Em canto nenhum do mundo o Cristianismo se expandiu pelo conteúdo inserido nas suas mensagens religiosas. A regra de ouro sempre esquecida, deu
lugar a violência imposta pelo terror e pelas armas.
Carlos Magno (cerca de 742-814) era o
filho primogênito de Pepino, o Breve, ungido rei pelo papa Bonifácio, na
presença dos bispos francos. Em 754, ajoelhou-se diante do papa para reconhecer
por completo sua condição de súdito e autoridade. O papa, em troca do gesto de
submissão, o ungiu rei e lhe conferiu o título de patrono dos romanos.
Com a morte de Pepino, em 768, o
reino foi dividido entre os filhos Carlos e Carlomano, que morreu três anos
depois. O irmão, então, apossou-se de todo o reino franco, expulsando seus
sobrinhos, que se refugiaram, junto com a mãe, no reino dos lombardos, na
Itália.1
Em 773, para socorrer o papado, tradicional
aliado dos francos, Carlos desce à Itália para lutar contra os lombardos e toma
toda a Planície Padana. Como causa direta da derrota militar, os súditos do
duque lombardo de Spoleto e os habitantes de Ancona, Osimo, Fermo e Città di
Castello se declararam súditos do papa.
Em 774, Carlos foi a Roma para a
Páscoa, tendo sido triunfalmente recebido pelo papa e pelo povo. Nos anos
seguintes, desceu mais duas vezes à Itália para conter a rebelião lombarda. Com
as novas campanhas, apoderou-se do Friuli e sujeitou o duque de Benevento,
destruindo, definitivamente, o domínio lombardo na Itália.
Outra diretriz da expansão franca foi
a Europa setentrional, dominada pelos saxões, contra quem Carlos se mostrou um
conquistador impiedoso. Em 772, estabeleceu os primeiros antepostos em
território saxão e mandou construir mosteiros para facilitar o trabalho dos
missionários (os saxões eram pagãos). Era o primeiro passo de um conflito que
duraria mais de vinte anos.
A guerra contra os saxões foi longa e
cansativa: os exércitos francos penetravam os novos territórios, desmantelavam
os acampamentos inimigos e construíam fortificações.
Os saxões, por,sua vez,
reorganizavam-se e destruíam as fortalezas francas. Mas Carlos teimosamente
reconquistava o terreno perdido, mandava reconstruir os antepostos e, quando
podia, criava novos em posições mais avançadas. "Era um método extenuante
de fazer guerra [e que custa caro em termos de vidas humanas] e que não trazia
grandes sucessos; mas, com o tempo, os recursos humanos e econômicos do
invasor, altamente superiores, estavam destinados a prevalecer."
(Alessandra Barbero, 2000, p. 56.)
"A submissão da Saxônia foi, em
última análise, resultado de seu lento estrangulamento, com a construção de uma
rede de bases fortificadas capazes de dar apoio umas às outras, de bloquear
todos os rios, de mandar companhias de soldados devastarem os territórios
inimigos, espalhando o terror e submetendo os habitantes, enquanto os fortes
erguidos pelo inimigo eram tomados de assalto e destruídos, um após o outro,
lentamente, mas de maneira eficaz." (Alessandra Barbero, 2000, p. 57.)
Oficialmente, a guerra se deu por
questões fronteiriças, mas Carlos acrescentou a elas também motivações
religiosas, como a proteção dos missionários cristãos e a conversão dos pagãos.
O batismo forçado era imposto aos saxões que se rendiam, e os que não
aceitassem eram condenados à morte.2
Em 782, eclodiu uma repentina e
violenta rebelião saxônica. Os revoltosos exterminaram uma expedição militar
enviada para dominá-los, matando ainda alguns colaboradores próximos de Carlos.
O rei dos francos, em represália, entrou na Saxônia com um novo exército,
obrigou as tropas rebeldes a se renderem e entregarem as armas e mandou
decapitar 4.500 rebeldes em um único dia.3
A partir de então, Carlos
Magno conduziu uma verdadeira guerra de devastação, que só terminou em 785, com
a rendição dos saxões, assolados pela fome, e o batismo dos últimos líderes
rebeldes.
Na mesma época, foi publicado o Capitulare
de partibus Saxoniae, uma lei que punia com a morte quem ofendesse a
religião cristã e seus sacerdotes. Dentre as "ofensas" punidas com a
morte, havia faltas menores, como a não-observância do jejum de sexta-feira.4
Em 793, eclodiu a última grande
rebelião dos saxões. Carlos, dessa vez, ordenou a deportação em massa da
população das províncias rebeldes, substituída por colonos francos e escravos.
Então, amenizou as medidas repressivas antipagãs e se reconciliou com os nobres
saxões sobreviventes.
A expansão franca também chegou à
Espanha, que na época estava sob o domínio do emir árabe de Córdoba. Com a
cumplicidade de alguns dignitários muçulmanos contrários ao emir, Carlos
organizou duas expedições militares em 778 e 797. A primeira foi um fracasso,
e, durante a retirada, a retaguarda das tropas imperiais foi massacrada pelos
bascos. A segunda levou, em 799, à conquista de Vichy. Outras expedições de
conquista ampliaram os domínios ibéricos dos francos, até que, em 810, o emir
de Córdoba firmou um tratado de paz reconhecendo o domínio franco na Espanha
setentrional.
Finalmente, falemos da expansão para
o leste, na Panônia (atual Hungria). Aqui, Carlos lutou contra o povo pagão dos
ávaros, contra quem lançou uma guerra de extermínio. Os historiadores da época
falam de um número tão alto de vítimas que deixou a Panônia
"deserta".5 Os territórios assim esvaziados teriam sido
então ocupados por colonos francos e germânicos.
O papa agraciado com o milagre
Em 795, Leão III é eleito papa.
Sacerdote de origem humilde e reputação duvidosa, era malvisto pela nobreza. O
próprio Carlos duvidava de sua moralidade, tendo em vista que, em uma carta
cumprimentando-o pela eleição, pedia que o novo bispo de Roma seguisse
escrupulosamente os cânones e as Constituições dos Pais da Igreja; além disso,
encarregava o abade Angilberto de garantir pessoalmente que o novo papa
"vivesse honestamente".6
Em 799, Leão III fugiu durante
uma revolta de nobres romanos e se refugiou na corte de Carlos. Nesse
meio-tempo, espalhou-se o boato de que o pobre papa teve os olhos arrancados e
a língua cortada. Essa era uma prática comum para os bizantinos, para tornar
inofensivo um adversário político sem se manchar com o pecado do homicídio.
Na verdade, Leão III permaneceu
incólume e contou que sua língua e seus olhos voltaram a crescer por milagre.7
Ao território de Carlos chegaram
também os adversários do papa, que o acusaram de perjúrio e adultério. Carlos
entregou a questão a uma espécie de comissão de eruditos que devia avaliar a
veracidade das acusações contra o pontífice. Um dos integrantes, o bispo Arno
de Salisburgo, personalidade de prestígio e acima das partes, enviou à corte um
verdadeiro relatório, cujas conclusões não deviam ser muito favoráveis ao papa.
Tanto que Alcuíno, conselheiro de Carlos, destruiu o documento e respondeu ao
prelado usando o famoso lema evangélico: "Quem não tiver pecado, que atire
a primeira pedra."8
No final, Carlos decidiu tomar partido do
papa e o mandou de volta a Roma escoltado por um exército. Pouco depois, em 23
de novembro de 800, ele mesmo dirigiu-se a Roma e foi recebido triunfalmente
pelo clero.
Em 1° de dezembro, "Carlos,
agindo como um novo Constantino, inaugurou os trabalhos do concilio que, na
basílica vaticana, deveria se pronunciar a respeito das acusações feitas ao
papa. Àquele ponto, no entanto, todos sabiam que se tratava de um processo
político e que Leão sairia dele ileso: a assembléia confirmou que,
tecnicamente, ninguém poderia julgá-lo e permitiu que se desculpasse das
acusações, jurando solenemente sobre os Evangelhos a própria inocência, o que o
papa tratou logo de fazer" (Barbero, 2000, p. 101). Leão III até hoje é
adorado pela Igreja Católica como santo.
Em 23 de dezembro, Leão prestou o
juramento de purificação relativo às acusações que lhe foram impostas, e seus
adversários foram exilados.
Dois dias depois, durante a missa da
noite de Natal, Leão III coroou Carlos Magno imperador e "augusto" do
Sacro Império Romano. O círculo se fechava: por um lado, o papa cortava
qualquer relação com o Império Bizantino (que considerava Roma sua extensão) e
criava para si um imperador sob medida, com quem seria muito mais fácil se
entender e de quem seria ainda mais fácil obter ajuda.
Por outro lado, Carlos
se tornava o verdadeiro chefe da cristandade no Ocidente e via formalmente
legitimado e justificado o poder que já detinha de fato. Carlos (como
Constantino antes dele) entendeu perfeitamente a formidável função agregadora e
de instrumento de domínio espiritual que o cristianismo tinha em uma Europa
ainda desunida e com as fronteiras ainda ameaçadas pelas populações
"bárbaras" pagãs. Por essa razão, antes de ser coroado imperador,
adotara uma política decisiva de cristianização dos povos a ele submetidos.
"Em seus cabeçalhos, se
intitulava 'por graças de Deus e por concessão de sua misericórdia, rei e
reitor do reino dos francos e devoto defensor e humilde servo da Santa Igreja,
mas não nos deixemos enganar por seu tom.
A ajuda que o rei dava à Igreja
consistia em nomear os bispos e abades, em vigiar severamente seu comportamento
e reuni-los em concilio quando julgasse oportuno, determinando pessoalmente a
ordem do dia e promulgando as conclusões; todas as responsabilidades que
acostumamos a ver ligadas ao papa." (Barbero, 2000, p. 107.)
Para administrar e controlar melhor o
Império, Carlos dividiu seu amplo domínio em reinos, por sua vez fragmentados
em uma série de pequenos distritos chamados condados. Cada condado era entregue
a um conde, que centralizava os poderes militar, judiciário e econômico. Nas
regiões de fronteira, por razões militares, os condados eram reagrupados em
unidades maiores, os marquesados, sob o governo de marqueses ou duques, onde
sobreviviam os títulos lombardos. Um grande número de funcionários imperiais,
os missi dominici, em geral eclesiásticos, viajavam de um condado a
outro levando as ordens do imperador e controlando o trabalho dos vassalos.9
Carlos morreu em 814. Seu império
duraria menos de um século, esfacelado pelas guerras entre seus sobrinhos e
pelas ambições dos grandes feudatários.
Os súditos de Carlos
Quem pagava a conta das campanhas de
Carlos? Quando lemos a respeito de exércitos em marcha e campanhas de
conquistas que duraram anos, temos que pensar que, na época, as tropas não
levavam seus provimentos consigo, tomando das populações locais tudo aquilo que
precisavam: comida, cavalos, bois, forragem para os animais, lenha para o fogo
etc. A passagem de um exército tinha como conseqüência quase inevitável
devastações e escassez.
Na Itália arrancada dos lombardos,
por exemplo, a escassez tinha chegado a níveis tais que muitos venderam seus
terrenos a preços ínfimos e chegaram a vender a si mesmos e as próprias
famílias como escravos aos mercadores gregos, embarcando em seus navios. O
fenômeno atingiu proporções tamanhas que alarmou o papa e o próprio Carlos.
Tanto que, no final, o imperador decretou uma lei extraordinária anulando a
redução à condição de escravo e as alienações realizadas em estado de
necessidade.10
Mas também em tempos de paz, para os
povos conquistados, tornar-se súdito dos francos não devia ser grande negócio.
Todos os súditos, aos 12 anos, deviam fazer um juramento de fidelidade ao
imperador, que dizia expressamente que o fiel devia servir a Deus, obedecer aos
mandamentos da Igreja, prestar serviço militar e, dependendo de sua situação econômica,
pagar os impostos. Além dos tribunais ordinários, existiam os episcopais, para
os crimes de natureza religiosa.
Os funcionários e os exércitos que os
vigiavam a mando do imperador tinham o direito de se hospedar onde quisessem e
requisitar cavalos, animais, carros, forragem e comida. Teoricamente, tais
obrigações recaíam sobre todos os súditos livres, mas, na verdade, os mais
prejudicados eram os pobres.11
Muitas vezes, condes, duques e
marqueses criavam, por iniciativa própria, impostos e serviços obrigatórios,
ainda que a lei, teoricamente, proibisse isso.
Uma reclamação de alguns súditos
istrianos, que antes se submetiam ao Império Bizantino, expressa bem a ideia do
nível de vexações às quais eram submetidos:
"Na época dos gregos, nunca
pagamos pela forragem;12 nunca trabalhamos de graça nas empresas
públicas; nunca alimentamos os cães; nunca coletamos impostos, como fazemos
agora; nunca pagamos pela matéria-prima, como fazemos agora, entregando todos
os anos ovelhas e carneiros; e ainda devemos prestar o serviço de transporte
até Veneza, Ravena, na Dalmácia, e ao longo dos rios, o que nunca fizemos
antes. Quando o duque precisa partir para a guerra do imperador, pega nossos
cavalos e leva consigo a força de nossos filhos, fazendo-os guiar os carros e
depois tomando-lhes tudo e mandando que voltem para casa a pé; e nossos cavalos
ficam lá na França ou são entregues a seus homens. Na época dos gregos,
entregávamos, por ano, se necessário para os ritos imperiais, uma ovelha a cada
cem, quem as tivesse; agora, ao contrário, quem tem mais de três deve entregar
uma por ano. E fazemos todas essas prestações e pagamentos à força, porque
nossos pais nunca os fizeram; e nossos parentes e vizinhos riem de nós em
Veneza e na Dalmácia, assim como os gregos, que nos governavam antes."
(Barbero, 2000, p. 215.)
Mas os bravos súditos istrianos
também reclamaram das autoridades eclesiásticas:
"Primeiro, a Igreja
pagava metade de todos os impostos recolhidos para o Império, agora não mais.
No mar público, onde todo o povo pescava junto, não ousamos mais pescar, pois
os homens da Igreja nos pegam a pauladas e cortam nossas redes." (Barbero,
2000.)
Carlos Magno santo
Depois de sua morte, nasceu um
verdadeiro culto à imagem de Carlos. Em 1165, Frederico Barba-Ruiva mandou sua
"criatura", o antipapa Pascoal III, santificá-lo oficialmente.
Parece que já naquela época alguns
eclesiásticos levantavam o problema de sua vida particular, por nada
irrepreensível, dividida entre massacres promovidos por vingança e uma enorme
quantidade de concubinas (e não se entende bem qual dos dois pecados era
considerado o mais grave). Até hoje, a Bibliotheca Sanctorum, texto
oficial da Igreja Católica, mostra algum constrangimento ao delinear sua
biografia:
A vida particular de Carlos foi absolutamente deplorável, e não se podem
decerto esquecer dois repúdios e muitas concubinas, nem os massacres
justificados apenas pela vingança ou a tolerância para com a liberdade dos
costumes da corte. Não faltavam, contudo, indícios de sua sensibilidade para a
culpa em um período predominantemente rude e corrupto. Seu biógrafo Eginardo
informa que Carlos não gostava dos jovens, muito embora convivesse com eles, e
embora sua vida religiosa pessoal nos seja desconhecida, sabemos que fazia
questão de observar os ritos litúrgicos que mandava celebrar especialmente em
Aquisgrana (atual Aachen) com honras suntuosas.13
Hoje, o culto a Carlos Magno é
celebrado oficialmente apenas na diocese de Aachen e é "tolerado por
indulto da Santa Congregação dos Ritos" também em Metten e Münster.14
A corrupção do poder: a pornocracia romana
Observando a solenidade e a retidão
dos conclaves atuais, é difícil imaginar que, nos primeiros séculos do
cristianismo, as eleições dos bispos de Roma acontecessem em um clima bem
diferente: com brigas, confrontos em praça pública, contestação de resultados,
eleições de contrabispos. Quando o cristianismo se tornou religião de Estado, e
o cargo de bispo de Roma passou a ser um dos mais cobiçados do Império, as
lutas entre as facções dos candidatos rivais, por vezes, chegaram a níveis
sangrentos. Durante a eleição episcopal de 336, por exemplo, os confrontos
entre os que apoiavam Damaso, de base popular, e os que apoiavam seu rival
Ursino, a aristocracia, deixaram um saldo de 136 mortos em um único dia. O
próprio Damaso, eleito papa, foi intimado para responder no tribunal pela
acusação de homicídio, mas foi absolvido.15
Os séculos seguintes presenciaram uma
situação aparentemente paradoxal: o papado aumentava cada vez mais seu poder e
sua influência, pelo menos no Ocidente. Mas justamente por isso, muitos tinham
interesse em colocar no trono de Pedro um homem de sua confiança. Nobres
romanos, grandes senhores feudais itálicos, prelados ambiciosos, imperadores
legítimos e seus rivais... cada um jogava com as próprias cartas, que podiam
ser intriga, homicídio, revoltas populares ou invasões militares. Nos 130 anos
entre a eleição de João VIII (873) e a morte de Silvestre II (1003), houve 33
papas mais quatro antipapas. Dez deles morreram assassinados. Muitos foram
presos ou exilados. Poucos governaram por muito tempo, muitos ficaram menos de
um ano ou até poucos dias. Nobres romanos e grandes senhores feudais itálicos,
imperadores legítimos e seus rivais: todos procuravam colocar no trono de Pedro
um homem de sua confiança.
Talvez isso possa explicar o que os
historiadores chamam de período da pornocracia (ou seja, do "governo das
prostitutas"),16 um dos mais negros da história da Igreja.
De fato, por décadas, o poder de Roma
esteve nas mãos das mulheres da poderosa família Teofilatto, que teve grande
influência sobre a vida pública e o papado, utilizando como instrumento de
poder qualquer meio à sua disposição, incluindo os ilícitos e imorais.
Aqui nos
limitaremos a narrar as saliências de alguns papas cuja conduta pode ser
definida como licenciosa.
João VIII foi envenenado em 882, mas
como o veneno não surtiu o efeito desejado, seus inimigos acabaram
quebrando-lhe a cabeça a golpes de martelo. Um de seus adversários era Formoso,
que se tornou papa em 891. Seu sucessor, Estêvão VI (896-897), que pertencia a
uma facção oposta, exumou seu corpo em putrefação, para que fosse julgado e
condenado por um concilio, mandando jogá-lo nas águas do Tibre. Estêvão, por
sua vez, foi preso e estrangulado.
Leão V e o antipapa Cristóvão foram
destronados, presos e assassinados. Sérgio III (904-911) foi amante de Marozia
Teofilatto, mulher do conde Alberico di Tuscolo, com quem teve até um filho, o
futuro papa João XI (931-935). João X (914-928), inicialmente apoiado por Marozia,
demonstrou-se independente demais da família Teofilatto e acabou preso e
sufocado com um travesseiro.
É provável que o poder ilimitado de
Marozia tenha dado vida à lenda da papisa Joana, que presumivelmente nasceu da
sátira antipapal. De acordo com a lenda, uma mulher vestida com roupas
masculinas foi eleita para o trono de Pedro em 17 de julho de 855. A papisa,
entretanto, ficou grávida e, durante uma procissão, no meio da multidão, caiu
de quatro e começou o trabalho de parto. Revelada a verdadeira identidade
"do papa", a multidão enfurecida esquartejou Joana. A lenda fez com
que nenhum outro papa passasse por aquele caminho e que o sucessor da papisa
retirasse o nome de sua predecessora dos registros históricos.
Voltando a Marozia, nesse meio-tempo
ela havia atiçado a multidão de Roma contra o próprio consorte Alberico, que
foi linchado, deixando-a, assim, viúva e livre para se casar com o conde Guido,
da Toscana.
Em 931, o filho de Marozia torna-se o
papa João XI. Este, aliado ao meio-irmão Alberico (filho do conde linchado pela
multidão), mandou prender a mãe e expulsou de Roma seu terceiro marido, o rei
da Itália, Ugo. Foi instaurada na cidade uma república aristocrática. O
pontífice morreu na prisão em 936.
O ano de 955 presenciou a eleição de João
XII, de 20 anos (955-964, primeiro papa a alterar o nome de batismo), filho
daquele Alberico que se tornou o chefe de Roma. João era um jovem apaixonado
por festas e pela caça, e totalmente alheio à liturgia. Ele transformou São
João de Latrão em um bordel e foi acusado de adultério e fornicação. Foi
durante seu pontificado que o imperador Otone I sancionou o Privilegium
Othonis, ou seja, o direito do imperador de ratificar a eleição dos papas e
exigir sua fidelidade. Deposto por Otone, substituído pelo antipapa Leão VIII,
João retomou a posse do trono pontifício em 864. Morreu no mesmo ano (talvez
assassinado), na cama de uma mulher casada.
As décadas seguintes viram a luta
entre a facção imperial e aquela ligada à nobreza romana. Várias vezes a cátedra
de Pedro ficaria vaga ou seria reivindicada contemporaneamente por dois ou mais
rivais.
Em 965, João XIII foi expulso de Roma
por uma revolta de nobres e recolocado no trono por Otone I. Em 974, Bento VI
foi preso no Castelo de Sant'Angelo pela facção romana antigermânica e
estrangulado no cárcere.
João XIV também morreu no cárcere (984), talvez morto
pelo fio de uma espada, talvez de fome. João XV foi exilado e recolocado no
trono pelo imperador Otone III. O antipapa Bonifácio VII morreu envenenado em 984,
e seu cadáver nu não foi enterrado. O antipapa João XVI foi torturado por
soldados imperiais e trancado em um mosteiro, onde morreu em 998.
Em 996, o imperador Otone III, então
com 16 anos, foi a Roma e fez seu primo de 23 anos ser eleito papa, sob o nome
de Gregório V. Assim que Otone partiu, uma nova rebelião eclodiu em Roma, o
papa foi expulso, e foi eleito um antipapa, João XVI. O imperador então voltou
a Roma, mandou mutilar o antipapa e decapitou Crescêncio, líder da facção
antigermânica. E a história poderia continuar...
Na metade do século XI, o papado
chegou a seu ponto de decadência máxima com Bento IX (1032-1045). Contam que
ele viveu da maneira mais libertina possível, ainda que, do ponto de vista
teológico, fosse extremamente ortodoxo. Foi expulso de Roma por um breve
período de tempo e substituído por Silvestre III. Mesmo voltando em abril de
1045, após expulsar o usurpador, Bento abdicou em maio, quiçá para se casar,
vendendo seu pontificado a João Graciano, seu padrinho (provavelmente por 1.000
talentos de ouro), que se tornou o papa Gregório VI. Talvez arrependido da
venda, Bento voltou a Roma três anos depois, para reivindicar o trono de Pedro.
O imperador Henrique III desceu à Itália em 1046, para dirimir a controvérsia
acerca do papado. Na verdade, três pontífices eleitos (o demissionário Bento
IX, Gregório VI e Silvestre III) lutavam ao mesmo tempo pelo cargo de bispo de
Roma.
Henrique III convocou, em Sutri, um
concilio que depôs tanto Gregório VI quanto o rival Silvestre III (em seguida,
um sínodo em Roma depôs também Bento IX) e fez eleger o bispo saxão Clemente
II, que, no Natal, o coroou imperador. Mas a intervenção pacificadora do
imperador tinha um preço: o controle imperial sobre o papado (ao menos em
teoria) tornou-se absoluto.17
FONTE PARA ESTUDO
1.
Alessandro Barbero, Cario Magno: un padre dell'Europa, Laterza,
Roma-Bari, 2000, p. 26-27.
2. Ibid., p. 49.
3. Ibid., p. 49.
4. Ibid., p. 51-2.
5.
Ibid., p. 78-81.
6.
AAVV, Enciclopédia dei papi, Istituto dell'Enciclopedia Italiana,
p. 695.
7.
Alessandro Barbero, op. cit, p. 99-100.
8.
Alessandro Barbero, op. cit, p. 100-101.0 episódio da destruição
da carta também é citado em Biblioteca Sanctorum, vol. VII, Istituto
Giovanni XXIII, da Pontifícia Universidade de Latrão, Roma, 1966, col. 1288.
9.
O termo 'Vassalo" originariamente significava "servo",
mas passou a designar condes e marqueses que eram, na verdade,
"servos"do imperador.
10. Alessandro Barbero, op. cit, p.
39-40. 11.Ibid., p. 211.
12. Na prática, os pastores eram
obrigados a pagar uma taxa para conduzir o rebanho nos pastos públicos.
13. Biblioteca Sanctorum, vol.
III, op. cit, col. 857-58.
14. Ibid., col. 861.
15. Ambrogio Donini, Storia dei
cristianesimo - dalle orígini a Giustiniano, Teti editore, Milão, p. 306-7.
16. Cf. Storia delia Chiesa (séc.
I-XII), Jesus: duemila anni di attualità, vol. III. Edizioni SAIE,
Turim, 1981, p. 196-7.
17. A respeito dos fatos que
narramos, cf. Storia delia Chiesa (séc. I-XII), Jesus: duemila anni di
attualità, vol. III. Edizioni SAIE, Turim, 1981, p. 196-7. Cf. também
Cronologia Universale, UTET.