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Poderia algum
estudioso do Cristianismo explicar o Gênesis?
Sabemos que não é verdadeiro. Ele se contradiz por si só. Há duas citações da
criação, no primeiro e segundo capítulos. Na primeira versão, pássaros e bestas
tinham sido criados antes do homem.
Na Segunda, o homem foi criado antes das bestas e pássaros.
Na primeira, aves foram feitas da água.
Na Segunda, aves fora criadas da terra.
Na primeira, Adão e Eva foram criados juntos.
Na Segunda, Adão foi feito; depois as bestas e pássaros; e então, Eva é criada
de uma das costelas de Adão.
Essas histórias são muito mais antigas que o Pentateuco.
Segundo os persas: Deus criou o mundo em seis dias, um homem chamado Adama, uma
mulher chamada Eva, e então descansou.
Os etruscos, gregos, egípcios, chineses e hindus tiveram seu Jardim do Éden e a
árvore da vida. Então os persas, babilônicos, nubianos, os povos do sul da
Índia, todos tinham sua história da tentação do homem e da serpente astuta.
Os chineses acreditavam que o mal caiu sobre a terra por desobediência de uma
mulher. E até os habitantes do Taiti acreditavam que o primeiro homem fora
criado da terra, e a primeira mulher, dos seus ossos.
Todas estas histórias são igualmente importantes para o mundo, e todos os
deuses, igualmente inspirados.
Sabemos também que a história do dilúvio é muito mais antiga que o livro do
Gênesis e sabemos além disso que ela não é verdadeira.
Sabemos que esta história do Gênesis fora copiada dos caldeus. Aí encontra-se
tudo sobre a chuva, a arca, os animais, a pomba que fora enviada três vezes, e
a montanha na qual a arca descansou.
Então os chineses, persas, hindus, gregos, mexicanos e escandinavos tinham
substancialmente a mesma história.
Sabemos hoje que o conto da Torre de Babel não passa de uma fábula infantil e
ignorante.
O que restaria então deste inspirado livro do Gêneses? Há
uma palavra sequer para desenvolver a mente e o coração? Há qualquer pensamento
elevado - qualquer grande princípio - alguma coisa de poético - qualquer
palavra que se abra num florescer?
Há algo além de tristes relatos detalhados de fatos que jamais aconteceram?
Há alguma coisa no Êxodo calculado para tornar o homem mais nobre, generoso e
gentil?
Seria bom ensinar as crianças que Deus torturou o gado inocente dos egípcios -
levou-os à morte por pedradas - para pagar os erros do faraó?
Tornaria-nos mais piedosos a crença de que Deus matou os primogênitos dos
egípcios - os primogênitos de um povo pobre e sofrido - das pobres meninas
trabalhando nos moinhos - por causa da maldade de um rei?
Podemos crer que os deuses dos egípcios operavam milagres? Poderiam eles
transformar água em sangue e bastões em serpentes?
No Êxodo não há uma só linha que seja de valor ou pensamento original.
Sabemos, se é que sabemos algo, que este livro foi escrito por selvagens -
selvagens que acreditavam em escravidão, poligamia e guerras de extermínio.
Sabemos que a história contada é impossível, e que os fatos não aconteceram.
Este livro admite que há outros deuses além de Jeová.
No 17º capítulo há este verso: "Agora sabemos que Nosso Senhor é maior que
todos os deuses, pois, nas coisas em que atuou orgulhosamente ele estava acima
de todos eles."
Então, neste livro abençoado, ensina-se a obrigação do sacrifício humano - o
sacrifício de bebês.
No 22º capítulo há este comando: "Não demorarás a oferecer as primeiras
das tuas frutas maduras e seus sucos: o primogênito dos teus filhos será dado a
mim."
Seria o Êxodo um auxílio ou um obstáculo para a espécie humana?
Tire do Êxodo as leis comuns a todas as nações e, será que restou alguma coisa
de valor?
Haverá algo de importância no Levítico? Há algum capítulo
que valha a pena ler? Que interesse há para nós as vestes dos padres, as
cortinas e castiçais do Tabernáculo, as pinças e pás do altar, e o óleo usados
pelos levitas?
Para que serve o código cruel, a punição assustadora, as maldições, as falsidades
e os milagres deste livro ignorante e infame?
E o que há no livro dos Números - com seus sacrifícios, e água de ciúmes, sua
flores e fina farinha, seus óleos e candelabros, suas cebolas e manás - para
instruir a humanidade? Que interesse teríamos nós na rebelião do corá, a água
da separação, as cinzas da novilha vermelha, a serpente em brasa, a água que
sobe e desce montanha, seguindo o povo durante quarenta anos, do jumento
inspirado do profeta Balaam? Teriam esses absurdos e crueldades - esta
superstição selvagem e infantil - ajudado a civilizar a humanidade?
Há alguma coisa em Josué - com suas guerras, assassinatos e massacres, com suas
espadas pingando com o sangue de mulheres e crianças, com suas mutilações, suas
fraudes e sua fúria, seu ódio e vingança - contribuído para melhorar o mundo?
Não chocará cada capítulo, o coração de um homem bom? Será este um bom livro
para crianças lerem?
O livro de Josué é tão impiedoso como a fome, tão feroz como o coração de uma
besta selvagem. É uma história, uma justificação, uma santificação para todo o
tempo.
O livro dos Juizes é sobre o mesmo assunto, nada mais que guerra e derramamento
de sangue; a história horrível de Jael e Sisera; de Gideão e seus trombetas e
cântaros; de Jefta e suas filhas, que ele matou para agradar a Jeová.
Aqui encontramos a história de sansão, no qual um deus-sol é transformado em
gigante.
Leia este livro de Josué - leia sobre o trucidamento de mulheres, viúvas, mães
e bebês - leia seus milagres impossíveis, seus crimes sem compaixão e todos
praticados de acordo com as ordens de Jeová, e diga se este livro foi feito
para nos fazer piedosos, generosos e ternos.
Admito que a história de Rute é, sob alguns aspectos, uma
história bela e tocante; que é contada com naturalidade, e que seu amor por
Naomi era profundo e puro. Mas em matéria de namoro, dificilmente
aconselharíamos nossas filhas a seguir o exemplo de Rute. Lembramos ainda que
Rute era uma viúva.
Há algo que valha a pena ser lido no primeiro e segundo livros de Samuel? Seria
possível a um profeta de Deus despedaçar um rei cativo? Seria a história da
arca, sua captura e recuperação, de importância para nós? Seria justo e
misericordioso matar cinqüenta mil homens apenas por terem olhado para uma
caixa? Para que nos interessam as guerras de Saul e Davi, a história de Golias
e a feiticeira de Endora?
Por que Jeová teria assassinado Uzzah por ter colocado sua mão para segurar a
arca? E perdoado David por ter assassinado Urias e roubado sua esposa?
De acordo com "Samuel", Davi fez um censo do povo. Isto gerou a ira
de Jeová, e como punição ele permitiu que Davi escolhesse entre sete anos de
fome, uma viagem de três meses perseguindo inimigos ou três dias de pestes.
Davi, tendo confiança em Deus, escolheu três dias de pestes; e então, Deus, o
piedoso, para vingar os erros de Davi, matou setenta mil homens inocentes.
Diante das mesmas circunstâncias, o que o diabo teria feito?
Há alguma coisa entre o primeiro e segundo livros dos reis que sugira a idéia
de inspiração?
Quando Davi está morrendo ele diz a seu filho Salomão para matar Joab - que não
deixasse sua cabeça suja ir para o túmulo em paz. Com seu último
suspiro, ele mandou seu filho trazer a cabeça de Shimei para o túmulo com
sangue. Tendo expressado essas palavras ternas, o bom Davi, o homem do coração
de Deus, foi dormir com seus pais.
Que necessidade teriam homens inspirados de contar a história da construção do
templo, a história da visita da rainha de Sabá, ou contar o número das viúvas
de Salomão?
Que temos a ver com a atrofia da mão de Jeroboão, a profecia de Jehu, a
história de Elias e o corvo?
Podemos creditar que Elias trouxe faíscas do céu, ou que
ele viajou para o paraíso numa carruagem de fogo?
Podemos crer na multiplicação do óleo da viúva por Elisha, que um exército foi
atacado por cegueira, ou que um machado flutuou na água?
Tornaria-nos mais civilizados ler sobre a decapitação dos setenta filhos de
Ahab, o arrancamento dos olhos de Zedequias e o assassinato de seus filhos? Há
qualquer palavra nesse livro destinada a tornar o homem melhor?
A primeira e Segunda crônicas é a repetição do que foi dito no primeiro e
segundo dos reis. As mesmas velhas histórias - um pouca acrescentado, um pouco
resumido, mas nada de melhor ou pior.
O livro de Ezra é de nenhuma importância. Conta-nos que Ciro, o rei da Pérsia,
proclamou a construção de um templo em Jerusalém e declarou ser Jeová o real e
único Deus.
Nada podia ser mais absurdo. Ezra nos conta sobre o retorno do cativeiro, a
construção do templo, a dedicação, umas poucas orações, e isto é tudo. Este
livro não tem qualquer importância. Nenhuma utilidade.
Nehemias é o mesmo. Conta a história da construção da muralha, as queixas do
povo com os impostos, a lista daqueles que voltaram da Babilônia, um catálogo
daqueles que moravam em Jerusalém, e a dedicação às muralhas.
Nenhuma palavra de Nehemias vale a pena ser lida.
Então vem o livro de Ester; nele é dito a nós que o rei Assuero fora
intoxicado; que ele mandara que a sua esposa Vasti, apresentá-la a ele e seus
hóspedes. Vasti recusou-se a aparecer.
Isto enfureceu o rei, e ele ordenou que de cada província fosse trazida a mais
bela moça para ele para que ele escolhesse uma para o lugar de Vasti.
Entre algumas, foi trazida Ester, uma judia. Ela foi escolhida e se tornou a
esposa do rei. Então, um cavalheiro de nome Haman quis que todos os judeus
fossem mortos, e o rei, desconhecendo que Ester fosse dessa raça, assinou um
decreto para que os judeus fossem mortos.
Através da interferência de Mordecai e Ester, o decreto foi anulado e os judeus
foram salvos.
Haman preparou uma forca para que Mordecai fosse
enforcado, mas a boa Ester agiu para que Haman e seus dez filhos fossem enforcados
na forca que Haman tinha construído, e os judeus foram autorizados a assassinar
mais de setenta e cinco mil súditos do rei.
Esta é a história inspirada de Ester.
No livro de Jó nos encontramos alguns sentimentos elevados, alguns sentimentos
sublimes e tolos, algumas das maravilhas e belezas da natureza, as alegrias e
tristezas da vida; mas a história é infame.
Alguns dos Salmos são bons, muitos são indiferentes, uns poucos são infames. No
meio deles há uma mistura de vícios e virtudes. Há versos que elevam e versos
que degradam. Há orações de perdão e de vinganças. Na literatura humana nada há
de mais cruel e infame que o 109o salmo.
Nos Provérbios há muita sagacidade, muita piedade, e máximas prudentes, muitos
ditados sábios. As mesmas idéias são expressas de diferentes formas - a
sabedoria da economia e do silêncio, o perigo da vaidade e da preguiça. Alguns
são triviais, outros tolos, e muitos sábios. Esses provérbios não são generosos
- nem altruístas. Provérbios do mesmo tipo são conhecidos em todas as nações.
Eclesiastes é o mais profundo dos livros da Bíblia. Foi escrito por um não
crente - um filósofo - um agnóstico. Tire os trechos acrescentados e ele fica
semelhante aos pensamentos do século dezenove. Neste livro estão as passagens
mais poéticas e filosóficas da Bíblia.
Após atravessar um deserto de crimes e morte, depois de ler o Pentateuco,
Josué, Juízos, Samuel, Reis e Crônicas - é deleitoso atingir este bosque de
poesia chamado "Os filhos de Salomão". Um drama de amor - de amor
humano; um poema sem Jeová - um poema nascido do coração e verdadeiro para os
instintos divinos da alma.
"Eu durmo, mas minha alma está desperta."
Isaías é o trabalho de muitos. Seu palavrório, seu
imaginário vago, suas profecias e maldições, seus bramidos contra reis e
nações, suas gargalhadas da sabedoria humana, seu ódio à alegria, nada tem que
melhore o bem estar do homem.
Neste livro relatam-se os mais absurdos dos milagres. A sombra do relógio
desceu dez graus para informar a Ezequias que Jeová havia adicionado quinze
anos à sua vida.
Neste milagre, o mundo, girando do leste para o oeste na velocidade de mais de
mil milhas por hora, é não só parado, mas ele gira na direção contrária de modo
que a sombra do relógio de sol retorna dez graus! Há neste mundo algum homem,
ou uma mulher inteligente que acredite nesta falsidade absurda?
Jeremias não contém nada de importância - nenhum fato de valor; nada além de
falsidades, lamentações, grasnados, gemidos, maldições e promessas; nada além
de fome de oração, prosperidade dos maus, a ruína dos judeus, do cativeiro e
retorno, e enfim, Jeremias, o traidor no tronco e na prisão.
E Lamentações é simplesmente a continuação dos delírios do mesmo pessimismo
insano; nada além de pó e trapos e cinzas, lágrimas e gemidos, delírios e
ofensas.
E Ezequiel - o manuscrito carcomido, profetizando vitórias e derrotas, com
visões de carvão em brasa, e querubins, e rodas com olhos, e a figura do
caldeirão fervendo, a ressurreição de ossos secos - é de nenhum valor.
Como Voltaire, digo que qualquer um que admire Ezequias deveria ser compelido a
jantar com ele.
Daniel é um sonho distorcido - um pesadelo.
O que pode ser feito deste livro, com cabeças de ouro, com peito e braços de
prata, com barriga e coxas de brasa, com pernas de aço, com pés de aço e
argila; com suas inscrições nos muros, seus covis de leões, com sua visão de
cordeiro e bode?
Há algo que possa ser aprendido de Oséas e sua esposa? Há
alguma utilidade em Joel, Amós e Abadia? Podemos ter algum benefício em Jonas e
sua cabaça? É possível que Deus seja o verdadeiro autor de Mica e Naum, de
Habakkuk e Zefanias, de Hagai e Malaquias, e Zacarias, com seus cavalos
vermelhos, seus quatro chifres, seus quatro carpinteiros, suas rodas voadoras,
suas montanhas de brasa, e a pedra com quatro olhos?
Há qualquer coisa neste livro que seja de algum benefício para o homem?
Teria ele ensinado a nós a cultivar o mundo, construir casas, tecer roupas,
preparar alimento?
Teria ele ensinado a nós pintar quadros, fazer esculturas, construir pontes,
navios, ou qualquer coisa de bonito e útil? Conseguimos nossas idéias de
governo, de liberdade de idéias, liberdade de pensamento, do Velho Testamento?
Conseguimos tirar de qualquer destes livro um fiapo que seja de ciência?
Haveria nestes "Livros Sagrados" uma linha, uma palavra que
melhorasse a saúde, a inteligência e a felicidade da Humanidade?
Há alguma uma coisa no Velho Testamento tão prazeroso de ler como
"Robinson Crusoe", "As viagens de Gulliver", "Peter Willkins
e sua esposa voadora"?
Saberia o autor do Gênesis mais sobre a natureza que Humboldt, ou Darwin, ou
Haeckel? O que é conhecido como o Código Mosaico seria tão sábio e piedoso como
o código de nações civilizadas?
Eram os escritores das Crônicas e Reis tão bons historiadores, tão bons
escritores como Gibbon ou Drapper? Pode-se comparar Jeremias e Habakkuk com
Dickens ou Thackeray?
Podem ser os autores dos salmos e Jó ser comparados a Shakespeare? Por que
deveríamos atribuir o melhor ao homem e o pior a Deus?