvir sua sentença, pela qual estava mandado relaxar á justiça secular.

O que tudo ouvido e bem examinada a concludente prova da justiça autora, numero e qualidade das testimunhas, e como o réo, depois de haver abjurado seus ereticos erros em fórma, viveo apartado da nossa santa fé catholica e continuou na crença da lei de Moizés, e não ter a Igreja mais que fazer com elle por se haver feito indigno da mizericordia, que no primeiro lapso lhe foi concedida, tendo a Deos sómente diante dos olhos, a verdade infalivel de nossa santa fé, e a extirpação das erezias, com o mais que dos autos rezulta, e dispozição de direito em tal cazo, Christi Jesu nomine invocato, declaram o réo Antonio Jozé da Silva por convicto, negativo, pertinaz, e relapso no crime de erezia e apostazia, e que foi erege apostata de nossa santa fé catholica, e que incorreo em sentença de excomunhão maior, e confiscação de todos os seus bens para o fisco e câmara real, e nas mais penas de direito contra similhantes estabelecidas, e como erege apostata de nossa santa fé catholica convicto, negativo, pertinaz, e relapso o condemnam e relaxam á justiça secular, a quem pedem com muita instancia se haja com elle benigna e piedozamente, e não proceda á pena de morte nem efuzão de sangue.

Bernardino Cabral da Silva. Filipe Maciel. Simão Jozé
Silverio Lobo.
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O Réu é em seguida executado. Da transcrição encomendada por F. A. Varnhagen não constam cerca de 70
páginas (frente e verso) do processo 2027 da Inquisição de Lisboa. [AD]






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