quarta-feira, 26 de junho de 2013

A INFÂNCIA DE JESUS, SEGUNDO TIAGO


Por não acreditar na parteira que ajudou o parto de Jesus, Salomé, duvidando da virgindade de Maria, põe o dedo na vagina da mãe de Jesus e constata o milagre.



O PROTO-EVANGELHO DE TIAGO

A NATIVIDADE

Este livro, apesar de conhecido como o Evangelho de Tiago ou Proto-Evangelho de Tiago, tem sua autoria desconhecida. Publicado em fins do século XVI, não se sabe exatamente ainda qual a época em que foi escrito, mas os maiores estudiosos dos Livros Apócrifos afirmam que é anterior aos Quatro Evangelhos Canônicos, servindo, em muitos aspectos, como base para estes.

O Proto-Evangelho de Tiago conta a vida de Maria, seu nascimento de Ana e Joaquim, considerados estéreis, de como foi sua educação no Templo até a sua puberdade, como se deu a escolha de seu futuro esposo, José, velho, viúvo e pai de seis filhos: Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia. Continua, narrando a concepção e a virgindade, que se manteve após dar à luz o Salvador, numa caverna. Fala da estrela misteriosa e radiante, que guiou os magos até a caverna e da nuvem de luz que pairou sobre o local, na hora em que o Senhor Jesus nascia.

Narra, também, a participação da parteira que testemunhou a virgindade de Maria, após o nascimento do Senhor E cita o testemunho de uma parteira que constatou a virgindade de Maria após dar à luz.

A INFÂNCIA DE CRISTO SEGUNDO TIAGO

I

Segundo narram as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade dobrada, dizendo:

-         O que sobra, ofereça-o para todo o povoado e o devido na expiação de meus pecados será para o Senhor, a fim de ganhar-lhe as boas graças.

Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem oferecer seus donativos. Rubem se pôs à frente de Joaquim, dizendo-lhe:

-         Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em Israel.

Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel, com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido prosperidade em seu povoado.

Examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como o Senhor deu Isaac ao patriarca Abraão, em seus derradeiros anos de vida.

Joaquim ficou muito atormentado, não procurou sua mulher e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo:

-         Não sairei daqui nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor meu Deus. Que minhas preces me sirvam de comida e de bebida.

II

Ana lamentava-se e gemia dolorosamente, dizendo:

-         Chorarei minha viuvez e minha esterilidade.

Chegou, porém, a grande festa do Senhor e disse-lhe Judite, sua criada:

-         Até quando vais humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito entristecer-te. Toma este lenço de cabeça, que me foi dado pela dona da tecelagem, já que não posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele ao selo real.

Disse Ana:

-         Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do mais, o Senhor já me humilhou em demasia para que eu o use. A não ser que algum malfeitor o haja dado e tenhas vindo para fazer-me também cúmplice do pecado.

Replicou Judite:

- Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o Senhor já te amaldiçoou não te dando fruto de Israel?
Ana, ainda que profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com um toucado, vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali viu um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo:

-         Ó Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de Sara, dando-lhe como filho Isaac!

III

Tendo elevado seus olhos aos céus, viu um ninho de passarinhos no loureiro e novamente lamentou-se dizendo:

-         Ai de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser como terra maldita entre os filhos de Israel. Estes me cumularam de injúrias e me escorraçaram do templo de Deus. Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves do céu, pois elas são fecundas em tua presença, Senhor. Ai de mim! A quem me pareço eu? Não às bestas da terra, pois que até esses animais irracionais são prolíficos ante teus olhos, Senhor. Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem sequer a estas águas, porque até elas são férteis diante de ti, Senhor. Ai de mim! A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra, porque ela também é fecundada, dando seus frutos na ocasião própria e te bendiz, Senhor.

IV

Eis que se lhe apresentou o anjo de Deus, dizendo-lhe:

-         Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos! Conceberás e darás à luz e de tua prole se falará em todo o mundo.

Ana respondeu:

-         Viva o Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou menina, levá-lo-ei como oferenda ao Senhor e estará a seu serviço todos os dias de sua vida.

Então vieram a ela dois mensageiros com este recado:

-         Joaquim, teu marido, está de volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus desceu até ele e lhe disse que o Senhor escutou seus rogos e que Ana, sua mulher, vai conceber em seu ventre.

Tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez ovelhas sem mancha.

Disse ele:

-         Estas serão para o Senhor.

Mandou, então separar doze novilhas de leite, dizendo:

-         Estas serão para os sacerdotes e para o sinédrio.

Finalmente, mandou apartar cem cabritos para todo o povoado.
Ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao vê-lo chegar, pôs-se a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo:

-         Agora vejo que Deus me bendisse copiosamente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e, sendo estéril, vou conceber em meu ventre.

Então Joaquim repousou naquele dia em sua casa.

V

No dia seguinte, ao ir oferecer sua dádivas ao Senhor, dizia para consigo mesmo:

-         Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar a ver o éfode do sacerdote.

Ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do sacerdote, quando este se acercava do altar de Deus, e, não encontrando pecado algum em sua consciência, disse:

-         Agora vejo que o Senhor houve por bem perdoar todos os meus pecados.

Desceu Joaquim justificado do templo e foi para casa. O tempo de Ana cumpriu-se e no nono mês deu à luz.

Perguntou à parteira:

-         A quem dei à luz?

A parteira respondeu:

-         Uma menina.

Então Ana exclamou:

-         Minha alma foi enaltecida - e reclinou a menina no berço.

Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e pôs-lhe o nome de Maria.

VI

Dia a dia a menina ia robustecendo-se. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só no chão, para ver se sustentava-se de pé. Ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço de sua mãe. Esta levantou-se, dizendo:

-         Salve o Senhor! Não andarás mais por este solo, até que te leve ao templo do Senhor.

Fez-lhe um oratório em sua casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura passasse por suas mãos. Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para que a entretivessem.

Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande banquete, para o qual convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. Apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram assim:

-         Ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por todas as gerações.

Ao que todo o povo respondeu:

-         Assim seja, assim seja! Amém!

Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes e estes a abençoaram assim:

-         Ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e outorga-lhe uma bênção perfeita, dessas que excluem as ulteriores.

Sua mãe levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao Senhor Deus, dizendo:

-         Entoarei um cântico ao Senhor meu Deus, porque me visitaste, afastaste de mim o opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo, que é único e múltiplo a seus olhos. Quem dará aos filhos de Rubem a notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó Doze Tribos de Israel: Ana está amamentando!

Tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde havia o oratório, saiu e pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada a ceia, saíram regozijando-se e louvando ao Deus de Israel.

VII

Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. Ao fazer dois anos, disse Joaquim a Ana:

-         Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos.

Ana respondeu:

-         Esperamos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós.

Joaquim respondeu:

-         Esperaremos.

Ao chegar aos três anos, disse Joaquim:

-         Chama as donzelas hebréias que não têm mancha e que tomem, duas a duas, uma candeia acesa e a acompanhem, para que a menina não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus.

Assim fizeram enquanto iam subindo ao templo de Deus. Lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou:

-         O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que, no final dos tempos, manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel.

Fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre a menina, que dançou cativando toda a casa de Israel.

VIII

Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao Senhor Deus porque a menina não havia olhado para trás. Maria permaneceu no templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo.

Ao completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo:

-         Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não chegue a manchar o santuário?

Disseram ao sumo sacerdote:

-         Tu que tens o altar ao teu cargo, entra e ora por ela. O que o Senhor te disser, isso será o que haveremos de fazer.

O sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze sinetas, entrou no Santo dos Santos e orou por ela. Eis que um anjo do Senhor apareceu, dizendo-lhe:

-         Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do povoado. Que cada um venha com um bastão e o daquele em que o Senhor fizer um sinal singular, deste será ela a esposa.

Saíram os arautos por toda a região da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos acudiram.

IX

José, deixando de lado sua acha, uniu-se a eles. Uma vez que se juntaram todos, tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho, à procura do sumo sacerdote. Este tomou todos os bastões, entrou no templo e pôs-se a orar. Terminadas as suas preces, tomou de novo os bastões e os entregou, mas em nenhum deles apareceu sinal algum. Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba saiu dele e se pôs a voar sobre sua cabeça. Então o sacerdote disse:

-         A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor.

José replicou:

-         Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina. Não gostaria de ser objeto de zombaria por parte dos filhos de Israel.

Então tornou o sacerdote:

-         Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele com Datan, Abiron e Corê, de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua rebelião. Teme agora tu também, José, para que não aconteça o mesmo a tua casa.

Ele, cheio de temor, recebeu-a sob proteção. Depois, disse-lhe:

-         Tomei-te do templo. Deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas construções. Logo voltarei. O Senhor te guardará.

X

Os sacerdotes, então, reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do Senhor.
O sumo sacerdote disse:

-         Chama algumas donzelas sem mancha, da tribo de Davi.

Os ministros se foram e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então o sacerdote lembrou-se de Maria, a jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava imaculada aos olhos de Deus. Os emissários foram buscá-la.

Depois de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote:

-         Vejamos qual há de bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e a verdadeira púrpura.

O escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as, foi para casa.
Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por Samuel, até quando pôde falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e pôs-se a tecê-lo.

XI

Certo dia, pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de água. Eis que ouviu uma voz que lhe dizia:

-         Deus te salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres!

Ela olhou a sua volta, à direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz. Tremendo, voltou para casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e pôs-se a tecê-la. Logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela, dizendo:

-         Não temas, Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber por Sua palavra!

Ela, ao ouví-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma:

-         Deverei eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz como as demais mulheres?

Ao que lhe respondeu o anjo:

-         Não será assim, Maria, pois que a virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra. Depois, o fruto santo que deverá nascer de ti será chamado de Filho do Altíssimo. Chamar-lhe-ás Jesus, pois Ele salvará seu povo de suas iniqüidades.

 Então, disse Maria:

-         Eis aqui a escrava do Senhor em Sua presença. Que isto aconteça a mim conforme Sua palavra.

XII

Concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o ao sacerdote. Este a abençoou dizendo:

-         Maria, o Senhor enaltecer seu nome e serás bendita entre todas as gerações da terra.

Cheia de alegria, Maria foi à casa de sua parente Isabel. Chamou-a da porta e, ao ouví-la, Isabel largou o escarlate, correu para a porta, abriu-a e, vendo Maria, louvou-a dizendo:

-         Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para bendizer-se.

Maria havia se esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel lhe comunicara, elevou os olhos aos céus e disse:

-         Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?

Passou três meses em casa de Isabel. Dia a dia seu ventre aumentava e, cheia de temor, pôs-se a caminho de casa e escondia-se dos filhos de Israel. Quando sucederam essas coisas, ela contava dezesseis anos.

XIII

Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas construções e, ao entrar em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então, feriu seu próprio rosto, jogou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente, dizendo:

-         Como é que me vou apresentar agora diante do meu Senhor? E que oração direi eu agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do Senhor e não a soube guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo? Assim como no instante em que ela estava glorificando a Deus veio a serpente e, ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o mesmo me aconteceu.

Levantando-se, José chamou Maria e disse-lhe:

-         Predileta como eras de Deus, como foste capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do Senhor teu Deus? Com pudeste vilipendiar tua alma, tu que te criaste no Santo dos Santos e recebeste alimento das mãos de um anjo?

Ela chorou amargamente dizendo:

-         Sou pura e não conheço varão algum.

Replicou José:

-         De onde, pois, provém o que carregas no seio?

Ao que Maria respondeu:

-         Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não sei como aconteceu.

XIV

José encheu-se de temor, retirou-se da presença de Maria e pôs-se a pensar sobre o que faria com ela. Dizia consigo próprio:

-         Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor. Se a denuncio ao povo de Israel, temo que o que acontecer a ela se deva a uma intervenção dos anjos e venha a entregar à morte uma inocente. Como deverei proceder, pois? Mandá-la embora às escondidas.

Enquanto isso, caiu a noite. Eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, dizendo-lhe:

-         Não temas por esta donzela, pois o que ela carrega em suas entranhas é fruto do Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar seu povo dos pecados.

Ao despertar, José levantou-se, glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido tal graça e continuou guardando Maria.

XV

Por essa ocasião, veio à casa de José um escriba chamado Anás, que lhe disse:

-         Por que não compareceste à nossa reunião?

Respondeu-lhe José:

-         Estava cansado da caminhada e decidi repousar este primeiro dia.

Ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de Maria.

Então, correu ao sacerdote, dizendo-lhe:

-         Esse José, por quem respondes, cometeu uma falta grave.

-         Que queres dizer com isso? - perguntou o sacerdote. Ao que respondeu Anás:

-         Pois violou aquela virgem que recebeu do templo de Deus, com fraude de seu casamento e sem manifestá-lo ao povo de Israel.

Disse o sacerdote:

-         Estás certo de que foi José que fez tal coisa?

Replicou Anás:

-         Envia uma comissão e te certificarás de que a donzela está realmente grávida.

Saíram os emissário e encontraram-na tal qual havia dito Anás. Por isso levaram-na, juntamente com José, ante o tribunal.

O sacerdote iniciou, dizendo:

-         Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a vilipendiar tua alma e esquecer-te do Senhor teu Deus? Tu que te criaste no Santo dos Santos, que recebias alimento das mãos de um anjo, que escutaste os hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?

Ela se pôs a chorar amargamente, dizendo:

-         Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em sua presença e que não conheci varão.

Então o sacerdote dirigiu-se a José, perguntando-lhe:

-         Por que fizeste isso?

Replicou José:

-         Juro pelo Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela.

Acrescentou o sacerdote:

-         Não jures em falso! Dize a verdade! Usaste fraudulentamente o matrimônio e não o deste a conhecer ao povo de Israel. Não abaixaste tua cabeça sob a mão poderosa de Deus, por quem sua descendência havia sido bendita.

José guardou silêncio.

XVI

-         Devolve, pois - continuou o sacerdote, - a virgem que recebeste do templo do Senhor.

José ficou com os olhos marejados em lágrimas. Acrescentou ainda o sacerdote:

-         Farei com que bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de vossos próprios olhos, vossos pecados.

Tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em seguida à montanha, de onde voltou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também à montanha, mas ela voltou sã e salva.

Toda a cidade encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.

Disse o sacerdote:

-         Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei condenar-vos.

Então despediu-os. Tomando Maria, José voltou para casa cheio de alegria e louvado ao Deus de Israel.

XVII

Veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da Judéia.

Disse José:

-         A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonhou-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça a sua vontade.

Selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela. Enquanto um de seus filhos ia à frente, puxando o animal pelo cabresto, José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância de Belém, José virou-se para Maria e viu que ela estava triste.

Disse consigo mesmo:

-         Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo.

Ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo e indagou-lhe:

-         Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?

Ela lhe disse:

-         É que se apresentam dois povos diante de meus olhos: um que chora e se aflige e outro que se alegra e se regozija.

Ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José:

-         Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz.

Ele a ajudou a apear da asna, dizendo-lhe:

-         Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo aberto?

XVIII

Encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado seus filhos com ela, foi buscar uma parteira na região de Belém.

Eis que José encontrou-se andando, mas não podia avançar. Ao levantar seus olhos para o espaço, pareceu lhe ver como se o ar estivesse estremecido de assombro. Quando fixou vista no firmamento, encontrou-o estático e os pássaros do céu, imóveis. Ao dirigir seu olhar à terra, viu um recipiente no solo e uns trabalhadores sentados em atitude de comer, com suas mãos na vasilha. Os que pareciam comer, na realidade não mastigavam, e os que estavam em atitude de pegar a comida, tampouco a tiravam do prato. Finalmente, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para cima.

Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um passo. Estavam paradas. O pastor levantou sua destra para bater-lhes com um cajado, mas parou sua mão no ar.

Ao dirigir seu olhar à corrente do rio, viu como uns cabritinhos punham nela seus focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso normal.

XIX

Então uma mulher que descia da montanha disse-lhe:

-         Aonde vais?

Ao que ele respondeu:

-         Ando procurando uma parteira hebréia.

Ela replicou:

-         Mas és de Israel?

Ele respondeu:

-         Sim.

-         E quem é a que está dando à luz na caverna?

-         É minha esposa.

-         Então, não é tua mulher?


Ele respondeu:

-         É Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo.

Insistiu a parteira:

-         Isso é verdade?

José respondeu:

-         Vem e verás.

Então a parteira se pôs a caminho junto com ele. Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa.

Exclamou a parteira:

-         Minha alma foi engrandecida, porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel. De repente, a nuvem começou a sair da gruta e dentro brilhou uma luz tão grande que seus olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito da mãe, Maria. A parteira então deu um grito, dizendo:

-         Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre.

Ao sair a parteira da gruta, veio ao seu encontro Salomé.

-         Salomé, Salomé! - exclamou. - Tenho de te contar uma maravilha nunca vista. Uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes, não permite a natureza humana.

Salomé replicou:

-         Pelo Senhor, meus Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua natureza.



XX

Havendo entrado a parteira, disse a Maria:

-         Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti.

Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito, dizendo:

-         Ai de mim! Minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por descrer do Deus vivo, desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.

Dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo:

-         Ó Deus de nossos pais! Lembra-te de mim, porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel! Devolve-me curada, porém, aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de ti meu salário!

Apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe:

-         Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o e haverá para ti alegria e prazer.

Acercou-se Salomé e o tomou, dizendo:

-         Adorar-te-ei, porque nasceste para ser o grande Rei de Israel.

De repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia:

-         Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em Jerusalém.

XXI

José dispôs-se a partir para Judéia. Por essa ocasião, sobreveio um grande tumulto em Belém, pois vieram um magos dizendo:

-         Aonde está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo?

Herodes, ao ouvir isso, perturbou-se. Enviou seus emissários aos magos e convocou os príncipes e os sacerdotes, fazendo-lhes esta pergunta:

-         Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai nascer?

Eles responderam:

-         Em Belém da Judéia, segundo rezam as escrituras. Com isso, despachou-os e interrogou os magos com estas palavras:

-         Qual é o sinal que vistes em relação ao nascimento desse rei?

Responderam-lhes os magos:

-         Vimos um astro muito grande, que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nisso soubemos que a Israel havia nascido um rei e viemos com a intenção de adorá-lo.

Replicou Herodes:

-         Ide e buscai-o, para que também possa eu ir adorá-lo!

Naquele instante, a estrela que haviam visto no Oriente voltou novamente a guiá-los, até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela. Vieram, então, os magos a ter com o Menino e Sua mãe, Maria, e tiraram oferendas de seus cofres: ouro, incenso e mirra.

Depois, avisados por um anjo para que não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras por outro caminho.

XXII

Ao dar-se conta Herodes de que havia sido enganado, encolerizou-se e enviou seus sicários, dando-lhes a missão de assassinar todos os meninos de menos de dois anos.

Quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de temor e, envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manjedoura.

Quando Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o a uma montanha. Pôs-se a ver onde haveria de escondê-lo, mas não havia um lugar bom para isso. Entre soluços, exclamou em voz alta:

-         Ó Montanha de Deus, recebe em teu seio a mãe com seu filho, pois que não posso subir mais alto.

Nesse instante, abriu a montanha suas entranhas para recebê-los. Acompanhou-os uma grande luz, pois estava com ele um anjo de Deus para guardá-los.

XXIII

Herodes prosseguia na busca de João e enviou seus emissários a Zacarias para que lhe dissessem:

-         Aonde escondeste teu filho?

Ele respondeu desta maneira:

-         Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho.

Os emissários informaram a Herodes tudo o que se passara e ele encolerizou-se muito, dizendo consigo mesmo:

-         Deve ser seu filho que vai reinar em Israel.

Enviou, então, um outro recado, dizendo-lhe:

-         Diga-nos a verdade sobre onde está teu filho, porque do contrário bem sabes que teu sangue está sob minhas mãos.

Zacarias respondeu:

-         Serei mártir do Senhor, se te atreveres a derramar meu sangue, porque minha alma será recolhida pelo Senhor, ao ser segada uma vida inocente no vestíbulo do santuário.

Ao romper da aurora, foi assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta desse crime.

XXIV

Os sacerdotes se reuniram à hora da saudação, mas Zacarias não saiu a seu encontro, como de costume, para abençoá-los. Puseram-se a esperá-lo para saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.

Ante sua demora, começaram a ter medo. Tomando ânimo, um deles entrou, viu ao lado do altar sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia:

-         Zacarias foi morto e não se limpará o seu sangue até que chegue o vingador.

Ao ouvir a voz, encheu-se de temor e saiu para informar os sacerdotes que, tomando coragem, entraram e testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles rasgaram suas vestes de alto a baixo.

Não encontraram o corpo, somente a poça de sangue coagulado. Cheios de temor, saíram para informar a todo o povo que Zacarias havia sido assassinado. A notícia correu em todas as tribos de Israel, que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.

Concluído esse tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr em seu lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido assegurado de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias Encarnado.

XXV

Eu, Tiago, escrevi esta história. Ao levantar-se um grande tumulto em Jerusalém, por ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até que cessasse o motim, glorificando ao Senhor meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria necessárias para compor esta narração.

Que a graça esteja com todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem deve ser a glória.

terça-feira, 25 de junho de 2013

A INFÂNCIA DE JESUS, SEGUNDO TOMÉ

Sabemos que não foram escritos apenas 4 evangelhos, alguns historiadores falam eu 80 e outros em mais de 100. Os que não foram queimados foram simplesmente abandonados e estão aparecendo, como é o caso do evangelho de Tomé.

Apenas para avivar a memória, Tomé era aquele apóstolo de Jesus que só acreditava no que via. Pois bem, neste evangelho, Jesus é descrito como um marginal, um menino desobediente no lar e na escola, além de um assassino cruel e desumano, capaz de tirar a vida de um indivíduo por motivo fútil.



A Incredulidade de Tomé - Caravaggio


O Evangelho de Tomé foi escrito no século I e relata a vida do Senhor Jesus dos cinco aos doze anos. Segundo os estudiosos, é parte de um livro mais antigo ainda, tendo tido diversas versões escritas em grego, siríaco, latim, georgiano e eslavo.

O Evangelho de Tomé relata a vida de Jesus a partir do ponto onde termina o Evangelho de Tiago, encerrando-se com o episódio de Jesus no Templo de Jerusalém, entre os doutores, o que também ocorre no Evangelho de Pedro, sobre a infância do Salvador.

Como os Evangelhos Apócrifos já citados, tem uma importância histórica fundamental, pois preenche uma séria lacuna, provocada pela omissão desse período nos Evangelhos Canônicos. Aqui são relatados os primeiros milagres do Salvador, numa narrativa singela e cheia de beleza, que resgata essa importante fase na vida do Senhor Jesus.

Os Evangelhos Apócrifos da Infância de Cristo fornecem importantes e interessantes informações, esclarecendo pontos importantes dos Evangelhos Canônicos, omissos ou um tanto vagos a respeito de determinados aspectos da vida de Jesus Menino.

Eu, Tomé Israelita, julguei necessário levar ao conhecimento de todos os irmãos descendentes dos gentios, a Infância de Nosso Senhor Jesus Cristo e tantas quantas maravilhas ele realizou, depois de nascer em nossa terra. O princípio é como segue.

II

Esse Menino Jesus, que na época tinha cinco anos, encontrava-se um dia brincando no leito de um riacho, depois de haver chovido. Represando o correnteza em pequenas poças, tornava-as instantaneamente cristalinas, dominando-as somente com sua a palavra.

Fez depois uma massa mole com barro e com ela formou uma dúzia de passarinhos. Era um Sabbath e havia outros meninos brincando com ele. Um certo homem judeu, vendo o que Jesus acabara de fazer num dia de festa, foi correndo até seu pai, José, e contou-lhe tudo:

— Olha, teu filho está no riacho e juntando um pouco de barro fez uma dúzia de passarinhos, profanando com isso o dia do Sabbath.

José foi ter ao local e, ao vê-lo, ralhou com ele dizendo:
— Por que fazes no Sabbath o que não é permitido?

Jesus, batendo palmas, dirigiu-se às figurinhas, ordenando-
lhes:

— Voai!
Os passarinhos foram todos embora, gorjeando. Os judeus, ao verem isso, encheram-se de admiração e foram contar aos seus superiores o que haviam visto Jesus fazer.


III

Encontrava-se ali presente o filho de Anás, o escriba, e teve a idéia de fazer escoar as águas represadas por Jesus, usando uma planta de vime. Ante essa atitude, Jesus indignou-se e disse:

— Malvado, ímpio e insensato. Será que as poças e as águas te estorvavam? Ficarás agora seco como uma árvore, sem que possas dar folhas, nem raiz nem frutos.

Imediatamente o rapaz tornou-se completamente seco. Os pais pegaram o infeliz, chorando a sua tenra idade, e o levaram ante José, maldizendo-o por ter um filho que fazia tais coisas.

IV

De outra feita, Ele andava em meio ao povo e um rapaz que vinha correndo esbarrou em suas costas. Irritado, Jesus disse-lhe:

— Não prosseguirás teu caminho.
Imediatamente o rapaz caiu morto. Algumas pessoas que viram o que se passara, disseram:
— De onde terá vindo esse rapaz, pois todas as suas palavras tornam-se fatos consumados?

Os pais do defunto, chegando a José, interpelaram-no, dizendo:

— Com um filho como esse, de duas uma: ou não podes viver com o povo ou tens de acostumá-lo a abençoar e não a amaldiçoar, pois causa a morte aos nossos filhos.


V

José chamou Jesus à parte e admoestou-o da seguinte maneira:
— Por que fazes tais coisas, se elas se tornam a causa de nos odiarem e perseguirem?

Jesus replicou:
— Bem sei que essas palavras não vêm de ti, mas calarei
por respeito a tua pessoa. Esses outros, ao contrário, receberão seu castigo.

No mesmo instante, aqueles que havia falado mal dele ficaram cegos.

As testemunhas dessa cena encheram-se de pavor e ficaram
perplexas, confessando que qualquer palavra de sua boca, fosse boa ou má, tornava-se um fato e convertia-se numa maravilha.

Quando José percebeu o que Jesus havia feito, agarrou sua orelha e puxou-a fortemente.

O rapaz indignou-se e disse-lhe:
— A ti é suficiente que me vejas sem me tocares. Tu nem sabes quem sou, pois se soubesses não me magoarias.

Ainda que neste instante eu esteja contigo, fui criado antes de ti.

  
VI

Naquela época, encontrava-se em um local próximo um certo rabino de nome Zaqueu, o qual, ouvindo Jesus falar dessa maneira com seu pai, encheu-se de admiração ao ver que, sendo menino, dizia tais coisas.

Passados alguns dias, aproximou-se de José e disse:

— Vejo que tens um filho sensato e inteligente. Confia-o a mim para que aprenda as letras. Eu, de minha parte, juntamente com elas, ensinar-lhe-ei toda espécie de sabedoria e a arte de saudar os mais velhos, de respeitá-los como superiores e pais e de amar seus semelhantes.

Disse-lhe todas as letras com grande esmero e clareza, desde Alfa até Ômega. Jesus, porém, fixou seus olhos no rabino Zaqueu e indagou-lhe:

— Como te atreves a explicar Beta aos outros, se tu mesmo ignoras a natureza do Alfa? Hipócrita! Explica primeiro a letra A, se é que sabes, e depois acreditaremos em tudo o que disseres com relação a B.

Começou a interrogar o professor sobre a primeira letra, porém este não pôde responder-lhe.

Disse então a Zaqueu, na presença de todos:

— Aprende, professor, a constituição da primeira letra e repara como tem linhas e traços médios, aqueles que vês unidos transversalmente, conjuntos, elevados, divergentes... Os traços contidos na letra A são de três sinais: homogêneo, equilibrados e proporcionados.

VII

O professor Zaqueu, quando ouviu a exposição feita pelo menino sobre tantas e tais alegorias acerca da primeira das letras, ficou desconcertado diante da resposta e da erudição que ele manifestava.

Disse aos presentes:

— Pobre de mim! Não sei o que fazer, pois eu mesmo procurei a confusão ao trazer este jovem para junto de mim. Leva-o, então, irmão José! Rogo-te! Não posso suportar a severidade do seu olhar. Não consigo fazer com que seu discurso seja inteligível para mim.

Este jovem não nasceu na terra. É capaz de dominar até mesmo o fogo. Talvez tenha nascido antes da criação do mundo. Não sei qual o ventre que pôde tê-lo carregado e qual seio pôde havê-lo nutrido. Ai de mim! Meu amigo, estou aturdido. Não posso seguir o vôo de sua inteligência.

Enganei-me, pobre de mim! Queria muito ter um aluno e deparei-me com um mestre. Percebo perfeitamente, amigos, a minha confusão, pois, velho e tudo o mais, deixei-me vencer por uma criança. É de se ficar arrasado e morrer por causa desse jovem, pois neste momento sou incapaz de olhá-lo fixamente. Que vou respondeu quando todos me disserem que me deixei vencer por um rapazote?

Que vou explicar a respeito do que ele me disse sobre as linhas da primeira letra? Não sei, amigos, porque ignoro a origem e o destino dessa criatura. Por isso te rogo, irmão José, que o leves para casa. É algo extraordinário: ou um Deus ou um anjo, ou já não sei o que dizer.


VIII

Enquanto os judeus se entretinham em dar conselhos a Zaqueu, o menino pôs-se a rir com muita vontade e disse:

—Frutificai agora vossas coisas e abri os olhos à luz os cegos de coração. Vim de cima para amaldiçoar-vos e depois charmar-vos para o alto, pois esta é a ordem daquele que me enviou por vossa causa.

Quando o menino terminou de falar, sentiram-se imediatamente curados todos aqueles que haviam caído sob a maldição. Desde então, ninguém ousava irritá-lo para que ele não os amaldiçoasse ou viessem a ficar cegos.


IX

Dias depois, encontrava-se Jesus brincando num terraço. Um dos meninos que estavam com ele caiu do alto e morreu. Os outros, ao verem isso, foram-se embora e somente Jesus ficou. Pouco depois chegaram os pais do morto e puseram a culpa nele.

Disse-lhes Jesus:

— Não, não. Eu não o empurrei.
Apesar disso, eles o maltrataram. Jesus deu um salto de cima do terraço, vindo cair junto ao cadáver. Pôs-se a gritar bem alto:
— Zenon — assim se chamava o menino, — levanta-te e responda-me: fui eu quem te empurrou?

O morto levantou-se num instante e disse:
— Não, Senhor. Tu não me jogaste, porém me ressuscitaste.

Ao ver isso, todos os presentes ficaram consternados . Os pais do menino glorificaram a Deus por aquele maravilhoso feito e adoraram a Jesus.


X

Poucos dias depois, estava um jovem cortando lenha nas redondezas e aconteceu que o machado escapou e cortou a planta do seu pé. O infeliz estava morrendo rapidamente por causa da hemorragia. Sobreveio por isso um grande alvoroço e juntou muita gente. Também Jesus veio ter ali. Depois de abrir espaço à força por entre a multidão, chegou junto do ferido e com suas mãos apertou o pé injuriado do jovem, que num instante ficou curado.

Disse então ao rapaz:
— Levanta-te já! Continua cortando lenha e lembra-te de mim!

A multidão, quando se deu conta do que havia acontecido, adorou o Menino dizendo:

— Verdadeiramente, o Espírito de Deus habita esse rapaz.


XI

Quando tinha seis anos, sua mãe deu-lhe certa vez um cântaro para que fosse enchê-lo de água e o trouxesse para casa. No caminho, Jesus tropeçou nas pessoas e a vasilha quebrou-se. Ele, então, estendeu o manto com o qual se cobria, encheu-o de água e levou-o a sua mãe. Esta, ao ver tal maravilha, pôs-se a beijar Jesus e foi guardando em seu íntimo todos os mistérios que o via realizar.


XII

Certa vez, sendo tempo de semeadura, saiu Jesus com seu pai para semear trigo em sua propriedade. Enquanto José esparramava as sementes, o Menino Jesus teve também vontade de semear um grãozinho de trigo. Após ceifar e debulhar, sua colheita somou cem coros, equivalente a quase quarenta mil litros. Convocou em sua propriedade todos os pobres da região e repartiu com eles os grãos. José, depois, levou para si o restante. Jesus tinha oito anos, quando operou este milagre.


XIII

Seu pai, que era carpinteiro, fazia arados e cangas. Certa vez, recebeu o encargo de fazer uma cama para certa pessoa de boa posição. Aconteceu que uma das tábuas era mais curta que a outra e por isso José não sabia como proceder. Então o Menino Jesus disse a seu pai:

— Põe no chão ambas as tábuas e iguala-as pela metade.
Assim fez José. Jesus foi até à outra extremidade, pegou a tábua mais curta e esticou-a, deixando-a tão comprida quanto a outra. José, seu pai, encheu-se de admiração ao ver o prodígio e cobriu o menino de abraços e beijos dizendo:

— Feliz de mim, porque Deus me deu este menino.


XIV

José, percebendo que a inteligência do menino ia amadurecendo ao mesmo tempo que a idade, quis novamente impedir que ele permanecesse analfabeto, por isso levou-o até um outro professor e colocou-o a sua disposição.

Disse o professor:
— Ensinar-te-ei, em primeiro lugar as letras gregas, depois as hebraicas.

Era evidente que o professos conhecia bem a capacidade do rapaz e sentia medo dele. Depois de escrever o alfabeto, entretinha-se com ele por um longo tempo, sem obter nenhuma resposta de seus lábios.

Finalmente disse-lhe Jesus:

— Se és mestre de verdade e conheces perfeitamente as letras, dize-me primeiro qual é o valor de Alfa e então eu te direi qual é o de Beta.

Irritado, o professor bateu-lhe na cabeça. Quando o Menino Jesus sentiu a dor, amaldiçoou-o e imediatamente o professor desmaiou e caiu de bruços no chão.

O jovem voltou para casa de José. Este encheu-se de pesar e disse a Maria que não o deixasse sair de casa, porque todos aqueles que o aborreciam vinham a morrer.

XV

Passado algum tempo, outro professor, que era amigo íntimo de José, disse-lhe:

— Leva teu filho à escola. Talvez com delicadeza eu possa ensinar-lhe as letras.

José replicou:
— Se te atreveres, irmão, leva-o contigo.

O professor o aceitou com muito receio e preocupação, porém o menino demonstrou boa vontade e progredia a olhos vistos. Certo dia, ele entrou impetuosamente na sala de aula e encontrou um livro colocado sobre a carteira. Pegou-o e, sem parar para ler as letras que nele estavam escritas, abriu sua boca e começou a falar, levado pelo Espírito Santo, ensinando a Lei aos circunstantes que o escutavam. Uma grande multidão, que havia se juntado, ouvia-o, cheia de admiração pela maravilha da sua doutrina e pela clareza de suas colocações, considerando que era uma criança que assim lhes falava.

José, quando soube disso, encheu-se de medo e correu imediatamente até a escola, receando que também aquele professor pudesse ter sido maltratado.

Este, porém, disse-lhe:

— Saiba, irmão, que recebi este menino como se fosse um aluno comum e acontece que está sobejando graça e sabedoria. Leva-o, por favor, para tua casa!

Ao ouvir essas palavras o menino sorriu e disse:

— Agradeço a ti, por haveres falado com retidão e dado um
testemunho justo.

Será curado aquele que anteriormente foi castigado.
Imediatamente o outro professor sentiu-se bem. José pegou o menino e foram para casa.


XVI

Certa vez, José mandou seu filho Tiago juntar lenha e trazê-la para casa. O Menino Jesus acompanhou-o, mas aconteceu que, enquanto Tiago recolhia os gravetos, uma cobra picou-lhe a mão. Tendo caído no cão, ficou completamente largado e estando já para morrer, quando Jesus aproximou-se e assoprou a mordida.

Imediatamente desapareceu a dor, a cobra explodiu e Tiago recobrou imediatamente a saúde.


XVII

Aconteceu depois, nas vizinhanças de José, que um menino que vivia doente veio a falecer. Sua mãe chorava inconsolavelmente. Jesus, ao tomar conhecimento da dor daquela mãe e do tumulto que se formava, acudiu rapidamente. Encontrando o menino já morto, tocou-lhe o peito e disse:

— Pequenino, falo contigo! Não morras, mas vive feliz e fica com tua mãe!

No mesmo instante, o menino abriu os olhos e sorriu. Então disse Jesus à mulher:

— Anda, pega-o, dá-lhe leite e lembra-te de mim!

Ao presenciar o acontecido, os circunstantes encheram-se de
admiração e exclamaram:

— Na verdade, este menino ou é um Deus ou um anjo de Deus, pois tudo o que sai da sua boca torna-se um fato consumado.

Jesus saiu dali e pôs-se a brincar com os outros jovens.


XVIII

Dias depois, sobreveio um grande tumulto, onde construíam uma casa. Jesus levantou-se e dirigiu-se até o local. Vendo ali um cadáver estendido no chão, tomou-lhe a mão e dirigiu-
se a ele nos seguintes termos:

— Homem, falo contigo! Levanta-te e termina teu trabalho!

Ele se levantou em seguida e o adorou. A multidão que viu essa cena encheu-se de admiração e disse:

— Esse rapaz deve ter vindo do céu, pois tem livrado muitas almas da morte e ainda seguirá livrando mais durante sua vida.


XIX

Quando contava doze anos seus pais, como de costume, foram em caravana até Jerusalém, para assistir às festas da Páscoa. Quando as festas terminaram, voltavam para casa. No instante de partir, o Menino Jesus retornou a Jerusalém, enquanto seus pais pensavam que o encontrariam na comitiva. Depois do primeiro dia de marcha, puseram-se a buscá-lo entre os seus parentes. Não o encontrando, preocuparam-se muito e voltaram a Jerusalém para procurá-lo.

Finalmente, depois do terceiro dia, encontraram-no no templo, sentado em meio aos doutores, escutando-os e fazendo-lhes perguntas. Todos estavam atentos a ele e admiraram-se de ver que, menino como era, deixava os anciões e mestres do povo sem palavras, averiguando os principais pontos da lei e as parábolas dos profetas.

Aproximando-se, Maria, sua mãe, disse-lhe:

— Meu filho, por que agiste assim conosco? Veja com que preocupação temos estado a te procurar!

Jesus, porém, respondeu:

— E por que me procuravas? Não sabias acaso que devo ocupar-me das coisas que se referem ao meu Pai?

Os escribas e fariseus indagaram a ela:

— És tu, acaso, a mãe deste menino?

Ela respondeu:

— Assim é.

Eles retrucaram:

— Pois feliz de ti entre as mulheres, já que o Senhor teve por bem bendizer o fruto do teu ventre, por que semelhantes glória, virtude e sabedoria não ouvimos nem vimos jamais.

Jesus levantou-se e seguiu sua mãe. Era obediente a seus pais. Sua mãe guardava todos esses fatos no seu coração.

Enquanto isso Jesus ia crescendo em idade, sabedoria e graça. Graças sejam dadas a ele por todos os séculos dos séculos. Amém.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

FELIZ É O ATEU

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Feliz aquele que vive sua vida honestamente, pelo simples fato de saber que essa é a forma correta , sem a exigência de recompensas ou medo de castigos eternos.

Feliz aquele que tem a certeza de que após sua morte, restarão apenas seus atos, que, por mais insignificantes que possam parecer, decidirão o futuro de muitos.

Feliz aquele que acredita na ciência como o caminho possível de adquirir conhecimentos que ajudarão a desvendar mistérios naturais e facilitar a vida do próximo.

Feliz aquele que não teme a escuridão e a vê como apenas falta de luz e não como um esconderijo de fantasmas.

Feliz aquele que adquiriu a maioridade intelectual e não precisa se apoiar num pai eternamente castrador e punitivo.

Feliz aquele que sabe que o maior tesouro da humanidade é a liberdade de escolher o rumo de seus pensamentos e imaginação.

Feliz aquele que tem a humildade de se colocar ao lado de todos os outros animais que convivem no mesmo planeta.

Feliz aquele que conseguiu se libertar dos fantasmas que povoaram as mentes dos nossos antepassados , mas não os condena por isso.

Feliz aquele que reconhece que seu corpo pertence apenas ao Universo, berço de toda manifestação física e estará para sempre contido nele.

Feliz aquele que desistiu de perseguir e condenar o próximo porque o mesmo não se coaduna com suas fantasias.

Feliz aquele que não é obrigado por convenções a fingir que vê o que não existe.

Feliz aquele que presta justa homenagem a todos os ancestrais, reconhecendo as incertezas e dificuldades que nos trouxeram até este ponto de evolução.

Feliz aquele que encontrou a paz da simplicidade das coisas simples.

Feliz é aquele que se rebela e questiona em busca da verdade e da liberdade, não aquele que se cala e acredita por medo de pecar.

Feliz o pai e a mãe que tem competência de dar educação para seus filhos sem empurrar a responsabilidade para a escola e a religião.

Feliz aquele que ao conquistar um objetivo aumenta o seu ego e não a sua fé.


Seja feliz, ateu!