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terça-feira, 26 de março de 2013

TERAPIA DE VIDAS ULTRA-PASSADAS




- Coisas que... Nem o Vento Levou! -
John Fellinus


Gente, o mundo está tão doente que até computador tem vírus. Todos temos traumas na vida. Isso geralmente nos leva a buscar terapias diversas. E aparece cada uma! Há até uma incrível terapia alternativa que ensina seus pacientes beberem a própria urina! Chamam-na de urinoterapia. Beber xixi? Pasmem.



Também precisei de terapia. Minha dicção era normal e fluente desde criança até os meus dezoito anos. Mas dali em diante foi afetada quando comecei tentar realizar um sonho que tinha desde pequeno: ser escritor.


Por mais de trinta anos enviei diferentes originais às editoras. As respostas eram sempre educadas, mas acompanhadas de um “não”. O recebimento de tantos “nãos” - aliado à frustração de meu grande desejo - provocou em mim um distúrbio nervoso. Me tornei, então, um gago. Um gago que precisava de tratamento. Minha gagueira era tão grande que até escrevi um livro devido a ela. Intitula-se O DIÁRIO DE UM GAGO.


Sou cepeilandês, nascido em Cepeilândia. Trata-se de um reino onde o Sol não se põe, de tão vasto que é. Terra única, introcável por qualquer outra, rainha de todas as belezas e abrigadora de um povo maravilhoso, alegre, incomum, inigualável em todos os sentidos. Terra de gente muito boa, amiga, pacífica. O maior dom do cepeilandês é o bom-humor. Tudo é levado na gozação.



Como minha gagueira aumentava, deixei minha terra natal, minha querida Cepeilândia, e viajei para outro país em busca de tratamento piscoterápico. Fui parar no imenso Brasil, o país de todos os povos, acolhedor de todas as raças. Lá, fui no consultório de um analista,  num bairro chamado Butantã.



O Butantã é um bairro de São Paulo famoso por suas cobras. Lá há um instituto que se dedica, principalmente, à produção de antídotos contra picadas de cobras.



No consultório ouvi uma conversa estranha. Um cliente perguntou baixinho a uma mulher ao lado dele:



- A senhora já foi alguém em vidas passadas?

Ela sorriu e respondeu orgulhosamente:

- Sim! Fui Cleópatra, aquela que se matou com a picada de uma cobra no Egito antigo.



Chegou a vez daquela senhora ser atendida.

Ela entrou numa sala e outra mulher ocupou a cadeira dela. Esta, não ouvira a pergunta feita à outra, e aquele cliente repetiu a pergunta a esta nova senhora:



- Madame, sabe se já foi alguém em outras vidas?

- Sim! Fui Cleópatra, rainha do Egito antigo, aquela do caso da cobra.


"Duas? Duas Cleópatras...ao mesmo tempo?" - pensei - "que negócio é esse?" – fiquei confuso - "que analista é esse ao qual eu vim?”


Eu sabia que estava no bairro das cobras, mas será que havia conversa sobre cobras até na sala do analista?



Não era aquele tratamento que eu estava procurando. Será que havia ido ao analista errado?



Fora lá porque me disseram que o homem analisaria minha infância e, após analisar meus problemas sofridos desde pequeno, consertaria minha cabeça afetada pelos traumas infantis.



Eu precisava que os ensinos de Freud retirassem coisas alojadas em minha cabeça - coisas que nem o vento conseguira levar.



Quando a mulher não estava mais na sala perguntei ao cliente, discretamente:



- Moço, vim aqui porque me disseram que o doutor analisa a infância da gente e resolve os problemas que são gerados por ela durante a vida, problemas que nem o vento leva. Que história é essa de Cleópatra, cobra, Egito antigo e vidas passadas? Pelo que sei, a Cleópatra viveu umas cinco décadas antes de Cristo. Foi mulher dos romanos Júlio César e Marco Antônio. Mas hoje, há dois mil anos é apenas múmia egípcia. Será que vim ao analista errado?



- Não, não. Veio ao homem certo. O analista cuida, também, disso que o senhor está procurando. Acontece que nos últimos anos ele se especializou em novas terapias nos Estados Unidos. Agora, além desta vida ele vai mais para trás, analisa vidas passadas também. Ficou craque nisso. Sabe como é, ele aprendeu aquelas teorias que dizem: " alguém é sicrano e é doente de algo por que já foi beltrano...", mais ou menos isso.


- Então vou embora - eu disse assustado ao cliente - não me interessa essa terapia, pois ela ainda não é reconhecida nos anais da ciência médica. Segundo o Conselho Federal de Psicologia aqui do Brasil, não é matéria ainda cientificamente comprovada.



- Não! Não precisa ir. Se você quiser, o doutor usa a terapia da regressão só até os traumas desta infância apenas. Ele respeita a escolha dos pacientes.



Assim, depois dessa garantia fiquei para a consulta, mas meio ressabiado.



Além das Cleópatras e outros casos, no consultório havia outro cliente, e por concidência viera também de meu país, Cepeilândia. Era um adulto jovem de apenas 37 anos. Ele era um excelente técnico, profissional saudável e competente, que ao procurar emprego as firmas lhe diziam: "só pegamos até 35". “Mas eu tenho espírito jovem”, dizia ele às empresas. “Mas nós não recrutamos espírito, queremos corpo, só”, as empresas respondiam.



O homem ficou maluco, pois o sistema previdenciário de Cepeilândia lhe daria aposentadoria só quando completasse 60 ou 65 anos! O que ele faria nos outros mais de vinte anos à frente? Iria expandir o universo do trabalho informal?



Quantos enlouqueciam assim! Pois qual é a coerência que existia em que a aposentadoria fosse só aos 60 anos de idade, mas por outro lado houvesse liberdade para que as empresas rejeitassem os homens dos 35 aos 60 como imprestáveis? Eram absurdos sociais que nem o vento levava. Nem o vento e nem os psicanalistas.



Eu, naquele consultório, já era um órfão da velhice. Contava mais de sessenta anos. Era aposentado, mas recebia tão pouco que o dinheiro da aposentadoria acabava nas compras da primeiras caixas de remédio. E era impossível eu arranjar emprego em Cepeilândia. De nada adiantava, para me alegrar, os bondosos organizadores de associações de idosos mandarem eu dançar junto com os velhinhos da terceira idade, nem passear com eles naquelas excursões em que são levados como crianças depois de tanta experiência acumulada na vida.



Isso era bom, mas não o que eu queria. Parecia estar voltando à creche depois de uma vida intensa. Não! Eu desejava desenvolver a profissão que ainda não conseguira: ser escritor, de qualquer jeito. Sonhei até em montar uma editora e publicar meus próprios livros. O primeiro que eu publicaria seria o meu inédito: ... “Nem o Vento Levou!”



Mas como, se eu não tinha dinheiro nem para comprar os medicamentos? Mas havia alguém que me animava constantemente:



“Ah, é fácil, ‘vô’! Compra uma estação de TV e mostra o teu ‘Nem o Vento Levou!’ para todo mundo. Tudo que passa na TV o povo compra.”



Essa foi a solução da minha única leitora fanática, minha netinha de 9 anos. Ri! Ri tanto que fez bem. É pena que este meu pequeno grande amor tenha que crescer e um dia se emaranhar nas teias das aranhas do mundo adulto. Ela tinha até nome para a editora se eu abrisse : "Editora de Bem com a Vida".



Onde vira isso? Na TV.



Pedi ao cliente que conversara com as Cleópatras no consultório, que me dissesse como funcionava a tal regressão do analista do Butantã. Ele me deu alguns detalhes. Em resumo foi isso o que entendi:



O analista do Butantã era um regressor, um tipo de especialista em “vídeo-teipe mental” do passado. Não só de um passado, mas de muitas vidas passadas! Descobria problemas da vida atual de pessoas que ele dizia terem vivido muitas vezes antigamente. Funcionava mais ou menos assim, como exemplos:



Se alguém tivesse hoje uma persistente dor de cabeça, teria morrido na outra vida por algum ferimento na cabeça. O regressor dizia que a cabeça doía até hoje na nova vida. Nem o vento levava a dor.



 Caso sofresse de dor no ombro, poderia ter levado uma flexada ou paulada, martelada, facada, tiro ou pedrada na vida passada, no ombro, ao morrer. Valeria o diagnóstico, também, para qualquer outro ponto do corpo que doesse na vida atual. Assim, naquele ponto, teria sido o ferimento no passado. O regressor diria que o ombro, ou outro ponto que tivesse sofrido o ferimento mortal, doeria até hoje na nova vida.



 Se o paciente tivesse problemas de respiração, poderiam ter sido dois ou mais os tipos de morte nas antigas vidas. Se a má respiração provocasse calor, poderia ter morrido pelo fogo.



 Por exemplo, quem já foi Joana D’arc sentiria calor mesmo sem estar com febre. Caso a má respiração produzisse frio, talvez tivesse morrido afogado. Se não provocasse nem frio nem calor, poderia ter morrido só de “nariz entupido" ou por variadas razões. O regressor poderia, assim, diagnosticar que a má respiração hoje, na nova vida, viesse dessas causas mortis passadas.



As existências antigas variariam no tempo, sendo na Pré-história, ou mais para cá AC.,ou em qualquer ano DC. O diagnóstico seria feito enquanto o cliente falasse dormindo, em transe hipnótico induzido pelo analista do Butantã.



Então, descoberta a causa mortis passada da dor atual, ele aconselharia o cliente e a dor que nem o vento levava, o abandonaria. As duas mulheres que diziam terem sido Cleópatra no consultório do analista do Butantã, ambas, descobriram que sentiam dores terríveis bem no lugar em que a cobra as mordeu lá no Egito, antes de Cristo. Até hoje, nessa nova vida, no ano 2000 depois de Cristo, as mordidas doíam muito ainda. Souberam disso quando, falando dormindo ao analista, ele lhes dera os diagnósticos.



Estranho era que uma cliente disse que a picada acontecera no lado direito do corpo. Já na outra, a cobra tinha mordido no lado esquerdo. Mas as duas “Cleópatras” já estavam livres da dor pelo formidável método da terapia tão democrática que permitia direita e esquerda ou várias interpretações. A terapia nelas fora muito boa, fora “o fim da picada”.



No caso do adulto jovem que não conseguira mais emprego aos 37 anos, o analista do Butantã lhe disse que estava sofrendo com aquele problema porque, em vida passada, ocupara cargos públicos privilegiados. Poderia, por exemplo, ter sido um político que, legalmente, se aposentara com poucos anos de mandato, fora outras benesses também legais. Mas nem tudo o que é legal aqui no aquém, - segundo o analista do Butantã - é considerado legal lá no além. Portanto, "nesta vida”, ele teria que experimentar o reverso da medalha para ver como é difícil ser povo comum e se aposentar só aos 60 anos sem conseguir emprego desde os 35 até os 60.



O homem arranjou uma sacola, comprou bugingangas e foi para a economia informal tentar ganhar o pão no universo dos marreteiros, correndo da prefeitura por mais 23 longos anos.



Me recordo quando cheguei ao analista do Butantã pela primeira vez. O nome estava numa placa bem grande: CLÍNICA DE ORIENTAÇÕES ORIENTAL. Entrei. Consultório lindo. Luzes multicores numa penumbra meio rosa. Já fiquei tonto só com as luzes. Máscaras africanas por toda a parede. Também, cabeças de leões, alces e tigres. Parecia que eu estava num safari. No ar, um inebriante perfume. No chão, tantas almofadas fofinhas que cobriam todo o tapete. O lugar dava sono só de entrar. Bocejei. Me senti calmo, com tanto sono! Uma musiquinha de fundo fazia o resto. "Cadê o analista?", pensei.



Em meio à penumbra, lá no canto estava sentado, me olhando, um velhote com avental branco de terapeuta. Não era chinês, mas parecia tanto que passei a tê-lo como um chinês. Afinal eu encontrara o analista do Butantã, verdadeiro “cobra” em análise. O cavanhaque parecia o do velhinho do seriado de filmes do Kung Fu. Os olhos eram tão puxados que eu não via a menina do olho. Aliás, ali não devia ter menina e sim uma senhora milenarmente idosa, pois o sorriso gentil e metálico do chinês se parecia ao de uma múmia de três mil anos viva, que nem o vento levara. Pensei, “esse chinês entrou no Brasil três mil anos antes do Cabral e nem usou passaporte pois os índios não exigiam".



- Doutor - tomei a iniciativa no diálogo - tudo dá errado comigo, tenho o desejo escrever um livro...



O velhote me interrompeu e começou a dialogar comigo com um sotaque oriental muito confuso. Trocava R por L e L por R, era um verdadeiro “lolo”, ou melhor, rolo. Não dá para transcrever aqui o sotaque dele. Se você conheceu o “Hortelino troca-letras” do gibi ou o moderno cebolinha, poderá imaginar as trocas. Ele disse:



- Livro? Escritor?...Você deve estar louco mesmo, gafanhoto.



O mestre me chamou de gafanhoto! Entendi que era um modo gentil daqueles mestres perdidos nas montanhas do fim do mundo tratarem seus discípulos. Logo simpatizei com o chinês. Ele insistiu que em meu tratamento era necessário usar a técnica da regressão a vidas passadas. Disse-lhe que eu só aceitaria se a minha regressão fosse feita somente até a minha infância, pois eu não acreditava em nada antes de meu nascimento.



Como o doutor concordou com as minhas exigências voltei para as próximas consultas.



Ele sempre mandava que eu deitasse e fechasse os olhos. Eu deitava e fechava. Deitado no sofá do chinês passei várias horas por muitos dias relatando meu passado. Contei da vida romântica e da solidão. Dos encontros, dos desencontros durante toda a vida, desde criancinha até ali. Ah, quantas coisas! Quantas coisas que nem vento levou. Falei sobre as alegrias, tristezas, prazeres, dores. Sobre os momentos de satisfação, de frustrações. Contei sobre as criações e as aspirações que na maioria sempre deram em nada. Eu disse assim a ele:



Mestre, além de tentar ser escritor sempre tive a mania de ser um pouco inventor. Inventei uma tampa de frigideira que evitava que os pingos de óleo espirrassem no chão e no fogão. Era composta de duas tampas com furos idênticos mas que, ao serem separadas por um espaçador os furos não coincidiam. Enquanto os pingos passavam pelos furos da primeira não passavam pelos da segunda, pois descobri que os pingos não sabiam fazer curvas e tinham as trajetórias retas. A fritura não queimava, já que a frigideira permanecia ventilada. Chamei-a de Frigi-tamp. Eu fui o primeiro a pensar nisso em Cepeilândia.



Mestre, antes de todos, inventei uma leiteira que não derramava leite ao fervê-lo. Funcionava como o funil de uma fôrma de pudim, aberto em cima e com furinhos na base. Quando a lateral da fôrma adaptava-se na parte interna da leiteira impedia que o leite saísse. Aí, o leite subia como um chafariz pelo funil e caía de volta desanimando o leite que tentava subir pelos furinhos da base. Chamei de Stop-leite.



Mestre, enviei sugestão à Nasa propondo uma viagem ao Sol. Sugeri que se tivessem problemas com o calor, efetuassem o pouso à noite. E que nunca fossem à Lua em fase minguante ou de Lua nova, pois nessas fases ela desaparece e eles não encontrariam nada. E que evitassem ir a buracos negros sem checar bem as pilhas das lanternas, pois neles a escuridão é total. Disse-lhes que em qualquer viagem espacial, como segurança, colocassem um aviso grande dentro das naves para os astronautas dizendo: “Cuidado, se ficarem com dor de cabeça não tomem a ‘cápsula’; ela é para vocês retornarem”. Também enviei um projeto de fraldas descartáveis para os astronautas que ficam muito tempo no espaço. Chamei-as de “fraldas cósmicas". Com elas não precisariam construir banheiros nas naves. Isso diminuiria o peso delas economizando combustível.



Para livrarem-se das fraldas usadas, bastaria jogá-las fora da nave em direção ao Sol. Seriam atraídas pela força de gravidade dele, e lá, depois de incineradas seriam devolvidas aos planetas em forma de calor pela lei do "nem fralda se perde e até fralda se transforma".



Também mandei sugestão à Boeing para que fizesse seus aviões inteiros com o material da caixa preta, porque ela é a única que nada sofre num acidente devido ao seu material. Por que nunca pensaram nisso?



Certa vez, mestre, tentei provar que Einstein estava errado. Ele afirmou que o tempo é uma extensão do espaço formando o contínuo espaço-tempo.



Mostrei que não era assim. Einstein se enganou! O tempo é o próprio espaço e não extensão do espaço. Demonstrei que, se a Terra voa uma distância de 30 Km em movimento regular e constante, e os homens pegaram essa distância que é só, repito, só espaço, e puseram nessa distância o nome de "segundo", e chamaram esse "segundo" de tempo, colocando-o num pedacinho do mostrador do relógio; se equivocaram, pois esse tal "segundo" é só espaço voado pela Terra. O relógio é apenas uma maquininha que imita o movimento da Terra.



O relógio poderia ser chamado de "Terra de pulso", pois só copia o espaço voado pela Terra. Isso porque a locomoção, ou movimento da Terra de 30 quilômetros, regular e constante, serve como modelo, parâmetro, padrão de movimento para que, quando outros corpos quaisquer se locomovam, tenham a sua própria "quantidade de espaço" de sua locomoção - comparada com a da Terra.



 Então logicamente tempo é o que? É sinônimo de espaço, e só! Um "segundo" é um espaço, uma distância, não outro ser chamado tempo. Tempo e espaço são uma coisa só, por isso o tempo não é uma extensão do espaço. Einstein errou. Errou e ainda mostrou a língua para todo mundo - eu já vi uma fotografia dele assim. Mas a mim ele não engana! Mestre, eu até fiz um versinho:



"O tempo é o espaço, assim como o laço é a corda, e a corda, também, é o próprio laço".



Ora, mestre, eu até argumentei: as latitudes e longitudes - que são distância, espaço - são medidas em segundos e minutos! E elas são tempo? Não!



São espaço, distância. Os físicos não falam nada porque têm medo de enfrentar Einstein. Eles não "ousam". Mestre, sabe o que ganhei com a minha grande descoberta de que o tempo não é o que as pessoas pensam? Acabei sendo processado pelas fábricas de relógios. Elas me acusaram de eu estar querendo acabar com o tempo, uma coisa, na qual, todo mundo está acostumado a acreditar. Disseram que eu queria prejudicar o negócio delas. E o juiz só não me prendeu porque ficou na dúvida se eu era um louco ou um gênio, pois no tribunal perguntei a ele:



 “ Meretíssimo, se a Terra parasse no espaço, como parou nos dias de Josué, se Vossa Excelência estivesse lá, seu relógio marcaria o que com a Terra parada?”



Fui solto na hora! O Juíz ficou tão convencido da minha tese que bateu o seu martelinho na mesa umas trinta vezes seguidas, e com raiva. E proferiu a sentença em Latim, dizendo:



 “Acusadus correctíssimus est. Safadus et enganádibus sunt tótibus relógiuns produtóribus.”



Eu só entendi a sentença porque fiz um cursinho de pós-graduação com o aquele famoso frango gigante que aparecia na TV, junto com um imperador romano, ensinando Latim para todos.



Mestre, tive outro trauma terrível. Foi por causa dos etês. Quando li alguns livros de um autor que perguntava se os deuses eram astronautas, fiquei abismado. Então, escrevi um livro rebatendo e perguntando: Eram os deuses astronautas mesmo?



Resumindo, o autor dos etês afirmava que a pirâmide principal do Egito aponta sempre para uma estrela no céu. Isso - disse ele -, foi devido a influência dos deuses astronautas extraterrestres que ensinaram os egípcios.


Respondi: Está errado, pois é impossível apontar um dedo para o céu sem que você acerte numa estrela. O bico da pirâmide acertar uma estrela, se não foi coincidência por ter muita estrela no céu, foi um método dos egípcios preverem as cheias do rio Nilo para programarem sua agricultura nas margens, pois as cheias coincidiam com as variações da posição da estrela - como pensam muitos cientistas.



O autor defensor dos deuses etês fez um cálculo e mostrou que certas medidas da pirâmide, se multiplicadas por outras medidas também da pirâmide, dão a distância da Terra ao Sol, e que isso mostra a influência dos deuses astronautas no passado na Terra.



Eu rebati: Olha, se eu pegar a medida do tapete da minha sala e multiplicar por um número "X" também dá a distância da Terra ao Sol, e, mesmo assim, nunca um etê sentou na minha sala.



O autor amante dos etês tinha mania de dizer que os desenhos das cavernas insinuavam capacetes de astronautas que vieram à Terra. Escrevi que, piloto de corrida e motoqueiro, usam capacete também. Capacete não foi feito só para astronauta. E se o capacete que o defensor dos etês supõe, fosse o desenho de algo na cabeça do homem antigo para não ser mordido pelas abelhas lá no passado, como fazem os apicultores hoje? Que diferença, não é, mestre? Aí a pergunta deveria ser: Eram os deuses apicultores?



Mestre, certa vez, mestre, vi um anúncio num jornal informando que alguém precisava de vendedor de cocadas. Fui lá. O dono era um oriental. Perguntou se eu tinha carro. Disse-lhe que eu tinha um Dauphine, preto, ano 60. Ele não ficou sabendo que aquele carro só andava empurrado e só me dava vexame. Tinha cavalos no motor, mas eu era o burro de carga que o puxava sempre.



O empresário disse-me que meu carro servia, mas me explicou que eu tinha de me adaptar ao sistema de vendas da fábrica: levar as caixas escondidas no carro. Comecei a vender. Vender não; comecei a dar as caixas, porque se deixava de graça, em consignação e, depois, na outra visita, se tivessem sido vendidas, recebia o dinheiro e deixava outras. Deixei umas mil caixas nos botecos. Era de graça!





O negócio cresceu tanto que arranjei um sócio nas vendas, mas sem consultar o japonês. Meu sócio era muito ambicioso e quis incrementar as vendas. Fez folhetos e tudo o mais. Os folhetos diziam: “Cocada do Nepal, você nunca viu algo igual, têm sabor de nirvana, é celestial!”



Mas os folhetos continham “um erro” grave: indicavam o endereço da fábrica! Meu sócio levava às vezes umas 100 caixas de uma vez. Só que ele estragou tudo porque seu veículo era uma velha... “lambreta”.



Quando, certo dia numa avenida, não se via nem o condutor nem a lambreta, mas apenas umas duzentas caixas passando, um apito trilou. Eram os fiscais e a polícia. Pronto! Fecharam a fábrica do japonês. Culpa do meu sócio, aquele ambicioso.



O fabricante das cocadas quase me triturou. Me chamou de burro, me disse:



“Como é que sinhôro vai arranjá sócio com veícuro rambreta e num mi avisa? No veícuro rambreta, fiscaro vê tudo! Buro! Dexô eu no miséria.”



O mestre se espantava. Continuei regredindo. Conforme combinado, só “nesta vida”. Ele analisava tudo. Fui afundando no passado. Contei:



- Mestre, além de eu tentar ser escritor, fui mascate. Vendi roupa, chinelo, pente, sapato, escova de dente, doce de leite. Fiz todo tipo de sabão, esmalte e perfume. Fui camelô. “Camelo” nunca deixei de ser, pois sou apenas um pobre da plebe de Cepeilândia.



Entrei em dezenas de cursos e não fiz nenhum. Tudo deu em nada. O que eu toquei nunca deu certo. Se eu punha a mão, falhava. Nada virava ouro, nem prata...nem lata!



- Calma, - disse o mestre - seus problemas vêm das outras vidas anteriores. O senhor é muito antigo, conhecido na História. Acho que já foi um rico rei antigo. Naquele tempo o senhor teve de tudo e, sendo assim, agora, pela lei da compensação não pode ter nada. Acho que o senhor já foi o rei Midas!



- Eu já lhe disse, mestre, não quero saber dessas teorias de terapeutas americanos. O mestre não discutiu comigo. Apenas recomendou que eu tinha que fazer mais alguns dias de análise. Aceitei. Enquanto isso me lembrei que tinha feito um meio curso de detetive particular por correspondência e, sem o chinês saber, comecei a investigar todas as fichas dos clientes atuais dele.



Fiquei pasmado quando terminei a investigação. Eu que sabia que Cleópatra, Marco Antônio e Júlio César, tinham sido personagens únicos na História da humanidade, percebi que os clientes do mestre, ainda todos vivos, efetuando a regressão descobriram que: 1382 haviam sido Cleópatra, 327 tinham sido Marco Antônio, 56 foram Júlio César, e uns dez mil tinham sido Calígula!



Ora, eu que já não entendia como duas pessoas vivas ao mesmo tempo, podiam ter sido o mesmo alguém no passado; imagine um monte!



Voltei para a última consulta. Eu estava deitado de olhos fechados nodivã. O mestre disse:



- Agora o senhor já está sessenta anos para trás na sua vida. É um bebê. Chegue mais longe... onde o senhor está agora?



- Estou no ventre de minha mãe.

- Afunde mais no passado...e agora?

- Sou feto.

- Mais!

- Sou embrião.

- Mais um poquinho...

- Sou agora uma mistura de duas células sexuais humanas, o espermatozoide masculino e o óvulo feminino, o chamado ovo humano ou zigoto.

- Vai...vai mais, gafanhoto...vai!

- Sou espermatozoide, uma célula sexual viva vinda de meu pai. Estou agora numa corrida acelerada e chegando em primeiro para namorar o óvulo, a célula sexual viva de minha mãe.

- Afunde mais no tempo, já vamos saber tudo o que o senhor foi. Quero saber sobre as outras vidas, bem antigas!

- Não consigo, mestre. Não dá. A coisa parou aqui. Não vai mais para trás. Parei no espermatozoide namorando o óvulo. E ouça: aqui, para mim, há a maior das descobertas: óvulo e espermatozóide já são vivos. A vida deles não veio de nenhum lugar místico para entrar neles. Já eram vivos, sequências, pedacinhos vivos de meu pai e de minha mãe. Ora, se estas células não fossem vivas eu não teria nascido.



Minha regressão terminou aqui. Eu não fui Cleópatra nem Marco Antônio ou outro. E igual a eu nascem o boi, a vaca, o cão, o leão, o gato, o jumento. Todos, eu e eles, somos produtos da união de duas células já vivas que não adquirem vida de nenhuma outra dimensão ou lugar. E tal união de células, tanto se dá naturalmente pela relação sexual como por meio de um tubo de ensaio na inseminação artificial.



Mesmo o moderno clone tem que ser produto da fusão de duas células vivas, sendo uma sexual feminina e outra qualquer. Nem o vento consegue levar este fato. Isto é verdade absoluta!



A “nova vida” vem de pedacinhos já vivos que se juntam e através de processos físícosquímicos continuam a viver sem nenhuma interferência mística do além, do aquém, e de mais ninguém.



Ouvi o mestre engasgar-se e murmurar, “Será que o gafanhoto está tendo pesadelos?” Ele estalou os dedos e me mandou acordar.



O chinês pensava que eu tinha dormido durante todas as análises que fizera em mim. Por isso imaginava que eu não lembrava de nada. Mas eu não dormira e sabia tudo o que dissera o tempo todo. Como aconteceu? Assim:



Eu sou estrábico, totalmente caolho. Lá em casa todo mundo é, desde neto até avô. Quando parece que estou olhando bem nos olhos de uma pessoa, na realidade estou vendo é o canto direito a noventa graus como se meu olho fosse o orifício da orelha.



Quando o chinês balançava o pêndulo na minha frente para que eu dormisse, eu parecia estar olhando para ele, mas só enxergava o que estivesse no meu lado direito a noventa graus, como se visse com a orelha. Não via o balanço da coisa. Aí, quando ele falava..."agora durma"...eu só fechava o olho e fingia dormir. Não sei se ele já tivera um cliente caolho antes. Assim, caiu do cavalo.



Quando eu ia saindo pela última vez do consultório do analista do Butantã para viajar de volta à minha terra natal, a minha querida Cepeilândia, um novo cliente do doutor, eufórico me disse:



- Eu já fui Alexandre Magno, O Grande, conquistador do mundo no passado. Personagem tão famoso que nem o vento levou da História. Ele morreu de febre, ainda jovem em plena glória no Egito. E por eu já ter sido Alexandre no passado, hoje - segundo disse o mestre analista do Butantã - tenho muito calor e acordo suado às noites. Meu calor e meus suores são lembranças, vestígios da febre que matou Alexandre e que carrego comigo nesta nova vida. E você, velhinho, descobriu quem foi?



Respondi: - Ah, filho. Eu fui coisa bem mais simples. Fui um espermatozoide, O Pequeno! Olha aqui, nem o vento leva esta afirmação. Jamais fui mais do que um espermatozoide. É pequeno, mas para vê-lo vivo, basta um microscópio. Quem lida com bebê de proveta ou qualquer tipo de inseminação artificial sabe disso. Como posso negar essa minha vida passada?



O rapaz me olhou e franziu a testa como se não tivesse entendido nada. Enquanto eu saía, ouvi quando ele dizia baixinho para si mesmo, pensativo:



- Esp...esper...espermato...zoide? Já ouvi falar em tantos reis, rainhas, heróis, vários personagens da História. Mas nunca ouvi falar nesse!



O que terá sido esse...esse... grego?


***