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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

HÁ VIDA APÓS O PARTO?



Uma forma moderna de reinterpretar o "mito da caverna" de Platão. 

O mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância, isto é, a passagem gradativa do senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático e organizado, que busca as respostas não no acaso, mas na causalidade.







No ventre de uma mãe havia dois bebês.
Um perguntou ao outro:
"Você acredita em vida após o parto?"
O outro respondeu: "É claro. Tem que haver algo após o parto. Talvez nós estejamos aqui para nos preparar para o que virá mais tarde."
"Bobagem", disse o primeiro. "Não há vida após o parto. Que tipo de vida seria esta?"
O segundo disse: "Eu não sei, mas haverá mais luz do que aqui. Talvez nós poderemos andar com as nossas próprias pernas e comer com nossas bocas. Talvez teremos outros sentidos que não podemos entender agora."
O primeiro retrucou: "Isto é um absurdo. Andar é impossível. E comer com a boca!? Ridículo! O cordão umbilical nos fornece nutrição e tudo o mais de que precisamos. O cordão umbilical é muito curto. A vida após o parto está fora de cogitação."
O segundo insistiu: "Bem, eu acho que há alguma coisa e talvez seja diferente do que é aqui. Talvez a gente não vá mais precisar deste tubo físico."
O primeiro contestou: "Bobagem, e além disso, se há realmente vida após o parto, então, por que ninguém jamais voltou de lá? O parto é o fim da vida e no pós-parto não há nada além de escuridão, silêncio e esquecimento. Ele não nos levará a lugar nenhum."
"Bem, eu não sei", disse o segundo," mas certamente vamos encontrar a mamãe e ela vai cuidar de nós."
O primeiro respondeu: "Mamãe, você realmente acredita em mamãe? Isto é ridículo. Se a mamãe existe, então, onde ela está agora?"
O segundo disse: "Ela está ao nosso redor. Estamos cercados por ela. Nós somos dela. É nela que vivemos. Sem ela este mundo não seria e não poderia existir."
Disse o primeiro: "Bem, eu não posso vê-la, então, é lógico que ela não existe."
Ao que o segundo respondeu: "Às vezes, quando você está em silêncio, se você se concentrar e realmente ouvir, você poderá perceber a presença dela e ouvir sua voz amorosa lá de cima."
Este foi o modo pelo qual um escritor húngaro (?) explicou a existência de Deus.

COMENTÁRIOS

Trata-se de uma analogia que recorre a algo que tomamos como verdadeiro (os bebes têm mães e nascem) para concluir que uma posição é insensata e, aparentemente, outra não é.

Isso é fácil de fazer com qualquer posição. É um tipo de retórica habitual dos criacionistas, como os argumentos da Teoria da Evolução dos Talheres,
(1) o pesadelo dos ateus e o fato da Teoria das Placas Tectônicas ter sido ridicularizada quando foi proposta.

No entanto, devemos ter em consideração os dados atribuídos aos personagens e o que é mais relevante,  a metodologia que usaram para chegarem às suas conclusões. A questão é como ideias que foram consideradas falsas passaram a ser consideradas verdadeiras.

Tendo em conta isso, o feto que nega o nascimento e a existência da mãe é o mais sensato (apesar da atitude arrogante, própria das caricaturas), apesar de estar errado. Se não morrer prematuramente, terá a oportunidade de nascer, atualizando as suas crenças: supostamente os ateus seguem filosofias céticas com uma característica da filosofia de Carnéades,
(2) que permite dinâmica nas suas crenças, preferindo as hipóteses que são mais prováveis através daquilo que experimentamos, mudando de opinião de acordo com a experiência.

Mas a única coisa que esses fetos ele têm visto durante toda a sua vida é o seu irmão, o cordão umbilical, a placenta e o útero em escuridão. O irmão acrescenta mais entidades nas suas crenças de forma dogmática: "Certamente
 que sim. Algo tem de haver depois de nascermos!" ... "com certeza veremos a mamãe e ela cuidará de nós". Como raios é que ele sabe que há um nascimento, que há uma mãe, que é possível caminhar e comer com a boca? E como é que obteve esses conhecimentos? Mais parece aqueles que defendem que somos visitados por extraterrestres e que existe um dinossauro em Lock Ness.

Também nos chama atenção o fato de que não existe diferença entre as crianças e nós, há os que acreditam e os que não acreditam.

- aqui, no "mundo pós-parto", não há evidência objetiva da existência do "mundo pós-morte", nem de Deus, nem do Papai Noel. Deus não canta uma canção para dormir que possa ser captada pelos ouvidos nem por instrumentos de medição. Deus não se manifesta a nossos sentidos objetivos, nem pode ser detectado por sensores, aparelhos, microfones, câmeras, nada. No máximo, Deus aparece interiormente em momentos de grande emoção. Mas aí, quem garante que não seja produto da imaginação?

Ainda que a maior parte da humanidade esteja esperançosamente convencida de que haja sinais que antecipem a continuidade da vida além da morte, o que garante tal verdade é indubitavelmente a fé. Por mais que queiram uns e outros, não há certezas comprovadas cientificamente.

Parece ser uma entre outras retóricas, que circulam pela internet, para chegar à conclusão trivial que os ateus não sabem de tudo (assumindo-os como arrogantes)



(1) A Teoria da Evolução dos Talheres. Não foram só os seres vivos que evoluíram. Os talheres também. 

(2) Carnéades, dito o platônico (em grego antigo:
Καρνεάδης, transl. Karneádēs), foi um filósofo grego nascido em Cirene no ano de 214 a.C.. Suas idéias filosóficas iam contra vários antigos preceitos. Foi um crítico do estoicismo, criando as bases do ceticismo. De fato, Carnéades foi um cético radical e o primeiro filósofo a apontar o fracasso dos metafísicos, que pretendiam encontrar um significado racional nas crenças religiosas. Foi escolarca da Academia Platônica.

Em 155 a.C. ele e mais dois filósofos, Critolau, o peripatético, e Diógenes, o estóico, foram levados em missão diplomática, de Atenas a Roma, onde fizeram conferências. Em uma delas, Carnéades afirmou que os deuses não existiam e que a justiça e injustiça são questão de pura conveniência. Essa declaração fez com que Catão fosse ao Senado, propondo que os três filósofos fossem mandados de volta a Atenas.

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