A Reforma
Protestante havia dividido a Europa
em duas: de um lado, os Estados católicos;
de outro, os protestantes.
A divisão
percorria o próprio Sacro Império Romano: a maior parte dos Estados alemães
setentrionais tornou-se luterana ou calvinista, enquanto os meridionais
continuaram com Roma.
Os príncipes
católicos queriam que fosse garantida liberdade de fé a seus correligionários
mesmo nos territórios dominados pelos reformistas, mas não tinham nenhuma
intenção de conceder a mesma liberdade aos seus súditos protestantes.
Nasceram, assim,
duas coalizões contrárias de Estados: a Liga de Ratisbona (católica), em 1524,
e, dois anos depois, a Aliança de Torgau (protestante). Por vários anos, os
dois partidos se enfrentaram, alternando intransigência e tentativas de
conciliação, até que, em 1530, o imperador Carlos V ordenou que os príncipes
luteranos se submetessem à religião católica. Estes responderam criando a Liga
de Smalcalda, uma aliança político-militar que estabeleceu acordos também com a
França e outras potências hostis ao imperador.
Sucederam-se
trinta anos de guerras e tréguas alternadas, até que, em 1555, Carlos V,
derrotado por uma aliança que reunia a França católica e os Estados reformados,
foi obrigado a fazer um acordo com seus adversários.
Em 1555, Carlos V
e os príncipes reformados firmaram a Paz de Augusta. Pela primeira vez, desde
seu nascimento, tomou forma a ideia de que duas religiões cristãs diferentes
poderiam coexistir no Sacro Império Romano.
O tratado
continha, no entanto, dois princípios restritivos:
1) il cuius
regio eius religio: os súditos de um Estado deviam se adequar à religião de
seu príncipe, fosse ele católico ou protestante, ou, caso contrário, emigrar; e
2) il
reservatum ecclesiasticum: a Igreja Católica renunciaria a reivindicar os
bens eclesiásticos confiscados antes de 1552; em compensação, deveria receber
de volta aqueles subtraídos após essa data (os príncipes trataram de honrar
esse compromisso).
Além disso, os
prelados católicos que se convertessem ao luteranismo teriam de renunciar- a
todos os benefícios e bens que possuíam em virtude de seu cargo, devolvendo-os
à Igreja Católica.
Pouco tempo
depois, Carlos V abdicou, dividindo em dois seu imenso território. O irmão
Fernando I ficou com o Império e a Boêmia; seu filho Filipe II ganhou a
Espanha, os Países Baixos, grande parte da Itália e os territórios do Novo
Mundo.
A caminho da guerra
A paz durou pouco.
Muitos elementos contribuíram para demolir o edifício do Império e revolucionar
a ordem européia:
1) a verve
expansionista dos turcos otomanos, que ameaçavam diretamente os domínios de
família dos Habsburgo e que, no auge de sua expansão, chegaram a sitiar Viena;
2) a revolta dos
nobres dos Países Baixos, que levou, no início do século XVII, ao nascimento de
uma república protestante holandesa independente da Espanha;
(3) as novas rotas
comerciais através do Atlântico em direção às Américas e à Ásia, que favoreciam
nações como a Inglaterra, a Holanda e a França, em detrimento das Repúblicas
Marinaras, deslocadas no Mediterrâneo, que se tornara um mar quase periférico;
4) o aparecimento,
no cenário europeu, de novas monarquias agressivas, como a sueca, que impôs seu
predomínio sobre o Báltico (controlar os mares significava deter as rotas
comerciais e o transporte de matérias-primas);
5) a grave crise
econômica e política da Espanha;
6) o fato de que a
Contra-Reforma, de um lado, e a propagação da Reforma calvinista (sob muitos
aspectos, mais rígida, intransigente e autoritária), de outro, tinham dividido
a Europa em dois blocos contrários. É claro que se tratava de dois grupos internamente
bem diferentes (por exemplo, nanistas), mas isso não impediu que a tendência
geral tenha sido a de procurar alianças, acordos dinásticos, apoios e
interesses comuns, em especial com Estados em que vigoravam crenças religiosas
afins; e
7) uma decisiva
ofensiva diplomática e militar por parte da França para redimensionar o poder
do rival império dos Habsburgo. O cardeal Richelieu e seu colaborador, o frei
José, franciscano bastante ortodoxo, fizeram tudo que estava a seu alcance para
aumentar a duração e a destrutividade do conflito.1
Nem os soberanos
protestantes nem a fé católica na França não hesitariam em se aliar até mesmo
com "o infiel" por definição: o Império Turco Otomano.
A divisão entre
católicos e protestantes corria o risco de criar uma crise na própria sucessão
dinástica dos Habsburgo no governo do Império. Na época, o título de imperador
não passava automaticamente de pai para filho; era conferido por um colégio de
Grandes Eleitores, composto por bispos e grandes senhores feudais católicos,
como o rei da Boêmia, ou protestantes, como o duque da Saxônia e o conde de
Palatinato.
Em 1608, os
Estados do Império se agruparam em duas coalizões opostas: a Liga Católica,
guiada por Maximiliano da Baviera (que, na verdade, defendia mais os interesses
da Santa Sé do que os do imperador), e a União Evangélica, liderada pelo
Eleitor Palatino (que, sendo calvinista, teria sido boicotado pelos príncipes
luteranos)
As divergências
religiosas dariam vida a um conflito assustador com milhões de mortos, comparável
às duas Guerras Mundiais.
A guerra (1618-1648)
O pretexto para
iniciar o conflito foi dado pela Boêmia, onde a maioria da população, protestante,
era oprimida por um monarca católico.
Em 1618, os
boêmios se rebelaram, jogando pela janela do Castelo de Praga os
lugares-tenentes do imperador e chamando em seu socorro o príncipe Palatino.
Entender todos os
interesses econômicos e geopolíticos em jogo e todas as alianças, mudanças de
frente, intrigas e rivalidades internas entre as coalizões opostas em um
conflito que durou trinta anos e que envolveu, de uma maneira ou de outra, toda
a Europa, é algo que vai bem além do objetivo deste artigo.2
Aqui só nos cabe
sublinhar o fato de que praticamente não houve país europeu que não tenha sido
atingido pela guerra durante uma fase ou outra do conflito, direta ou
indiretamente. Além de que o elemento do fanatismo religioso desempenhou um
papel fundamental na longa duração e na dureza do conflito.
Provavelmente, uma
guerra normal para redefinir fronteiras e áreas de influência teria terminado
antes de levar à repetida aniquilação de exércitos inteiros, ao pesado
endividamento de príncipes e reis, à total e deliberada destruição de países
invadidos, quando, pelo contrário, um conquistador teria todo o interesse de que
seus novos domínios fossem ricos e prósperos.
As conseqüências
sobre a população foram quase inimagináveis. Por décadas, exércitos de
dimensões imensas atravessaram os territórios da Europa central, arrasando tudo
que era possível, impondo com a força a própria fé, católica ou protestante, e
queimando tudo para impedir que os exércitos inimigos tivessem provisões. Às
vezes, junto com os saques, eram levados embora também homens e mulheres como
escravos.3
O mais imponente desses exércitos era o de Wallenstein,
que por anos foi capitão a serviço da causa católica. Contando, além dos
soldados, com o séquito de vivandeiros, comerciantes ambulantes, prostitutas e
trabalhadores, calcula-se que seu exército fosse composto de centenas de
milhares de pessoas.
"Seu exército
[...] era o maior e mais bem organizado empreendimento particular já visto na
Europa antes do século XX. Todos os oficiais tinham participação financeira e
obtinham um grande proveito de seu investimento (proveito esse que derivava de
saques); as tropas reunidas em qualquer parte da Europa e incapazes de mostrar
solidariedade eram pagas de maneira irregular, o que levava a uma rápida
substituição da força de trabalho."4
Durante a Dieta
Imperial em Ratisbona, em 1630, os súditos da Pomerânia se apresentaram com uma
petição para o fim da guerra.
"No ano
anterior, os exércitos de Wallenstein espoliaram de tal modo o país que desde
então as pessoas começaram a morrer de fome. Muitos, na verdade, morreram, e os
sobreviventes comiam ervas e raízes, bem como as crianças e doentes, além de
cadáveres há pouco enterrados [...] O imperador e os eleitores ouviram
comovidos os pomerânios, mostraram seu profundo interesse e deixaram as coisas
como estavam.
Dado o sistema político em que viviam e exerciam suas funções,
dada a mentalidade e o sentimento então vigentes nos círculos principescos, não
se podia esperar mais deles. Além disso, durante a Guerra dos Trinta Anos,
nenhum senhor alemão passou fome fosse por um dia [...] A gente comum podia
morrer de fome ou se alimentar, de forma obscena, de carne humana, mas nas
salas de banquete do imperador, dos eleitores e dos bispos o antigo costume
alemão de se empanturrar e de beber nunca foi abandonado. Cheios de bifes e
vinho, os príncipes podiam suportar os sofrimentos dos súditos com grande
força." (Huxley, 1966, p. 242-3.)
A Pomerânia era
apenas o início. Outras regiões do Império, nos anos sucessivos, sofreram uma
"[...] escassez que fez morrer dezenas de milhares de pessoas e
transformou em canibais muitos dos sobreviventes. Os cadáveres, ainda
pendurados, dos malfeitores eram tirados das forcas para que servissem de
alimento nas mesas, e quem houvesse perdido algum familiar recentemente era
obrigado a montar guarda nos cemitérios, para impedir a atividade dos ladrões
de cadáveres" (Huxley, 1966, p. 279).
Muitas vezes,
quando um exército era derrotado, os soldados debandados vagavam a esmo como
animais, procurando desesperadamente algo para comer, e se não encontravam o
que pilhar, morriam às centenas.
A Paz de Westfália
(1648) marcou o fim da guerra. Suécia, França e Brandemburgo obtiveram
importantes cessões territoriais. A Espanha reconheceu a independência da
Holanda. Os príncipes alemães, católicos e protestantes, obtiveram a
independência de fato, enquanto a autoridade imperial se tornava pouco mais que
uma formalidade.
Teoricamente, foi
reconhecido a todos os súditos dos vários principados o direito de professar em
particular a religião que preferissem, mas esta cláusula, por muito tempo,
seria apenas letra morta.
Do ponto de vista
econômico, social e humano, as conseqüências foram desastrosas.
Em 1618, a
Alemanha possuía cerca de 21 milhões de habitantes. Em 1648, a população caíra
para 13 milhões.
"Em um
período em que os índices da população em toda a Europa mostravam um ritmo
ascendente, as terras a oriente do Reno perderam mais de um terço de sua
população em conseqüência dos massacres, da escassez, das privações e das
doenças." (Huxley, 1966, p. 301.)
Algumas das áreas
mais atingidas, como a Boêmia, tinham perdido até 50% da população.
Segundo
Polisensky, levando em conta a alta mortalidade infantil e a baixa expectativa
de vida na época, envolveram-se no conflito não menos de cem milhões de
pessoas! Os pobres sofreram as conseqüências da guerra muitos anos depois que
ela acabou.
O escritor Aldous
Huxley nos dá um vivido retrato daquele período: "No século XVII, não
havia produção em massa de explosivos, e estes não eram muito eficazes [...] Só
se destruiu o que podia ser queimado com facilidade, ou seja, as casas e
principalmente as cabanas dos pobres. Cidades e campos sofriam de modo quase
igual em decorrência da guerra: os habitantes foram espoliados de seu dinheiro
e perderam seu comércio; os camponeses foram espoliados de seus produtos e
perderam suas casas, ferramentas, sementes e animais. A perda de bovinos,
ovinos e suínos foi especialmente grave [...] um patrimônio zootécnico
depauperado requer um tempo bem longo para ser reconstruído. Duas ou três
gerações se passaram antes que naturalmente se preenchessem os vazios deixados
pelas depredações..."
Os exércitos
debandados também representavam um problema. Os "[...] anos de guerra
[...] tinham criado em toda a Europa uma classe de aventureiros das armas, sem
terra, sem casa, sem família, sem nenhum sentimento natural de piedade, sem
religião ou escrúpulo, sem saber nenhum ofício além do da guerra e só capazes
de destruir [...] A desmobilização foi gradual e se estendeu por um dado
período de anos; mas nem assim faltaram confusões, e muitos mercenários nunca
mais voltaram à vida em sociedade, mantendo, como bandidos, rufiões e
assassinos profissionais, o caráter de parasitas adquirido durante os longos
anos de guerra". (Huxley, 1966, p. 270.)
As cidades e os
Estados estavam grandemente endividados com os banqueiros, e essas dívidas
atingiram as populações ainda por muitos anos, sob forma de tributos e
confiscos.
FONTES DE ESTUDO
1. Aldous Huxley, L'Eminenza grigia, Mondadori,
Milão, 1966.
2. Para aprofundamentos, recomendamos a leitura
da obra de Josef Polisensnky, La Guerra dei Trent'anni: da un conflito
locale a una guerra europea nella prima meta del Seicento, Einaudi, Turim,.
1982.
3. Huxley, op.
cit., p. 263.
4. Victor
G. Kiernan, State & society in Europe: 1550-1650, Oxford, Blackwell,
1980.
Bom mesmo é ser muçulmano LOL
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