Palestra
proferida por Tomaz Passamani no 22º Encontro da Nova
Consciência na cidade de Campina Grande, Paraíba, Brasil.
Membro da Academia de Livres Pensadores da Paraíba (ALPP)
Com frequência uma mesma palavra pode ter
significados diferentes para pessoas diferentes. Isso gera problemas de
comunicação e desentendimentos. Acredito que esse também seja o caso da palavra
“ciência”. Acredito que a imensa maioria ou quase totalidade das pessoas têm
uma visão distorcida ou ingênua do que é ciência. Acredito que muitas pessoas
usam a palavra “ciência” quando não deveriam usar. Acredito que, infelizmente,
muitos acadêmicos, doutores e intelectuais não possuem uma visão completa,
inteira e imparcial do que é ciência; mas sim possuem uma visão fragmentada,
incompleta e parcial. Eu mesmo com certeza tenho uma visão de ciência que não é
completa! Precisarei refletir muito ainda sobre a ciência e sobre o processo de
se fazer ciência para um dia ter uma visão mais completa e imparcial do que é
ciência!
A
minha visão de ciência é muito similar ao próprio método científico! Para mim a
ciência é a melhor ferramenta já inventada para entendermos como o mundo
funciona! A ciência é uma empreitada colaborativa que atravessa as gerações!
Para mim a ciência é um modo de pensar, uma forma de questionar ceticamente a
natureza! A ciência substitui o preconceito particular pela evidência
publicamente verificável.
Vamos
explanar sobre algumas distorções comuns associadas a ideia de ciência e
questionar se essas visões distorcidas poderiam fazer com que pessoas
produzissem discursos contra a “ciência”.
Uma
das visões distorcidas de ciência é considerar ciência como sendo um corpo de
conhecimentos imutável e produzido apenas na mente de pessoas geniais. O ensino
tradicional de ciências e os meios de comunicação de massa são fontes de visões
distorcidas da ciência.
O
ensino tradicional de ciências enfatiza sempre o produto final da atividade
científica, apresentando-o como dogmático, imutável e desprovido de suas
determinações históricas, político-econômicas, ideológicas e socioculturais.
Realçam
sempre um único processo de produção científica, o método empírico-indutivo, em
detrimento da apresentação da diversidade de métodos de produção do
conhecimento científico. Introduz ou reforça equívocos, estereótipos e
mitificações com respeito às concepções de ciência e tecnologia.
A
apresentação da evolução histórica das ciências naturais permite ao estudante
perceber que as ciências estão em constante evolução, e que o conhecimento é
construído gradativamente.
Geralmente,
nos livros didáticos, o conhecimento científico é apresentado como algo pronto,
acabado, no qual o cientista surge como uma figura estereotipada, de cabelos e
jalecos brancos, com respostas para todos os problemas, sem dúvidas ou
dificuldades no seu trabalho.
Entretanto,
ao lançar um olhar sobre a história da ciência, pode-se perceber o quanto a
compreensão da história das ideias pode auxiliar a entendê-las e como a
construção do conhecimento é complexa, sem ser livre das mais diferentes interferências.
A
Ciência não tem respostas definitivas para tudo! A principal característica
desta é a possibilidade de ser questionada e de se transformar!
As
ciências naturais não devem ser vistas como as ciências dos conceitos e
equações já estabelecidas e, por isso, consideradas verdades absolutas.
Quem
afirma que a Ciência deseja e conspira para ser uma verdade absoluta tem
grandes chances de ter uma visão distorcida de ciência!
A
história das ciências nos apresenta uma visão a respeito da natureza da
pesquisa e do desenvolvimento científico que não costumamos encontrar no estudo
didático dos resultados científicos. Os livros científicos didáticos enfatizam
os resultados aos quais a ciência chegou mas não costumam apresentar alguns
outros aspectos da ciência. De que modo as teorias e os conceitos se
desenvolvem? Como os cientistas trabalham?
Quais
as ideias que não aceitamos hoje em dia e que eram aceitas no passado? Quais as
relações entre ciência, filosofia, religião e cultura? Qual a relação entre o
desenvolvimento do pensamento científico e outros desenvolvimentos históricos
que ocorreram na mesma época?
A
história das ciências não pode substituir o ensino comum das ciências, mas pode
complementá-lo de várias formas: o estudo adequado de alguns episódios
históricos permite compreender as inter-relações entre ciência, tecnologia e
sociedade, mostrando que a ciência não é uma caixa isolada de todas as outras
mas sim faz parte de um desenvolvimento histórico, de uma cultura, de um mundo humano,
sofrendo influências e influenciando por sua vez muitos aspectos da sociedade.
Todos conhecem os nomes de Lavoisier, Newton, Galileu, Darwin. Mas o que estava
acontecendo no mundo quando eles desenvolveram suas pesquisas? Não existiu
nenhuma relação entre o que eles fizeram e aquilo que estava acontecendo em
volta deles? É claro que existiu! Mas não costumamos estudar isso, o que
resulta na visão distorcida de que a ciência é algo atemporal, que surge de
forma mágica e que está à parte de outras atividades humanas.
O
estudo adequado de alguns episódios históricos permite perceber o processo
coletivo e gradativo de construção do conhecimento, permitindo formar uma visão
mais concreta e correta da real natureza da ciência, seus procedimentos e suas
limitações. A ciência não brota pronta, na cabeça de “grandes gênios”. Muitas
vezes, as teorias que aceitamos hoje foram propostas de forma confusa, com
muitas falhas, sem possuir uma base observável e experimental. Apenas
gradualmente as ideias vão sendo aperfeiçoadas, através de debates e críticas,
que muitas vezes transformam totalmente os conceitos iniciais. Costumamos dizer
que nossa visão do universo, heliocêntrica, foi
proposta por Copérnico no século XVI. No entanto, existe pouca
semelhança entre aquilo que aceitamos hoje em dia e aquilo que Copérnico
propôs. Também não pensamos como Galileu, por exemplo. A teoria da evolução
biológica que aprendemos hoje em dia não é a teoria de Darwin. A aritmética que
estudamos atualmente não é a aritmética desenvolvida pelos pitagóricos. Nossa
química não é a química de Lavoisier. Nosso conhecimento foi sendo formado
lentamente, através de contribuições de muitas pessoas sobre as quais nem
ouvimos falar e que tiveram importante papel na discussão e aprimoramento das
ideias dos cientistas mais famosos, cujos nomes conhecemos.
Os
estudantes de todos os níveis, seus professores e o público em geral possuem
uma grande variedade de concepções ingênuas, mal fundamentadas e, afinal,
falsas sobre a natureza das ciências e sua relação com a sociedade. Alguns
concebem a ciência como a “verdade”, “aquilo que foi provado”, algo imutável,
eterno, descoberto por gênios que não podem errar. É uma visão distorcida, já
que a ciência muda ao longo do tempo, às vezes de um modo radical, sendo na
verdade um conhecimento provisório, construído por seres humanos falíveis e
que, por seu esforço coletivo, tendem a aperfeiçoar esse conhecimento, sem
nunca possuir a garantia de poder chegar a algo definitivo.
A
reação contra o poder da ciência pode levar a defender uma posição de que todo
conhecimento não passa de mera opinião, que todas as ideias são equivalentes e
que não há motivo algum para aceitar as concepções científicas. Isso também não
é verdade! Essa é outra visão distorcida da ciência!
Quanto
às relações entre ciência e sociedade, há também posições extremas: ou se pensa
que a ciência é algo totalmente “puro”, independente do lugar e da época em que
se desenvolve; ou, no outro extremo, supõe-se que é um mero discurso ideológico
da sociedade onde se desenvolveu, sem nenhum valor objetivo. Não passam de outras visões distorcidas de
ciência! O estudo histórico mostra que nenhuma das duas posições é uma boa
descrição da realidade. A ciência não se desenvolve em uma torre de cristal,
mas sim em um contexto social, econômico, cultural e material bem determinado.
Por outro lado, não é possível explicar os conhecimentos científicos apenas a
partir desse contexto: é necessário levar também em conta os fatores internos
da ciência, tais como os argumentos teóricos e as evidências experimentais
disponíveis em cada momento, em cada época.
Uma
visão mais adequada e bem fundamentada da natureza das ciências, de sua
dinâmica, de seus aspectos sociais, de suas interações com seu contexto, certamente
trará consequências importantes. O trabalho científico deve ser respeitado mas
não venerado, nem desprezado.
Os
meios de comunicação de massa em vez de ajudar a corrigir a visão popular
equivocada a respeito de como se dá o desenvolvimento científico contribui para
reforçar e perpetuar mitos daninhos a respeito dos “grandes gênios”, sobre as
descobertas repentinas que ocorrem por acaso, e outros erros graves a respeito
da natureza da ciência. Os equívocos se propagam através das revistas científicas
populares, dos jornais, da televisão, da internet, penetram nas salas de aula,
são aprendidas e repetidas por outras pessoas. Muitos autores de livros
científicos, mesmo com as melhores das intenções, introduzem informações
completamente errôneas sobre história da ciência. Não se tem como transformar
em “àgua com açúcar” a complexidade histórica real.
Tais
erros passam a visão distorcida que a ciência é feita por grandes personagens;
que a ciência é constituída a partir de eventos ou episódios marcantes, que são
as “descobertas” realizadas pelos cientistas; que cada alteração da ciência
ocorre em uma data determinada e que cada fato independe dos demais e pode ser
estudado isoladamente.
É
claro que tais pressupostos são insustentáveis. Quem conhece realmente a
história da ciência sabe que as alterações históricas são lentas, graduais,
difusas; são um trabalho coletivo e não individual ou instantâneo dos “grandes
gênios”, é difícil ou impossível caracterizar em uma só frase ou em poucas
palavras o que foi uma determinada mudança científica; e há estreita correlação
entre acontecimentos de muitos tipos diferentes, o que torna difícil isolar uma
“descoberta” e descrevê-la fora de seu contexto.
Muitas
vezes, até mesmo professores universitários não entendem a natureza da ciência.
Ainda há uma crença no método indutivista da investigação científica.
Geralmente, professores que não possuem conhecimento o suficiente sobre
história e filosofia da ciência transmitem uma visão distorcida do
funcionamento da ciência para seus estudantes.
O
estudo cuidadoso da história da ciência pode ensinar muito sobre a natureza da
ciência, mas isso só ocorrerá se forem utilizados exemplos históricos reais e
não as lendas sem fundamento que são repetidas por quem nunca fez pesquisa
histórica.
Outra
falha no ensino de ciências é o uso de argumentos de autoridade para tentar
obrigar à aceitação dos conhecimentos científicos. Invocar uma pretensa certeza
científica baseada em um nome famoso é um modo de impor crenças e de deixar de
lado os aspectos fundamentais da própria natureza da ciência.
Há
uma importante distinção entre conhecimento científico e crença científica. Ter
conhecimento científico sobre um assunto significa conhecer os resultados
científicos, conhecendo de fato como esse conhecimento é justificado e
fundamentado. Crença científica, por outro lado, corresponde ao conhecimento
apenas dos resultados científicos e sua aceitação baseada em crença na
autoridade do professor ou do “cientista”. A fé científica é simplesmente um
tipo moderno de superstição. É muito mais fácil adquiri-la que o conhecimento
científico, mas não tem o mesmo valor.
Há
apenas um caminho para se adquirir conhecimento científico. É necessário
estudar o contexto científico, as bases experimentais, as várias alternativas
possíveis da época, e a dinâmica do processo de descoberta. Apenas desse modo é
possível aprender como uma teoria foi justificada e porque foi aceita. Ao mesmo
tempo, aprende-se muito sobre a natureza da ciência.
Agora
faço a pergunta se seriam essas visões distorcidas de ciência responsáveis por
discursos contra a ciência que infelizmente ouvimos dentro das próprias
Universidades?
É
bem verdade que vieram das Ciências Humanas várias das maiores e mais
importantes tolices contrárias à ciência das últimas décadas: compendiadas em
algo vago chamado de “pós-modernismo”, que foi profundamente criticado pelos
físicos Alan Sockal e Jean Bricmont. São perspectivas extremamente relativistas
que afirmam ser a ciência uma forma de conhecimento tão válida como outra
qualquer; como a religião, a mitologia e o senso comum. Além dessa postura, há
as acusações usuais injustificadas de que a ciência é “branca”, é
“eurocêntrica”, é “burguesa”, é “masculina”, é “cartesiana”, é “positivista”, é
“reducionista”, é “mecanicista”, é “racionalista” - e por aí vai. Essas
afirmações, muitas delas entronizadas como vanguardistas e apoiadas por
governos e periódicos, cumpriram o importante desserviço de desacreditar
perante os “cientistas naturais” os “cientistas humanos”. No caso dos
“pós-modernos”, muitos dos seus problemas advém do uso inadequado de conceitos
das Ciências Naturais nas Ciências Humanas, ou seja, de um falso diálogo entre
estas.
Se
as Ciências Humanas possuem algum problema quanto ao método científico
tradicional, devem buscar seus próprios argumentos para questionar este, não se
valendo de conceitos da Física Moderna. Nem a Mecânica Quântica nem a Teoria da
Relatividade invalidam o método científico tradicional.
TOMAZ PASSAMANI é
Membro da Academia de Livres Pensadores da Paraíba (ALPP)
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