Era ele mais gentil e piedoso, mais modesto que Buda? Era ele mais
sábio, enfrentou a morte com mais calma que Sócrates? Foi ele mais paciente,
mais caridoso que Epicuro?
Foi ele um maior filósofo, mais profundo pensador que Epicuro? De
que maneira foi ele superior a Zoroastro? Foi ele mais gentil que Lao-Tsé, mais
universal que Confúcio?
Foram suas idéias de direitos humanos e deveres superiores a Zeno?
Expressou ele maiores verdades que Cícero? Era sua mente mais sutil que a de
Espinoza? Era sua mente igual à de Kepler ou Newton?
Foi ele mais grandioso na morte, e mais sublime que Bruno? Foi
ele, em inteligência, em força e beleza de expressão em profundidade nos
pensamentos, em riqueza de exemplos, em aptidão para a compaixão, em
conhecimento da mente e coração do homem, de todas as paixões, esperanças e
medos, igual a Shakespeare, o maior da espécie humana?
Se Cristo fosse de fato um Deus, ele saberia todo o futuro. Diante
dele um panorama surgiria da história por vir. Eles saberia como suas palavras
seriam interpretadas.
Ele saberia quais crimes, quais horrores, quais infâmias seriam
cometidas em seu nome. Ele saberia que as chamas famintas da perseguição
subiriam pelos membros de inúmeros mártires.
Ele saberia disto; milhares e milhares de bravos homens e mulheres
iriam perecer nas masmorras escuras, cheias de dor. Ele saberia que sua igreja
ia inventar e produzir os instrumentos de tortura; que seus seguidores iam usar
o chicote e a lenha, as correntes e a tortura.
Ele veria o horizonte do futuro lúgubre com as chamas dos autos da
fé. Ele saberia que seus ensinamentos se espalhariam como fungos venenosos de
cada texto.
Ele veria as inúmeras ignorantes seitas brigando umas contra as
outras. Veria milhares de homens, sob as ordens de padres, construindo prisões
para seus semelhantes.
Ele veria milhares de cadafalsos pingando o sangue dos mais nobres
e bravos.
Ele veria seus seguidores usando os instrumentos de dor.
Ouviria seus gemidos, veria suas faces pálidas, na agonia.
Ouviria todos os gritos, lamentos e choros de todos os que
sofriam, multidões de mártires.
Ele conheceria os comentários seriam escritos em seu nome, com
espadas, para ser lidas com a luz da fogueira. Ele saberia que a inquisição
seria instalada baseada em palavras atribuídas a ele.
Ele teria visto as interpolações - os acréscimos - as
falsificações, que a hipocrisia relataria e escreveria.
Ele veria todas as guerras que se desencadeariam, e saberia que em
cima desses campos de morte, além dessas masmorras, além desses instrumentos de
tortura, além dessas execuções, além dessas fogueiras, por mil anos tremularia
a bandeira sangrenta da cruz.
Ele saberia que a hipocrisia vestiria batina e seria coroada --
que a crueldade e credulidade mandariam no mundo; saberia que a liberdade seria
banida do mundo; saberia que papas e reis, em seu nome, escravizariam almas e
corpos dos homens; saberia que eles perseguiriam e destruiriam os
descobridores, os pensadores, os inventores; saberia que a igreja apagaria a
santa luz da razão e deixaria o mundo sem uma estrela.
Veria seus discípulos cegando os olhos dos homens, esfolando-os
vivos, amputando suas línguas, procurando por seus nervos mais doloridos.
Saberia que em seu nome seus seguidores comercializariam carne
humana; que berços seriam vendidos e seios das mulheres ficariam sem seus
bebês, em troca de ouro.
E no entanto, ele morreu com os lábios sem voz.
Por que ele não falou? Por que ele não disse a seus discípulos e
ao mundo: "Não torturarás, não aprisionarás, não queimarás em meu nome.
Não perseguirás teu semelhante."?
Por que ele não disse claramente: "Eu sou o filho de
Deus." ou "Eu sou Deus"?
Por que não explicou a Trindade?
Por que não explicou a forma de batismo que mais o agradava?
Por que ele não escreveu suas regras?
Por que não quebrou os grilhões dos escravos?
Por que nem mencionou se o Velho Testamento era ou não era um
trabalho inspirado de Deus?
Por que ele não escreveu por si só o Novo Testamento?
Por que deixou suas palavras entregues à ignorância, hipocrisia e
acaso?
Por que não disse nada de positivo, definitivo ou satisfatório
sobre o outro mundo?
Por que ele não transformou a esperança lacrimejante no céu no
conhecimento orgulhoso sobre outra vida?
Por que ele não nos falou nada sobre os direitos humanos, direito
à liberdade de mãos e mentes?
Por que ele foi para a morte de maneira dúbia, deixando o mundo à
mercê da miséria e da dúvida?
Eu direi a você. Supondo que ele existiu, era apenas um homem, e
não sabia.
Fonte
Ensaio de Robert Ingersoll
Tradução: Afonso M. C. Amorim
Fonte:
infidels.org/library/historical/robert_ingersoll/about_the_holy_bible.html