“Se Deus não existe, tudo é permitido” – esta frase é imputada a
Dostoievski, em Os Irmãos Karamazov. Ora, ele jamais escreveu isto. Foi Sartre
quem disse que ele havia escrito. Quem cita esta frase são geralmente pessoas
que nunca leram Dostoievski e o citam de ouvir falar. Recentemente, me dei ao
trabalho de reler Os Irmãos Karamazov para ver se Dostoievski havia realmente
escrito tal bobagem. Não encontrei. O mais próximo que existe é isto:
- Ivan Fiodorovitch ajuntou entre parêntesis que lá está toda a lei
natural, de maneira que se você destrói no homem a fé na sua imortalidade, não
somente o amor nele perecerá, mas também a força de continuar a vida no mundo.
Mais ainda, não existiria nada mais que fosse imoral; tudo será autorizado,
mesmo a antropofagia. E não é tudo: ele acaba afirmando que para todo indivíduo
que não crê em Deus nem em sua própria imortalidade, a lei moral da natureza
deveria imediamente tornar-se o inverso absoluto da precedente lei religiosa;
que o egoísmo, mesmo levado ao crime, deveria não somente ser autorizado, mas
reconhecido como uma solução necessária, a mais razoável e quase a mais nobre.
Após um tal paradoxo, julgai, senhores, julgai o que nosso caro e excêntrico
Ivan Fiodorovitch julga bom proclamar e suas eventuais intenções.
O filósofo Oswaldo Giacoia Júnior, da Unicamp. "A busca
de um código de valores sempre foi uma preocupação central da filosofia, sem
necessidade de uma legitimação divina." No século XVIII, por exemplo, os
ideais de igualdade e justiça social, aceitos hoje como uma preocupação ética,
surgiram de formulações dos filósofos iluministas – que acreditavam ser
possível defendê-los com base na razão, não na religião (na época, esse tema
não era nada popular no Vaticano).
Em meados do século XX, o francês Jean Paul Sartre, o pai do
existencialismo – segundo o qual de nada adianta buscar um propósito da
existência para além da vida humana –, disse que a nossa própria condição de
seres que vivem em sociedade é suficiente para justificar a prática de valores
solidários. E ainda hoje filósofos como o vienense Peter Singer (um dos mais
ferrenhos defensores dos direitos dos animais) continuam defendendo uma série
de condutas éticas baseadas na razão, não na fé. Mas será que a adoção pura e
simples de uma ética sem Deus não pode nos levar a um racionalismo frio, capaz
de ofuscar valores menos palpáveis, como a bondade?
"A fé não se traduziu apenas em atos de paz e harmonia
ao longo dos tempos", lembra Giacoia. "Dos grandes conflitos
religiosos do passado ao moderno terrorismo fundamentalista, já foram cometidas
inúmeras atrocidades em nome da ética religiosa em todo o mundo."
Segundo o
sociólogo norte-americano Phil Zuckerman isso é efetivamente possível. De
acordo com uma pesquisa que ele realizou e publicou em seu livro "Society
Without God – What the Least Religious Nations Can Tell Us About
Contentment" [Sociedade sem Deus – O que as nações menos religiosas podem
nos dizer a respeito da satisfação], os países menos religiosos do mundo são os
mais justos, mais éticos, possuem forte economia, baixa taxa de criminalidade,
os mais altos índices de qualidade de vida, altos padrões de vida e igualdade
social.
Ao contrário,
os países mais religiosos são aqueles com maior desigualdade, criminalidade,
corrupção, injustiça e outras pragas sociais, como Brasil.
Com essa
pesquisa ele provou que é errada a crença dos norte-americanos e de outras
pessoas (como Datena em São Paulo e Samuka Duarte na Paraíba) de que um país sem Deus inevitavelmente cairia
na criminalidade, na imoralidade e na degeneração.
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