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sexta-feira, 7 de junho de 2013

INQUISIÇÃO EM PERNAMBUCO




Em 1593, quando estava a capitania duartina posta em sossego chega do Recife, em 21 de setembro, o visitador do Santo Ofício Heitor Furtado de Mendoça e seus oficiais procedentes da capitania da Bahia.

O inquisidor demorou-se no Arrecife, como era então denominado o Recife, até o dia 24, quando lhe foi mandado de Olinda um bergantim que o conduziu, pelo rio Beberibe, até o Varadouro onde já estava a sua espera uma grande comitiva, tendo à frente Dom Felipe Moura, então no governo da capitania, e o licenciado Diogo do Couto, ouvidor da vara eclesiástica, com muitos clérigos, o ouvidor-geral do Brasil, Gaspar de Figueiredo Homem, e demais pessoas gradas, além das companhias e bandeiras dos regimentos militares.

Ao desembarcar no Arrecife, como ele denomina no termo de abertura da Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, o inquisidor pôde comprovar a grandeza da capitania, que em 1583 fora objeto de carta do jesuíta Fernão Cardim, na qual afirmara possuir Pernambuco, entre outras coisas, 66 engenhos com uma produção correspondente a 200 mil arrobas, sendo o seu porto visitado anualmente por mais de 45 navios.

A presença de um representante da Inquisição de Lisboa, em busca de apurar possíveis práticas judaizantes, veio revelar aspectos da vida privada dos habitantes de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba, naquele final de século XVI, como se depreende dos depoimentos que integram os volumes das Confissões e Denunciações, cuja edição conjunta vem a ser publicada em 1984. 

Não se trata de descrições da paisagem, da fauna, da flora e dos nativos, comuns nas crônicas dos viajantes e cartas jesuíticas, mas aspectos mais recônditos da vida privada de seus habitantes que, sob ameaças de penas espirituais, traziam para os autos ricas narrativas com respeito ao dia-a-dia de cada um.

De suas narrativas podemos vislumbrar as relações familiares, a vida sexual, os filhos legítimos, legitimados e bastardos, a prática da prostituição e do adultério, casos de bigamia, pecados sexuais contra a natureza (sodomia, pederastia, lesbianismo), batizados, casamentos, festas de igreja, ensino de primeiras letras, tarefas domésticas, a vida no campo e na vila, maneiras de trajar, sistemas de transporte, alimentação, práticas de feitiçarias, procedência do elemento escravo (negros e indígenas), os primeiros advogados, médicos, boticários, as manifestações de música e teatro, a luta contra os índios e contra os corsários. Aspectos interessantes da presença dos corsários de James Lancaster e João Vernner, que aportaram no Recife em 24 de março de 1595, são ali encontrados. Eles permaneceram no Arrecife durante 31 dias e de lá saíram com 15 navios carregados das mais diferentes riquezas, inclusive com as alfaias da igreja do Corpo Santo.

Caracterizou-se a 1ª Visitação do Santo Ofício a Pernambuco pela criação de um "Tribunal da Inquisição em Olinda", como bem observa José Antônio Gonçalves de Mello em sua obra citada. O inquisidor Heitor Furtado de Mendoça, não somente determinou a prisão de alguns denunciados, como também os mandou aos cárceres da Inquisição em Lisboa. Mas, no que diz respeito aos processos "cujas culpas exigissem apenas abjuração de levi", como bigamia, sodomia, blasfêmia e outros, tinha o visitador e seus assessores autoridade suficiente para pronunciar a decisão final.

                            Observa o autor de Gente da Nação, serem "amplos pois, os poderes do tribunal olindense, e as penas por ele impostas eram acatadas por autoridades civis fora do Brasil, inclusive da metrópole, como nos casos de degredo e de galés". 

Justificando o seu raciocínio, Gonçalves de Mello chega a relacionar, com a devida numeração em que os autos se encontram no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, 55 processos de réus cujas sentenças foram prolatadas pelo tribunal olindense. 




No que diz respeito a práticas judaizantes, "de todos os cristãos-novos de Pernambuco, nenhuns foram mais acusados perante a mesa do Santo Ofício do que Branca Dias, seu marido Diogo Fernandes e suas filhas do por cerimônias judaicas", segundo observa Rodolpho Garcia em seus comentários às Denunciações. 

Nesse aspecto, grande parte dos depoentes assinalavam a presença do casal como responsável pela instalação de uma sinagoga em terras do Engenho Camarajibe. Embora os dois denunciados não mais pertencessem ao mundo dos vivos, as denúncias terminaram por implicar alguns dos seus descendentes.

Dos filhos de Diogo Fernandes com Branca Dias havia vivos, em 1595, Jorge Dias da Paz (morador na Paraíba), Andresa Jorge, Beatriz Fernandes, que tinha os apelidos de Alcorcovada e Velha, além de uma filha adulterina do marido, havida em uma criada da casa, de nome Brijolândia Fernandes.

Muito embora fossem Branca Dias e Diogo Fernandes "já defuntos", as penas da Inquisição recaíram sobre sua filha, Beatriz Fernandes, que, presa em Olinda a 25 de agosto de 1595, foi remetida para Lisboa onde deu entrada nos Estaus (como era chamado o Paço e Cárceres da Inquisição, no Rossio) em 19 de janeiro de 1595. Débil mental e aleijada (daí o seu apelido de Alcorcovada), começou a confessar suas culpas judaicas em 3 de dezembro de 1597; submetida à Câmara de tormento, em 31 de dezembro de 1598, é finalmente condenada por abjuração - culpas no judaísmo - com sentença de excomunhão maior e confisco de todos os seus bens. 

Findo o processo, participou do auto-de-fé de 31 de janeiro de 1599 e, ao contrário do que informa Pereira da Costa (in RIAP, v. VII, n.46, p. 146), não foi condenada à fogueira pois anda vivia, em Lisboa, no ano de 1604. (Processo nº 4580 da Inquisição de Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa).

Segundo José Antônio Gonçalves de Mello, 5 em conseqüência dos depoimentos de Beatriz Fernandes, outros filhos e netos do casal de judaizantes foram levados ao Tribunal do Santo Ofício de Lisboa: a sua irmã Andresa Jorge, que ingressou nos Estaus em 16 de dezembro de 1599 (Processo nº 6321), juntamente com uma filha, Beatriz de Souza (Processo nº 4273), e duas sobrinhas, estas filhas de Filipa da Paz, Ana da Costa Arruda (Processo nº 11.116) e Catarina Favela (Processo nº 2304) A última, quando do seu depoimento de 8 de janeiro de 1600, revelou ter 17 anos de idade. Submetidas ao tormento são condenadas como suspeitas de levi na fé e vão ao auto de 3 de agosto de 1603. 

Das quatro implicadas, apenas Andresa Jorge recebe ordens de retornar ao Brasil em 4 de setembro de 1603.

Outra implicada pelo depoimento de Beatriz Fernandes, débil mental, foi a sua irmã por parte de pai, Brijolândia Fernandes (Processo nº 9417), que chegando aos cárceres da Inquisição em 16 de dezembro de 1599 participa do auto-de-fé, com suspeitas de vehementi, de 3 de agosto de 1603.

Quanto a Jorge Dias da paz, citado nas págs. 58, 94, 95, 149 e 151 das Denunciações, não consta haver ou não se conservou processo no cartório da Inquisição de Lisboa.

Em torno de Branca Dias foram criadas várias lendas. Muito embora já houvesse falecido quando da instalação da Visitação do Santo Ofício, em 1593, o seu nome aparece entre as vítimas da Inquisição. Tal afirmativa, encontrada em outros cronistas, vem da lenda que deu origem à denominação do riacho e do açude do prata em terras do subúrbio recifense de Dois Irmãos: Segundo a lenda a denominação viria da prata jogada por Branca Dias, naqueles dois cursos d'água, quando da chegada da Inquisição a Pernambuco.

Rodolpho Garcia, no seu bem elaborado estudo introdutório às Denunciações de Pernambuco, faz referência ao drama histórico Branca Dias dos Apipucos, escrito na segunda metade do século XIX, citado na obra Pernambucanas Ilustres, de Henrique Capitulino Pereira de Mello, publicada no Recife em 1879. 

De Pernambuco, a lenda de Branca passa para a Paraíba onde aparece, em 1905, em O Livro de Branca. O seu autor, José Joaquim de Abreu, diz ter Branca Dias nascido na Paraíba, em 15 de julho de 1734, tendo sido imolada na fogueira da Inquisição, em Lisboa, no auto-de-fé de 20 de março de 1761. Além deste, outros exemplos são relacionados por àquele autor da introdução que faz às Denunciações.

Com base em tal lenda o teatrólogo contemporâneo Dias Gomes escreveu a peça O Santo Inquérito, transformada em programa radiofônico e em especial para televisão, a qual sempre desperta as atenções do grande público em suas diversas montagens.

O edifício do Palácio da Inquisição de Lisboa, chamado de Estaus, era localizado no largo do Rossio. Ocupava toda a área do perímetro delimitado, nos dias atuais, pela praça D. Pedro IV, praça D. João da Câmara, ruas 1º de Dezembro, do Redentor e das Portas de Santo Antão, localizando-se sua frente principal no hoje Teatro D. Maria I.

                            A sua descrição detalhada aparece na obra de Júlio Castilho Lisboa Antiga 7 e nas plantas copiadas do arquivo da Torre do Tombo, desenhada em 1634 por Matheus do Couto, "Arquiteto da Inquisição deste Reino", que incluem os aposentos (planta baixa) dos quatro pavimentos e os dois cadafalsos onde eram suplicados os condenados.

                            As atividades da Inquisição, iniciadas em Lisboa em 1540, prolongaram-se até 1821, quando veio a ser abolida por decreto das Cortes Portuguesas, datado de 31 de março daquele ano. "O terrível tribunal do Santo Ofício, na observação de Pereira da Costa, durante o tempo da sua existência celebrou nos quatro distritos de Lisboa, Évora, Coimbra e Goa, 760 autos-de-fé, em que figuraram 31.349 vítimas, das quais 1.075 foram relaxadas em carne (mortas nas fogueiras) e 638 queimadas em estátua por se acharem ausentes em países estrangeiros onde não podia chegar a autoridade da Inquisição. Nas vítimas da Inquisição, figuram 339 infelizes remetidos do Brasil, alguns dos quais pereceram nas chamas".    



  
Fonte:


Recomenda-se a leitura dos livros quando indicados como fontes. Os posts contidos neste blogger são pequenos apontamentos de estudos.