sábado, 4 de novembro de 2017

OS SANTOS PERSEGUIDOS











Agência PúblicaGabriele Roza · 01/11/2017




Mãe Merinha foi bem rápida, amarrou um pano branco na roupa e colocou alguns colares fios-de-conta coloridosno pescoço. ‘‘O mais triste disso tudo é saber que eles não param’’, disse, enquanto prendia um tecido também branco na cabeça. Estava pronta, com sua vestimenta de mãe-de-santo. Sinalizou que poderia começar a entrevista e se apresentou, ‘‘sou Mãe Merinha de Oxum, fui iniciada no Candomblé há 36 anos, sou filha de Mima de Oxossi, do Ilê Axé Obá Ketu’’. Há um ano e meio, Rosimere Lucia dos Santos abriu um terreiro de Candomblé em Belford Roxo, município do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, onde também começou um trabalho social com crianças da região. No dia 27 de setembro, quarta-feira, completou 51 anos e, naquele mesmo dia, seu terreiro foi invadido e incendiado.

Os vizinhos, quando perceberam as chamas, chamaram o irmão de Mãe Merinha, que mora perto, para ajudar a apagar o fogo. O incêndio foi controlado a tempo de não afetar a edificação principal, mas, no dia seguinte, Mãe Merinha percebeu que colocaram fogo bem na casa do meio, onde ficavam os donativos, roupas de santo e os orixás. Os criminosos furtaram também uma TV, celular e rádio. O Registro de Ocorrência foi feito uma semana depois, já na segunda tentativa: ‘‘A delegacia estava muito cheia, fiquei umas três horas lá, tava muito enfraquecida, chocada com tudo, fui buscando força, aí retornei na quinta-feira’’.



Mãe Merinha segura uma das fotos que sobrou do incêndio (Foto: Dado Gadieri e Pilar Olivares/Hilaea Media)

Queimaram também livros sobre religiões de matriz africana e as fotos da história da família no Candomblé.  ‘‘O que mais me entristece é o material de trabalho e as fotografias. Eu tenho toda uma história de santo, de quando era dirigido por minha mãe’’. Mãe Merinha é descendente de negros e indígenas, e a religião veio pela avó materna que foi para o Rio de Janeiro fugindo do marido violento, no Espírito Santo. Lavadeira, a avó conseguiu comprar um terreno em Belford Roxo e destinou parte para o orixá da filha. ‘Tinha até algumas fotos da minha mãe com trouxa na cabeça quando elas chegaram no município de Belford Roxo’’, relembra. ‘‘Levei tudo que eu tinha no decorrer desses anos para esse local, é toda uma história de vida do sagrado’’.

Mãe Merinha é uma das vítimas mais recentes da violência contra adeptos das religiões de matriz africana no Estado do Rio de Janeiro. De acordo com os dados do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir), das 52 denúncias de intolerância religiosa ao Ceplir – de dezembro de 2016 a agosto de 2017-,  34 foram de pessoas do Candomblé, Umbanda e outras denominações de religiões de matriz africana no Estado do Rio.

Em cinco anos, as denúncias de discriminação por motivo religioso no Brasil cresceram 4960%. Foram de 15, em 2011, para 759, em 2016, de acordo com os dados do Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). Em 2016, 69 eram candomblecistas (9,09%), 74 eram umbandistas (9,75%) e 33 são descritas como “religião de matriz africana” (4,35%), totalizando 23,19%.

Segundo relatório da Pew Foundation, o país deixou de ser um dos países mais populosos com menor taxa de Hostilidade Social por motivações religiosas, em 2007, para um dos países com alta taxa em 2014, passando da 2ª posição para a 9ª neste período.

Em agosto e setembro deste ano, uma nova onda de ataques a terreiros de Candomblé e Umbanda na Baixada Fluminense comprovou que os crimes de ódio por motivo religioso estão crescendo no estado que tem, pela primeira vez, um bispo evangélico governando a sua capital – em janeiro, Marcelo Crivella (PRB), bispo de Igreja Universal do Reino de Deus, assumiu a prefeitura do Rio de Janeiro.

Em resposta à violência, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDHMI) lançou o Disque Combate ao Preconceito para facilitar as denúncias.

Nos meses de agosto e outubro foram feitas 43 denúncias: uma de um espírita kardecista, uma de um evangélico, dois islâmicos e 39 umbandistas e candomblecistas, representando 90% do total. Foram seis tipos de violações identificadas, entre eles invasão/atentado a instituições religiosas (11), discriminação/difamação (10), agressão física (6), incitação ao ódio (6), agressão verbal (6), ameaça (4).


Inquisição do tráfico na Baixada

Dentre as denúncias contra religiosos de matriz africana, 12 ocorreram na Baixada Fluminense. A região reúne 13 municípios do Rio de Janeiro reabriga ao menos 274 terreiros, do total de 847 no Estado, de acordo com a pesquisa Mapeamento das Casas de Religiões de Matrizes Africanas,realizada pela PUC-Rio com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR), entre 2008 e 2011.

A SEDHMI recebeu quatro denúncias de ataques a terreiros realizados por traficantes de agosto a outubro, três delas de ocorrências na Baixada Fluminense – duas em Nova Iguaçu e uma em Itaguaí. Segundo a secretaria, as quatro vítimas informaram que por ordem da facção criminosa é proibida a prática de religiões de matriz africana na área dominada pela facção. Todas as pessoas que denunciam casos de intolerância religiosa são orientadas a fazer o registro na delegacia da região, mas algumas vítimas não o fazem por medo.

Em setembro, o terreiro da mãe de santo Carmen de Oxum foi atacado em Nova Iguaçu. O traficante, que ainda registrou o crime com a câmera de um celular, dá ordens para destruir os objetos sacralizados: ‘‘quebra tudo, apaga as velas, pelo sangue de Jesus tem poder… Todo mal tem que ser desfeito em nome de Jesus’’. Segundo o diretor-Geral da Polícia da Baixada Fluminense, Sérgio Caldas, o caso está sendo investigado  pela 58ª DP e já foram identificados, como executores, dois traficantes do Terceiro Comando Puro, facção criminosa conhecida por ameaçar candomblecistas e umbandistas. ‘‘Essa pessoa veio de uma outra comunidade para pressionar os terreiros de candomblé’’, disse Caldas à Pública, acrescentando que as condições “não são favoráveis” para a investigação. “Quando ocorre em comunidade conflagrada, a vítima fica com medo de se expor’’.

Os indiciados deste caso serão penalizados pela Lei 7.716, de 1989, conhecida como “Lei Caó’’, que determina a punição para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, como crime   inafiançável e imprescritível. A pena é de dois a cinco anos de reclusão.

O babalaô Ivanir dos Santos, fundador da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa e porta-voz da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, diz que as primeiras ações de destruição de terreiros por traficantes aconteceram na década de 1990, no Morro do Urubu, em Pilares, Zona Norte do Rio. Depois, outros casos ocorreram no Morro do Dendê (localizado na Ilha do Governador), no Lins de Vasconcelos e na Cidade Alta. “É um fenômeno compreensível. Toda religião que cresce vai influenciar algumas esferas sociais’’, diz. Ivanir acredita que a presença de igrejas evangélicas nos presídios do Rio é um fator de influência para o surgimento do que chama de “tráfico evangelizado’’. ‘‘O cara tá lá preso, vira evangélico e vai sair por bom comportamento, isso diminui a pena do sujeito… Quando sai da prisão, nem todo mundo muda de vida”, diz.

As igrejas evangélicas devem se tornar ainda mais presentes nos presídios fluminenses. Em fevereiro, a Igreja Universal do Reino de Deus firmou acordo com o Governo do Estado para a construção de templos em unidades penitenciárias, custeados pela instituição religiosa. O acordo permite que a Universal construa ou reforme templos ecumênicos nas 51 unidades prisionais do Estado, dependendo de autorização do diretor da unidade. Até o momento, graças ao convênio, 15 templos foram inaugurados ou reformados, nos Complexos de Gericinó, Campos, Resende e Água Santa.

A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Sistema Prisional e Direitos Humanos do Rio de Janeiro visitou as unidades prisionais onde foram construídos os templos religiosos para apurar a validade do acordo. Segundo o promotor de Justiça Murilo Nunes de Bustamante, os espaços não deveriam ser vinculados à religião específica, mas o padrão arquitetônico encontrado por eles se assemelha ao usado pela Igreja Universal. ‘‘Apesar da previsão de ser ecumênico de ter o livre uso pra qualquer um, os próprios internos só admitiriam que algumas religiões realizarem seus cultos no local’’. A investigação da Promotoria ainda não foi concluída. “Os indicativos são no sentido da identidade arquitetônica dos espaços, o que será debatido com as igrejas atuantes no sistema prisional’’, esclareceu.

Em resposta à Pública, a Igreja Universal do Reino de Deus informou que o programa social Universal nos Presídios (UNP) atende 80% da população carcerária do Brasil, aproximadamente 500 mil pessoas, do total de 622 mil detentos, segundo o Infopen de 2014,‘‘oferecendo cursos e apoio aos detentos e seus familiares, realizando um trabalho de ressocialização que é reconhecido pelas autoridades em todos os estados da Federação, inclusive no estado do Rio de Janeiro’’.


Oito homicídios por intolerância religiosa

Os dados disponíveis no Relatório de Intolerância e Violência Religiosa, da Secretaria Especial de Direitos Humanos,detalha o que ativistas pela liberdade religiosa chamam de ‘‘Guerra Santa’’. O Relatório mostra que, entre 2011 e 2015, 27% das denúncias feitas nas ouvidorias do país eram de pessoas da religião de matrizes africana, 16% de evangélicos, 8% de católicos e a 7% de espíritas. Em relação à religião dos agressores, informada pela vítima, as informações indicam que 17% eram evangélicos. Católicos aparecem em segunda posição, porém muito distantes, com 3%, seguidos de Testemunhas de Jeová  (1%) e Espíritas(1%), Matriz Africana (1%). Em 73% dos casos não foram registradas informações sobre a religião do agressor.

Também foram identificados no Relatório oito homicídios por motivo religioso, segundo investigações da polícia civil ou do Ministério Público. Quatro mortes envolveram lideranças de candomblé, em Londrina (PR) e em Manaus (AM), e quatro foram mortes de uma mesma família de evangélicos, em Itapecerica da Serra (SP).  Todos os assassinatos foram realizados por uso de facas, e os agressores e vítimas eram próximos.

O professor Jayro de Jesus, coordenador da Escola Livre Ubuntu de Filosofia e Teologia Afrocentrada, explica que os neopentecostais entendem que a fé traz saúde, bem estar e prosperidade material. Já as doenças, desemprego e pobreza resultam do ‘‘mal’’ e de uma vida em pecado. ‘‘É o mal que prejudica a vida alheia. E o mal é tipificado nas religiões afro’’, explica. ‘‘Os neopentecostais, hoje, contam com a ajuda da própria população que encontra justificativa para acabar com o mal que é o seu vizinho, o seu entorno.’’

Jayro, figura histórica na luta contra a violência às religiões de matriz africana, coordenou nos anos 80 o Projeto Tradição dos Orixás, que visitava os terreiros na Baixada para ouvir relatos de intolerância, e encaminhava para as delegacias. ‘‘Eram 20 jovens que saiam por toda a Baixada. Levantamos 3 mil terreiros com queixa de invasão, xingamentos, apedrejamentos, surras de bíblia’’, relembra. “A perseguição vinha essencialmente da Igreja Universal’’, diz.

Os relatos ao grupo foram reunidos no Dossiê ‘‘A Guerra Santa Fabricada’’, primeiro entregue ao Governo Federal sobre o assunto, protocolado na Procuradoria-Geral da República em 1989. Mas nada foi feito, garante Uilian Portella, advogado do grupo. ‘‘O dossiê denunciou reiteradas atitudes agressivas das igrejas evangélicas neopentecostais, notadamente a denominada Universal do Reino de Deus… Os adeptos dos cultos de Matriz Africana vinham sendo apedrejados, espancados e surrados com Bíblias ‘para expulsar capetas’”.

Em 2015, as emissoras de televisão Rede Record e a Rede Mulher (comprada pela Record), de Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal, foram condenadas pela Justiça Federal a exibir quatro programas de televisão como direito de resposta às religiões de matriz africana por ofensas contra elas no programa “Mistérios” e no quadro “Sessão de Descarrego”.

Procurada pela reportagem, a Universal afirmou que a acusação de que seus membros perseguiam outros cultos na década de 80 é “mentirosa”. “A Igreja Universal do Reino de Deus defende, de modo intransigente, a liberdade de pensamento, de crença e de culto, conforme assegurado por nossa Constituição Federal”. A Igreja diz que prega o contrário. “Orientamos nossos adeptos a respeitarem as convicções das outras pessoas, pois são exatamente os bispos, pastores e milhões de simpatizantes da Universal as maiores vítimas do preconceito religioso no Brasil”, afirmou, por nota.


‘‘É como se tivessem arrancado um filho”

Às 22h do dia 4 de outubro deste ano, Mãe Vivian de Souza estava em casa, em Nova Sepetiba, quando recebeu a ligação de um vizinho do seu terreiro, em Seropédica, na Baixada. Por telefone, ele disse que entraram na casa dela e, até aquela hora, muitas imagens e objetos já deveriam estar quebrados. O vizinho repassou a ameaça de que se ela não retirasse os pertences o mais rápido possível, iriam destruir tudo. Mãe Vivian entrou em desespero. Sua casa fica a uma hora de distância de carro.

Há quase dois anos, Mãe Vivian se mudou com a família para Nova Sepetiba e transformou a sua casa em Seropédica em Casa de Candomblé. Não visitava o terreiro com regularidade, mas podia ficar uma ali uma semana inteira ou apenas um fim de semana, ‘‘o tempo que a obrigação religiosa exigir’’. Quando chegou à casa, próximo da meia noite, viu o portão arrombado, o Orixá Bará no chão, os Exus quebrados. Conseguiu um caminhão para tirar o que sobrou. No dia seguinte, alugou uma casa em Sepetiba para começar a construção de um novo espaço dedicado aos orixás. Para o anterior, não quer voltar mais: ‘‘É como se tivessem arrancado um filho meu’’. Além dos orixás, destruíram a própria estrutura da casa e outros objetos, ‘‘coisa que pra gente tem muito valor. Um búzio, uma moeda pra gente vale, pra outras pessoas talvez não, mas é muito ruim’’, contou.



Mãe Vivian mudou o terreiro para uma casa mais isolada em Sepetiba (Foto: Dado Gadieri e Pilar Olivares/Hilaea Media)

A casa nova é menor; objetos simbólicos foram armazenados em um quarto, e a outra parte em uma sala, com os atabaques e colchões que conseguiu levar. ‘‘Não dá pra entender tanto ódio. Parece que eu tô no tempo dos meus antepassados, da gente ter que se esconder na mata, como meus avós fizeram pra continuar cultuando a nossa religião. Eu tô acuada, eles estão nos acuando cada vez mais.’’

Mãe Vivian foi até a Delegacia em Sepetiba para fazer a denúncia, mas foi orientada a fazer o Registro de Ocorrência online ou ir à delegacia de Seropédica. “A forma que eles agem é como se você fosse culpado por aquilo que tá acontecendo, ‘porque a senhora não tava lá na hora?’. Não sou eu que tenho que saber quem foi.’’  Para ela, não há interesse da polícia em realizar uma investigação de fato.


Com a crise, o fim do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa

Mãe Vivian buscou ajuda no Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir) que, de 2012 até este ano, atendeu às vítimas de intolerância no Estado Rio com acompanhamento psicológico, jurídico e assistência social.

Porém, Flávia Pinto, que era diretora da instituição até esta semana, explicou à Pública que o Centro deixou de receber recursos do Governo do Estado em 2016.  ‘‘Com a crise do Estado, o Ceplir ficou sucateado. Conseguimos recurso com a Fundação Cultural Palmares [do Governo Federal] e colocamos o Ceplir pra funcionar por mais um ano na UFF [Universidade Federal Fluminense], mas esse recurso acabou’’, informou. ‘Estamos conscientizando as pessoas de que intolerância religiosa é crime. A política de liberdade religiosa ainda é embrionária no país. As pessoas ainda não têm o entendimento de que ser discriminado pela sua religiosidade é crime’’.

O secretário estadual de Direitos Humanos, Átila Alexandre Nunes, rebate as críticas. Segundo ele, a Secretaria estadual de Proteção e Apoio à Mulher e ao Idoso passou a ser Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI) e, com a mudança, a secretaria vai incorporar os técnicos do Ceplir  já em novembro ‘‘pra que seja uma estrutura permanente, consolidada e que não dependa de recurso de terceiros’’. Mesmo assim, a Ceplir não terá atendimento em novembro, mês da Consciência Negra, segundo Flávia. Ela agora vai trabalhar na Secretaria Municipal de Direitos Humanos da capital.   

Em agosto, o secretário anunciou que o Estado vai criar uma delegacia policial especializada em combate a crimes raciais e delitos de intolerância, a DECRADI, com um grupo capacitado para realizar as investigações e os atendimentos com as vítimas de crimes de ódio.



Mãe Vivian na porta da casa em Sepetiba com parte da estrutura da casa de Seropédica em mãos (Foto: Dado Gadieri e Pilar Olivares/Hilaea Media)

Ainda há muito o que melhorar no atendimento, comenta Flávia Pinto: “Os casos de intolerância ainda são interpretados pela polícia como brigas de vizinhos, aí a pessoa não tem atendimento correto e os dados não são gerados’’.

Sobre o problema orçamentário, o secretário acredita que a ação pode desafogar as delegacias regionais que vão poder encaminhar para a especializada a investigação. ‘‘Estamos falando de uma estrutura mais enxuta, a Secretaria de Direitos Humanos disponibilizaria os técnicos de psicossocial pra fazer o atendimento e ajudar nesse acolhimento das vítimas’’.

‘‘Infelizmente, estamos vivendo um outro momento que traficantes estão perseguindo os terreiros, a lógica agora é uma lógica territorial por conta desses traficantes’’, diz o secretário. A violência por parte dos traficantes estimula o aumento do número de casos não notificados e dificulta o trabalho da polícia. ‘‘No caso da mãe Carmen, foram quase 10 traficantes, segundo o relato dela. A gente até acompanhou ela até a delegacia, mas ela não quis assinar o depoimento por receio”, conta. Ele diz ainda que há uma sensação de impunidade por esses casos não serem tratados com seriedade e notificados como intolerância religiosa.

O Delegado Henrique Pessoa, da 151º DP de Nova Friburgo, coordenou o Núcleo de Combate a Intolerância da Polícia Civil que centralizava as informações de ocorrências recebidas pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. “Esse assessoramento nas delegacias. A nossa função era devolver à polícia a consciência da relevância da investigação. O problema não pode ser enfrentado de uma forma banal. Mas, lamentavelmente, a polícia trabalha em condições precárias, de forma inadequada.’’ O núcleo foi extinto em 2012, durante a reestruturação da polícia civil, no governo de Sérgio Cabral (PMDB).


Mãe Elaine e Pai Márcio

Mãe Elaine Dias Pereira, mãe Elaine de Oxalá, mora em Nova Iguaçu há 30 anos – e há 30 anos sofre perseguição pela sua religião. Ela conta que logo que começou a casa em Santa Rita, bairro de Nova Iguaçu, já colocaram fogo nas colunas da casa. Ainda hoje, jogam constantemente pedras nas telhas. Até dezembro do ano passado, ela nunca tinha feito uma denúncia ou registro de ocorrência na delegacia. Mas, daquela vez, explodiram uma bomba no relógio de luz do terreiro enquanto ocorria uma cerimônia religiosa. ‘‘Tinha muita gente, muitos filhos aqui na casa, tinha criança, mulher grávida, e a explosão foi assustadora, naquele momento da explosão a gente não tinha noção do que estava acontecendo’’.

Ela foi à delegacia da Posse (58º) para relatar o caso. ‘‘Para minha surpresa, fui muito bem atendida e foi registrado como intolerância religiosa, foi uma vitória, cheguei aqui feliz porque tinha conseguido fazer isso’’. Um inspetor de polícia visitou a casa no dia seguinte. ‘‘O caso não foi adiante, não houve uma investigação até o fim’’, conta. Depois do episódio, ela resolveu colocar duas câmeras na frente do terreiro, o que inibiu as agressões.

Pai Márcio Virginio também precisou colocar uma câmera no quintal de seu terreiro, na Penha, Zona Norte no Rio de Janeiro, para identificar os autores das pedradas e restos de lixo que são frequentemente jogados na Casa de Candomblé. A Casa está aberta há três anos e, a partir do segundo ano, os ataques começaram em dias certos, segunda-feira e sábado – sempre em momentos de cerimônia. ‘‘As pedras vêm do prédio do lado, sendo que a câmera não é tão boa, então vou gastar mais dinheiro pra comprar uma câmera melhor.’’ Além de quebrar partes do telhado, os agressores já quebraram uma imagem do Caboclo, orixá cultuado na casa. ‘‘Quando a gente vê uma imagem de santo quebrada eu fico pra baixo, porque é a casa do nosso sagrado.’’

Foi necessário colocar lona na parte aberta do quintal para que as pessoas não fossem atingidas pelas pedras no momento das cerimônias religiosas. ‘‘Minha casa tem muitos idosos, gente que vem com cadeira de roda. A pessoa já chega com medo’’.

Pai Márcio foi até a delegacia quando as agressões começaram a ficar mais frequentes. “Na primeira vez não abriram o boletim de ocorrência. Só na segunda vez’’. Ele conta que foi pelo menos 20 vezes à delegacia para fazer mais denúncias. “Não fizeram nada”, diz.

Os defensores da liberdade religiosa veem uma ligação entre a inação da polícia e o preconceito. Ivanir dos Santos argumenta que um passo ainda pendente seria a instituição do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, segundo a Lei 10639. A culpa é, também, do desconhecimento.  “Não adianta colocar a conta só nos neopentecostais porque não são só eles. Para a sociedade brasileira nós somos feiticeiros, macumbeiros e do mal”, resume.

No dia 27 de setembro, o Supremo Tribunal Federal autorizou ensino religioso confessional nas escolas públicas – ou seja, as aulas podem seguir os ensinos de religiões específicas. Para Ivanir dos Santos, o efeito da ação será aumentar a discriminação e a perseguição às religiões afro-brasileiras. “Isso é referendar o papel da igreja como elemento do estado, isso é igualzinho na Colônia e no Império’’, comenta. Jayro concorda que o ensino religioso reforça a dualidade entre o bem e mal. ‘‘As igrejas se sentem detentoras do bem, não só da alma, mas da vida social. Então o ensino religioso nas escolas é um incentivo a essa dualidade’’, comenta.

Sem conhecer a religião, é difícil à sociedade entender a seriedade desses ataques. Na visão de mundo africana, o assentamento dos orixás é uma espécie de ‘‘extensão do seu eu’’, da própria existência, explica o professor Jayro. “A violência é muito mais vigorosa do que a gente imagina’’. Desrespeitar as lideranças religiosas e os símbolos representativos de matriz africana, diz ele, é entendido como uma forma de expulsão. Para muitas pessoas, depois da destruição, é necessário se reconstruir em outro espaço físico.

Para se reconstruir, Mãe Merinha contou com um mutirão de voluntários a limpar, fisicamente, a sua casa varrida pelas chamas. Agora, prepara o ritual de limpeza religiosa, com direito a preces para os Pretos Velhos. “Passamos por um momento de grande intolerância religiosa em nosso país, que a cada dia se agrava mais. Não sei se é de conhecimento de todos, mas o nosso espaço infelizmente também veio a fazer parte dessa estatística de ódio”, escreveu aos seus filhos.


Mãe Merinha olha as roupas de santo queimadas (Foto: Dado Gadieri e Pilar Olivares/Hilaea Media)


Um passado que volta

Em vários momentos da história brasileira, as religiões de matriz africana, cuja essência teológica e filosófica é baseada nos valores civilizatórios negroafricanos, sofreram repressão e foram tratadas como práticas primitivas e profanas. Até a Constituição Imperial, promulgada em 1824, que concedeu certa liberdade de culto aos não-católicos, foram alvo de perseguição do estado e consideradas criminosas. Neste período, os negros-africanos escravizados só podiam cultuar as divindades secretamente. A liberdade religiosa só passou a ser considerada um direito fundamental com a Constituição de 1988.

‘‘Hoje, o que o neopentecostalismo faz com os terreiros, a Igreja Católica fez na Colônia e no Império. A destruição dos terreiros tem essa lógica, de um passado que se presentifica’’, comenta o professor Jayro de Jesus.

Os mais de 130 anos de história do terreiro Ilè Așé Opò Afonjá, o mais antigo do Rio de Janeiro, revelam a resistência do Candomblé. Dois anos antes da abolição da escravatura, em 1886, mãe Eugênia Ana dos Santos, a mãe Aninha, se mudou de Salvador para a região portuária e se instalou na Pedra do Sal. Após a abolição, a repressão continuava, e polícia fazia prisões asseguradas pela Lei da Vadiagem.

A Lei punia a manifestações negro-africanas, como a capoeira, o samba e as práticas religiosas. ‘‘Hoje, eles vão mudando de lugar para preservar esse culto, assim como lá dentro da senzala’’, explica Sandra Brandão, 47 anos, pedagoga e Presidente da Sociedade Civil do Ilè Așé Opò Afonjá do Rio – nome que significa Casa de Força Sustentada por Xangô.

A Casa passou por diversos locais antes de se instalar em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, para fugir da intolerância religiosa. ‘‘O objetivo era se afastar dos grandes centros’’, conta a neta de Edgard Brandão, que veio de Salvador com mãe Aninha. ‘‘E mesmo nesse endereço que estamos hoje, também existia essa intolerância. Tenho uma tia biológica de 89 anos que conta que quando criança, as crianças brincavam na frente da casa pra fazer barulho pro candomblé poder tocar atrás pra polícia não coibisse essa manifestação.’’ As prevenções continuam. Sandra diz que principalmente os mais idosos estão amedrontados – e que o medo já causou um efeito psicológico. “Quando a gente faz as práticas religiosas, a gente fala, olha o portão, tem que estar fechado’’, conta.

A maioria das Casas de Candomblé antigas no Rio de Janeiro continuam na Baixada Fluminense, como o Terreiro Alákétú e a Casa Branca. Mãe Beata de Iemanjá seguiu o mesmo caminho: foi de Salvador para o Rio em 1969 e fundou em 1985 o terreiro Ilê Omiojuarô, em Miguel Couto, Nova Iguaçu. Reconhecida pela militância em diversas causas, entre elas a liberdade religiosa, Mãe Beata morreu em maio deste ano em Nova Iguaçu, onde ‘‘encontrou seus laços, suas redes bem tecidas de apoio da população negra de terreiro’’, conta Pai Adailton, filho biológico de Mãe Beata de Iemanjá.  

NOTA

 SEPLIR - Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial

INFOPEN -  Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias




MAIS VIOLÊNCIAS



Centros religiosos de matriz africana em MG sofrem com ataques


VICE BrasilCarla Castellotti · 01/11/2017

A prática de religiões de matriz africana em Minas Gerais está sendo ameaçada graças à intolerância religiosa. Dos casos apurados pelo O Beltrano, o mais recente ocorreu no dia 24 de outubro, quando a Casa Espírita Império dos Orixás Nossa Senhora da Conceição e São Jorge Guerreiro, na cidade de Mário Campos, foi destruída por um grupo de quatro homens liderado por um policial militar reformado. Além de armados, inclusive com uma motosserra, eles destruíram imagens e ameaçaram de morte os religiosos.

No dia seguinte, três homens, entre eles um pastor evangélico, retomaram as ofensas e agressões na mesma casa. A Polícia Militar (PM) foi acionada e um umbandista foi levado à delegacia depois de jogar uma pedra contra os homens. Enquanto isso, os acusados cortaram os serviços de água e luz do terreiro. A prefeitura local investiga as ações do pastor, que está com uma tramitação para construir uma igreja evangélica no lugar do terreiro.

Em junho, em Santa Luzia, região metropolitana da capital mineira, o Centro Espírita Candomblé Ilê Axé e Sangô recebeu um mandato judicial do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) que impõe restrições à prática religiosa. O mandato foi resultado de reclamações por parte dos vizinhos contra o barulho das manifestações do terreiro.

No mesmo mês, O Beltrano também divulgou quando um sargento evangélico da PM invadiu um terreiro armado e ameaçou uma mãe de santo. Após a decisão do MP-MG, das ameaças e ataques, praticantes e membros de comunidades religiosas de matriz africanas protestaram contra a intolerância religiosa em Belo Horizonte.


O Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB), com sede em BH, presta assistência aos religiosos de umbanda e candomblé. A associação está acompanhando os casos sofridos pelos terreiros na Justiça.

sábado, 9 de setembro de 2017

DEUS E O DIABO NA TERRA DE JÓ (JOB)


A TEOLOGIA DO SOFRIMENTO

JOB

JÓ TENTADO POR DEUS E PELO DIABO, NO FINAL A VITÓRIA DE JÓ


Desde que há homens e que eles pensam, idéias religiosas





Jó, quem o tentou?

A Onipotência em meio à tempestade contra o verme humano esmagado e rastejante

Salma Ferraz







Resumo: O presente artigo pretende discutir alguns aspectos do polêmico Livro de Jó, do Antigo Testamento: quem tentou realmente Jó? Quem foi tentado no Livro de Jó? Quem é o vencedor e quem é o perdedor no livro de Jó? Como Camões, Miguel Torga e Saramago vêem o drama do sofrimento de Jó?

* Profª Adjunta de Literatura Portuguesa no Departamento de Língua e Literaturas Vernáculas (DLLV) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Membro da Associa- ção Latino Americana de Literatura e Teologia (ALALITE); Coordenadora do Núcleo de Estudos Comparados entre Teologia e Literatura (Nutel), com sede na UFSC. E-mail: salmaferraz@gmail.com




1. Jó: a teologia do sofrimento O Livro de Jó é um dos livros mais sensivelmente filosóficos de todo o Antigo Testamento porque tenta responder a uma difícil pergunta: afinal, quem é o responsável pela existência do mal? Trata-se na realidade de uma espécie de big brother celestial. Deus provoca Satanás – o qual nesse livro é identificado como “um dos filhos de Deus” que frequentava o céu com muita intimidade e liberdade - para uma disputa, na qual os dois observariam tudo do camarote.

Jung, em Resposta a Jó (2001, p. 16), afirma que “Satanás talvez seja um dos olhos de Deus que perambula sem rumo certo pela terra”. Jó vai duas vezes para o paredão sem clemência alguma. Na primeira, Deus permite que Satanás tire tudo que ele tem: fazendas, filhos, servos, bens, e Jó vence o Diabo. Não satisfeito, Deus pela segunda vez o envia para a beira do abismo e permite que Satanás toque em sua carne, mas Jó não renega a Deus e triunfa novamente. A alma de Jó é oferecida numa bandeja para Satanás, há um pacto entre Deus e Satanás, e não seria exagero dizer que o mito de Fausto, muito antes de Marlowe, Shakespeare, Goethe, Tomas Mann, Paul Valéry, Guimarães Rosa, nasceu aqui, com uma diferença: Jó não sabia de pacto algum.

 Dezenas de livros e teses já foram escritas sobre Jó e a partir delas nos permitimos fazer algumas considerações. O Livro de Jó consiste em uma teologia do sofrimento, pois nele, pela primeira vez, o caráter e a justiça de Deus são questionados por um pobre mortal que sofre muito além de suas forças. Em verdade o confronto não se dá entre Satanás e Jó, mas sim entre Deus e Jó, uma vez que Satanás é apenas um instrumento para realizar a vontade de Deus. Aqui se acentua o caráter destrutivo de Javé.

Jó questiona a justiça divina e Deus não responde ao que ele pergunta, considera isso uma ousadia, sente-se embaraçado e o esmaga, mostrando não sua justiça, mas seu poder, com discurso arrasador. Se Deus era onisciente, por que provocou Satanás? Afinal, nem este pode ser tentado além do que pode resistir... Retomamos nossa ideia, anteriormente já exposta: essa aposta funda o pacto e o mito de Fausto, enfim, revela-nos um mundo regido por dois deuses orgulhosos, e a partir daí o caráter nada santo do Senhor Deus.

Com o desenvolvimento dos estudos comparados entre Teologia e Literatura, muito se tem escrito sobre Deus, Madalena e o Diabo como personagens literários, sem desconsiderar a importância destes 75 no campo da Teologia.

Jó não poderia ficar de fora.

Também sobre ele, um dos mais instigantes personagens da Bíblia, muito se tem escrito. Iniciemos nossas considerações com Jack Miles que, em seu livro Deus, uma Biografia, dedica o capítulo Confronto para tratar da epopeia de Jó.

Deus: o grande tentador e perdedor

Quando inicia seu livro, no qual faz uma leitura pós-crítica ou pós- moderna dos elementos míticos, ficcionais e históricos da Bíblia, Miles (1997, p. 17) já adverte: “É estranho dizer, mas Deus não é nenhum santo.” E é justamente isso que o autor tentará provar no capítulo dedicado a analisar o Livro de Jó.

Miles cita Frost, para quem Jó se emancipa de Deus, e Willian Safire, que denomina Jó de primeiro dissidente. Enumeraremos a seguir as várias teses defendidas por Miles acerca do livro de Jó (Miles, 1997, p. 341- 368):

1) O que se questiona fundamentalmente no livro não é questão do pacto, mas sim o verdadeiro caráter de Deus;

2) O livro do Jó constitui uma genuína teologia do sofrimento;

3) O livro revela o lado obscuro do caráter de Deus, o lado demoníaco, perverso e destrutivo de sua personalidade;

4)O embaraço de Deus diante do sofrimento e das perguntas de Jó;

5)A justiça distributiva de Deus (os bons são recompensados e os maus são punidos) não funciona para Jó;

6)Deus considera uma ousadia de Jó pedir satisfação das atitudes divinas, e por isto no meio do redemoinho se enfurece;

7) Se Gênesis revela o lado criador de Javé, o livro de Jó revela seu lado destruidor – portanto o caráter de Deus é ambivalente;

8) Deus é uma presa fácil para Satanás;

9) O discurso de Deus é ineficaz, já que Jó quer saber sobre a justiça divina e Deus responde mostrando sua força e poder;

10) É o Diabo que determina as ações de Deus, Deus não se arrepende explicitamente de suas atitudes, mas ao devolver em dobro os bens de Jó fica implícita uma certa (re)compensação e um certo arrependimento;

11) Na realidade Deus não vence a aposta, mas desiste dela.

Para Miles (1997, p. 346), “apostar faz parte do esporte, e o Senhor foi tentado a fazer uma aposta com o inimigo da humanidade [...] Para nós basta saber que o Senhor foi suscetível às sugestões de um ser celestial hostil ao ser humano.” Assim, conforme esse autor o grande tentado não é Jó, mas sim Deus e, o grande tentador não é Satanás, mas Deus. Deus se transforma em tentado e tentador. Deus se deixa tentar por Satanás, Deus cai em sua armadilha e passa a abusar de Jó. Para o crítico, provocado por um ser demoníaco o lado demoníaco do Senhor aflora de uma maneira espantosa e Deus se torna muito mais um adversário do homem que o próprio Satanás.

Não satisfeito com o tempo normal da partida, na qual Jó vence, Deus aceita a prorrogação. Deus cai na armadilha do Adversário duas vezes. Acrescentamos que talvez Deus fosse à decisão por pênaltis se necessário. Para Miles, O mundo em que ele (autor do livro de Jó) imagina Jó sofrendo é um mundo governado por um deus que faz apostas com o demônio, manipulado e controlado por um demônio.

O lado demoníaco do Senhor Deus, que nunca esteve ausente, tem, de repente, um aliado demoníaco. (Miles, 1997, p. 347). Miles alerta para o fato de que a tradição transformou o empate retórico entre Jó e Deus, numa desequilibrada vitória do Senhor, mas ressalta que esta vitória vem no pior momento, quando o Senhor é parceiro num jogo com o Diabo.

Para o crítico, esta vitória é uma derrota. Termina suas considerações afirmando que Jó é inocente e não tem do que se arrepender. Deus sim tem do que se arrepender, já que foi longe demais ao se deixar, por orgulho, tentar por Satanás e abusar da paciência de Jó. Jó queria o Deus justo e não o Deus trovejador. O silêncio de Jó condena Deus.

Miles afirma ainda que “[...] o diabo é personagem deste livro, personagem em cujas mãos o Senhor entregou o corpo de Jó, ao mesmo tempo entregando-se a si mesmo nas garras morais

Todos os negritos das citações são de autoria da articulista. do Diabo.” (Miles, 1997, p. 361).

O crítico termina esclarecendo que a inocência de Deus nunca mais será a mesma depois de Jó.  

O bingo celestial O escritor argentino Alejandro Maciel corrobora o pensamento de Miles em seu artigo, misto de crítica e ficção, intitulado Job, o la depravación de La Justicia (2007). Maciel afirma que em Jó a observação das leis divinas não lhe garantiu uma vida ditosa, pelo contrário, em seu caso, essa observação mais do que correta das leis funcionou como uma armadilha, já que justamente isto proporcionou uma aposta entre Deus e o Diabo.

A seguir apresentamos as principais colocações de Maciel:

1) É muito estranho que a criatura perversa entre tranquilamente nos céus e faça apostas, negocie com o Altíssimo;

2) Satanás é identificado com um dos filhos de Deus, e tinha franco acesso aos céus, este ambiente lhe era familiar;

3) Parece que a disputa no céu é eterna;

4) Deus e o Diabo jogam um jogo de azar, esclareça-se: de azar para Jó. (

Maciel, 2007. http://alebovino.blogspot.com) Citando Maciel, Pero de repente leemos el Livro de Job donde Satanás y Yaveh apuestan como se estubiesen em el bingo y no em um livro edificante. Si hay algo que se opone a la idea de ordem es la idéia de azar y para nuestra perplejidad en el cielo ordenado también cuenta el azar. (Maciel, 2007).

Para Maciel, se alguém leu Deus, este alguém foi Jó, e no livro deste a justiça divina é completamente depravada, pois Deus aceita jogar um jogo de azar com Satanás e Jó é o mais azarado de todos.

Maciel aponta ainda que “Se Cristo es Dios como afirmam los trinitaristas, la apuesta vuelve a repetirse en el desierto... A quién ofrece el poder temporal sobre la Tierra Don Satanás? A um hombre, abusando de su codicia desmesurada? A Dios, que ya lo tiene? Ignora que Cristo es Dios?...” (Maciel, 2008).

 Homens da face da terra. Alberto Cousté, em sua Biografia do Diabo (1996, p. 158) complementa as idéias de Maciel ao apontar que Jeová não aparece surpreso com a presença de Satanás, pelo contrário, constata uma extrema familiaridade entre os dois, companheiros de antigos e futuros tempos.

Aponta o papel explícito do Diabo como Coadjutor divino e que seu papel é muito mais importante do que a degradação que o Cristianismo operou sobre sua imagem.

Satã – um revisor de Deus A vida do italiano Giovanni Papini (1881 - 1956) nos revela a trajetória de um dos intelectuais mais polêmicos e contraditórios de seu tempo, tendo ele participado de diatribes de toda sorte, sido excomungado e tido dois livros no Index do Vaticano, e concluído seus dias, em 1956, como um católico devoto.

Foi jornalista, crítico, teólogo à sua maneira, poeta e novelista. Seu livro O Diabo foi tema de grandes discussões e controvérsias. Esse livro, publicado em 1953, apresenta na contracapa o subtítulo Apontamentos para uma futura Diabologia.

Em sua obra, Papini elabora uma espécie de Summa Diabológica. Entre tantas outras ideias polêmicas, defende o Anjo Fulminante, afirma que os cristãos nunca foram cristãos para com Lúcifer e que se o sacrifício de Jesus tivesse sido realmente suficiente, Lúcifer estaria perdoado.

Sobre o livro de Jó defende o que ele denomina de três verdades:

1) Deus, na Sua infinita misericórdia conservava uma paterna indulgência a Lúcifer;

2) Satã agia, num certo sentido, como inspector, revisor de Deus em meio dos homens e que Deus escutava benignamente os seus relatos, os seus juízos, as suas acusações55;

3) [...] o Senhor estava pronto, em determinados casos, a conceder a Satã poderes iguais aos seus: tudo o que é possível está em teu poder.

É um privilégio enorme, que o Pai concedeu só ao Filho quanto este encarnou na Terra. (Papini, 1953, p. 80-81). No meio de seu livro, Papini afirma ainda que o Diabo é uma espécie de Anti-Deus, e se Deus se define como Eu sou o que sou, o Diabo deveria definir-se como Eu sou o que não sou.
Eu sou o nada que sou.

 (Papini, 1953, p. 86-87). 5. Jung e sua Resposta a Jó: a onipotência contra o verme humano semi-esmagado Não poderíamos passar por Jó sem analisar Carl Gustav Jung e sua Resposta a Jó (2001). Já na introdução o autor adverte que o Livro de Jó pode reduzir o leitor a pedaços, alerta para o caráter inefável, transcendente e metafísico da Fé, do Numinoso, do mistério tremendo, e que estes fundamentos emocionais são inacessíveis à razão crítica.

Esclarece que analisa Jó do ponto de vista de um médico que perscruta as profundezas da alma humana, portanto analisa o enredo subjetiva e emocionalmente. Elencamos a seguir suas principais teses sobre Jó:

1) Deus, colérico e ciumento, mostra-se excessivo em suas emoções, portanto amoral e selvagem;

2) Jó é aniquilado e transforma-se não mais num homem, mas num verme rastejante;

3) O Deus de Jó não se preocupa com julgamentos morais, possui os atributos do bem e do mal, parece mais um Deus grego do que hebraico, e está preocupado com poder e não com justiça;

4) Deus em Jó não gosta de críticas;

5) Javé cede às tentações de Satanás com espantosa facilidade, deixa-se aliciar por Satanás, mostrando-se inseguro em relação à fidelidade de Jó;

6) São completamente obscuros os reais motivos que levaram Deus a fazer uma aposta com o Satanás;

7) O estreito parentesco existente de Deus e do Diabo;

8) Deus dependendo da opinião de um mísero vaso de terra: o humano Jó;

9) A batalha é monstruosamente desproporcional: a onipotência em meio à tempestade contra o verme humano esmagado e rastejante;

10) Jó foi submetido a um ato de violência sobrehumana;

11) Ao final do episódio Jó passa a conhecer Deus  mais do que Deus;

12) Jó é um espelho cruel para Deus;

13) Não é Satanás quem perde a aposta, não é Deus quem vence, é Jó quem derrota Deus;

14) Deus precisa da opinião de Jó sobre ele, precisa que Jó reconheça seu poder, e esta importância dada a Jó o transforma quase num deus, pois Jó é elevado à condição de juiz da divindade;

15) Deus, ao humilhar Jó, o exalta, e Jó, ao exaltar Deus, o humilha. (Jung, 2001)

Pó e cinza contra um Deus cósmico Moshe Greenberg, no capítulo intitulado Jó, do livro Guia Literário da Bíblia (1997) afirma que Jó, ao mesmo tempo paciente e impaciente, é o porta-voz de todos os desgraçados da terra. Primeiramente analisa Jó do ponto de vista estrutural: a narrativa poética, a prosa e a poesia, o monólogo interior, os diálogos, a ironia e o sarcasmo dos discursos de Jó.

Depois parte para a análise da temática do livro, e explora as seguintes questões:

1) Os sofrimentos de Jó resultam de uma aposta e ele não entende por que está sofrendo;

2) A completa falha da chamada justiça distributiva de Deus, já que aqui os bons não são recompensados, pelo contrário, sofrem além do humanamente possível;

3) A linguagem é carregada de termos jurídicos e parece que Jó, Deus e Satanás se encontram num tribunal;

4) A assombrosa e desnecessária exibição de força por parte de Deus;

5) Os amigos de Jó são rabugentos, querem que ele peça perdão a Deus, e isto multiplica os sofrimentos de Jó;

6) O sarcasmo, a cólera, a lamentação e o desespero se alternam e se mesclam no discurso de Jó;

7) Jó reivindica a justiça divina e Deus mostra-lhe sua força;

8) Deus caprichosamente molesta Jó;

9) Jó sofre tanto que se transforma num bipolar, seus discursos vão da euforia extrema ao clímax da depressão;

10) Em seus imensos solilóquios, Jó quer saber onde está a sabedoria divina e não obtém resposta;

11) Ocorre no livro de Jó uma aliança às avessas, é o homem acusando Deus e não mais Deus acusando Israel;

12) Jó quer que o litigante Deus apresente uma nota de acusação contra ele;

13) Quando Deus fala, se defende;

14) No discurso de Deus, diferentemente do que aparece em Gênesis, o homem é um mero detalhe da criação, apenas uma criatura em meio a tantas outras, e ao fazer isto o autor do livro rejeita o caráter antropocêntrico do restante do Velho Testamento;

15) Em seu discurso Deus aponta a impotência, a ignorância de Jó, que como um verme não pode questionar Deus nem o caráter exótico de toda criação;

16) O que fica claro no discurso divino é que nenhum homem pode entender Deus, já que ele é inescrutável (Greenberg, 1997, p. 305-326). Greenberg termina sua análise afirmando que Jó é pó e cinza, e Deus é cósmico, inescrutável e imperscrutável.

Jó na Literatura Portuguesa:

 Camões, Miguel Torga e Saramago O primeiro poeta português a mencionar Jó em seus poemas foi o grande vate Camões (1520-1580), escritor de Os Lusíadas e de centenas de sonetos, além de vasta obra teatral. Mantendo constante diálogo com a Bíblia em vários de seus sonetos, reapropriou-se da matéria bíblica, quer fosse parodiando, quer fosse dando uma nova luz ao episódio bíblico e, assim, Camões não poderia ter deixado Jó de fora de sua lírica, conforme podemos observar no soneto a seguir, tipo de poema com forma fixa que se caracteriza pela extrema concisão:

O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.
A luz lhe falte, o Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!

(Camões, 1980, p. 84) Camões cita textualmente, no primeiro verso do Soneto, a primeira frase do discurso bíblico de Jó, capítulo 3, versículo 3: Pereça o dia em que nasci. A respeito dessa intertextualidade, Vitor M. Aguiar e Silva, em sua obra Maneirismo e Barroco na poesia Lírica Portuguesa (1971, p. 275), afirma que “nenhum poeta, porém, logrou exprimir como Camões os paradoxos da dor que explode em gritos, a angústia de uma existência despedaçada, a melancolia de um viver sem lume de esperança.

” E quem mais Camões poderia tomar como exemplo de dor e angústia do que Jó? O soneto sintetiza o discurso desesperado daquele que teve a vida mais desgraçada que jamais se viu.

Miguel Torga57 (1907-1995), pseudônimo de Adolfo Correia Rocha, foi um dos grandes escritores portugueses do século XX. Estudou em seminário, tinha familiaridade com os textos bíblicos e acabou se formando em medicina. Colaborou na Revista Presença, que agregava.

 Apresenta 14 versos, sendo 2 estrofes de quatro versos (quartetos) e 2 estrofes de 3 versos (tercetos). Esta é a forma do soneto italiano/petrarquiano. Adolfo Correia Rocha autodefine-se pelo pseudônimo que criou, “Miguel” e “Torga”. Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno. Já Torga é a designação nortenha da urze, planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho. Em torno de si escritores modernistas de Portugal, depois rompeu com os modernistas, e foi preso várias vezes por suas ideias políticas.

De sua imensa obra de caráter humanista nos interessa O outro livro de Jó, publicado em 1936. Os capítulos se dividem em Lamentações: Primeira Lamentação, Segunda Lamentação etc. Torga concede a Jó o direito se lamentar, sem ter que dialogar ou replicar com ninguém, conforme podemos observar nestes trechos da segunda e terceira lamentações:

Segunda Lamentação (...)
Por tão pouco Mudaste o saibo de Pão e a cor do Vinho E cobriste o meu caminho De tojos e de sombras de pavor! (...) Por tão pouco Dos bens que tinha nem um só deixaste, nem um só!... Por tão pouco Com tua ordem e por teu orgulho, tocou-me Satanás com sua mão; e diante de ti as chagas supuraram, e as moscas me devoraram, e os meus gritos te chamaram em vão!... (...) Por tão pouco Sai de minhas cinzas o que sou: O Homem do Bem e do Mal Que nunca pôde valer Ao esqueleto descarnado Que está no chão desenhado A apodrecer...

Terceira Lamentação Injustamente, Senhor, injustamente A fúria do teu açoite Me corta pela raiz...  (...) Eu ainda não era o Homem, e tu já eras o Deus... (...) Não tenho culpa de a Obra Cair, por causa da Cobra Das tuas mãos sem firmeza Interessante também observarmos que O outro livro de Jó termina com um poema denominado Mensagem: Agora, que eu dei provas de humildade cantando o teu corpo velho, agora, que te beijei, que me despi no teu quarto, agora não ouças a minha voz porque não falo contigo... (Torga, 1958, p. 29-37):

Humanista radical, Torga defende o homem como criação máxima da natureza. Para Torga os deuses são indignos de qualquer louvor, se há algum deus que merece ser engrandecido esse deus é o homem: [...] hinos aos deuses, não os homens é que merecem que se lhes cante a virtude bichos que cavam no chão actuam como parecem sem um disfarce que os mude.

Saramago, em seu Evangelho segundo Jesus Cristo (1991) faz, além da revisão dos Evangelhos, uma releitura profana e carnavalizadora de diversos episódios do Antigo Testamento. Sobre Jó, na mesma direção dos escritores Camões e Miguel Torga, dos críticos Miles e Maciel, o autor ironicamente revê a trajetória do miserável leproso: [...] ou o Senhor já teria mandado castigo, sem pau nem pedra, como é seu costume, haja vista o caso de Job, arruinado, leproso, e mais sempre havia sido varão íntegro e recto, temente a Deus, a sua pouca sorte foi ter-se tornado em involuntário objecto de uma disputa entre Satanás e o mesmo Deus, cada qual agarrado às suas idéias e prerrogativas.

E depois admiram-se que um homem desespere e grite, Pereça o dia em que nasci e a noite em que fui concebido, converta-se ele em trevas, não seja mencionado entre os dias do ano nem se conte entre os meses, e que a noite seja estéril e não se ouça nela nenhum grito de alegria, é verdade que a Job o compensou Deus restituindo-lhe em dobro o que em singelo lhe tirara, mas aos outros homens, aqueles em nome de quem nunca se escreveu nenhum livro, tudo é tirar e não dar, prometer e não cumprir. (Saramago, 1991, p. 133-134, negrito nosso).

Observamos que o discurso do narrador saramaguiano cita textualmente o discurso bíblico de Jó 3:3. Parece que os inescrutáveis desígnios de Deus apontados pelos teólogos não foram bem entendidos nem pelos críticos até aqui citados, nem pelos autores de literatura portuguesa: Camões, Torga e Saramago.

Por tão pouco O imenso discurso de Deus de nada serve. O silêncio de Jó é o silêncio dos vencedores e o silêncio de Deus é o silêncio dos perdedores. A partir de então Deus não fala mais no restante do Antigo Testamento. E a pergunta “Mas onde se achará a sabedoria?” formulada em Jó 28:12 continua sem resposta. Como pode ser o livro de Jó um livro que contém sapientia?

No meio da Bíblia tinha uma pedra, tinha o Livro de Jó. No meio do caminho de Jó ele topou com uma pedra, ou melhor, uma montanha cósmica: Deus. Se até antes do Livro de Jó o homem buscava Deus nas montanhas, nesse livro Deus desce a terra no meio do redemoinho para buscar o homem. Mas, no meio do caminho de Deus, também tinha uma montanha: Jó.

Apesar de todo o discurso defensivo de Deus no meio do redemoinho, ao final permanece um silêncio inquietador: o silêncio de Deus, o silêncio de Jó, o silêncio de todos nós... O livro de Jó revela um sedutor e perigoso jogo, um jogo labiríntico de espelhos e sombras.

Quem afinal espelha quem? A pergunta sobre quem é responsável pelo mal continua, continua sem resposta, não sabemos quem é espelho e quem é sombra...


Referências
AGUIAR E SILVA, Vitor M. Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa. Coimbra: Centro de Estudos Românicos, 1971. ALTER, Robert; KERMOND, Frank. Jó. Trad. Gilson César Cardoso de Souza. In: Guia Literário da Bíblia. São Paulo: UNESP, 1997. CAMÕES. Lírica, Redondilhas e Sonetos. Introd. Geir Campos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1980. COUSTÉ, Alberto. Biografia do Diabo: O Diabo como a sombra de Deus na História. Trad. Luca Albuquerque. Rio de Janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1996. GREENBERG, Moshe. Jó. In: Guia Literário da Bíblia. São Paulo: UNESP, 1997. JUNG, C. G. Resposta a Jó. Trad. Pe. Dom Matheus Ramalho Rocha. 6ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001. MACIEL, Alejandro. Job o la depravación de la justicia. Disponível em: . Acesso em 02 jun. 2008. MILES, Jack. Confronto. In: Deus: Uma biografia. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. NEGRI, Antonio. Jó, a força de um escravo. Trad. Eliana Aguiar. São Paulo: Record, 2007. PAPINI, Giovanni. O Diabo: apontamentos para uma futura Diabologia. Trad. Fernando Amado. Lisboa: Livros do Brasil, 1953. QUEIROZ, Júlio de. O Preço da Madrugada. Florianópolis: Insular, 2007. SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo. São Paulo: 89 Companhia das Letras, 1991. SOUSA, Fewrimar Dantas. O Livro de Jó na poética de Hilda Hilst e Adélia Prado. Disponível em: . Acesso em 02 jun. 2008. TORGA, Miguel. O Outro livro de Job. 4ª ed. Coimbra: 1958.