É uma lenda que
atribui poderes divinos a um cálice sagrado, que teria sido usado por Jesus na
última ceia. Essa, porém, é uma versão medieval de um mito que surgiu muito
antes da Era Cristã. Na Antiguidade, os celtas - povo saído do centro-sul da
Europa e que se espalhou pelo continente - possuíam um mito sobre uma vasilha
mágica. Os alimentos colocados nela, quando consumidos, adquiriam o sabor
daquilo que a pessoa mais gostava e ainda lhe davam força e vigor.
É provável
que, na Idade Média, tal história tenha inspirado a lenda
"cristianizada" sobre o Santo Graal. Na literatura, os registros
pioneiros dessa fusão entre a mitologia celta e a ideologia cristã são do
século 12. "As lendas orais migraram para textos de cunho historiográfico,
desses textos para versos e dos versos para um ciclo em prosa", diz o
filólogo Heitor Megale, da Universidade de São Paulo (USP), organizador do
livro A Demanda do Santo Graal, que esmiúça esse tema.
Ainda no final do
século 12, o escritor francês Chrétien de Troyes foi o primeiro a usar a lenda
do cálice sagrado nas histórias medievais que falavam sobre as aventuras do rei
Artur na Inglaterra. A partir daí, outros autores, como o poeta francês Robert
de Boron, no século 13, reforçaram a ligação entre os mitos do cálice e do rei
Artur descrevendo, por exemplo, como o Santo Graal teria chegado à Europa. Foi
Boron quem acrescentou um outro nome importante nessa história: o personagem
bíblico José de Arimatéia. Nos romances de Boron, Arimatéia é encarregado de
guardar e proteger o Santo Graal. Apesar das várias referências cristãs, essas
histórias não são levadas a sério pela Igreja Católica. "O cálice da Santa
Ceia tem o valor simbólico da celebração da eucaristia. Já seu poder mágico é
só uma lenda", diz o teólogo Rafael Rodrigues Silva, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Poderosa ou não, o fato é que essa
relíquia cristã jamais foi encontrada de fato.
A jornada do cálice Romances
medievais contam que, de Jerusalém, ele teria sido levado para a Inglaterra
1. Em Jerusalém,
durante a última ceia com os 12 apóstolos, Jesus Cristo converte o pão e o
vinho em seu corpo e seu sangue - esse sacramento, denominado eucaristia, é um
dos pontos máximos dos rituais cristãos. O cálice usado por Cristo nessa
ocasião é o chamado Santo Graal
2. Após a última
ceia, Jesus é preso e crucificado. Um judeu rico que era seu seguidor, José de
Arimatéia, pede autorização para recolher o corpo e sepultá-lo. Antes, porém,
um soldado romano fere o corpo de Cristo para ter certeza de sua morte. Com o
mesmo cálice usado por Jesus na última ceia, José de Arimatéia recolhe o sangue
sagrado que escorre pelo ferimento
3. Após sepultar o
corpo de Cristo, José de Arimatéia é visto como seu discípulo e acaba preso,
sendo recolhido a uma cela sem janelas. Todos os dias uma pomba se materializa
no local e o alimenta com uma hóstia. Mesmo após ser libertado, Arimatéia decide
fugir de Jerusalém e ruma para a atual Inglaterra na companhia de outros
seguidores do cristianismo. Ele cruza a Europa levando o Graal
4. José de
Arimatéia funda a primeira congregação cristã da Grã-Bretanha, onde se localiza
a atual cidade de Glastonbury. Nos romances medievais, nessa mesma região
ficava Avalon, o lugar mítico que guardaria depois o corpo do rei Artur.
Arimatéia prepara uma linhagem de guardiães do Santo Graal, pois o cálice dá
superpoderes a quem o possui. Seu primeiro sucessor nessa missão é seu próprio
genro, Bron
5. Com o tempo, o
Santo Graal e seus guardiães se perdem no anonimato. Quem tenta reencontrar o
objeto é justamente o rei Artur, que tem uma visão indicando que só o cálice
sagrado poderia salvar sua vida e também o seu reino de Camelot - que ficaria
onde hoje há a cidade de Caerleon, no País de Gales. Leais companheiros de
Artur, os cavaleiros da Távola Redonda saem em busca do cálice, sem jamais
encontrá-lo
Monarca fictício Histórias
sobre o rei Artur se popularizaram no século 12
A cultura celta
foi o ponto de partida não só do mito sobre o cálice sagrado, como também do
personagem que tornou o Santo Graal popular no mundo inteiro. A criação do
lendário rei Artur pode ter sido inspirada num homem de verdade, um líder
celta, que teria vivido na Inglaterra por volta do século 5. Mas foi só a
partir do século 12 que os primeiros textos com as aventuras de Artur e sua
busca pelo Graal fizeram sucesso.
Formas imaginárias O
objeto já foi descrito das mais diferentes maneiras
Simples e
redondo
A primeira vez que
ele aparece num romance medieval é em Le Conte du Graal ("O Conto do Graal"),
do francês Chrétien de Troyes, no século 12. Ele é descrito não como um cálice,
mas como uma tigela redonda e simples
Luxuoso e
talhado
Em outros textos,
que permanecem de autoria desconhecida e são datados entre os séculos 12 e 13,
o Graal aparece na forma de um cálice bastante luxuoso, talhado em 144 facetas
incrustadas de esmeraldas
Divino e
intocável
Em The Queste Del Saint Graal ("A Busca do Santo Graal"),
texto do século 13 creditado ao francês Robert de Boron, o cálice é descrito
como um objeto divino sem forma. Somente alguém puro e casto poderia tocá-lo
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