Mostrando postagens com marcador Bíblia proibida a sua leitura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Bíblia proibida a sua leitura. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

BÍBLIA - PROIBIDA SUA LEITURA







Inacreditável, mas verdadeiro. Em alguns períodos, traduzir a Bíblia para uma língua compreensível pelo povo era um crime que podia custar a vida. Ter o Evangelho em casa era proibido a quem não fosse sacerdote.

Judeus, cristãos e muçulmanos são chamados também de "povos do Livro", pois baseiam a própria fé, os próprios preceitos e hábitos em textos ditados (ou inspirados) por Deus. De acordo com essas religiões, o fiel não só tem o direito, como o "dever" de ler, estudar e entender as Escrituras. Por exemplo, no mundo protestante, a leitura e o conhecimento da Bíblia representam uma tradição. Já no mundo católico, apenas há algumas décadas os altos escalões da Igreja levantaram a questão de uma "alfabetização bíblica" dos fiéis. Essas diferenças culturais têm causas históricas precisas.

O problema das religiões baseadas em uma revelação escrita é a língua. O que acontece quando uma crença desse tipo se difunde entre outros povos ou quando, no próprio local em que nasce, a evolução natural no decorrer dos séculos faz a linguagem mudar? Acontece, de forma banal, que a Revelação corre o risco de não mais ser compreendida pela maior parte dos crentes.


A Bíblia dos Setenta e a Vulgata

Antes mesmo do suposto nascimento de Jesus, os judeus, que tinham várias comunidades espalhadas por todo o oriente helênico, precisavam enfrentar esse exato problema. A Bíblia (biblia, que, em grego, significa "livros"), sendo na maior parte escrita em hebraico,1 não era de fácil compreensão para muitos judeus, principalmente os de segunda ou terceira geração, que não dominavam mais a língua de seus antepassados.

Além disso, havia muitos "gentios" (ou seja, "não-judeus") de língua grega que se aproximavam com curiosidade do culto judaico. Assim, no século III a.C, a comunidade judaica de Alexandria, no Egito, traduziu as Escrituras do hebraico para o grego, produzindo a versão conhecida como "Bíblia dos Setenta", pois setenta eruditos teriam trabalhado em sua tradução, pelo que diz a tradição.

Séculos depois, em Roma, quando o cristianismo já estava difundido no Ocidente e tinha se tornado religião de Estado, surgiu o mesmo problema. A Bíblia dos cristãos (ou pelo menos dos adeptos da Igreja "oficial") era composta pelo "Antigo Testamento" (ou seja, a velha Bíblia judaica, já traduzida para o grego) e o "Novo Testamento", uma coleção de vários textos (Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, Atos dos Apóstolos, Epístolas, Apocalipse de João) escritos em grego.

São Jerônimo (347-420) traduziu para o latim — a língua mais difundida nos territórios ocidentais do Império Romano — a Bíblia cristã. Ainda hoje, a versão por ele traduzida é conhecida com o nome de Vulgata (ou seja, "popular", "acessível", "divulgada").

São Jerônimo viu-se diante de questões complexas e perigosas de tipo filológico e teológico, como a adoção do cânone. De fato, os judeus completaram o cânone bíblico séculos após a tradução dos Setenta, excluindo vários livros já presentes na edição alexandrina (Tobias, Judite I e II, Macabeus, Baruc e Lamentações de Jeremias, Sabedoria, Eclesiástico, partes de Ester e de Daniel). No final, Jerônimo decidiu incluir em sua tradução os livros já presentes na tradução dos Setenta, embora não considerando todos eles canônicos.

A questão do cânone bíblico está em aberto até hoje. Os católicos (apenas do parecer contrário de Jerônimo) consideram sagrados todos os livros contidos na Vulgata. Os protestantes, por outro lado, consideram o Antigo Testamento como cânones bíblicos mais restritos, e, de acordo com as várias crenças, ou mantiveram livros não canônicos como "apócrifos" ou os arrancaram de suas Bíblias.

Mais ou menos nos mesmos anos, o bispo ariano Wulfila realizou um feito parecido, inventando um novo alfabeto para traduzir a Bíblia para o godo e torná-la, assim, acessível aos povos germânicos. Um século depois, São Patrício difundiu o Evangelho em língua celta, para cristianizar a Irlanda.2 Muito mais tarde, São Cirilo sistematizou o alfabeto glagolítico, antepassado do atual cirílico, para difundir sua fé entre os povos eslavos.

Com a queda do Império Romano do Ocidente, o latim foi caindo em desuso e, na Europa, nasceram as chamadas línguas "vulgares", das quais derivam nossas atuais línguas nacionais. No início do século XI, na Europa, o latim só era falado de fato por doutores e juristas, uma língua desconhecida pelas pessoas comuns.


Bíblia - heresia

Pareceria lógico, portanto, que a Igreja da época promovesse energicamente a tradução da Bíblia para as novas línguas nacionais, de modo que os fiéis pudessem, se não estudá-las (pouquíssimos sabiam ler e escrever), pelo menos ouvi-la em uma língua compreensível. Mas não. Pelo contrário, a partir do século XIII, todas as tentativas de tornar as Escrituras compreensíveis para o povo foram condenadas e seus artífices foram perseguidos. Por quê? Os hereges e aqueles que contestavam o poder da Igreja utilizavam as Sagradas Escrituras para demonstrar para o povo como a Igreja oficial havia se distanciado do mandamento evangélico originário de pobreza e humildade.

Em 1199, o papa Inocêncio III (o promotor da Cruzada contra os cátaros) lançou-se contra os leigos, homens e mulheres, que "em reuniões secretas chamaram para si o direito de expor os escritos e pregar uns aos outros".3 Em 1229, o Concilio de Toulouse, convocado no sul da França, onde haviam sido exterminadas dezenas de milhares de hereges, proibiu que os leigos possuíssem e lessem a Bíblia, especialmente aquela em língua vulgar, com exceção dos Salmos e dos passos contidos nos breviários autorizados.4

De fato, o estudo e a pregação da Bíblia eram atividades reservadas ao clero. Os que ousavam infringir o status quo corriam o risco de ser acusados de heresia e mandados para a fogueira. É possível até afirmar que, a partir dessa época, não houve mais processo contra hereges em que os réus não fossem acusados também de "tradução e leitura não autorizada dos Evangelhos".


A invenção da imprensa e as novas proibições

Em meados do século XV, Gutenberg inventou a prensa de tipos móveis, e a primeira obra a ser produzida com o novo sistema foi exatamente a Bíblia. "A invenção da prensa e o uso do papel contribuíram para aumentar a difusão dos livros, tornando a heresia mais difícil de ser controlada. De fato, enquanto queimar um manuscrito herético produzido através de um cansativo trabalho de cópia que durava semanas ou meses podia significar a anulação completa daquela expressão de pensamento heterodoxo específico — especialmente se, junto com o manuscrito, seu dono também acabava na fogueira —, destruir todas as cópias de uma edição feita na prensa parecia quase impossível."5

Em 1492, os bastante cristãos reis da Espanha proibiram a tradução da Bíblia em língua vulgar. No início do século XVI, uma tradução francesa do Novo Testamento fez tanto sucesso que alarmou a Faculdade de Teologia de Paris e levou o Parlamento, em 1526, a ordenar, por força de lei, a apreensão de todas as traduções bíblicas e a proibir que os tipógrafos as imprimissem no futuro.6

Quando Lutero começou a traduzir a Bíblia em alemão (e outros, animados com seu exemplo, fizeram o mesmo nas várias línguas nacionais), o alto clero católico o acusou de golpe. Eis o que escreveu uma comissão de prelados sobre o assunto, em um relatório enviado ao papa em 1553:




É preciso fazer todos os esforços possíveis para que a leitura do Evangelho ' seja permitida o mínimo possível... O pouco que se lê na missa já basta, que ler mais do que aquilo não seja permitido a quem quer que seja. Enquanto os homens se contentaram com aquele pouco, os interesses de Vossa Santidade prosperaram, mas quando se quis ler mais, começaram a ficar prejudicados.

Em suma, aquele livro [o Evangelho] foi o que, mais que qualquer outro, suscitou contra nós aqueles turbilhões e tempestades em que por pouco não nos perdemos inteiramente.

E se alguém o examinar inteira e cuidadosamente e depois comparar as instruções da Bíblia com o que se faz nas nossas igrejas, perceberá logo as divergências e verá que nossa doutrina muitas vezes é diferente e, mais ainda, contrária ao texto: o que quer que o povo entendesse, não pararia de reclamar de nós até que tudo fosse divulgado, e então nos tornaríamos objeto de desprezo e de ódio de todo o mundo.
Por isso, é preciso tirar a Bíblia da vista do povo, mas com grande cautela, para não dar ensejo a tumultos.7

Estranhamente, a Itália da época estava em condições melhores do que outros países europeus. Lá, no final do século XV, já haviam se difundido várias divulgações dos livros sagrados, antecipando-se às traduções em alemão e francês, e outras foram lançadas nas décadas seguintes, encontrando um notável sucesso de público.8

Depois da explosão do cisma luterano, as autoridades eclesiásticas adotaram um comportamento ambivalente sobre as traduções italianas das Escrituras. De um lado, toleravam-nas com reserva, tendo em vista a grande requisição dos fiéis (até os analfabetos podiam conhecer seu conteúdo, pedindo que alguém o lesse). Do outro, a posse e a leitura de uma Bíblia em língua vulgar podiam levantar suspeitas de heresia. Foi, por exemplo, o caso do pintor Riccardo Perucolo, condenado pela Inquisição, que confessara calmamente ao juiz que lia o Novo Testamento para entender melhor os sermões do padre.

As traduções do Antigo e do Novo Testamento fizeram tanto sucesso entre o povo e as mulheres de todas as condições sociais que alarmaram as autoridades eclesiásticas. "Qualquer um de nós quer as condições, seja fêmea ou macho, idiota (analfabeto) ou letrado, para entender as mui profundas questões da teologia e da escritura divina", escreveu, escandalizado, uma testemunha da época. E outro intelectual lamenta que "aos impuros, soldados, vendedores de ferro-velho, açougueiros, tintureiros, batedores de lã, pedreiros e ferradores [conferissem, junto com as mulheres, o direito de] expor a Escritura, falar de algo tão importante e ler para os prelados da Igreja" (Fragnito, 1997, p. 73).


A Bíblia na fogueira

Em 1558, o inquisidor de Veneza proibiu que os tipógrafos da cidade imprimissem traduções da Bíblia em língua vulgar.

O Índex (lista de livros que os católicos eram proibidos de ler ou possuir, salvo com permissão especial da autoridade eclesiástica), de 1559, vedava de forma peremptória que qualquer pessoa imprimisse, lesse ou possuísse uma Bíblia traduzida em qualquer língua vulgar, salvo se permitido pela Santa Inquisição de Roma. Edições posteriores do Índex revogaram pelo menos parte da proibição, que foi mantida, no entanto, por prelados mais zelosos.

Em 1571, o bispo de Cagli e Pergola proibiu que as clarissas do mosteiro de Monteluce lessem a Bíblia em italiano.

O novo Índex, de 1596, revalidou a proibição. "A Igreja tentava, com uma operação sem precedentes, suprimir qualquer traço residual do texto sagrado em italiano." (Fragnito, 1997, p. 197.) Nas décadas que se sucederam, centenas de Bíblias e Evangelhos proibidos foram recolhidos em igrejas, conventos e residências privadas, e queimados. Tratava-se não só de obras escritas por hereges e protestantes, mas também de traduções aprovadas e comentadas por eclesiásticos católicos.

Em 1605, o embaixador veneziano Francesco Contarini, defendendo a causa da Sereníssima, ameaçada por um interdito papal, afirmou que os teólogos venezianos não atacavam a Santa Sé em seus sermões, mas se limitavam a expor passagens das Escrituras. O papa Paulo V então rebateu: "Não sabeis (como) a leitura da Escritura estraga a religião católica?" (Fragnito, 1997, p. 130.)

Seria preciso esperar até 1758 para rever na Itália traduções das Sagradas Escrituras em língua vulgar.   




Padre Paulo Ricardo nos ensina que a interpretação da bíblia não é de caráter pessoal e que só a Igreja Católica tem condições de discernir a verdadeira palavra de Deus contida na bíblia através da sua hermenêutica.

Após tecer duras críticas sobre o calvinismo, denuncia a presença de padres hereges dentro da sua própria igreja.








 FONTE PARA ESTUDOS

1.   Com exceção do Livro da Sabedoria e do Livro dos Macabeus, que são em grego, mas são considerados apócrifos pelo povo judeu.

2.   Donini, Storia dei cristianesimo - dalle origine a Giustiniano, Milão, Teti editore, 1977, p. 322-3.

3.   Epístola Cum ex iniuncto, de 12 de julho de 1199.

4.   David Christie-Murray, I percorsi delle eresie, Milão, Rusconi, 1998, p. 156.

5.   Gigliola Fragnito, La Bibbia ai rogo: Ia censura ecciesiastica ei volgarizzamenti delia Scrittura (1471-1605), Il Mulino, Bolonha, 1997, p. 24.
6.   Ibid

7.   Avvisi riguardo aimezzipiü opportuni per sostenere Ia Chiesa romana, Bolonha, 20 de outubro de 1553. Biblioteca Nacional de Paris, folha B, n. 1088, vol. Il, p. 641/650.

8.   Gigliola Fragnito, op. cit, p. 25-74.