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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A IGREJA E AS DITADURAS





Uma constante na orientação política da Igreja Católica, e de muitas outras crenças cristãs no século XX, foi a grande aversão ao marxismo e às doutrinas socialistas de maneira geral. Aversão essa que muitas vezes levou a hierarquia eclesiástica a apoiar regimes conservadores e ditaduras de direita, embora tivesse conhecimento dos crimes por elas perpetrados.




Por exemplo, em 1933, na Alemanha, o Partido Católico de Zentrum votou a favor de leis especiais que conferissem plenos poderes a Hitler. Em troca, o novo governo nazista, poucos meses depois, assinou uma concordata com a Santa Sé.

Muitos outros prelados aderiram ideologicamente a doutrinas de tipo nazifascista ou consideraram este tipo de regime um mal menor.

As ditaduras de direita foram consideradas um "fenômeno transitório" diante dos totalitarismos comunistas, que, ao contrário, tendiam a se autoperpetuar e a subtrair o "cuidado com as almas" do controle da instituição eclesiástica.

Dois exemplos recentes desse comportamento condescendente da Igreja com as ditaduras de direita são a Argentina e o Chile.


A Argentina

A ditadura argentina de Videla (1976-1983) foi uma das mais cruéis da história recente do continente sul-americano, ligada a um fenômeno tristemente famoso, os desaparecidos.




Calcula-se que, nos poucos anos de ditadura, com a desculpa da luta contra o terrorismo, na verdade um fenômeno marginal na época, pelo menos trinta mil pessoas desapareceram. As vítimas eram opositores políticos, intelectuais, estudantes, sindicalistas, trabalhadores, religiosos e até crianças. Todas essas pessoas foram ilegalmente sequestradas, torturadas, mortas ou sumiram do nada.

A repressão foi parte de um plano ilegal, predeterminado e sistemático realizado pelos militares.

A tragédia dentro da tragédia foram os filhos das desaparecidas, nascidos nas prisões e nos campos de concentração, por vezes concebidos em atos de violência sexual dos militares. Subtraídos dos pais, foram dados em adoção aos torturadores, materialmente responsáveis pela morte dos pais.

Pelo menos nove mil presos políticos sofreram torturas, e calcula-se que 15 mil tenham sido mortos pelas ruas, incluindo aí padres e religiosas.

Desde o início, o regime militar argentino, que também perseguiu muitos católicos, foi moralmente acobertado pelos expoentes da Igreja do país.2 

O núncio apostólico (embaixador do Estado Vaticano), monsenhor Pio Laghi, em 27 de junho de 1976, apenas três meses antes do golpe, deu o seguinte pronunciamento: "O país tem uma ideologia tradicional, e quando alguém pretende importar idéias diferentes ou estranhas, a Nação reage como um organismo, com anticorpos, contra os germes, e assim nasce a violência. Os soldados cumprem seu dever primeiro de amar Deus e a Pátria, que está em perigo. Pode-se falar não só de invasão de estrangeiros, como de invasão de idéias que colocam em risco valores fundamentais. Isso provoca uma situação de emergência, e, nessas circunstâncias, podem-se aplicar as idéias de São Tomás de Aquino, que ensina que, em casos do gênero, o amor pela Pátria se equipara ao amor por Deus."


Pio Laghi


Pio Laghi, que em seguida se tornou cardeal, tinha uma relação cordial com o alto oficialato golpista. Por exemplo, jogava tênis com o almirante Emilio Massera, um dos componentes da junta militar que deu o golpe, tendo celebrado o casamento de seu filho e batizado um neto seu.

A colaboração entre a Igreja Católica e a ditadura se tornou operacional por intermédio de capelães militares nas prisões políticas, que deviam não só confortar espiritualmente os autores dos genocídios e os torturadores, como também, por meio da confissão, colaborar com o Exército extraindo informações dos detentos.

Muitas vezes, os capelães, obrigados ao segredo acerca de todas as atrocidades das quais eram testemunhas, presenciavam também as sessões de tortura, tornando-se cúmplices da tortura psicológica. Por exemplo, aos presos que reclamassem dos maus-tratos sofridos, a resposta dos capelães era pedir que colaborassem para acabar com o sofrimento a eles imposto (essa prática lembra os métodos da Inquisição). Além disso, usavam as informações recebidas no confessionário para favorecer a captura dos "subversivos".

Um deles foi o sacerdote Christian von Wernich, atualmente preso e processado por crimes cometidos durante a ditadura. Ele foi um ativo repressor que participou de sessões de tortura e de execuções nos centros de detenção clandestinos (aproximadamente 340 em todo o país, escondidos da mídia internacional e das organizações humanitárias e geridos pela junta militar). A um preso que implorou que não o deixasse morrer, respondeu: "A vida dos homens depende de Deus e da sua colaboração."

Ele ainda batizava os recém-nascidos que vinham ao mundo nos centros de detenção e ajudou na captura de subversivos revelando segredos de confissão.

Em maio de 1997, a Associação das Mães da Praça de Maio apresentou à magistratura italiana uma denúncia contra Pio Laghi — que havia voltado ao Vaticano e se tornara Prefeito da Congregação para a Educação Católica — por cumplicidade com o regime militar argentino.

Segundo as Mães, o núncio "colaborou ativamente com membros sanguinários da ditadura militar e conduziu pessoalmente uma campanha cujo objetivo era ocultar tanto dentro quanto fora do país o horror, a morte e a destruição. O monsenhor Pio Laghi trabalhou ativamente para desmentir as incontáveis denúncias dos familiares das vítimas do terrorismo de Estado e os relatórios de organizações nacionais e internacionais de direitos humanos."3

Ele também é acusado de "ter calado as denúncias internacionais sobre o desaparecimento de mais de trinta sacerdotes e a morte de bispos católicos. Pio Laghi providenciou, com a ajuda de membros do episcopado argentino, a nomeação de capelães militares, da polícia e das prisões que garantissem o silêncio a respeito das execuções, torturas e estupro a que assistissem. Tais capelães deviam não só confortar espiritualmente os autores dos genocídios e os torturadores, como também, por meio da confissão, colaborar com o exército extraindo informações dos detentos".

A denúncia era acompanhada de um grande dossiê com testemunhos de antigos presos políticos e de parentes dos desaparecidos. Os depoimentos falam do empenho pessoal do monsenhor Laghi para obter a soltura e a expatriação de vários presos políticos, mas também demonstram que o núncio estava totalmente a par das torturas e mortes, e que até visitou alguns dos campos de concentração.

O dossiê também trazia os testemunhos constantes dos autos de um processo realizado em 1985 na Argentina, que se encerrara com a condenação à prisão perpétua dos ditadores Videla e Missera (mais tarde soltos graças ao indulto concedido pelo presidente Menem).

Outro documento relevante é a confissão do capitão-de-corveta Adolfo Scilingo, segundo a qual [...] a decisão que determinou que os presos desaparecidos deveriam ser jogados vivos no mar do alto de aviões da Marinha foi comunicada pelo ex-comandante de Operações Navais, o vice-almirante Luis Maria Mendía, em uma grande reunião de oficiais da Marinha na base naval de Puerto Belgrano. Scilingo afirma que as autoridades eclesiásticas foram consultadas e aprovaram o método como 'uma forma de morte cristã'. “Isso aconteceu sob o comando do ex-comandante-em-chefe Emilio Massera, amigo íntimo de Pio Laghi e seu companheiro das partidas de tênis matinais”.4

O dossiê ainda reunia uma extensa lista de pessoas cujos depoimentos poderiam ser úteis em um eventual processo contra Pio Laghi.

Hebe de Bonafini, ativista da Associação das Mães, declarou em uma entrevista: "Nós, mães, sofremos o desprezo da Igreja, cujas autoridades chegaram à decisão, que talvez também dependesse de Laghi, de que não poderíamos receber a comunhão, 'pois estávamos cheias de ódio'. Na Argentina e em toda a América Latina, existem duas Igrejas: a que luta junto ao povo e aos setores mais pobres, e aquela aristocrática, dirigida pela Opus Deu que estabelece alianças criminosas com os ditadores da vez."

É óbvio que, na Itália, nunca houve um processo para apurar a verdade sobre essas acusações, até porque Laghi foi protegido pela cidadania vaticana e por seu status de diplomata. O ex-núncio se defendeu das acusações com um pequeno comunicado tornado público pela assessoria de imprensa do Vaticano.

"As afirmações desse grupo de mulheres argentinas são apenas difamatórias e destituídas de qualquer conteúdo e fundamento, seja no que diz respeito aos fatos, seja do ponto de vista ético e jurídico. Meu trabalho como núncio apostólico na Argentina, de julho de 1974 até o final de dezembro de 1980, está todo documentado tanto junto ao "bispado argentino quanto na Secretaria de "Estado. Os documentos estão todos nas mãos deles. Naquele período, recebi dos bispos da Argentina, dos líderes da comunidade judaica, de sacerdotes, religiosos e fiéis uma infinidade de declarações escritas de solidariedade e de reconhecimento pelo que pude fazer na época para defender — como eles mesmos dizem — com grande responsabilidade e dedicação todos os sofredores que encontrei em minha longa missão a serviço da Santa Sé em vários países do mundo."

O documento contradiz a si próprio, já que, no primeiro parágrafo, o ex-núncio apostólico nega saber de qualquer coisa, ao passo que, no último, menciona seu trabalho em defesa dos "sofredores", ou seja, as vítimas da ditadura, o que implica, ao menos em linhas gerais, o conhecimento da repressão.

A parte central do comunicado é particularmente interessante, pois Pio Laghi basicamente afirma não ter agido a título pessoal, com seu trabalho tendo sido aprovado pela Santa Sé. O caso Laghi exemplifica bem o papel da Santa Sé na história recente de torturas e massacres na Argentina. E é emblemática também em razão da dificuldade de análise dos fatos recentes.


O Chile

Mais ou menos na mesma época, uma relação igualmente cordial ligava o núncio apostólico no Chile, monsenhor Ângelo Sodano, nomeado em 1977, e o ditador Augusto Pinochet, alçado ao poder no golpe militar de 1973, que, aliás, sempre ostentou seu catolicismo.

Sodano, futuro cardeal e secretário de Estado do Vaticano, chegou a declarar a respeito do regime chileno: "Até as obras-primas têm algumas máculas. Convido vocês a não se deterem nelas e a observarem o conjunto, que é maravilhoso."5

Menos cordiais eram as relações entre a nunciatura e o arcebispo de Santiago, Raul Silva Henriquez, decidido opositor ao regime, cujos posicionamentos públicos antiditadura por várias vezes irritaram os ambientes diplomáticos vaticanos.6

Em abril de 1987, o papa João Paulo II, durante viagem à América Latina, visitou o Chile e encontrou o ditador Pinochet. A visita foi fruto do empenho conjunto de Sodano e da Opus Dei, organização à qual pertenciam tanto o atual porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro Valls, quanto ministros do governo chileno, como Francisco Javier Cuadra.




O pontífice visitou o palácio presidencial (uma foto que ficou na história retrata Woityla e Pinochet cumprimentando a multidão lado a lado, na sacada do La Moneda), mas não a sede da Vicaria de Ia Solidaridad, estrutura da diocese de Santiago utilizada para assistir às vítimas da repressão, limitando-se a cumprimentar seus dirigentes do lado de fora.

A chegada do papa reuniu uma multidão de dezenas de milhares de pessoas. Mas muitos eram católicos vindos para protestar contra o que parecia um aval da Igreja à ditadura chilena e para denunciar publicamente os crimes do regime. Na mesma noite da visita ao palácio, os confrontos entre policiais e manifestantes levaram à morte de um destes.

João Paulo II visitou vários lugares no Chile; encontrou-se com representantes da oposição, inclusive presos políticos que ainda traziam no corpo as marcas dos maus-tratos sofridos; e fez vários discursos públicos. O papa, por um lado, convidou Pinochet a respeitar os direitos humanos e declarou que a ditadura era "um evento transitório". Por outro, condenou a ingerência da comunidade internacional nos assuntos internos de um Estado soberano e pediu que os opositores ao regime não recorressem nunca, por nenhuma razão, à luta armada.

Se o comportamento da Igreja em relação ao regime militar chileno, de algum modo, podia ser entendido como "razão de Estado", menos compreensíveis são outras demonstrações de apoio à pessoa de Augusto Pinochet, mesmo depois da queda da ditadura.

"Vinte anos depois do golpe", escreve Gianni Perrelli no L'Espresso de 10 de dezembro de 1998, "a legitimação mais calorosa ao ditador Augusto Pinochet chegou das salas do Vaticano. Em 18 de fevereiro de 1993: a muito particular ocasião de suas bodas de ouro foi comemorada com duas cartas em espanhol, escritas de próprio punho, que expressavam amizade e estima e traziam na parte de baixo a assinatura do papa Woityla e do secretário de Estado Ângelo Sodano. Ao general Augusto Pinochet Ugarte e à sua digníssima esposa, senhora Lúcia Hiriarde Pinochet, por ocasião de suas bodas de ouro e em sinal das abundantes graças divinas', escreve o pontífice, sem constrangimento. 'É com grande prazer que concedo, também a seus filhos e netos, uma bênção apostólica especial. João Paulo II' 

Ainda mais calorosa foi a mensagem de Sodano. "O cardeal escreve que recebeu do pontífice 'a tarefa de enviar à Sua Excelência e à sua digníssima esposa o autógrafo pontifício, aqui incluído, em sinal de especial benevolência. E acrescenta: 'Sua Santidade guarda a comovida lembrança de seu encontro com os membros de sua família por ocasião da extraordinária visita pastoral ao Chile.' E conclui afirmando ao senhor general a expressão de minha mais alta e distinta consideração?'

Ainda em 1998, quando a magistratura espanhola pediu a extradição de Pinochet, acusado do homicídio de cidadãos espanhóis, a Secretaria de Estado vaticana se opôs à extradição por "razões humanitárias", provocando protestos nos círculos católicos progressistas.


A Teologia da Libertação




Nem toda a Igreja Católica concordava com as ditaduras sul-americanas. Ao contrário. Em 1968, durante uma conferência episcopal na América do Sul, nasceu uma corrente de pensamento denominada "Teologia da Libertação". Alguns altos expoentes da hierarquia eclesiástica assumiram uma posição decidida a favor dos extratos mais desfavorecidos da sociedade latino-americana e de sua luta. No Brasil, a Teologia teve o apoio do cardeal de São Paulo, Paulo Evaristo Arns, e do bispo Helder P. Câmara.

Na Nicarágua, vários sacerdotes e leigos católicos participaram da luta armada contra a ditadura de Somoza, e, em seguida, sacerdotes como Ernesto Cardenal e Miguel D'Escoto chegaram a fazer parte do governo sandinista. Mas a terceira reunião da conferência episcopal, que aconteceu em Puebla, no México, em 1979, presenciou a emergência de uma forte oposição às teses da Teologia da Libertação, levada adiante pelos setores conservadores.

Essa oposição foi reforçada nos anos 1980, graças ao apoio do pontífice João Paulo II. Os principais artífices da Teologia da Libertação foram progressivamente afastados das camadas hierárquicas superiores e seu campo de ação, aos poucos, foi sendo reduzido.

O papa Bento XVI também se pronunciou várias vezes contra a Teologia da Libertação, em especial no confronto com um de seus mais acirrados defensores, o padre franciscano Leonardo Boff.

Em 6 de agosto de 1984, o então cardeal Ratzinger escreveu o primeiro documento vaticano "Sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação".

Poucos dias depois, em 7 de setembro, teve seu primeiro encontro com Leonardo Boff, convocado pelo Vaticano para uma "reunião" no gabinete da Congregação para a Defesa da Fé. Durante a "conversa", o cardeal Ratzinger e o frei Boff falaram de "alguns problemas surgidos da leitura do livro Igreja: carisma e poder", para "dar ao frei Boff a oportunidade de esclarecer alguns aspectos do livro que suscitaram dificuldade". Mas no ano seguinte, em 20 de março de 1985, uma "notificação" da mesma Congregação, assinada pelo cardeal Joseph Ratzinger e aprovada pelo papa Woityla, afirmou que o livro continha "opções que colocavam em perigo a real doutrina da fé". Foi imposto ao teólogo franciscano um ano de silêncio.

Alguns dias depois, Ratzinger, referindo-se a Boff para alguns jornalistas, afirmou combater sua tese. Boff largaria a batina.7




FONTES DE ESTUDO



4.   Agenzia Adista.
5.   Le Monde Diplomatique/ll Manifesto, setembro de 2001.
6.   L'Espresso, 10 de dezembro de 1998.





sábado, 31 de outubro de 2015

CRISTIANISMO - Silêncio, Omissão, Segredos, Mentiras...





Falar das posições (e ações) da Igreja durante o século XX é uma tarefa árdua, pois os fatos ainda são recentes e estão encobertos por muitos mistérios, silêncios e omissões.

Por exemplo, existe um envolvimento da Igreja nos crimes perpetrados durante a ditadura nazista, mas seu papel no extermínio de judeus e homossexuais ainda precisa ser reconstruído com precisão.




Deixando de lado seu papel ativo, a falta de condenação já diz bastante sobre a posição ideológica da Santa Sé. No que diz respeito às mais sanguinárias ditaduras sul-americanas, a Igreja sempre optou por adotar posições instrumentais e oportunistas.

Todos se lembram do abraço entre Pinochet e o papa Woityla, bem como da oposição à Teologia da Libertação. A aprovação ou participação ativa de religiosos nos massacres mereceria ser tratada em um livro inteiro, com trechos dedicados às causas e reviravoltas geopolíticas em parte ainda não questionadas.

Ainda não conhecemos (ao menos não oficialmente) qual foi a verdadeira causa da morte de Albino Luciani, João Paulo I, morto com apenas 33 dias de pontificado.

E ainda há a grande e controversa história das questões econômicas e financeiras do Vaticano: o Instituto de Obras Religiosas, o caso do Banco Ambrosiano, a história de Roberto Calvi, mas também a de Michele Sindona e, principalmente, de Paul Marcinkus, então presidente do Banco do Papa. Uma história de mortes, furtos e lavagem de dinheiro.

Até hoje não se conhecem os verdadeiros mandantes e o verdadeiro motivo do atentado contra o papa e suas conseqüências internacionais, do desaparecimento de Emanuela Orlandi e Mirella Gregori, e da morte dos guardas suíços, passando por aspectos obscuros de instituições como a Opus Dei.

Nos últimos trinta anos, o Vaticano acumulou uma infinidade de segredos e mistérios dificilmente decifráveis.



Pequeno Estado, grande Império

O Vaticano é hoje um Estado minúsculo, de apenas 0,44 quilômetros quadrados, inserido no coração de Roma e com pelo menos oitocentos habitantes. Estamos bem longe da expansão territorial de poucos séculos atrás, mas o pequeno Estado, hoje, tem mais poder do que nunca, pois controla um bilhão de fiéis em todo o mundo. Na cabeça deste Império está o papa, um verdadeiro monarca ladeado pela Cúria composta de 2.300 pessoas que cuidam de todos os interesses da Santa Sé no mundo. Uma teocracia absoluta.




O Vaticano possui ramificações e emissários em toda parte. Está envolvido não só na história espiritual do planeta, mas também nas decisões políticas e nas escolhas operacionais, ora apoiando, ora obstruindo os vários poderes que se alternam. Seus objetivos se mostram pontualmente utilitaristas.


A Igreja e o nazismo

Nos últimos tempos surgiu uma nova discussão sobre a figura do papa Pio XII (1939-1958) e de seu possível envolvimento no nazismo e no extermínio de judeus.




No final de novembro de 2005, uma comissão católico-judaica internacional, criada em outubro de 1999 e composta por seis historiadores (três judeus e três católicos), não foi capaz de dar uma resposta satisfatória, formulando, ao contrário, 47 perguntas sobre o pontificado do papa Pacelli. Dentre elas: por que o Vaticano não condenou o pogrom nazista de 1938 contra os judeus? O papa tinha conhecimento do extermínio de judeus? Como os fundos colocados à disposição por uma organização judaica americana acabaram sendo usados pela Igreja para salvar judeus convertidos, e não todos os perseguidos? E quanto aos ciganos, negros e homossexuais? A falta de desculpas da Igreja a estas minorias é uma aprovação ao massacre.

É verdade que o papa deu sua aprovação ao anti-semitismo de Pétain em Vichy? Por que durante o famoso discurso do Natal de 1942 o papa condenou as violências nazistas, mas sem fazer menção aos judeus? Por que a Santa Sé se opôs à transferência dos judeus para a Palestina?




Segundo um relatório secreto redigido pelo então embaixador americano junto à Santa Sé, Harold Tittmann, sobre sua audiência com o papa em 30 de dezembro de 1942, Pacelli lhe revelou que considerava exageradas as notícias sobre as atrocidades nazistas contra os judeus.

No encontro de 40 minutos, o papa disse não estar disposto a denunciar explicitamente os nazistas. Ele demonstrou "temer" que as notícias sobre as atrocidades pudessem ter fundamento, mas "também me deixou entender que estava convencido de que os Aliados haviam exagerado por razões de propaganda", o diplomata americano contou no relatório de quatro páginas, carimbado como top secret e apenas recentemente revelado pelos arquivos públicos americanos.1 

A Igreja ainda hoje responde a essas perguntas com o silêncio, chegando a permitir, ironicamente, que a comissão só consulte os arquivos vaticanos até 1922. Outra resposta significativa a essas perguntas foi a canonização do papa Pio XII por parte de João Paulo II.

Fonte de Estudo