quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O NOVO TESTAMENTO





Quem escreveu o Novo Testamento? 







Estudiosos cristãos admitem que não sabem. Eles admitem que se os quatro evangelhos fossem escritos por Mateus, Marcos, Lucas e João eles teriam sido escritos em hebraico. E no entanto, nenhum manuscrito desses evangelhos em hebraico foi jamais encontrado. 



Todos os manuscritos mais antigos são em grego. Então, teólogos educados admitem que as Epístolas, Jaime e Juda foram escritos por pessoas que nunca haviam visto um dos quatro Evangelhos. Nessas Epístolas - em Jaime e Juda - nenhuma referência é feita a nenhum Evangelho, e a nenhum dos milagres descritos neles. 

A primeira menção que foi feita de um dos nossos Evangelhos foi feita cento e oito anos depois do nascimento de Cristo, e os quatro Evangelhos foram pela primeira vez citados e nomeados no início do terceiro século, mais ou menos cento e setenta anos após a morte de Cristo. 

Hoje sabemos que havia muitos outros Evangelhos além dos quatro conhecidos, alguns dos quais, perdidos. Havia o Evangelho de Paulo, dos egípcios, dos hebreus, da perfeição, de Judas, de Tadeu, da infância, de Tomás, de Maria, de André, de Nicodemus, de Marcion e vários outros. 

Então, havia os Atos de Pilatos, de André, de Maria, de Paulo, de Tecla, e de muitos outros; e um livro chamado Pastor de Hermas. 

A princípio, nem todos desses livros eram considerados inspirados. O Velho Testamento era tido como divino; Mas os livros conhecidos hoje como o Novo Testamento eram considerados como produção humana. Sabemos hoje que se desconhecem os autores dos quatro Evangelhos. 

A questão é, eram os autores desses três Evangelhos inspirados? 

Se eram inspirados, os quatro Evangelhos deveriam ser verdadeiros, Se forem verdadeiros, deveriam concordar entre si. 

Os quatro Evangelhos não concordam.




Mateus, Marcos e Lucas não sabiam nada sobre expiação, nada sobre salvação pela fé. Eles conheciam apenas os Evangelhos das boas ações -- da caridade. Ensinavam que se perdoássemos os outros, seríamos perdoados por Deus. 



Com isto o Evangelho de João não concorda. 



Neste Evangelho ensina-se que devemos acreditar no Nosso Senhor Jesus Cristo; que devemos nascer de novo; que devemos beber o sangue e comer a carne de Cristo. Neste Evangelho encontramos a doutrina da expiação, na qual Cristo morreu por nós e sofreu em nosso lugar. 

Este Evangelho desvia-se muito dos outros três. Se os outros são verdadeiros, o de João será falso. Se o Evangelho de João foi escrito por um homem inspirado, os escritores dos demais eram não inspirados. Disto não há como escapar. Os quatro não podem ser verdadeiros. 

É evidente que há várias inserções -- interpolações -- nos Evangelhos. 

Por exemplo, no 28º capítulo de Mateus é dito o efeito que os soldados da tumba de Cristo foram subornados para dizer que os discípulos de Jesus roubaram seu corpo enquanto eles, os soldados, dormiam. 

Isto é claramente uma interpolação. É uma quebra na narrativa. 

O 10º versículo poderia ser seguido pelo 16º. O 10º versículo diz: "Então Jesus disse a eles, 'Não tenhais medo; ide até meus companheiros para que vão até Galiléia e lá eles me verão". 

O 16º verso diz: "Então os onze discípulos foram até a galiléia numa montanha que Jesus havia citado." 

A história sobre os soldados contida nos versículos 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, são interpolações -- uma continuação -- também. O 15º versículo demostra isto. 

Décimo quinto versículo: "Então eles pegaram o dinheiro e fizeram o que foram ensinados. E estes ensinamentos são conservados entre os judeus até nossos dias." 

Certamente esta citação não tem nada do Evangelho original, e certamente o 15º versículo não foi escrito pelos judeus. Nenhum judeu teria escrito isto: "E este ensinamento é conservado entre os judeus até os nossos dias."



Marcos, João e Lucas nunca ouviram que os soldados haviam sido subornados pelos padres; ou, se tiveram, não acharam que valesse a pena mencionar. Então, a citação da ascensão de Jesus em Marcos e Lucas foram interpolações. Mateus não falou nada sobre a ascensão.



Certamente não poderia haver milagre maior, e enquanto Marcos, que estava presente -- que viu o Senhor subir, ascender e desaparecer -- não achou que valesse a pela citar.



Por outro lado, as últimas palavras de Cristo, segundo Mateus, contradizem a ascensão: "Senhor, estarei convosco para sempre, até o fim dos tempos".



Para João, que estava presente, se Cristo realmente ascendeu, não disse coisa alguma sobre o assunto.



Então, sobre a ascensão, os Evangelhos não concordam.



Marcos mostra a última conversa que Cristo teve com os discípulos, que seria a seguinte:



"Ide para o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Aquele que crer e for batizado, será salvo; mas aquele que não crer será condenado. E estes sinais deverão seguir aqueles que crêem: em meu nome deverão expulsar demônios; eles deverão falar línguas novas. Poderão pegar em serpentes, e se eles beberem qualquer líquido venenoso, não lhes farão mal; eles deverão colocar as mãos sobre os doentes e eles sararão. Então, depois que o Senhor falou para eles, ele subiu aos céus e sentou à direita de Deus."



É possível que esta descrição tenha sido escrita por alguém que testemunhou este milagre?



Este milagre é descrito por Lucas assim:



E eis que ele os abençoou, afastou-se e subiu ao céu."



"Brevidade é a alma do saber."



Nos Atos é-nos ensinado que: "Quando ele tinha falado, quando eles viram, ele tinha partido, e uma nuvem o levou para longe de suas vistas." 




Nem Lucas, nem Mateus, nem João, nem os escritores dos Atos ouviram uma palavra da conversa atribuída a Cristo por Marcos. O fato é que a ascensão de Cristo não foi aplaudida pelos discípulos. 



Em princípio, Cristo era um homem -- nada mais. Maria era sua mãe, José, seu pai. A genealogia do seu pai, José, é dada para mostrar que ele era do sangue de Davi. 



Então, a alegação era que ele era o filho de Deus, e que sua mãe era uma virgem, e que ela permaneceu virgem até sua morte. 

Então, a afirmação foi feita de que Cristo ressurgiu dos mortos e ascendeu corporalmente aos céus. 

Passaram-se muitos anos para que estes absurdos se apossassem da mente dos homens. 

Se Cristo ressurgiu dos mortos, por que eles não apareceu a seus inimigos? Por que ele não chamou Caifás, o sumo sacerdote? Por que não fez outra entrada triunfal a Jerusalém? 

Se ele ressuscitou realmente, por que não fez isto em público, na presença de seus perseguidores? Por que este, o maior dos milagres, tinha de ser feito em segredo, num canto? 

Este era um milagre que poderia ser visto por grande multidão -- um milagre que não poderia ter sido simulado -- um que poderia ter convencido centenas de milhares. 

Depois da história da ressurreição, a ascensão se tornou uma necessidade. Eles tinham que se livrar do cadáver. 

Então, há muitas outras interpolações nos Evangelhos e nas Epístolas. 

Novamente eu pergunto: seria o Novo Testamento verdadeiro? Alguém hoje crê que o nascimento de Cristo foi uma saudação celestial; que uma estrela guiou os reis magos do leste; Que Herodes ordenou o assassinato dos bebês de Belém abaixo de dois anos? 

Os Evangelhos são recheados de citações de milagres. Teriam eles realmente ocorrido? 

Mateus cita vinte e dois milagres; Marcos, quinze; Lucas, dezoito; e João, sete.




De acordo com os Evangelhos, Cristo curava doenças, expulsava demônios, repartiu as águas do mar, curou cegos, alimentou multidões com cinco pães e dois peixes, andou sobre as águas, amaldiçoou uma figueira, transformou água em vinho, e ressuscitou mortos. 



Mateus é o único que fala sobre a estrela e os reis magos -- o único que conta sobre a matança dos bebês. 



João é o único que não diz nada sobre a ressurreição de Lázaro, e Lucas é o único que cita a ressurreição da viúva do filho de Naim. 

Como é possível comprovar esses milagres? 

Os judeus, os povos entre os quais dizem que aconteceram, não acreditam neles. Os doentes, os paralíticos, os leprosos, os cegos que foram curados não se tornara seguidores de Cristo. Aqueles que ressuscitaram dos mortos nunca foram vistos novamente. 

Acreditará um homem inteligente na existência de demônios? As pessoas que escreveram três dos Evangelhos, certamente acreditavam. João não disse nada sobre Cristo expulsando demônios, mas Mateus, Marcos e Lucas deram muitos exemplos. 

Será que algum homem hoje crê que Cristo expulsava demônios? Se seus discípulos disseram que ele expulsou, estavam enganados. Se Cristo afirmou que expulsou, então ele foi um louco ou um impostor. 

Se as citações das expulsões de demônios são falsas, então os que narraram eram ignorantes ou desonestos. Se eles escreveram por ignorância, então não eram inspirados. Se eles sabiam que estavam citando algo de falso, se eles sabiam ou não, eles não eram inspirados. 

Naquela época acreditava-se que paralisia, epilepsia, surdez, loucura e muitas outras doenças eram causadas por demônios; que demônios tomavam posse e viviam dentro do corpo de homens e mulheres. 

Cristo acreditava nisto, ensinou isto a outras pessoas, e fingiu que curava doenças expulsando demônios dos doentes e insanos. Nós sabemos, se é que sabemos algo, que doenças não são causadas pela presença de demônios. Nós sabemos, se é que sabemos algo, que demônios não residem no corpo das pessoas.




Se Cristo disse e fez o que os escritores dos Evangelhos dizem que ele disse e fez, então Cristo estava enganado. Se estava enganado, então certamente não era um deus. Se estava enganado, certamente não era inspirado. 



Seria verdade que o diabo tentou subornar Cristo? 



É verdade que o diabo levou Cristo para o topo do templo e tentou induzi-lo a pular no chão? 

Como podem estes milagres ser estabelecidos? 

Os chefes não escreveram nada, Cristo não escreveu nada, e o diabo permaneceu em silêncio. 

Como podemos saber que o diabo tentou subornar Cristo? Quem escreveu o fato? Não sabemos. Como os escritores obtiveram a informação? Não sabemos. 

Alguém, há uns setecentos anos, afirmou que o diabo tentara subornar Deus; que o diabo levou Deus para o alto do templo, que tentou induzir Deus a pular no chão, e que Deus era intelectualmente muito superior ao diabo. 

Estas são todas as evidências que possuímos. 

Há algo na literatura mundial mais perfeitamente idiota? 

Pessoas inteligentes não acreditam mais em feiticeiras, magos, fantasmas e diabos, e eles estão perfeitamente satisfeitos com o fato de que cada palavra do Novo Testamento sobre expulsão de demônios é falsa. 

Podemos crer que Cristo ressuscitou os mortos? 

Uma viúva, moradora de Naim está seguindo seu filho em cortejo para a tumba. Cristo pára o funeral e levanta o morto e o devolve aos braços de sua mãe. 

Este jovem desapareceu. Dele nunca mais se ouviu falar. Ninguém teve o menor interesse em saber sobre o homem que retornou do mundo dos mortos. Lucas é o único que conta a história. Talvez Mateus, Marcos e João nunca ouviram falar, ou não acreditaram, ou não lembraram do fato. 

João disse que Lázaro ressuscitou dos mortos; Marcos e Lucas não dizem nada sobre isto. Foi algo de mais maravilhoso que a ressurreição do filho da viúva. Ele já havia sido colocado na tumba havia dias. O rapaz estava ainda no caminho para a cova, mas Lázaro já estava lá. Ele já começara a apodrecer.




Lázaro não despertou o mínimo interesse. Ninguém perguntou a ele sobre o outro mundo. Ninguém lhe pediu notícias sobre os amigos falecidos. Quando ele morreu pela Segunda vez, ninguém disse: "Ele não tem medo. Ele já percorreu esta estrada outra vez e já sabe para onde está indo." 



Nós não acreditamos nos milagres de Maomé, e na verdade eles são alegados do mesmo modo. Não temos nenhuma confiança nos milagres atribuídos a Joseph Smith, e no entanto as evidências são até melhores. 



Se um homem hoje aparecesse afirmando que ressuscita os mortos e finge que expulsa demônios, é tido como louco. E o que dizer, então de Cristo? Se quisermos salvar sua reputação, seríamos compelidos a afirmar que ele nunca tentou ressuscitar os mortos; que ele nunca afirmou que expulsava demônios. 

Temos que levar em consideração que esses relatos ignorantes e absurdos foram inventados pelos seus seguidores com o objetivo de deificar seu mestre. 

Naqueles tempos de ignorância, as falsidades adicionavam mais fama a Cristo. Mas hoje, elas põem em perigo o seu caráter e diminuem os autores dos Evangelhos. 

Podemos crer hoje que a água se transformou em vinho? João conta este milagre bobo e afirma que os outros discípulos estavam presentes; entretanto, Mateus, Marcos e Lucas não falam nada sobre o fato. 

Tome-se o caso do homem curado pelas águas da piscina de Betsedá. João diz que um anjo turvou a água da piscina de Betsedá, e que dissera que o primeiro de mergulhasse na água turva, seria curado. 

Alguém pode crer que um anjo foi até a piscina e turvou a água? Alguém acredita que o primeiro pobre coitado a tocar na água curou? Entretanto, o autor do Evangelho acreditou e citou estes absurdos. Se ele estava enganado sobre este milagre, certamente estava também sobre todos os outros que contou. 

João é o único que cita este milagre da piscina. Provavelmente os outros evangelistas não creram na história. 

Como podemos julgar estes supostos milagres?






Nos dias dos discípulos, e por muitos séculos depois, o mundo era cheiro do sobrenatural. Quase tudo que acontecia era tido como sobrenatural. Deus era o governador do mundo. Se as pessoas eram boas, Deus mandava semente, e colheita; mas se eles eram maus ele mandava enchentes, granizo e fome. Se algo maravilhoso ocorria, era exagerado até se transformar num milagre. 



Da ordem de eventos -- da inquebrável cadeia de causas e efeitos -- as pessoas não tinham qualquer conhecimento ou nenhum pensamento 



Milagre é o distintivo e o fogo da fraude. Nenhum milagre jamais foi realizado. Nenhum homem honesto e inteligente jamais fingiu fazer milagres, nem fingirá. 

Se Cristo tinha realizado os milagres atribuídos a ele; se ele tinha curado os paralíticos e loucos; se ele havia dado audição aos surdos; visão aos cegos; se ele limpou os leprosos com uma palavra, e com um toque deu vida e movimento a um membro paralisado; se ele deu pulso, movimento, calor e pensamento a argila fria e sem vida; se ele conquistou a morte e resgatou dela suas pálidas presas - nenhuma palavra contra teria sido exclamada, nenhuma mão erguida, exceto em louvor e honra. Em sua presença todas as cabeças seriam descobertas -- todos os joelhos ao chão. 

Nenhum homem disse: "Eu era cego e este homem me deu visão." 

Tudo era silêncio.



A BÍBLIA VERDADEIRA

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Por milhares de anos vem o homem escrevendo a Bíblia verdadeira, que vem sendo escrita dia a dia, e que nunca acabará enquanto o homem tiver vida. 


Todos os fatos que sabemos, todos as fatos registrados, todas as descobertas e invenções, todas as máquinas maravilhosas com rodas e alavancas que parecem pensar, todos os poemas, cristais da mente, flores do coração, todas as canções de amor e alegria, de sorrisos e lágrimas, todos os dramas do mundo da imaginação, todas as maravilhosas pinturas, milagres de forma e cor, de luz e sombra, de maravilhosos mármores que parecem falar e respirar, os segredos revelados pelas pedras e estrelas, pela poeira e pelas flores, pela chuva e neve, pelo gelo e chama, pela corrente de vento e areia do deserto, pela altura da montanha e profundeza do mar. 

Toda a sabedoria que prolonga e enobrece a vida, tudo o que evita ou cura doenças, ou conquista a dor - todas as justas e perfeitas leis e regras, que guiam e dão forma às nossas vidas, todos os pensamentos que alimentam as chamas do amor, a música que transfigura, captura e encanta as vitórias de corações e mentes, os milagres que as mãos têm conquistado, aos mãos destras e ágeis daqueles que trabalham para mulheres e crianças , as histórias de feitos nobres, de homens bravos e úteis, de amorosas esposas de fé , de insaciáveis mães, de conflitos pelos direitos, do sofrimento na luta pela verdade, de tudo de melhor que os homens e mulheres do mundo já disseram, pensaram e fizeram ao longo de todos os anos. 

Estes tesouros da mente e do coração - estas são as Sagradas Escrituras da espécie humana.






Ensaio de Robert Ingersoll

Tradução: Afonso M. C. Amorim 

Fonte: 
infidels.org/library/historical/robert_ingersoll/about_the_holy_bible.html

    

"Tudo que a humanidade sofreu com as guerras, com a pobreza, com a pestilência, com a fome, com o fogo e com o dilúvio, todo o pavor e toda a dor de todas as doenças e de todas as mortes – tudo isso se reduz a nada quando posto lado a lado com as agonias que se destinam às almas perdidas. Este é o consolo da religião cristã. Esta é a justiça de Deus – a misericórdia de Cristo. Este dogma aterrorizante, esta mentira infinita: foi isto que me tornou um implacável inimigo do cristianismo. A verdade é que a crença na danação eterna tem sido o verdadeiro perseguidor. Fundou a Inquisição, forjou as correntes e construiu instrumentos de tortura.



quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O QUE É RELIGIÃO?






I

Afirma-se que um Deus infinito criou todas as coisas, que governa todas as coisas e que suas criaturas devem ser obedientes e gratas ao criador; que tal criador exige certas coisas, e a pessoa que concorda com tais demandas é religiosa. Este tipo de religião tem sido substancialmente universal.

Por muitos séculos e em muitos povos existiu a crença que tal Deus exigia sacrifícios – que lhe agradava quando pais derramavam o sangue de seus bebês. Posteriormente, supôs-se que ficava satisfeito com o sangue de bois, cordeiros e pombas, e que, em troca ou em consideração a tais sacrifícios, Deus dava a chuva, o sol e a colheita. Também se acreditava que se os sacrifícios não fossem feitos, este Deus enviaria pestilência, fome, inundação e terremotos.

A última fase desta crença no sacrifício foi, de acordo com a doutrina cristã, que Deus aceitou o sangue de seu filho – que, depois de seu filho ter sido assassinado, ele, Deus, satisfez-se e deixou de desejar sangue.

Durante todos esses anos e em todos esses povos, havia a crença de que este Deus ouvia e respondia orações, que perdoava pecados e salvava as almas dos verdadeiros fiéis. Isso, de um modo genérico, é a definição de religião.

Agora, as questões são estas: será que a religião foi fundamentada em qualquer fato conhecido? Será que este tipo de ser – Deus – existe? Será que foi ele quem nos criou? Será que alguma oração já foi respondida? Será que algum sacrifício de bebês ou bois assegurou a mercê deste Deus invisível?

Primeiro:

Um Deus infinito criou os homens?

Por que criou os intelectualmente inferiores?

Por que criou os deformados e os desvalidos?

Por que criou os criminosos, os dementes, os loucos? O poder e a sabedoria infinitas podem apresentar qualquer justificativa para a criação dessas falhas?

Tais falhas estão sob a obrigação de seu criador?

Segundo:

Um Deus infinito é o governador deste mundo?

É o responsável por todos os chefes, reis, imperadores e rainhas?

É o responsável por todas as guerras que foram travadas, por todo o sangue inocente que foi derramado?

É o responsável por séculos de escravidão, pelas costas que foram feridas pelo flagelo, pelos bebês que foram vendidos ainda no seio de suas mães, pelas famílias que foram separadas e destruídas?

Este Deus é o responsável pela perseguição religiosa, pela Inquisição e por todos os instrumentos de tortura?

Este Deus permitiu que os cruéis e vis destruíssem os bravos e os virtuosos? Permitiu que tiranos derramassem o sangue de patriotas?

Permitiu que seus inimigos torturassem e queimassem seus amigos?

Quanto vale um Deus dessa espécie?

Um homem decente, tendo poder para evitá-lo, permitiria que seus inimigos torturassem e queimassem seus amigos?

É possível concebermos uma malevolência suficiente para dar preferência aos inimigos em vez dos amigos?

Se um Deus bondoso e infinitamente poderoso governa este mundo, como podemos justificar os ciclones, os terremotos, a pestilência e a fome?

Como podemos justificar o câncer, os micróbios, a difteria e o milhar de outras doenças que atacam durante a infância?

Como podemos justificar as bestas selvagens que devoram seres humanos e as serpentes cujas mordidas são letais?

Como podemos justificar um mundo onde a vida alimenta-se da vida?

Será que os bicos, garras, dentes e presas foram inventados e produzidos pela infinita misericórdia?

A bondade infinita deu asas às águias para que suas presas fugazes pudessem ser arrebatadas?

A bondade infinita criou os animais de rapina com a intenção de que eles devorassem os fracos e os desamparados?

A bondade infinita criou as inumeráveis criaturas inúteis que se reproduzem dentro de outros seres e se alimentam de sua carne?

A sabedoria infinita produziu intencionalmente os seres microscópicos que se alimentam do nervo óptico?

Pense na idéia de cegar um homem para satisfazer o apetite de um micróbio!

Pense na vida alimentando-se da própria vida! Pense nas vítimas! Pense no Niagara de sangue se derramando no precipício da crueldade!

Tendo em vista tais fatos, o que é, afinal, a religião?

É o medo.

O medo constrói altares e oferece sacrifícios.

O medo erige catedrais e curva a cabeça dos homens em adoração.

O medo dobra os joelhos e profere as orações.

O medo finge amar.

A religião ensina virtudes escravizantes – obediência, humildade, autonegação, perdão econformismo.

Lábios – religiosos e tementes – repetem, tremulantes, esta passagem: “Ainda que ele me mate, nele confiarei” (cf. Jó – 13:15). Isso é um abismo de degradação.

A religião não ensina autoconfiança, independência, hombridade, coragem, autodefesa. A religião faz de Deus o mestre e do homem seu servo. E tal mestre não consegue ser suficientemente grandioso para fazer da escravidão algo aprazível.

  
II

Se Deus existe, como podemos saber se ele é bom? Como podemos provar que é misericordioso, que se importa com sua criação?

Se tal Deus existe, então viu, em muitas ocasiões, milhões de suas pobres criaturas arando os campos, semeando grãos, e quando os viu, sabia que dependiam da colheita para sobreviver e, ainda assim, esse bondoso Deus, esse ser compassivo, não lhes proveu chuva. Fez o sol nascer, roubando da terra toda a umidade, e não enviou chuva. Viu as sementes que os homens plantaram murchar e perecer, mas não enviou chuva.

 Viu as pessoas olharem, com tristeza, a terra estéril, e não enviou chuva. Viu-os, lentamente, devorar o pouco que tinham, e viu-os quando vieram os dias de fome – viu-os definhando lentamente, viu-os famélicos, com seus olhos combalidos; ouviu suas preces, viu-os devorar os miseráveis animais que tinham, viu pais e mães, ensandecidos pela fome, matando e comendo seus bebês depauperados – e, apesar de o céu sobre eles ser como bronze e a terra abaixo como ferro, não enviou qualquer chuva. Podemos dizer que, no coração deste Deus, havia a flor da piedade? Podemos dizer que se importa com sua criação? Podemos dizer que sua piedade é eterna?

Constitui uma prova de que este Deus é bondoso o fato de ele enviar ciclones que destroem vilarejos e cobrem os campos com corpos desfigurados de pais, mães e bebês? Constitui uma prova de sua bondade ver que ele abriu precipícios na terra que engoliram milhares de crianças indefesas? Ou será que ele é bom porque vulcões os devastaram em rios de fogo? Podemos inferir que Deus é bondoso a partir dos fatos que conhecemos?

Se essas calamidades não ocorressem, suspeitaríamos que Deus não se importa com os seres humanos? Se não houvesse fome, pestilência, ciclones ou terremotos, pensaríamos que Deus não é bom?

De acordo com os teólogos, Deus não fez todos os homens iguais. Fez raças que diferem em inteligência, estatura e cor. Há algum traço de bondade, de sabedoria nisso?

Deveriam as raças superiores agradecer a Deus pelo fato de não serem inferiores? Se dissermos que sim, então faço outra pergunta: deveriam as raças inferiores agradecer a Deus por não serem superiores, ou talvez deveriam agradecer a Deus por não serem bestas selvagens?
Quando Deus fez essas raças diferentes, sabia que as superiores escravizariam as inferiores, sabia que os inferiores seriam conquistados e, finalmente, destruídos.

Se Deus fez isso, se sabia do sangue que seria derramado, das agonias que seriam enfrentadas, se viu os incontáveis campos repletos de cadáveres, se viu as costas ensangüentadas dos escravos, todos os corações partidos das mães cujos bebês foram roubados – se Deus viu e sabia disso tudo, será que conseguiríamos conceber um demônio mais malevolente?

Por que, então, deveríamos dizer que Deus é bondoso?

As paredes úmidas dos calabouços contra as quais os bravos e os generosos viram-se definhar, os patíbulos manchados e glorificados com sangue nobre, os escravos sangrando e sem uma gota de esperança, os mártires que foram envolvidos em chamas, os virtuosos estirados em aparelhos de tortura, vendo suas juntas e músculos desfazendo-se, os corpos feridos e sanguinolentos dos justos, os olhos que foram extintos por buscarem a verdade, os incontáveis patriotas que lutaram e pereceram em vão, as esposas exploradas, espancadas e infelizes, os rostos esquálidos de bebês desprezados, os milhões de assassinados no passado, as vítimas de vendavais, inundações e incêndios, as forças aprisionadas da Terra, os trovões e raios, as torrentes de lava escaldante, a fome, a praga e as dores intermináveis, as bocas pingando sangue, as presas que envenenam, os bicos que ferem e dilaceram, o triunfo da escória, as leis e o poder dos corruptos, as coroas que a crueldade vestiu, os hipócritas de batina, com suas mãos ensangüentadas e unidas em oração, agradecendo seu Deus – este fantasma demoníaco – pela liberdade ter sido banida do mundo: essas recordações de um passado amedrontador, esses horrores ainda existem.

Tais fatos aterrorizantes negam a existência de qualquer Deus que deseja e possui poder para proteger e abençoar a raça humana.

  
III

A maior parte das pessoas se apega ao sobrenatural. Se abandonarem um Deus, logo em seguida imaginam outro. Tendo posto Jeová de lado, falam sobre o poder que trabalha pelo bem.

O que é este poder?

O homem avança, e necessariamente avança através da experiência. Um homem, desejando ir a um certo local, chega a um ponto onde a estrada bifurca-se. O homem segue pelo caminho da esquerda, acreditando ser esse o caminho certo, e continua a viajar até descobrir que tomou o caminho errado.

Então redefine seu percurso e toma o caminho da direita, chegando, assim, ao local desejado. A próxima vez em que o homem quiser ir àquele lugar, não seguirá pelo caminho da esquerda, pois já fez essa trajetória e sabe que é errada. Assim, ele segue pelo caminho da direita, e por isso os teólogos dizem: “Há um poder que trabalha pelo bem”.
Uma criança, encantada pela beleza de uma chama, tenta pegá-la com a mão. A mão é queimada, e após isso a criança mantém sua mão longe do fogo. O poder que trabalha pelo bem ensinou uma lição à criança.

A experiência acumulada do mundo é o poder e a força que trabalha pelo bem. Essa força não é consciente, não é inteligente. Não tem vontade, não tem objetivo. É somente um resultado.

Milhares também tentaram estabelecer a existência de Deus pelo fato de termos aquilo que se denomina senso moral; isto é, uma consciência.

Teólogos e muitos dos assim chamados “filósofos” insistem que este senso moral, este senso de dever, de obrigação, veio de fora, e que a consciência é algo especial. Partindo da idéia de que este senso moral não foi produzido aqui, que não foi produzido pelos homens, então imaginam um Deus do qual isso proveio.

O homem é um ser social. Vivemos juntos em famílias, tribos e nações.

Os membros de uma família, de uma tribo ou de uma nação que aumentam a felicidade da família, da tribo ou da nação são considerados bons membros. São elogiados, admirados e respeitados. São considerados bons, isto é, morais.

Os membros que produzem miséria na família, na tribo ou na nação são considerados maus membros. São acusados, desprezados e punidos. São considerados imorais.

A família, a tribo, a nação, criam padrões de conduta, de moralidade. Não há qualquer coisa de sobrenatural nisso.

O mais grandioso dos seres humanos disse: “A consciência nasce do amor”.

Este senso de obrigação, de dever, foi produzido naturalmente.

Entre selvagens, as conseqüências imediatas das ações são levadas em consideração. Na medida em que os povos avançam, as conseqüências mais distantes são percebidas. O padrão de conduta tornasse mais elevado. A imaginação é cultivada. O homem torna-se capaz de colocar a si mesmo no lugar do outro. O senso de dever torna-se mais forte, mais imperativo. O homem passa a julgar a si próprio.

O homem ama, e o amor é o princípio, a fundação das mais elevadas virtudes. Se fere alguém que ama, então vem o remorso, o arrependimento, a tristeza, a consciência. Nisso tudo não há nada de sobrenatural.

O homem enganou a si próprio. A natureza é um espelho no qual o homem vê sua própria imagem, e todas as religiões sobrenaturais se embasam na pretensão de que a imagem, que parece estar por detrás deste espelho, foi alcançada.

Todos os metafísicos espiritualistas, de Platão a Swedenborg, manufaturaram seus fatos, e todos os fundadores de religião têm feito o mesmo.

Suponhamos que um Deus infinito exista. O que podemos fazer por ele? Sendo infinito, também é incondicional; sendo incondicional, não pode ser beneficiado ou prejudicado. Deus não pode querer: ele tem.

Pense no egotismo de um homem que acredita que um ser infinito deseja suas preces!

  
IV

O que nossa religião produziu? Obviamente, os cristãos admitem que todas as outras religiões são falsas, e conseqüentemente precisamos examinar apenas a nossa.

O cristianismo deu luz a algo bom? Tornou o homem mais nobre, mais compassivo, um pouco mais honesto? Quando a Igreja tinha o controle, isso tornou os homens melhores e mais felizes?

Qual foi o efeito do cristianismo na Itália, na Espanha, em Portugal e na Irlanda?

O que a religião fez pela Hungria ou pela Áustria? Qual foi o efeito do cristianismo na Suíça, na Holanda, na Escócia, na Inglaterra, na América? Sejamos honestos. Esses países poderiam ter sido piores sem religião? Poderiam ter sido piores se tivessem qualquer outra religião, que não o cristianismo?

Torquemada teria sido pior se tivesse sido um seguidor de Zoroastro? Calvino teria sido mais sanguinário se tivesse acreditado na religião dos habitantes das Ilhas do Sul? Os holandeses teriam sido mais tolos se tivessem negado o Pai, Filho e Espírito Santo e, em vez disso, adorassem a sagrada trindade da salsicha, da cerveja e do queijo? John Knox teria sido pior se tivesse deserdado Cristo e se tornado um seguidor de Confúcio?

Peguemos nossos caros e compassivos patriarcas puritanos. O que o cristianismo fez por eles? Os fez odiar o prazer. Na porta da vida penduraram as vestimentas da morte. Eles silenciaram todos os sinos da alegria. Faziam berços embalando caixões. No ano puritano havia doze dezembros. Tentaram fazer desaparecer a infância e a juventude, o canto de bebês e a melodia da manhã.

A religião dos puritanos era uma pura maldição. Os puritanos acreditam que a Bíblia é a palavra de Deus, e esta crença sempre fez aqueles que a portaram cruéis e vis. Os puritanos teriam sido piores se tivessem adotado a religião dos índios da América do Norte?

Permitam que eu me refira a apenas um fato que demonstra a influência da crença na Bíblia em seres humanos: “No dia da coroação da rainha Elizabeth, ela foi presenteada com uma Bíblia por um velho homem representando o Tempo, com a verdade sentada ao seu lado como uma criança. A rainha recebeu a Bíblia, beijou-a, e empenhou-se em lê-la diligentemente. Em dedicação a esta Bíblia abençoada, a rainha foi piamente exortada a passar todos os papistas pelo fio da espada”.

Neste incidente vemos o real espírito dos protestantes que amam a Bíblia. Em outras palavras, é tão demoníaco, tão infame quanto o espírito católico.

A Bíblia fez com que o povo da Geórgia se tornasse gentil e compassivo? Os linchadores seriam mais ferozes se adorassem deuses de madeira e pedra?


V

A religião foi utilizada e, em todos os países, em todos os tempos, ela falhou.

A religião nunca tornou o homem misericordioso.

Lembre-se da Inquisição.

Que efeito teve a religião na escravidão?

A religião sempre foi inimiga da ciência, da investigação e do livre-pensamento.

A religião nunca tornou os homens livres.

Nunca tornou o homem moral, moderado, laborioso e honesto.

Os cristãos são mais moderados, sequer mais virtuosos, sequer mais honestos que selvagens?

Entre selvagens não percebemos claramente que seus vícios e crueldades são fruto de suas superstições?

Para aqueles que acreditam na uniformidade da natureza, a religião é impossível.

Podemos afetar a natureza e as características da matéria através da oração? Podemos apressar ou atrasar as marés através da oração? Podemos mudar a direção dos ventos oferecendo sacrifícios? Se nos ajoelharmos, isso nos trará saúde? Podemos curar uma doença através da súplica? Podemos enriquecer nosso conhecimento através de uma cerimônia? Podemos receber virtude ou honra como esmolas?

Não são os fatos do mundo mental produzidos de um modo tão necessário quanto os fatos do mundo material? Deste modo, aquilo que chamamos de mente não é precisamente tão natural quanto aquilo que chamamos de corpo?

A religião apóia-se na idéia de que a natureza tem um Mestre, que este mestre ouve preces e orações, que este mestre pune e recompensa, que ama a adoração e a lisonja e odeia os bravos e os livres.

O homem obteve, alguma vez, qualquer ajuda do céu?


VI

Se temos uma teoria, precisamos de fatos para fundamentá-la. Precisamos de embasamento empírico. Não podemos construir nosso conhecimento através da intuição, de fantasias, de analogias ou inferências. A estrutura precisa de uma fundamentação. Se pretendemos construir, devemos começar pelo alicerce.

Tenho uma teoria e tenho quatro fundamentos para ela.

O primeiro fundamento é que a matéria – a substância – não pode ser destruída, não pode ser aniquilada.

O segundo é que a força não pode ser destruída, não pode ser aniquilada.

O terceiro é que matéria e força não podem existir separadamente – nenhuma matéria à parte da força e nenhuma força à parte da matéria.

O quarto é que aquilo que não pode ser destruído também não pode ser criado – que o indestrutível é incriável.

Se essas quatro proposições são fatos, segue-se necessariamente que a matéria e a força são eternas, que não podem ser aumentadas ou diminuídas.

Segue-se que nada foi ou pode ser criado, que nunca houve ou pode haver um criador.

Segue-se que não pode haver qualquer inteligência, qualquer intenção por detrás da matéria e da força.

Não há inteligência sem força. Não há força sem matéria. Conseqüentemente, não há qualquer possibilidade de ter existido uma inteligência, uma força por detrás da matéria.

Logo, o sobrenatural não existe e não pode existir. Se essas quatro proposições são fatos, a natureza não tem qualquer mestre. Se a matéria e a força são eternas, segue-se necessariamente que Deus não existe, que nenhum Deus criou ou governa o Universo, que nenhum Deus existe para responder às orações, que nenhum Deus socorre os oprimidos, que nenhum Deus se compadece com o sofrimento dos inocentes, que nenhum Deus se importa com os maus tratos dispensados aos escravos ou com as mães que perderam seus bebês, que nenhum Deus resgata os torturados, que nenhum Deus salva os mártires das chamas. Em outras palavras, isso prova que o homem nunca recebeu qualquer ajuda do céu, que todos os sacrifícios foram em vão e que todas as preces foram proferidas ao vento, sem ninguém para ouvi-las. Não finjo saber – apenas digo o que penso.

Se matéria e força são eternas, segue-se que tudo que foi possível já aconteceu, que tudo que é possível está acontecendo e que tudo que será possível acontecerá.

No Universo não há acaso, não há caprichos. Todos eventos têm seu antecedente.

Aquilo que nunca aconteceu não poderá acontecer. O presente é o produto necessário de todo o passado, a causa necessária de todo o futuro.Na cadeia infinita de eventos não há – e não pode haver – qualquer elo quebrado, qualquer elo faltando. A forma e o movimento de cada estrela, o clima do mundo todo, todas as formas de vida animal e vegetal, todos instintos, a inteligência e a consciência, todas as afirmações e negações, todos os vícios e virtudes, todos os pensamentos e sonhos, todas as esperanças e medos, são necessidades. Nenhuma das incontáveis coisas e relações no Universo poderia ser diferente.


VII

Se a matéria e a força são eternas, então podemos dizer que o homem não teve um criador inteligente, que o homem não foi uma criação especial.

Sabemos – se é que sabemos qualquer coisa – que Jeová, o oleiro divino, não misturou e moldou barro na forma de homens e mulheres e então lhes soprou o sopro da vida.

Sabemos agora que nossos primeiros pais não eram “estrangeiros” neste mundo. Sabemos que eram nativos, que foram produzidos aqui, que suas vidas não foram criadas pelo sopro de qualquer divindade. Sabemos agora – se é que sabemos qualquer coisa – que o Universo é natural e que os homens e as mulheres surgiram naturalmente. Atualmente, sabemos quais são nossos ancestrais, podemos fazer nossa árvore genealógica.

Temos todos os elos da corrente – e não obtivemos tais informações de livros inspirados. Temos fatos: fósseis e formas vivas.

Das criaturas mais simples, de uma sensação cega, de uma forma viva rudimentar, de um desejo vago, até uma única célula com núcleo, até uma estrutura cheia de fluido, até uma estrutura com paredes duplas, até um verme achatado, até algo que já respira, até um organismo que possui uma medula espinhal, até um elo entre os invertebrados e os vertebrados, até um que possui um crânio – uma casa para o cérebro –, até uma forma dotada de barbatanas e, em seguida, outra com barbatanas posteriores e anteriores, até os répteis, até os mamíferos, até os marsupiais, até os lêmures habitantes de árvores, até os simiescos e, finalmente, até o homem.

Conhecemos os caminhos que a vida percorreu. Conhecemos as pegadas da evolução – elas foram traçadas. O último elo foi encontrado. Por isso, estamos em débito, acima de tudo, ao maior dos biólogos, Ernest Haeckel.

Acreditamos agora que o Universo é natural; negamos a existência do sobrenatural.


VIII

Por milhares de anos homens e mulheres têm tentado reformar o mundo. Criaram deuses e demônios, paraísos e infernos; escreveram livros sagrados, realizaram milagres, construíram catedrais e calabouços; coroaram e destronaram reis e rainhas; maltrataram e aprisionaram, torturaram e queimaram pessoas vivas; pregaram e rezaram; valeram-se de promessas e ameaças; adularam e persuadiram; apregoaram e ensinaram; de diversos modos, empenharam-se em tornar as pessoas honestas, temperadas, laboriosas e virtuosas; construíram hospitais e asilos, universidades e escolas. Parecem ter feito o máximo que estava ao seu alcance para tornar a humanidade melhor e mais feliz, e ainda assim falharam.

Por que falharam? Vou dizer o porquê.

Ignorância, pobreza e vício estão povoando o mundo. A sarjeta transformou-se num berçário.

Pessoas incapazes de sustentarem a si próprias enchem lares, casebres e choupanas de crianças, ficando à mercê do “Senhor”, da sorte e da caridade. Não são suficientemente inteligentes para pensar sobre as conseqüências ou sentir responsabilidade. Ao mesmo tempo, não querem crianças, pois estas são uma maldição – para os pais e para si próprias.

O bebê não é bem-vindo porque, na verdade, constitui um fardo. Essas crianças inconvenientes abarrotam prisões, asilos, creches, hospitais, e também lotam os patíbulos. Poucas se salvam pelo acaso ou pela caridade, mas a grande maioria constitui um malogro. Elas se tornam viciosas, ferozes. Vivem através da fraude e da violência, e posteriormente transmitem seus vícios aos seus filhos.

Contra esta inundação de vícios, as forças reformistas são inúteis, e a própria caridade se converte em uma forma inconsciente de promover o crime.

O insucesso parece ser a “marca registrada” da natureza. Por quê? Porque a natureza não possui um projeto e tampouco inteligência. A natureza produz sem objetivo, sustenta sem intenção e destrói sem pensamento. O homem possui uma pequena inteligência, e deveria usá-la. O intelecto é a única coisa capaz de elevar a humanidade.

A verdadeira questão é esta: podemos evitar que os ignorantes, os pobres e os viciosos continuem abarrotando o mundo com seus filhos?

Podemos evitar que esse Missouri de ignorância e vício deságüe no Mississipi da civilização?

Precisamos ser as eternas vítimas de uma paixão ignorante? O mundo pode ser civilizado a um ponto em que as conseqüências serão levadas em consideração por todos?

Por que homens e mulheres concebem filhos dos quais não podem cuidar, que são um fardo e uma maldição? Por quê? Porque possuem mais paixão do que inteligência, mais paixão do que consciência, mais paixão do que razão.

Não é possível reformar estas pessoas com panfletos ou conversas. Não é possível reformar essas pessoas com orações e credos. A paixão é – e sempre foi – surda. As armas da reforma são substancialmente inúteis. Criminosos, prostitutas, mendigos e malogros aumentam em número diariamente. As prisões, os asilos e os abrigos para pobres estão lotados. A religião está com as mãos atadas. A lei pode punir, mas não pode reformar criminosos e tampouco prevenir o crime. A maré do vício está subindo. A guerra que está sendo atualmente travada contra as forças do mal é tão vã quanto a guerra dos vaga-lumes contra a escuridão da noite.

Há apenas uma esperança. A ignorância, a pobreza e o vício precisam parar de povoar o mundo. Isso não pode ser feito pela moral. Isso não pode ser feito através discursos ou exemplos. Isso não pode ser feito pela religião ou pela lei, por padres ou por carrascos. Isso não pode ser feito através da força, seja esta física ou moral.

Para alcançar tal objetivo há apenas um modo. A ciência deve tornar a mulher a dona, a senhora de si mesma. A ciência é a única possível solução, ela deve conceder à mulher o poder de decidir por si mesma se deseja ou não se tornar uma mãe.

Isso soluciona toda a questão. Isso liberta a mulher. Os bebês que nascerem serão bem-vindos. Serão embalados com toda a felicidade. Encherão os lares de luz e felicidade.

Indivíduos que acreditam que escravos são mais puros e verdadeiros que os homens emancipados, que acreditam ser o medo um guia mais seguro que o conhecimento, que apenas os que obedecem ordens alheias são verdadeiramente bons e que a ignorância é o solo no qual a perfeição, a cheirosa flor da virtude cresce, irão cobrir suas faces chocadas com suas mãos em protesto.

Indivíduos que pensam que a luz é inimiga da virtude, que a pureza jaz na escuridão, que é perigoso que os seres humanos conheçam-se a si mesmos e os fenômenos naturais que afetam seu bem estar ficarão horrorizados com a idéia de fazer da inteligência o mestre da paixão.

Contudo, anseio pelo dia em que homens e mulheres, guiados pela sua noção das conseqüências futuras, pela moralidade nascida da inteligência, se recusarão a perpetuar aflições e dores, se recusarão a abarrotar o mundo com malogros.

Chegado este tempo, cairão as paredes das prisões, os calabouços serão inundados de luz e a sombra do patíbulo não mais amaldiçoará a Terra. A pobreza e o crime não se perpetuarão. As mãos magras da necessidade não mais se estenderão por esmolas. Tudo isso se tornará poeira. O mundo será inteligente, virtuoso e livre.


IX

A religião nunca poderá reformar a humanidade porque religião é escravidão.

É muito melhor ser livre, abandonar os fortes e as barricadas do medo, erguer-se com firmeza e encarar o futuro com um sorriso.

É muito melhor, às vezes, dar a si mesmo momentos de desprendimento, para divagar e navegar segundo a maré com a força cega do mundo; pensar e sonhar, esquecer as correntes e limitações da vida, esquecer propósitos e objetivos e viajar pela galeria de imagens em nossa mente; sentir novamente os abraços e beijos do passado, relembrar a manhã de nossas vidas; ver novamente os falecidos, as suas faces; pintar um quadro sensato do futuro, esquecer todos os deuses, suas promessas e ameaças; sentir novamente em nossas veias o fluir da felicidade e ouvir a música marcial, o bater rítmico de um coração destemido.

E então se colocar a serviço de todas as coisas úteis e, através do pensamento e da ação, alcançar o seu ideal; dar asas aos seus sonhos para que eles, como abelhas, possam realizar a arte de encontrar néctar nas coisas mais comuns; buscar, com olhos treinados e decididos, pelos fatos; encontrar as sutis ligações que conectam o distante e o agora.

Aumentar o conhecimento, aliviar o fardo dos fracos, desenvolver o cérebro, defender a justiça, construir um palácio para nossa alma. Isso é a verdadeira religião, isso é a verdadeira adoração.


Autor: Robert G. Ingersoll
Texto original: What Is Religion?
 Escrito em 1899



terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A ADMINISTRAÇÃO DE JEOVÁ



Ele criou o mundo, os anfitriões do céu, o homem, a mulher - e os colocou no jardim. Então a serpente os enganou e eles foram expulsos para conseguir seu próprio pão.

Jeová ficou frustrado.

Então ele tentou outra vez. Ele tentou durante seis mil anos civilizar seu povo.

Nenhuma escola, nenhuma Bíblia, ninguém ensinando o povo a ler e a escrever. Nada de Dez Mandamentos. O povo tornou-se pior e pior até que a piedade de Jeová mandou o dilúvio e afogou todo o seu povo com exceção de Noé e sua família, oito no total.

Então ele começou novamente e mudou seus métodos. A princípio, Adão e Eva eram vegetarianos. Após o dilúvio, Jeová disse: "Toda a criatura que vive será carne para vós" - inclusive cobras e besouros.
 
E falhou novamente, e na torre de Babel ele dispersou seu povo.

Descobrindo que ele não seria bem sucedido com todo o povo, ele pensou que poderia conseguir com uns poucos, então ele selecionou Abraão e seus descendentes. De novo ele falhou, e seu povo escolhido foi capturado pelos egípcios e escravizado por quatrocentos anos.
 
Então ele tentou mais uma vez - e os resgatou dos egípcios e os direcionou para a Palestina.

Então ele modificou sua tática e permitiu que eles comessem apenas animais com cascos e que ruminassem. Novamente ele falhou. As pessoas o odiavam e preferiam a escravidão no Egito em vez da liberdade com Jeová. Então ele os manteve vagando e quase todos que saíram do Egito morreram. Então ele fez nova tentativa - Levou-os à Palestina e os deixou ser governados pelos juizes.

Isto também foi um erro - nenhuma escola, nenhuma Bíblia. Então ele tentou os reis, e os reis eram na maioria idólatras.

E o povo escolhido foi conquistado e levado como escravo pelos babilônios.

Outro fracasso.

Então eles retornaram e ele tentou os profetas - rezadores e curandeiros - mas o povo foi ficando pior e pior. Nenhuma escola, nenhuma ciência, nenhuma arte, nenhum comércio. Então Jeová fez-se carne, nasceu de uma mulher, viveu entre aquele povo que ele vinha tentando civilizar por vários milhares de anos. E essas pessoas, seguindo as leis que Jeová lhes ensinara, lançaram contra este Jeová-homem - este Cristo - blasfêmias, julgaram-no, condenaram-no e o mataram.

Jeová falhou novamente.

Então ele desistiu dos judeus e voltou sua atenção para o resto do mundo.

E agora os judeus, desertados por Jeová, perseguidos pelos cristão, são um dos povos mais prósperos da terra. Mais uma vez Jeová falhou.
 
Que administração!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

SERIA JEOVÁ O DEUS DO AMOR?



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Poderiam estas palavras provir de coração de amor?

- "Quando o Senhor teu Deus colocá-los diante de ti, deverás golpeá-los e destruí-los implacavelmente; Não farás qualquer acordo com eles nem mostrarás qualquer piedade."
 
"Trarei grandes castigos contra eles; enviarei flechas contra eles; eles serão queimados com fome e devorados com o calor sufocante e com amarga destruição."

"Enviarei contra eles os dentes das bestas, com o veneno das serpentes do deserto."

"A espada para fora e o terror destruirão os jovens e as virgens; os bebês também e os homens com cabelos grisalhos."
 
"Deixemos as crianças sem pais e as mulheres viúvas; deixemos as crianças permanecer dispersas e pedindo; deixemos que elas procurem seu pão fora de seus lugares desolados; deixemos os que saqueadores subtraiam tudo o que têm, e deixemos que o estrangeiro estrague seu trabalho; deixemos que ninguém tenha piedade delas, e não deixemos que ninguém ajude as crianças órfãs."
 

"Comerás o fruto de teu próprio corpo - a carne de teus filhos e filhas."
 
"E o céu sobre vós se transforme em brasa, e que a terra abaixo de vós seja de ferro."

"Amaldiçoados sejais vós na cidade, e amaldiçoados vós, nos campos."

"Farei minhas flechas bêbadas de sangue."

"Eu rirei da vossa desgraça."

Viriam estas maldições, estas ameaças de um coração amoroso ou de uma boca de selvageria?

Era Jeová bom ou mau?
 

Por que colocaríamos Jeová acima de todos os deuses?

Poderia a mente medrosa e ignorante do homem criar um monstro pior?

Teriam os bárbaros de qualquer país, em qualquer tempo, adorado um deus mais cruel?
 
Brahma, era milhares de vezes mais nobre, assim como Osíris, Zeus e Júpiter. E também o ser supremo dos astecas, para quem eles ofereciam apenas o perfume das flores. O pior deus dos hindus com o colar de crânios e sua pulseira de cobras vivas, era terno e piedoso comparado com Jeová,

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Comparado com Marco Aurélio, como Jeová fica pequeno. Comparado com Abraão Lincoln, como é cruel e desprezível esse deus.


Ensaio de Robert Ingersoll