sábado, 18 de março de 2017

O ARGUMENTO TELEOLÓGICO DA EXISTÊNCIA DE DEUS (ARGUMENTO DO DESIGN)





bERTRAND rUSSEL





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O passo seguinte nos conduz ao argumento da prova teleológica da existência de Deus.

Vós todos conheceis tal argumento: tudo no mundo é feito justamente de modo a que possamos nele viver, e se ele fosse, algum dia, um pouco diferente, não conseguiríamos viver nele.

Eis aí o argumento da prova teleológica de Deus. Toma ele, às vezes, uma forma um tanto curiosa; afirma-se, por exemplo, que as lebres têm rabos brancos a fim de que possam ser facilmente atingidas por um tiro. Não sei o que as lebres pensariam deste destino.

É um argumento fácil de se parodiar.

Todos vós conheceis a observação de Voltaire, de que o nariz foi, evidentemente, destinado ao uso dos óculos.

Essa espécie de gracejo acabou por não estar tão fora do alvo como poderia ter parecido no século XVIII, pois que, desde o tempo de Darwin, compreendemos muito melhor por que os seres vivos são adaptados ao meio em que vivem.

Não é o seu meio que se foi ajustando aos mesmos, mas eles é que foram se ajustando ao meio, e isso é que constitui a base da adaptação. Não há nisso prova alguma de desígnio divino.
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Quando se chega a analisar o argumento teleológico da prova da existência de Deus, é sumamente surpreendente que as pessoas possam acreditar que este mundo, com todas as coisas que nele existem, como todos os seus defeitos, deva ser o melhor mundo que a onipotência e a onisciência tenham podido produzir em milhões de anos.
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Realmente não posso acreditar nisso. Achais, acaso, que, se vos fossem concedidas onipotência e onisciência, além de milhões de anos para que pudésseis aperfeiçoar o vosso mundo, não teríeis podido produzir nada melhor do que a Ku-Klux-Klan ou os fascistas?
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Realmente, não me impressiono muito com as pessoas que dizem: “Olhem para mim: sou um produto tão esplêndido que deve haver um desígnio no universo”. Não estou muito impressionado pelo esplendor dessas pessoas.
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Ademais, se aceitais as leis ordinárias da ciência, tereis de supor que não só a vida humana como a vida em geral neste planeta se extinguirão em seu devido curso: isso constitui uma fase da decadência do sistema solar.
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Em certa fase de decadência, teremos a espécie de condições de temperatura, etc., adequadas ao protoplasma, e haverá vida, durante breve tempo, na vida do sistema solar.
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Podeis ver na Lua a espécie de coisa a que a Terra tende: algo morto, frio e inanimado.
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Dizem-me que tal opinião é depressiva e, às vezes, há pessoas que nos confessam que, se acreditassem nisso, não poderiam continuar vivendo.

Não acrediteis nisso, pois que não passa de tolice. Na verdade, ninguém se preocupa muito com o que irá acontecer daqui a milhões de anos.

Mesmo que pensem que estão se preocupando muito com isso, não estão, na realidade, fazendo outra coisa senão enganar a si próprias.

Estão preocupadas com algo muito mais mundano – talvez mesmo com a sua má digestão. Na verdade, ninguém se torna realmente infeliz ante a ideia de algo que irá acontecer a este mundo daqui a milhões e milhões de anos.

Por conseguinte, embora seja melancólico supor-se que a vida irá se extinguir (suponho, ao menos, que se possa dizer tal coisa, embora, às vezes, quando observo o que as pessoas fazem de suas vidas, isso me pareça quase um consolo) isso não é coisa que torne a vida miserável.

Faz apenas com que a gente volte a atenção para outras coisas.


PALESTRA COMPLETA

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sexta-feira, 17 de março de 2017

PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - O ARGUMENTO DA LEI NATURAL





Bertrand Russel




Há, a seguir, um argumento muito comum relativo à lei natural. Foi esse argumento predileto durante todo o século XVIII, principalmente devido à influência de Sir Isaac Newton e de sua cosmogonia.

As pessoas observavam os planetas girar em torno do Sol segundo a lei da gravitação e pensavam que Deus dera uma ordem a tais planetas para que se movessem de modo particular – e que era por isso que eles assim o faziam.

Essa era, certamente, uma explicação simples e conveniente, que lhes poupava o trabalho de procurar quaisquer novas explicações para a lei da gravitação.

Hoje em dia, explicamos a lei da gravitação de um modo um tanto complicado, apresentado por Einstein. Não me proponho fazer aqui uma palestra sobre a lei da gravitação tal como foi interpretada por Einstein, pois que também isso exigiria algum tempo; seja como for, já não temos a mesma espécie de lei natural que tínhamos no sistema newtoniano, onde, por alguma razão que ninguém podia compreender, a natureza agia de maneira uniforme.

Vemos, agora, que muitas coisas que considerávamos como leis naturais não passam, na verdade, de convenções humanas. Sabeis que mesmo nas mais remotas profundezas do sistema estelar uma jarda tem ainda três pés de comprimento.

Isso constitui, sem dúvida, fato notabilíssimo, mas dificilmente poderíamos chamá-lo de lei da natureza.

E, assim, muitíssimas outras coisas antes encaradas como leis da natureza são dessa espécie.

Por outro lado, qualquer que seja o conhecimento a que possamos chegar sobre a maneira de agir dos átomos, veremos que eles estão muito menos sujeitos a leis do que as pessoas julgam, e que as leis a que a gente chega são médias estatísticas exatamente da mesma classe das que ocorreriam por acaso.

Há, como todos nós sabemos, uma lei segundo a qual, no jogo de dados, só obteremos dois seis apenas uma vez em cerca de trinta e seis lances, e não encaramos tal fato como uma prova de que a queda dos dados é regulada por um desígnio; se, pelo contrário, os dois seis saíssem todas as vezes, deveríamos pensar que havia um desígnio.

As leis da natureza são dessa espécie, quanto ao que se refere a muitíssimas delas. São médias estatísticas como as que surgiriam das leis do acaso – e isso torna todo este assunto das leis naturais muito menos impressionante do que em outros tempos.

Inteiramente à parte disso, que representa um estado momentâneo da ciência que poderá mudar amanhã, toda a idéia de que as leis naturais subentendem um legislador é devida à confusão entre as leis naturais e as humanas.

As leis humanas são ordens para que procedamos de certa maneira, permitindo-nos escolher se procedemos ou não da maneira indicada; mas as leis naturais são uma descrição de como as coisas de fato procedem e, não sendo senão uma mera descrição do que elas de fato fazem, não se pode argüir que deve haver alguém que lhes disse para que assim agissem, porque, mesmo supondo-se que houvesse, estaríamos diante da pergunta: “Por que Deus lançou justamente essas leis naturais e não outras?”

Se dissermos que Ele o fez a Seu próprio bel-prazer, e sem qualquer razão para tal, verificaremos, então, que há algo que não está sujeito à lei e, desse modo, se interrompe a nossa cadeia de leis naturais.

Se dissermos, como o fazem os teólogos mais ortodoxos, que em todas as leis feitas por Deus Ele tinha uma razão para dar tais leis em lugar de outras – sendo que a razão, naturalmente, seria a de criar o melhor universo, embora a gente jamais pensasse nisso ao olhar o mundo –, se havia uma razão para as leis ministradas por Deus, então o próprio Deus estava sujeito à lei, por conseguinte, não há nenhuma vantagem em se apresentar Deus como intermediário.

Temos aí realmente uma lei exterior e anterior aos editos divinos, e Deus não serve então ao nosso propósito, pois que Ele não é o legislador supremo.

Em suma, todo esse argumento da lei natural já não possui nada que se pareça com seu vigor de antigamente. Estou viajando no tempo em meu exame dos argumentos.

Os argumentos quanto à existência de Deus mudam de caráter à medida que o tempo passa. Eram, a princípio, argumentos intelectuais, rígidos, encerrando certas idéias errôneas bastante definidas.

Ao chegarmos aos tempos modernos, essas idéias se tornam intelectualmente menos respeitáveis e cada vez mais afetadas por uma espécie de moralizadora imprecisão.

PALESTRA COMPLETA


quinta-feira, 16 de março de 2017

PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - O ARGUMENTO DA CAUSA PRIMEIRA




Bertrand Russel


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Talvez o mais simples e fácil de se compreender seja o argumento da Causa Primeira.

Afirma-se que tudo o que vemos neste mundo tem uma causa e que, se retrocedermos cada vez mais na cadeia de tais causas, acabaremos por chegar a uma Causa Primeira, e que a essa Causa Primeira se dá o nome de Deus.

Esse argumento, creio eu, não tem muito peso hoje em dia, em primeiro lugar porque causa já não é bem o que costumava ser.

Os filósofos e os homens de ciência têm martelado muito a questão de causa, e ela não possui nada que se assemelhe à vitalidade que tinha antes; mas, à parte tal fato, pode-se ver que o argumento de que deve haver uma Causa Primeira é um argumento que não pode ter qualquer validade.

Posso dizer que quando era jovem e debatia muito seriamente em meu espírito tais questões, eu, durante muito tempo, aceitei o argumento da Causa Primeira, até que, certo dia, aos dezoito anos de idade, li a Autobiografia de John Stuart Mill, lá encontrando a seguinte sentença:

“Meu pai ensinou-me que a pergunta ‘Quem me fez?’ não pode ser respondida, já que sugere imediatamente a pergunta subsequente: ‘Quem fez Deus?’”. Essa simples sentença me mostrou, como ainda hoje penso, a falácia do argumento da Causa Primeira.
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Se tudo tem de ter uma causa, então Deus deve ter uma causa.

Se pode haver alguma coisa sem causa, pode ser muito bem ser tanto o mundo como Deus, de modo que não pode haver validade alguma em tal argumento.

Este é exatamente da mesma natureza que o ponto de vista hindu, de que o mundo se apoiava sobre um elefante e o elefante sobre uma tartaruga, e quando alguém perguntava: “E a tartaruga?”, o indiano respondia: “Que tal se mudássemos de assunto?”

O argumento, na verdade, não é melhor do que este. Não há razão pela qual o mundo não pudesse vir a ser sem uma causa; por outro lado, tampouco há qualquer razão pela qual o mesmo não devesse ter sempre existido.

Não há razão, de modo algum, para se supor que o mundo teve um começo. A idéia de que as coisas devem ter um começo é devida, realmente, à pobreza de nossa imaginação.

Por conseguinte, eu talvez não precise desperdiçar mais tempo com o argumento acerca da Causa Primeira.


PALESTRA COMPLETA


quarta-feira, 15 de março de 2017

A EXISTÊNCIA DE DEUS





Bertrand Russel


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Esta questão da existência de Deus é um assunto longo e sério, e, se eu tentasse tratar do tema de maneira adequada, teria de reter-vos aqui até o advento do Reino dos Céus, de modo que me perdoareis se o abordar de maneira um tanto sumária.

Sabeis, certamente, que a Igreja Católica estabeleceu como dogma que a existência de Deus pode ser provada sem ajuda da razão. Trata-se de um dogma um tanto curioso, mas é um de seus dogmas.

Tiveram de introduzi-lo porque, em certa ocasião, os livres-pensadores adotaram o hábito de dizer que havia tais e tais argumentos que a simples razão poderia levantar contra a existência de Deus, mas eles certamente sabiam, como uma questão de fé, que Deus existia.

Tais argumentos e razões foram minuciosamente expostos, e a Igreja Católica achou que devia acabar com aquilo.


Estabeleceu, por conseguinte, que a existência de Deus pode ser provada sem ajuda da razão, e seus dirigentes tiveram de estabelecer o que consideravam argumentos capazes de prová-lo. Há, por certo, muitos deles, mas tomarei apenas alguns.

O ARGUMENTO DA CAUSA PRIMEIRA

Entrevista Completa

segunda-feira, 13 de março de 2017

QUE É UM CRISTÃO?



Bertrand Russel

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Hoje em dia não é bem assim. Tem-se de ser um pouco mais vago quanto ao sentido de cristianismo. Penso, porém, que há dois itens diferentes e essenciais para que alguém se intitule cristão.

O primeiro é de natureza dogmática – a saber, que tem-se de acreditar em Deus e na imortalidade. Se não se acredita nessas duas coisas, não penso que alguém possa chamar-se, apropriadamente, cristão.

Além disso, como o próprio nome o indica, deve-se ter alguma espécie de crença acerca de Cristo. Os maometanos, por exemplo, também acreditam em Deus e na imortalidade, no entanto, dificilmente poderiam chamar-se cristãos.

Acho que se precisa ter, no mínimo, a crença de que Cristo era, se não divino, pelo menos o melhor e o mais sábio dos homens.

Se não tiverdes ao menos essa crença quanto ao Cristo, não creio que tenhais qualquer direito de intitular-vos cristãos.

Existe, naturalmente, um outro sentido, que poderá ser encontrado no Whitaker's Almanack e em livros de geografia, nos quais se diz que a população do mundo se divide em cristãos, maometanos, adoradores de fetiches e assim por diante – e, nesse sentido, somos todos cristãos.

Os livros de geografia incluem-nos todos, mas isso num sentido puramente geográfico, que, parece-me, podemos ignorar.

Por conseguinte, julgo que, ao dizer-vos que não sou cristão, tenho de contar-vos duas coisas diferentes: primeiro, por que motivo não acredito em Deus e na imortalidade e, segundo, por que não acho que Cristo foi o melhor e o mais sábio dos homens, embora eu lhe conceda um grau muito elevado de bondade moral.


Mas, devido aos esforços bem-sucedidos dos incrédulos no passado, não poderia valer-me de uma definição de cristianismo tão elástica como essa. Como disse antes, antigamente ela possuía um sentido muito mais vigoroso. Incluía, por exemplo, a crença no inferno.

Entrevista Completa

domingo, 12 de março de 2017

UMA ANÁLISE DA IDEIA DE DEUS E DO CRISTIANISMO


Bertrand Russel
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Como vosso presidente vos disse, o assunto que vou falar-vos esta noite se intitula: “Porque não sou cristão”.

Talvez fosse bom, antes de mais nada, que procurássemos formular o que se entende pela palavra “cristão”.

É ela usada, hoje em dia, por um grande número de pessoas, num sentido muito impreciso.

Para alguns, não significa senão uma pessoa que procura viver uma vida virtuosa.

Neste sentido, creio que haveria cristãos em todas as seitas e em todos os credos; mas não me parece que esse seja o sentido próprio da palavra, pois isso implicaria que todas as pessoas que não são cristãs – todos os budistas, confucianos, maometanos e assim por diante – não estão procurando viver uma vida virtuosa. Não considero cristã qualquer pessoa que tente viver decentemente de acordo com sua razão.

Penso que se deve ter uma certa dose de crença definida antes que a gente tenha o direito de se considerar cristão.

Essa palavra não tem hoje o mesmo sentido que tinha ao tempo de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino. Naqueles dias, quando um homem se dizia cristão, sabia-se o que ele queria significar.


As pessoas aceitavam toda uma série de crenças estabelecidas com grande precisão, e acreditavam, com toda a força de suas convicções, em cada sílaba de tais crenças.

Entrevista Completa