Há, a seguir, um argumento muito
comum relativo à lei natural. Foi esse argumento predileto durante todo o
século XVIII, principalmente devido à influência de Sir Isaac Newton e de sua
cosmogonia.
As pessoas observavam os planetas
girar em torno do Sol segundo a lei da gravitação e pensavam que Deus dera uma
ordem a tais planetas para que se movessem de modo particular – e que era por
isso que eles assim o faziam.
Essa era, certamente, uma explicação
simples e conveniente, que lhes poupava o trabalho de procurar quaisquer novas
explicações para a lei da gravitação.
Hoje em dia, explicamos a lei da
gravitação de um modo um tanto complicado, apresentado por Einstein. Não me
proponho fazer aqui uma palestra sobre a lei da gravitação tal como foi
interpretada por Einstein, pois que também isso exigiria algum tempo; seja como
for, já não temos a mesma espécie de lei natural que tínhamos no sistema
newtoniano, onde, por alguma razão que ninguém podia compreender, a natureza
agia de maneira uniforme.
Vemos, agora, que muitas coisas que
considerávamos como leis naturais não passam, na verdade, de convenções
humanas. Sabeis que mesmo nas mais remotas profundezas do sistema estelar uma
jarda tem ainda três pés de comprimento.
Isso constitui, sem dúvida, fato
notabilíssimo, mas dificilmente poderíamos chamá-lo de lei da natureza.
E, assim, muitíssimas outras coisas
antes encaradas como leis da natureza são dessa espécie.
Por outro lado, qualquer que seja o
conhecimento a que possamos chegar sobre a maneira de agir dos átomos, veremos
que eles estão muito menos sujeitos a leis do que as pessoas julgam, e que as
leis a que a gente chega são médias estatísticas exatamente da mesma classe das
que ocorreriam por acaso.
Há, como todos nós sabemos, uma lei
segundo a qual, no jogo de dados, só obteremos dois seis apenas uma vez em
cerca de trinta e seis lances, e não encaramos tal fato como uma prova de que a
queda dos dados é regulada por um desígnio; se, pelo contrário, os dois seis
saíssem todas as vezes, deveríamos pensar que havia um desígnio.
As leis da natureza são dessa
espécie, quanto ao que se refere a muitíssimas delas. São médias estatísticas
como as que surgiriam das leis do acaso – e isso torna todo este assunto das
leis naturais muito menos impressionante do que em outros tempos.
Inteiramente à parte disso, que
representa um estado momentâneo da ciência que poderá mudar amanhã, toda a
idéia de que as leis naturais subentendem um legislador é devida à confusão
entre as leis naturais e as humanas.
As leis humanas são ordens para que
procedamos de certa maneira, permitindo-nos escolher se procedemos ou não da
maneira indicada; mas as leis naturais são uma descrição de como as coisas de
fato procedem e, não sendo senão uma mera descrição do que elas de fato fazem,
não se pode argüir que deve haver alguém que lhes disse para que assim agissem,
porque, mesmo supondo-se que houvesse, estaríamos diante da pergunta: “Por que
Deus lançou justamente essas leis naturais e não outras?”
Se dissermos que Ele o fez a Seu
próprio bel-prazer, e sem qualquer razão para tal, verificaremos, então, que há
algo que não está sujeito à lei e, desse modo, se interrompe a nossa cadeia de
leis naturais.
Se dissermos, como o fazem os
teólogos mais ortodoxos, que em todas as leis feitas por Deus Ele tinha uma
razão para dar tais leis em lugar de outras – sendo que a razão, naturalmente,
seria a de criar o melhor universo, embora a gente jamais pensasse nisso ao
olhar o mundo –, se havia uma razão para as leis ministradas por Deus, então o
próprio Deus estava sujeito à lei, por conseguinte, não há nenhuma vantagem em
se apresentar Deus como intermediário.
Temos aí realmente uma lei exterior e
anterior aos editos divinos, e Deus não serve então ao nosso propósito, pois
que Ele não é o legislador supremo.
Em suma, todo esse argumento da lei
natural já não possui nada que se pareça com seu vigor de antigamente. Estou
viajando no tempo em meu exame dos argumentos.
Os argumentos quanto à existência de
Deus mudam de caráter à medida que o tempo passa. Eram, a princípio, argumentos
intelectuais, rígidos, encerrando certas idéias errôneas bastante definidas.
Ao chegarmos aos tempos modernos,
essas idéias se tornam intelectualmente menos respeitáveis e cada vez mais
afetadas por uma espécie de moralizadora imprecisão.
PALESTRA COMPLETA
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