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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

CATÓLICOS E PROTESTANTES - A Guerra dos Trinta Anos









A Reforma Protestante havia dividido a Europa em duas: de um lado, os Estados católicos; de outro, os protestantes.

A divisão percorria o próprio Sacro Império Romano: a maior parte dos Estados alemães setentrionais tornou-se luterana ou calvinista, enquanto os meridionais continuaram com Roma.

Os príncipes católicos queriam que fosse garantida liberdade de fé a seus correligionários mesmo nos territórios dominados pelos reformistas, mas não tinham nenhuma intenção de conceder a mesma liberdade aos seus súditos protestantes.

Nasceram, assim, duas coalizões contrárias de Estados: a Liga de Ratisbona (católica), em 1524, e, dois anos depois, a Aliança de Torgau (protestante). Por vários anos, os dois partidos se enfrentaram, alternando intransigência e tentativas de conciliação, até que, em 1530, o imperador Carlos V ordenou que os príncipes luteranos se submetessem à religião católica. Estes responderam criando a Liga de Smalcalda, uma aliança político-militar que estabeleceu acordos também com a França e outras potências hostis ao imperador.

Sucederam-se trinta anos de guerras e tréguas alternadas, até que, em 1555, Carlos V, derrotado por uma aliança que reunia a França católica e os Estados reformados, foi obrigado a fazer um acordo com seus adversários.

Em 1555, Carlos V e os príncipes reformados firmaram a Paz de Augusta. Pela primeira vez, desde seu nascimento, tomou forma a ideia de que duas religiões cristãs diferentes poderiam coexistir no Sacro Império Romano.

O tratado continha, no entanto, dois princípios restritivos:

1) il cuius regio eius religio: os súditos de um Estado deviam se adequar à religião de seu príncipe, fosse ele católico ou protestante, ou, caso contrário, emigrar; e

2) il reservatum ecclesiasticum: a Igreja Católica renunciaria a reivindicar os bens eclesiásticos confiscados antes de 1552; em compensação, deveria receber de volta aqueles subtraídos após essa data (os príncipes trataram de honrar esse compromisso).

Além disso, os prelados católicos que se convertessem ao luteranismo teriam de renunciar- a todos os benefícios e bens que possuíam em virtude de seu cargo, devolvendo-os à Igreja Católica.

Pouco tempo depois, Carlos V abdicou, dividindo em dois seu imenso território. O irmão Fernando I ficou com o Império e a Boêmia; seu filho Filipe II ganhou a Espanha, os Países Baixos, grande parte da Itália e os territórios do Novo Mundo.


A caminho da guerra

A paz durou pouco. Muitos elementos contribuíram para demolir o edifício do Império e revolucionar a ordem européia:

1) a verve expansionista dos turcos otomanos, que ameaçavam diretamente os domínios de família dos Habsburgo e que, no auge de sua expansão, chegaram a sitiar Viena;

2) a revolta dos nobres dos Países Baixos, que levou, no início do século XVII, ao nascimento de uma república protestante holandesa independente da Espanha;

(3) as novas rotas comerciais através do Atlântico em direção às Américas e à Ásia, que favoreciam nações como a Inglaterra, a Holanda e a França, em detrimento das Repúblicas Marinaras, deslocadas no Mediterrâneo, que se tornara um mar quase periférico;

4) o aparecimento, no cenário europeu, de novas monarquias agressivas, como a sueca, que impôs seu predomínio sobre o Báltico (controlar os mares significava deter as rotas comerciais e o transporte de matérias-primas);

5) a grave crise econômica e política da Espanha;

6) o fato de que a Contra-Reforma, de um lado, e a propagação da Reforma calvinista (sob muitos aspectos, mais rígida, intransigente e autoritária), de outro, tinham dividido a Europa em dois blocos contrários. É claro que se tratava de dois grupos internamente bem diferentes (por exemplo, nanistas), mas isso não impediu que a tendência geral tenha sido a de procurar alianças, acordos dinásticos, apoios e interesses comuns, em especial com Estados em que vigoravam crenças religiosas afins; e

7) uma decisiva ofensiva diplomática e militar por parte da França para redimensionar o poder do rival império dos Habsburgo. O cardeal Richelieu e seu colaborador, o frei José, franciscano bastante ortodoxo, fizeram tudo que estava a seu alcance para aumentar a duração e a destrutividade do conflito.1

Nem os soberanos protestantes nem a fé católica na França não hesitariam em se aliar até mesmo com "o infiel" por definição: o Império Turco Otomano.

A divisão entre católicos e protestantes corria o risco de criar uma crise na própria sucessão dinástica dos Habsburgo no governo do Império. Na época, o título de imperador não passava automaticamente de pai para filho; era conferido por um colégio de Grandes Eleitores, composto por bispos e grandes senhores feudais católicos, como o rei da Boêmia, ou protestantes, como o duque da Saxônia e o conde de Palatinato.

Em 1608, os Estados do Império se agruparam em duas coalizões opostas: a Liga Católica, guiada por Maximiliano da Baviera (que, na verdade, defendia mais os interesses da Santa Sé do que os do imperador), e a União Evangélica, liderada pelo Eleitor Palatino (que, sendo calvinista, teria sido boicotado pelos príncipes luteranos)

As divergências religiosas dariam vida a um conflito assustador com milhões de mortos, comparável às duas Guerras Mundiais.


A guerra (1618-1648)

O pretexto para iniciar o conflito foi dado pela Boêmia, onde a maioria da população, protestante, era oprimida por um monarca católico.

Em 1618, os boêmios se rebelaram, jogando pela janela do Castelo de Praga os lugares-tenentes do imperador e chamando em seu socorro o príncipe Palatino.

Entender todos os interesses econômicos e geopolíticos em jogo e todas as alianças, mudanças de frente, intrigas e rivalidades internas entre as coalizões opostas em um conflito que durou trinta anos e que envolveu, de uma maneira ou de outra, toda a Europa, é algo que vai bem além do objetivo deste artigo.2

Aqui só nos cabe sublinhar o fato de que praticamente não houve país europeu que não tenha sido atingido pela guerra durante uma fase ou outra do conflito, direta ou indiretamente. Além de que o elemento do fanatismo religioso desempenhou um papel fundamental na longa duração e na dureza do conflito.

Provavelmente, uma guerra normal para redefinir fronteiras e áreas de influência teria terminado antes de levar à repetida aniquilação de exércitos inteiros, ao pesado endividamento de príncipes e reis, à total e deliberada destruição de países invadidos, quando, pelo contrário, um conquistador teria todo o interesse de que seus novos domínios fossem ricos e prósperos.

As conseqüências sobre a população foram quase inimagináveis. Por décadas, exércitos de dimensões imensas atravessaram os territórios da Europa central, arrasando tudo que era possível, impondo com a força a própria fé, católica ou protestante, e queimando tudo para impedir que os exércitos inimigos tivessem provisões. Às vezes, junto com os saques, eram levados embora também homens e mulheres como escravos.3 

O mais imponente desses exércitos era o de Wallenstein, que por anos foi capitão a serviço da causa católica. Contando, além dos soldados, com o séquito de vivandeiros, comerciantes ambulantes, prostitutas e trabalhadores, calcula-se que seu exército fosse composto de centenas de milhares de pessoas.

"Seu exército [...] era o maior e mais bem organizado empreendimento particular já visto na Europa antes do século XX. Todos os oficiais tinham participação financeira e obtinham um grande proveito de seu investimento (proveito esse que derivava de saques); as tropas reunidas em qualquer parte da Europa e incapazes de mostrar solidariedade eram pagas de maneira irregular, o que levava a uma rápida substituição da força de trabalho."4

Durante a Dieta Imperial em Ratisbona, em 1630, os súditos da Pomerânia se apresentaram com uma petição para o fim da guerra.

"No ano anterior, os exércitos de Wallenstein espoliaram de tal modo o país que desde então as pessoas começaram a morrer de fome. Muitos, na verdade, morreram, e os sobreviventes comiam ervas e raízes, bem como as crianças e doentes, além de cadáveres há pouco enterrados [...] O imperador e os eleitores ouviram comovidos os pomerânios, mostraram seu profundo interesse e deixaram as coisas como estavam. 

Dado o sistema político em que viviam e exerciam suas funções, dada a mentalidade e o sentimento então vigentes nos círculos principescos, não se podia esperar mais deles. Além disso, durante a Guerra dos Trinta Anos, nenhum senhor alemão passou fome fosse por um dia [...] A gente comum podia morrer de fome ou se alimentar, de forma obscena, de carne humana, mas nas salas de banquete do imperador, dos eleitores e dos bispos o antigo costume alemão de se empanturrar e de beber nunca foi abandonado. Cheios de bifes e vinho, os príncipes podiam suportar os sofrimentos dos súditos com grande força." (Huxley, 1966, p. 242-3.)

A Pomerânia era apenas o início. Outras regiões do Império, nos anos sucessivos, sofreram uma "[...] escassez que fez morrer dezenas de milhares de pessoas e transformou em canibais muitos dos sobreviventes. Os cadáveres, ainda pendurados, dos malfeitores eram tirados das forcas para que servissem de alimento nas mesas, e quem houvesse perdido algum familiar recentemente era obrigado a montar guarda nos cemitérios, para impedir a atividade dos ladrões de cadáveres" (Huxley, 1966, p. 279).

Muitas vezes, quando um exército era derrotado, os soldados debandados vagavam a esmo como animais, procurando desesperadamente algo para comer, e se não encontravam o que pilhar, morriam às centenas.

A Paz de Westfália (1648) marcou o fim da guerra. Suécia, França e Brandemburgo obtiveram importantes cessões territoriais. A Espanha reconheceu a independência da Holanda. Os príncipes alemães, católicos e protestantes, obtiveram a independência de fato, enquanto a autoridade imperial se tornava pouco mais que uma formalidade.

Teoricamente, foi reconhecido a todos os súditos dos vários principados o direito de professar em particular a religião que preferissem, mas esta cláusula, por muito tempo, seria apenas letra morta.

Do ponto de vista econômico, social e humano, as conseqüências foram desastrosas.

Em 1618, a Alemanha possuía cerca de 21 milhões de habitantes. Em 1648, a população caíra para 13 milhões.

"Em um período em que os índices da população em toda a Europa mostravam um ritmo ascendente, as terras a oriente do Reno perderam mais de um terço de sua população em conseqüência dos massacres, da escassez, das privações e das doenças." (Huxley, 1966, p. 301.)

Algumas das áreas mais atingidas, como a Boêmia, tinham perdido até 50% da população.

Segundo Polisensky, levando em conta a alta mortalidade infantil e a baixa expectativa de vida na época, envolveram-se no conflito não menos de cem milhões de pessoas! Os pobres sofreram as conseqüências da guerra muitos anos depois que ela acabou.

O escritor Aldous Huxley nos dá um vivido retrato daquele período: "No século XVII, não havia produção em massa de explosivos, e estes não eram muito eficazes [...] Só se destruiu o que podia ser queimado com facilidade, ou seja, as casas e principalmente as cabanas dos pobres. Cidades e campos sofriam de modo quase igual em decorrência da guerra: os habitantes foram espoliados de seu dinheiro e perderam seu comércio; os camponeses foram espoliados de seus produtos e perderam suas casas, ferramentas, sementes e animais. A perda de bovinos, ovinos e suínos foi especialmente grave [...] um patrimônio zootécnico depauperado requer um tempo bem longo para ser reconstruído. Duas ou três gerações se passaram antes que naturalmente se preenchessem os vazios deixados pelas depredações..."

Os exércitos debandados também representavam um problema. Os "[...] anos de guerra [...] tinham criado em toda a Europa uma classe de aventureiros das armas, sem terra, sem casa, sem família, sem nenhum sentimento natural de piedade, sem religião ou escrúpulo, sem saber nenhum ofício além do da guerra e só capazes de destruir [...] A desmobilização foi gradual e se estendeu por um dado período de anos; mas nem assim faltaram confusões, e muitos mercenários nunca mais voltaram à vida em sociedade, mantendo, como bandidos, rufiões e assassinos profissionais, o caráter de parasitas adquirido durante os longos anos de guerra". (Huxley, 1966, p. 270.)

As cidades e os Estados estavam grandemente endividados com os banqueiros, e essas dívidas atingiram as populações ainda por muitos anos, sob forma de tributos e confiscos.




FONTES DE ESTUDO


1.   Aldous Huxley, L'Eminenza grigia, Mondadori, Milão, 1966.
2.   Para aprofundamentos, recomendamos a leitura da obra de Josef Polisensnky, La Guerra dei Trent'anni: da un conflito locale a una guerra europea nella prima meta del Seicento, Einaudi, Turim,. 1982.
3.   Huxley, op. cit., p. 263.
4.   Victor G. Kiernan, State & society in Europe: 1550-1650, Oxford, Blackwell, 1980.