Duzentos anos de guerras,
roubos e crimes em nome do Senhor JESUS
Jerusalém caiu nas mãos dos infiéis e
precisava ser libertada. "Deus quer" era o lema dos cruzados.
Seguiram-se ao menos duzentos anos de guerras para libertar os lugares sagrados.
Duzentos anos de guerras inúteis: no final, Jerusalém permaneceu nas mãos dos
muçulmanos. As Cruzadas deterioraram irremediavelmente as relações entre o
Oriente ortodoxo e o Ocidente católico e, em última análise, facilitaram a
expansão turca.1
A ameaça turca e o apelo à Cruzada
Em 1070, os turcos, povo de origem
muçulmana, conquistaram Jerusalém, a cidade sagrada dos cristãos, meta de
peregrinação de vários deles. Na verdade, havia séculos que Jerusalém estava
sob o domínio dos árabes, que toleravam, no entanto, a presença cristã.
Na primeira metade do século XI, as
relações diplomáticas entre os dominadores árabes da cidade e o Império
Bizantino eram bastante cordiais. Mas os novos conquistadores turcos, além de
tornarem mais difícil a peregrinação, representavam uma ameaça à incolumidade
do Império Cristão do Oriente e à própria Europa.
Em 1095, o papa Urbano II,
respondendo ao pedido de ajuda do imperador bizantino ameaçado pela invasão
turca, convidou todo o Ocidente a intervir militarmente. Aos voluntários da
Igreja, prometia a delação do pagamento dos débitos, a anulação de eventuais
condenações penais, a remissão dos pecados com as indulgências plenárias e
outros prêmios.
De acordo com cronistas da época, o
discurso do papa foi: "Ricos e pobres deveriam igualmente partir, deveriam
parar de se matar uns aos outros e, em vez disso, lutar uma guerra justa,
realizando a obra de Deus; e Deus os guiaria. Quem morresse em combate
receberia a absolvição e a remissão dos pecados.
Aqui, a vida era miserável e malvada
com homens que se entregavam até destruir o próprio corpo e a própria alma;
aqui, eles eram pobres e infelizes, lá, seriam felizes, ricos e verdadeiros
amigos de Deus." (Runciman, 1996, p. 94.)
Os europeus logo se lançaram ao
feito, convencidos de que a conquista dos países mediterrâneos orientais seria
fácil, pois era sabido que o domínio turco estava despedaçado em emirados
hostis entre si, exatamente como os senhores feudais da Europa.
Os bizantinos logo se dissociariam
dos feitos dos cruzados, seja porque estes, durante sua passagem, saquearam
também cidades cristãs, seja porque a ideia de uma "guerra santa" com
tantos bispos, abades e monges armados de tudo era estranha à sua mentalidade.
A Cruzada dos "Mendigos"
O apelo do papa Urbano II obteve, ao
menos de início, uma resposta bem morna por parte dos soberanos e dos grandes
senhores feudais, mas, ao contrário, uma adesão entusiasta, superior às
previsões, nas classes mais baixas. Pregadores que viajavam pela Europa
anunciando a Cruzada obtinham muito sucesso junto aos aventureiros, homens de
armas miseráveis e camponeses famintos que sonhavam em mudar de vida.
A Primeira Cruzada (1096 1099) foi
chamada a dos "mendigos", pois era composta principalmente por
pessoas muito pobres e famílias camponesas provenientes, na maioria, da França,
Alemanha e Itália, que esperavam encontrar no Oriente a liberdade da opressão
dos senhores feudais e novas terras onde se estabelecer.
Por volta de 20 de abril de 1096,
antes mesmo que a Cruzada "oficial" estivesse pronta, um exército de
vinte mil pessoas guiadas pelo monge e pregador Pedro, o Eremita, partiu de
Colônia. Sem provisões ou dinheiro, os cruzados, durante sua longa viagem,
realizavam pilhagens. Ao chegar à cidade húngara de Zemun, um tumulto iniciado
por uma discussão banal se transformou em uma verdadeira batalha. Os cruzados
atacaram a cidade, saquearam-na e mataram quatro mil húngaros (todos cristãos),
e por isso fugiram às pressas com medo da chegada do exército. Em seguida,
destruíram um contingente militar de turcos fiéis ao imperador e saquearam e
incendiaram Belgrado.
Ao chegar aos arredores da cidade
servia de Nis, os seguidores de Pedro provocaram outros incidentes, obrigando
as tropas do governador cristão Nicetas a lutar contra eles. Muitos cruzados
foram trucidados, outros foram presos (incluindo mulheres e crianças) pelo
resto da vida.2 Após muitas travessias, os sobreviventes finalmente
chegaram a Constantinopla. O imperador Aleixo I Comneno perdoou os cruzados
pelos crimes cometidos e convidou Pedro para uma audiência na corte.
"Aleixo, com sua experiência,
julgava a expedição muito pouco eficaz e temia que, se passasse pela Ásia,
fosse destruída pelos turcos. Por outro lado, a indisciplina dos peregrinos o
obrigou a afastá-los o quanto antes dos arredores de Constantinopla. Os
ocidentais cometiam furtos sem fim, faziam irrupções em palácios e nas cidades
dos subúrbios, roubavam até o chumbo dos telhados das igrejas." (Runciman,
1996, p. 112.)
Em 8 de agosto, os cruzados foram
embarcados para além do estreito de Bósforo. Durante sua breve campanha,
abandonaram-se a ferozes saques, massacrando e torturando até mesmo os
habitantes cristãos da área. Dizem que alguns cruzados chegaram a assar
crianças em espetos.
Mas nos primeiros grandes combates
militares contra o exército turco, os "mendigos" foram exterminados.
Alguns se salvaram renunciando ao cristianismo; outros, mulheres e crianças,
foram poupados por terem bela fisionomia e foram vendidos como escravos. A
última bandeira dos sobreviventes foi salva por uma expedição de socorro
bizantina.
A expedição de Pedro não foi a única
do tipo "faça você mesmo". Outras cruzadas menores partiram na mesma
época. Por exemplo, Gautier Sans-Avoir, um pequeno dono de terras francês,
partiu de Colônia com alguns milhares de seguidores poucos dias antes de Pedro
e entrou nos territórios do Império Bizantino, encontrando as autoridades
totalmente despreparadas para sua chegada. Em Belgrado, pilhou os campos
próximos e lutou contra a guarnição da cidade, saindo vencedor. Muitos cruzados
foram mortos em combate, outros foram queimados vivos dentro de uma igreja. O
exército de Gautier foi seguido e escoltado até Constantinopla, onde se
juntaria ao de Pedro, o Eremita, dividindo com ele o destino trágico.
Os judeus e a Cruzada do Pato Sagrado
O clima geral de hostilidade para com
os infiéis muçulmanos não podia não atingir outra categoria de infiéis
presentes na Europa havia mais de um milênio: os judeus.
"Para um cavaleiro, era caro se
equipar para uma Cruzada, e [...] precisava pedir dinheiro emprestado aos
judeus. Mas era justo que, para lutar pela cristandade, fosse necessário cair
nas garras da raça que crucificara Cristo? O cruzado mais pobre muitas vezes já
tinha dívidas com os judeus: era justo que fosse impedido de cumprir com seu
dever cristão em razão de obrigações com alguém que pertencesse àquela raça
ímpia? A pregação evangélica da Cruzada evidenciava particularmente Jerusalém,
local da crucificação, e inevitavelmente chamava a atenção para o povo que
havia feito Jesus Cristo sofrer. Os muçulmanos eram os inimigos do momento
[...] mas os judeus com certeza eram piores, pois haviam perseguido o próprio
Cristo." (Runciman, 1996, p. 121.)
As várias comunidades judaicas da
Europa, por volta de 1095, estavam muito alarmadas: começava a circular um
boato de perseguição e massacres contra elas. Dizia-se que o próprio Godofredo
de Bulhão (futuro "libertador" de Jerusalém) tinha jurado vingar a
morte de Cristo com o sangue dos judeus. Assim, as comunidades judaicas de
Colônia e Magonza lhe ofereceram uma contribuição espontânea de mil moedas de
prata para financiar a Cruzada. Godofredo agradeceu de bom grado e acalmou os
doadores a respeito de suas intenções.
Pedro, o Eremita, pediu aos judeus
franceses uma carta de apresentação convidando a comunidade judaica de toda a
Europa a acolhê-lo e a abastecer seus seguidores com todas as provisões que
tivessem pedido. Se não concordassem, seria difícil segurar seus homens...
Obviamente, o pedido foi atendido.
O imperador Henrique IV, por sua vez,
mandou os grandes senhores feudais garantirem a incolumidade de todos os judeus
em suas terras.
Mas essas boas intenções não
interromperam o massacre. Em abril de 1096, o conde alemão Emich de Leinsingen,
já conhecido no passado por seus atos de vandalismo, fingiu ter ganhado os
estigmas e se fez cruzado, reunindo um exército que contava com alguns nobres e
vários peregrinos entusiastas. Entre eles, havia um pato e uma dezena de
seguidores, convencidos de que o animal era inspirado diretamente por Deus e
que os conduziria sem parar até a Terra Santa.
Emich resolveu inaugurar sua cruzada
no dia 3 de maio, com um ataque contra a comunidade judaica de Spira. Mas os
judeus de lá pediram proteção ao bispo, proteção esta que, obviamente, custou
caro, e assim os cruzados conseguiram trucidar "apenas" 12 deles, que
haviam se recusado a abjurar, além de uma mulher que se suicidou para fugir do
estupro. Alguns assassinos foram depois capturados pelas forças do bispo e
tiveram as mãos arrancadas.
Em Worms, os cruzados, juntamente com
alguns habitantes e camponeses locais, conseguiram fazer melhor. Dezenas de
judeus foram mortos pelas ruas. Não satisfeitos, os fanáticos invadiram o
palácio do bispo e massacraram outros cinqüenta judeus lá refugiados.
Em Magonza, os seguidores de Emich
encontraram as portas da cidade fechadas por ordem do arcebispo Rothard. Mas,
após alguns tumultos anti-semitas, alguns cidadãos abriram as portas para
deixar os "peregrinos" entrarem. Os judeus, sitiados na sinagoga,
enviaram doações em dinheiro ao arcebispo e ao senhor laico local para que os
hospedassem em seus respectivos palácios, além de sete libras de ouro ao
próprio Emich, que prometeu poupar a cidade, mas foi dinheiro jogado fora.
Emich atacou de surpresa o palácio episcopal, provocando a fuga de Rothard e de
sua corte, e trucidou todos os judeus lá refugiados.
Depois, ateou fogo ao
palácio do protetor laico, obrigando os ocupantes a evacuá-lo. Muitos judeus
salvaram a vida renegando a própria religião. Todos os outros foram mortos.
Alguns dos que haviam abjurado se mataram por remorso. Um deles incendiou a
sinagoga, para que não fosse profanada. O rabino Calonymos se refugiou com
cerca de cinqüenta companheiros em Rudesheim, onde o arcebispo aproveitou a situação
para tentar convertê-lo. O rabino reagiu com um gesto que custou a vida dele e
de seus seguidores. O balanço final do massacre de Magonza foi a morte de pelo
menos mil judeus.
Depois de Magonza, foi a vez de
Colônia. Aqui, os judeus já haviam fugido ou estavam escondidos nas casas de
cristãos conhecidos. Emich precisou se contentar em queimar a sinagoga e
trucidar um casal de judeus que não quis abjurar. A intervenção do arcebispo
impediu outros assassinatos. A esse ponto (estamos em 2 de junho), Emich
decidiu finalmente deixar a Renânia e continuar sua viagem em direção à Terra
Santa. Um grupo de seguidores o abandonou e continuou o que poderíamos chamar
de "cruzada anti-semita" nos vales do Mosel. Em Treviri, o grosso da
comunidade judaica se refugiou no palácio do arcebispo, mas alguns, em pânico,
jogaram-se no rio e se afogaram. Em Metz, foram mortos 22 judeus. Os cruzados
então voltaram a Colônia, de onde partiram para massacrar os judeus de várias
outras localidades e depois se dispersaram.
Alguns voltaram para casa, outros se
uniram à cruzada oficial de Godofredo de Bulhões.
No entanto, Emich e o grosso da tropa
haviam entrado na Hungria, onde não foram bem acolhidos. Após uma série de
embates, seu exército foi destruído quase por completo. Tendo por sorte se
salvado, ele voltou para casa, onde pequenos senhores feudais se uniram às
expedições seguintes. "O esfacelamento da cruzada de Emich [...]
impressionou profundamente a cristandade ocidental. Para muitos bons cristãos,
pareceu um castigo infligido do alto aos assassinos dos judeus; outros, que
consideravam insensato e iníquo todo o movimento cruzado, viram nos desastres a
aberta desaprovação de Deus." (Runciman, 1996, p. 126.)
Outras cruzadas anti-semitas foram as
guiadas por Volkmar (um discípulo de Pedro, o Eremita) e por Gottschalk.
Volkmar, que perseguira cerca de dez mil homens, no dia 30 de junho massacrou
os judeus de Praga. Suas fileiras então foram feitas em pedaços pelo exército
húngaro. Gottschalk, que tinha um exército um pouco mais numeroso, se
distinguiu pelo massacre dos judeus de Ratisbona. Chegando à Hungria, primeiro
foi tratado com benevolência; então, quando seus homens deram início aos saques
e empalaram um jovem do local, as tropas húngaras obrigaram os cruzados a
entregar as armas e os atacaram, matando do primeiro ao último.
A Cruzada dos Príncipes e dos Cadetes
A primeira Cruzada
"oficial", que partiu também em 1096, era composta de cavaleiros bem
armados e bem equipados, como Godofredo de Bulhões e seu irmão Balduíno. Em sua
maioria, eram cavaleiros cadetes, ou seja, nobres sem terras que perderam o
direito de sucessão e eram particularmente ambiciosos e ávidos por terras.
Muitos deles já tinham trabalhado como mercenários, alguns até como piratas.
Estes cruzados também, como seus
antecessores "mendigos", tiveram alguns acidentes de percurso durante
a viagem. Por exemplo, Balduíno, em Constantinopla, capturou sessenta
pechenegues que tentavam frear os roubos dos cruzados e matou vários outros. O
próprio Godofredo teve desentendimentos com as tropas imperiais de Bizâncio,
até que cedeu e aceitou jurar fidelidade ao imperador.
Um ramo da cruzada, que havia seguido
outro caminho, encontrou um vilarejo de hereges paulicianos na estrada e
queimou as casas com os moradores dentro.
De qualquer forma, os cruzados
provaram seu valor no campo de batalha. Conquistaram Nicéia (durante o ataque,
os soldados cristãos cortaram as cabeças de muitos cadáveres inimigos e
jogaram-nas do outro lado das muralhas, para enfraquecer o moral da guarnição
turca), que se entregou, no entanto, às tropas bizantinas, evitando um provável
massacre. Em seguida, expugnaram Tarso, e aqui começaram seus desentendimentos.
A cidade fora "libertada" pelos cavaleiros de Tancredo, mas Balduíno,
chegando com um exército mais numeroso, obrigou-os a ir embora e deixou do lado
de fora das muralhas um destacamento de trezentos cavaleiros vindos nesse
meio-tempo para ajudar os homens de Tancredo.
Apesar das súplicas, Balduíno não os
deixou entrar, e os cavaleiros foram todos massacrados durante a noite pelas
forças turcas que corriam pelos campos.
Depois de Tarso, foi a vez de Edessa,
cidade habitada na maioria por armênios cristãos, onde os cruzados fundaram seu
primeiro estado. Aqui, Balduíno deixou que uma revolta local matasse o
governador legítimo, Thoros, que o havia adotado como um filho em uma cerimônia
pública, e transformou a cidade em um condado de seu domínio. A seguir,
utilizou o tesouro de Edessa para comprar em dinheiro o emirado de Samosata,
ocupando a cidade de Saruj em nome do príncipe muçulmano Barak (na prática, ele
havia se tornado um mercenário pago por um "infiel"), mas a tomou
para si.
Em Antioquia (conquistada graças à
traição de um oficial armênio), os cruzados não pararam até terem assassinado o
último turco, fosse ele homem ou mulher. Fala-se de milhares de mortos. Na
confusão, também foram mortos muitos cristãos. Todas as casas dos cidadãos,
cristãos ou muçulmanos, foram pilhadas. Grande parte das riquezas, das
provisões e das armas encontradas foi inconscientemente destruída.
O cavaleiro Boemundo, futuro príncipe
da Antioquia, comprou a cabeça do emir Yaghi-Siyan, que um camponês lhe levara
como troféu de caça. "Não se podia andar na rua sem pisar em um cadáver, e
todos logo entravam em putrefação no calor do verão, mas Antioquia era cristã
de novo." (Runciman, 1996, p. 202.)
Outro massacre aconteceu na cidade de
Maarat an-Numan. Quando entraram, os cruzados mataram todos que encontraram e
saquearam e incendiaram as casas. Boemundo prometera incolumidade a todos que
se rendessem e se refugiassem em uma grande sala próxima da porta principal.
Mas as coisas não aconteceram bem assim: os homens foram trucidados, e as
mulheres e as crianças foram vendidas como escravos.
O massacre, de Jerusalém
O filme se repete, mas em maiores
dimensões, entre 14 e 15 de julho de 1099, com a conquista de Jerusalém. Os
únicos muçulmanos a se salvarem foram o emir Iftikhar e seus homens, pois foram
escoltados por Raimundo de Toulouse para fora da cidade, em troca de uma
polpuda soma em dinheiro. Todos os outros foram trucidados.
"Os cruzados, enlouquecidos com
uma vitória tão exultante [...] se lançaram pelas ruas, nas casas e nas
mesquitas, matando todos aqueles que encontravam, fossem homens, mulheres ou
crianças, sem distinção. O massacre continuou por toda a tarde e toda a
noite." (Runciman, 1996, p. 247.) Nem um grupo de muçulmanos protegidos
pelos homens de Tancredo, reunidos em uma mesquita encimada por seu estandarte,
se salvou.
Quando Raimundo de Aguiler, mais
tarde naquela manhã, visitou a área do templo, precisou abrir caminho entre os
cadáveres e o sangue que chegava a seus joelhos. Nem os judeus de Jerusalém,
acusados de terem ajudado os muçulmanos, foram poupados. A sinagoga em que
haviam se refugiado foi incendiada, e todos morreram.
"O massacre de Jerusalém
impressionou muito todo o mundo. Ninguém pode dizer quantas foram as vítimas,
mas a cidade foi esvaziada de seus habitantes muçulmanos e judeus. Muitos
cristãos também ficaram horrorizados [...] e, para os muçulmanos [...] dali em
diante nasceu a certeza de que os ocidentais deveriam ser expulsos. Aquela
sangrenta demonstração de fanatismo cristão reacendeu o fanatismo islâmico.
Quando, em seguida, os latinos mais sábios do Oriente se esforçaram para
encontrar uma base qualquer para a colaboração entre cristãos e muçulmanos, a
lembrança do massacre sempre se colocou no caminho." (Runciman, 1996, p.
248.)
Mais de sessenta mil pessoas foram
mortas.
Com o massacre de Jerusalém,
encerra-se a Primeira Cruzada que tirou a vida de mais de um milhão de pessoas.
A notícia da tomada de Jerusalém
devolveu o ânimo a muitos cavaleiros aventureiros que andavam em busca de
fortuna.
Em 1100, partiu para a Terra Santa
uma expedição de nobres lombardos, eclesiásticos e famílias inteiras de
camponeses famintos. Essa nova Cruzada era tragicamente parecida com a de
Pedro, o Eremita. E acabou em um desastre semelhante. Como seus antecessores,
estes cruzados criaram vários problemas de ordem pública em Constantinopla.
Assim que chegaram à Terra Santa, em
vez de cumprir sua missão (restabelecer os meios de comunicação entre o Império
Bizantino e a Síria), os lombardos quiseram seguir a própria cabeça e entraram
na Anatólia, no meio do território turco, levando consigo também os estandartes
de cruzados alemães e franceses.
No primeiro grande ataque dos turcos,
os cavaleiros lombardos fugiram tomados de pânico, abandonando a infantaria.
Coube, então, aos franceses conter o ataque e reagrupar a expedição.
Não satisfeitos, os lombardos
insistiram em continuar a marcha em território hostil, em vez de buscar a
salvação na região costeira. E, como lá estavam, saquearam também um povoado
cristão.
Próximo à cidade de Mersivan, houve
uma batalha campal entre os turcos e os cruzados, na qual os últimos levaram a
pior. "Os lombardos perderam as cabeças bem rápido e, com seu comandante,
o conde de Biandrate, à frente, fugiram abandonando suas mulheres e os
padres." (Runciman, 1996, p. 302.)
A retirada provocou a queda também
dos mercenários turcos. Assim, os cruzados franceses e alemães, desguarnecidos,
tiveram que capitular. No final, apenas os homens a cavalo conseguiram escapar.
A infantaria foi massacrada, junto com civis e mulheres idosas. "Os
lombardos, cuja obstinação fora a causa do desastre, foram aniquilados, com
exceção dos líderes. As perdas foram estimadas em quatro quintos de todo o
exército. Grandes quantidades de objetos de valor e de armas caíram nas mãos
dos turcos, e os haréns e mercados de escravos do Oriente se encheram de moças
e crianças capturadas naquele dia." (Runciman, 1996, p. 302.)
Os reinos cruzados
As décadas seguintes veriam a
ampliação dos domínios cruzados com a conquista de importantes cidades
costeiras, como Beirute e Trípoli. Nesta última, os cruzados italianos deram
início a um massacre generalizado, antes que o soberano de Jerusalém
conseguisse freá-los. Nas terras conquistadas, os cruzados criaram Estados; o
mais importante era o Reino de Jerusalém, no modelo dos feudos europeus. Os
Estados eram independentes entre si (aliás, não faltaram batalhas entre os
soberanos cruzados, com tropas mistas turco-cristãs) e não reconheciam a
jurisdição do Império de Constantinopla. Os súditos dos reinos cruzados tinham
obrigações pesadas: os servos da gleba, árabes e sírios, tinham que pagar ao
proprietário de suas terras um imposto de quase 50% da colheita. Os camponeses
livres eram submetidos com o uso da força.
Nas cidades costeiras, o comércio
estava nas mãos dos genoveses, venezianos e marselheses, que haviam obtido o
privilégio de poder constituir suas colônias. Os cruzados não levaram nenhum
elemento novo à vida econômica dos países conquistados, simplesmente porque, na
época, as forças produtivas e a riqueza cultural do Oriente eram muito
superiores às ocidentais.
Eles, na maioria das vezes,
comportaram-se como ladrões e opressores, o que explica a constante hostilidade
das populações locais,
No que concerne à religião, os
conquistadores tentaram substituir o clero bizantino e o árabe por seus
prelados e ritos, de início, até mesmo com o uso da violência. Por exemplo, no
dia seguinte ao da conquista de Jerusalém, foi nomeado um novo arcebispo
latino, o intolerante e corrupto Arnolfo. Uma de suas primeiras medidas foi
torturar os sacerdotes ortodoxos que escondiam o pedaço maior da Vera Cruz (a
relíquia mais sagrada da cidade) para que a entregassem. Como os sacerdotes
relutaram, mandou torturá-los.
Para defender os locais sagrados e
proteger os peregrinos, foram criadas as Ordens Cavalheirescas (a dos
Templários, de origem francesa; a dos Teutônicos, de origem alemã; e a dos
Joanitas, ou Hospitalários, mais conhecidos como Cavaleiros de Malta). Eram
ordens religiosas armadas cujos membros, além dos votos religiosos de
castidade, pobreza e obediência, também juravam defender os lugares sagrados
contra os infiéis e dependiam diretamente do papa. Depois, as ordens receberam
igualmente a incumbência de conquistar novos territórios e realizar a
cristianização forçada das populações nativas.
A Segunda Cruzada
A Segunda Cruzada teve origem na
queda de Edessa (1144). Na época, em Roma, foi realizado o Segundo Concilio de
Latrão (1139), que havia proibido o uso da balestra, sob pena de excomunhão,
pois a arma causava feridas horríveis. Mas seu uso foi admitido na guerra
contra os infiéis. O papado conseguiu convencer o rei da França e o imperador
germânico a se lançarem contra os turcos. Como na época da Primeira Cruzada, a
empolgação contra os infiéis, de inicio, mirou os judeus. O abade de Cluny,
Pedro, o Venerável, protestou porque estes não versavam uma contribuição para
financiar a Cruzada.
Na Alemanha, o monge cisterciense
Rodolfo instigou a multidão a massacrar os judeus e só foi calado após a
intervenção decisiva de Bernardo de Chiaravalle. Como as outras Cruzadas, esta
também teve seus "acidentes de percurso". Em Filipópolis, por
exemplo, os cruzados incendiaram um mosteiro e trucidaram seus ocupantes.
Saladino era um cavalheiro
A Terceira Cruzada foi causada pela
queda de Jerusalém (1187), por obra do grande comandante islâmico Saladino, que
já estendera seu domínio ao Egito e à Arábia Ocidental. Ao contrário dos
cruzados, Saladino não promovia massacres nas cidades que conquistava. Os
cristãos tinham a chance de ir embora se pagassem um resgate em ouro (para um
homem, dez dinares; para uma mulher, cinco). Quem não pagasse era feito
escravo. Os nobres cristãos capturados podiam baratear a liberdade com a
entrega das fortalezas a eles designadas. Assim, a conquista acontecia de
maneira fácil e indolor.
Embora os reis da Inglaterra e da
França, bem como o imperador germânico, participassem da Cruzada, seus
resultados foram irrelevantes (o imperador Frederico Barba-Ruiva chegou a
morrer na época, e nem foi em combate) em razão das divergências internas.
Jerusalém permaneceu nas mãos dos
turcos, ainda que os cristãos tivessem liberdade de acesso. O único resultado
útil foi deter, pelo menos momentaneamente, o avanço turco.
A Cruzada que errou o caminho
O papa Inocêncio III ordenou a Quarta
Cruzada (1202-1204), procurando aproveitar a morte de Saladino (1193). Os
cruzados entraram em acordo com a República de Veneza para poderem usar sua
poderosa frota. O plano era desembarcar no Egito, conquistá-lo e, de lá, chegar
a Jerusalém. Mas Veneza, que tinha boas relações comerciais com o Egito,
conseguiu desviar a Cruzada com a astúcia.
Para começar, os venezianos puseram
os cruzados em uma posição de inferioridade. "Acampados na pequena ilha de
São Nicolau do Lido, atormentados por mercadores venezianos com quem haviam
contraído dívidas, mantidos sob a ameaça de terem suspensas todas as provisões
se não desembolsassem dinheiro [...] os cruzados estavam dispostos a aceitar
qualquer condição." (Runciman, 1996, p. 728.) E a condição dos venezianos
era a seguinte: os cruzados só poderiam partir se antes aceitassem conquistar,
para a Sereníssima, a cidade cristã de Zara, em Istria. Em poucos dias, Zara
foi atacada, conquistada e saqueada.
Indignado, Inocêncio III excomungou
os cruzados, mas logo depois lhes concedeu o perdão, na esperança de que,
finalmente, se lançassem contra os turcos.
Enquanto os cruzados invernavam em
Zara, chegou ao acampamento o filho do imperador de Constantinopla para
anunciar que o pai havia sido banido pelo irmão. Se o ajudassem a retomar o
trono, os cruzados ganhariam grandes somas em dinheiro e a submissão da Igreja
grega a Roma.
Os cruzados, então, se dirigiram a
Constantinopla, onde encontraram a resistência dos cidadãos, que não queriam
saber dos latinos. O imperador deposto e cegado foi recolocado no trono sem que
fosse derramado sangue nobre, pois o irmão usurpador já havia fugido da cidade.
Os cruzados exigiram que o filho fosse coroado ao lado do imperador, com o
mesmo título, para garantir os compromissos feitos em Zara.
O tesouro de Constantinopla, todavia,
estava vazio. O patriarca e o povo se recusavam a reconhecer o papa como chefe
da Igreja Universal, e não tinham a menor intenção de pagar as dívidas do
imperador nem de conceder privilégios aos cruzados e aos venezianos. Por essa
razão, a população bizantina se rebelou, matando o imperador, o filho e algumas
centenas de soldados.
Os cruzados invadiram novamente a
cidade e a saquearam terrivelmente, proclamando o Império Latino do Oriente e
se esquecendo de Jerusalém.
"O saque a Constantinopla não
teve paralelos na história. Por nove séculos, a grande cidade foi capital da
civilização cristã. Era cheia de obras de arte deixadas pela Antiga Grécia e de
obras-primas de seus próprios e excelentes artesãos. Os venezianos conheciam
efetivamente o valor de tais objetos e, onde puderam, apoderaram-se dos
tesouros para adornar as praças, as igrejas e os palácios de suas cidades. Mas
os franceses e os flamengos estavam ávidos pela destruição. Lançavam-se furiosos
e gritando pelas ruas e pelas casas, arrancando tudo que brilhava e destruindo
tudo que não pudessem transportar, parando apenas para assassinar ou violentar,
ou para arrombar as adegas e matar a sede com vinho. Não poupavam nem
mosteiros, nem igrejas, nem bibliotecas. Na própria [basílica de] Santa Sofia,
viam-se soldados bêbados arrancando as tapeçarias e quebrando as iconóstases de
prata, pisando nos livros sagrados e nos ícones. Enquanto bebiam alegremente do
cálice do altar, uma prostituta se sentou no trono do patriarca e começou a
cantar uma canção obscena francesa. Muitas freiras foram violentadas em seus
próprios conventos. Palácios e cabanas foram igualmente invadidos e destruídos.
Mulheres e crianças feridas jaziam moribundas pelas ruas. Por três dias, as
terríveis cenas de saque e derramamento de sangue continuaram, até que a imensa
e magnífica cidade foi reduzida a um matadouro. Até os sarracenos teriam sido
mais misericordiosos, exclamou o historiador Niceta, e com razão."
(Runciman, 1996, p. 792.)
No comando da Igreja bizantina, foi
colocado um novo patriarca que procurou fazer um jogo que fosse vantajoso,
aproximando a população local, a grega e a eslava do catolicismo. O papa
condenou oficialmente o massacre, mas, quando viu que o imperador eleito e o
patriarca reconheciam sua supremacia sobre toda a Igreja cristã do Oriente e do
Ocidente, decidiu aceitar o fato.
Mais ainda que o papado ou os
senhores feudais, foi Veneza que tirou maior vantagem da conquista do Império
Bizantino. Os mercadores venezianos, em especial, conseguiram obter isenção
fiscal para suas mercadorias em todos os países do Império.
O Império Latino ruiu em 1261, sob o
golpe conjunto dos búlgaros, dos albaneses e dos bizantinos, ajudados pelos
genoveses, que temiam a presença veneziana nos Bálcãs.
O Império de Bizâncio sobreviveria
por outros duzentos anos, mas nunca mais voltaria a seu antigo esplendor.
As Cruzadas das Crianças
Os apelos de Inocêncio III para a
partida de uma Cruzada "verdadeira" (já que a Quarta Cruzada havia
sido desviada para Constantinopla) obtiveram, em uma Europa incessantemente
percorrida por pregadores tomados por uma espécie de histeria coletiva contra
os infiéis de toda espécie (muçulmanos e hereges; na época havia também a
Cruzada contra os cátaros), um efeito curioso. Inflamados pela propaganda da
época, milhares de crianças da França e Alemanha formaram verdadeiros exércitos
e marcharam em direção à Terra Santa.
Em maio de 1212, Estêvão, um pastor
de 12 anos proveniente da cidade de Cloyes, em Orleans, apresentou-se à corte
do rei Felipe da França. Ele afirmava que, enquanto conduzia as ovelhas ao
pasto, Cristo em pessoa apareceu e o mandou chamar os fiéis para a Cruzada,
entregando-lhe uma carta para o rei.
O rei da França mandou o menino
voltar para casa, mas este não se deixou abater e começou a pregar em público
diante da porta da abadia de Saint-Denis. Prometeu que aqueles que se juntassem
à Cruzada veriam os mares se abrirem, como o Mar Vermelho para Moisés, e que
chegariam a pé até a Terra Santa.
O rapaz "tinha o dom de uma
eloqüência extraordinária; os adultos se impressionavam, e as crianças
respondiam em massa ao seu chamado" (Runciman, 1996, p. 806). Estêvão
começou sua viagem pela França reunindo prosélitos e pedindo a ajuda de seus
convertidos nos sermões.
Todos os garotos se reuniram em
Vendôme por volta do final de junho. Os cronistas da época falavam em pelo
menos trinta mil jovens, nenhum de mais de 12 anos. Eram na maioria órfãos,
filhos de pais desconhecidos ou pequenos camponeses cujos pais viam a partida
como um alívio, livrando-se, assim, de mais uma boca para alimentar. Mas havia
também descendentes da nobreza foragidos de casa e algumas moças.
Aos "pequenos profetas",
como os chamavam os cronistas da época, juntaram-se alguns peregrinos adultos e
alguns jovens padres, talvez incentivados, em parte, pela compaixão para com
aqueles meninos, em parte, pela esperança de receber alguns dos donativos que
choviam sobre os rapazes.
Estêvão dividiu a horda em bandos,
cada um guiado por um chefe que levava uma auriflama, o estandarte do rei da
França. No final, a Cruzada partiu em direção a Marselha: os pequenos
camponeses marchavam a pé; os pequenos nobres, a cavalo, ao lado de seu
profeta; e Estevão, sobre um carro decorado, encimado por um baldaquim para
protegê-lo do sol. "Ninguém se ressentiu do fato de que o inspirado
profeta viajava confortavelmente, mas, ao contrário, todos o tratavam como um
santo e guardavam chumaços de seus cabelos e pedaços de suas roupas como
preciosas relíquias." (Runciman, 1996, p. 807.)
Naquele ano, o verão foi árido, a
seca causou escassez de comida e de água, e viajar a pé pelas estradas da época
não era fácil. Muitas crianças morreram pela estrada, outras abandonaram a
Cruzada e tentaram voltar para casa. Mas, no final, o grosso da expedição
chegou a Marselha, onde os meninos foram acolhidos cordialmente pelos
habitantes. Os pequenos cruzados correram para o porto para ver o mar se abrir,
mas como o milagre não acontecia, alguns se revoltaram contra Estêvão, acusando-o
de tê-los enganado, e fizeram o caminho de volta.
Muitos, no entanto, permaneceram à
beira do mar, esperando o milagre por mais alguns dias, até que dois mercadores
marselheses lhes ofereceram uma "carona de graça" no navio para a
Palestina. Estêvão aceitou de bom grado e todo o contingente de jovens partiu a
bordo de sete barcos.
Só em 1230 se receberiam notícias
deles, dadas por um ex-membro da expedição que, por sorte, voltara à Europa.
Dois dos sete navios afundaram por causa de uma tempestade, e todos os seus
ocupantes morreram afogados. Os sobreviventes foram entregues aos sarracenos
pelos mercadores de Marselha, para serem vendidos como escravos. Em Bagdá, 18
deles foram martirizados por se recusarem a abraçar o islamismo. De acordo com
os relatos do ex-membro, no momento em que ele partira, dos trinta mil
componentes da expedição que saíram de Vendôme, só restavam aproximadamente
setecentos.
A notícia dos sermões de Estevão logo
se espalhou pela Europa, inflamando a imaginação de muitos jovens da sua idade.
Poucas semanas após sua partida, na Alemanha, surgiu outro pequeno pregador:
chamava-se Nicolau e provinha de um vilarejo à beira do Reno. Começou sua obra
no santuário dos Três Reis Magos, em Colônia. Ele também anunciava que os
jovens podiam fazer melhor que os adultos e que o mar seria aberto na frente
deles. Mas, ao contrário de Estêvão, Nicolau anunciava que as crianças não
conquistariam a Terra Santa com as armas, mas com a conversão dos infiéis.
Nicolau, auxiliado por outros pequenos
pregadores seus discípulos, reuniu em Colônia um verdadeiro e próprio exército.
Os meninos alemães deviam ser um pouco mais velhos que seus colegas franceses;
entre eles também havia mais moças e um contingente de descendentes de nobres
mais numeroso. Também não faltavam vagabundos e prostitutas.
A expedição se dividiu em dois
grupos, que se dirigiam para a Itália (onde o mar deveria se abrir para
permitir que chegassem a pé à Terra Santa): um para o lado do Mar Tirreno,
outro para o Adriático. O primeiro contingente, de vinte mil unidades, guiado
pelo próprio Nicolau, atravessou a Suíça e os Alpes, sofrendo perdas consideráveis
durante o difícil percurso. Menos de um terço dos rapazes saídos de Colônia
chegou a Gênova, em 3 de agosto. Lá, as autoridades (que temiam um complô
alemão) permitiram que descansassem apenas uma noite, mas ofereceram a todos os
que quisessem a possibilidade de se estabelecer definitivamente na cidade.
Os cruzados alemães também correram
para a beira do mar no dia seguinte, esperando que ele se abrisse, e mais uma
vez houve muita desilusão quando o milagre não aconteceu. Muitas crianças
aceitaram a oferta das autoridades genovesas, mas Nicolau e o grosso do
contingente continuaram a viagem: se o mar não se abriu em Gênova, talvez pudesse
fazê-lo em outro lugar. Poucos dias depois, chegaram a Pisa, onde dois navios a
caminho da Palestina concordaram em aceitar vários rapazes a bordo. Nunca mais
se teve notícias deles.
Contudo, Nicolau permanecera em
terra, junto com seus mais fiéis seguidores, pois ainda esperava o milagre. Os
rapazes que sobreviveram se dirigiram a Roma, onde foram recebidos pelo papa
Inocêncio III. "Ele ficou comovido com a devoção deles, mas confuso com
sua loucura. Com gentil firmeza, disse que deveriam voltar para casa; quando
crescessem, poderiam cumprir suas promessas e combater pela cruz."
(Runciman, 1996, p. 808.)
Aos garotos só restou pegar o caminho de volta. Muitos deles, em especial as moças, cansados com as loucuras da viagem, detiveram-se na Itália. Apenas poucos debandados voltaram à Renânia na primavera seguinte, e não é certo que Nicolau estivesse entre eles. O pai do pequeno profeta, acusado de ter encorajado o filho em sua obra vangloriosa, foi preso pelos pais dos rapazes desaparecidos e enforcado.
Aos garotos só restou pegar o caminho de volta. Muitos deles, em especial as moças, cansados com as loucuras da viagem, detiveram-se na Itália. Apenas poucos debandados voltaram à Renânia na primavera seguinte, e não é certo que Nicolau estivesse entre eles. O pai do pequeno profeta, acusado de ter encorajado o filho em sua obra vangloriosa, foi preso pelos pais dos rapazes desaparecidos e enforcado.
Nem o ramo "adriático" dos
jovens alemães teve sorte. Cansados da viagem realizada em condições precárias,
os pequenos cruzados chegaram a Ancona, onde esperaram inutilmente pelo milagre
da abertura do mar. Então, continuaram viagem até Brindisi. Lá, alguns
embarcaram em navios que zarpavam para a Palestina, mas a maior parte recuou,
batendo em retirada para casa. Desde então, apenas um grupo desaparecido de
fato voltou.
Outras Cruzadas
A Quinta, a Sexta, a Sétima e a
Oitava Cruzadas não tiveram muita importância, senão pelo número de mortes que
causaram: os cruzados sofreram outras derrotas, apesar da adesão dos mongóis
contra os turcos e os árabes.
O imperador Frederico II chegou a
entrar em acordo com os turcos sem ao menos lutar. O fato é que, depois da Quarta
Cruzada, não havia mais quase ninguém no Ocidente disposto a participar de
expedições distantes e perigosas, e por isso os cruzados enfrentavam
dificuldades e nunca conseguiam a ajuda e os reforços requeridos.
Nos séculos XII-XIII, na Europa,
verificou-se um notável aumento da produção agrícola. As técnicas de cultivo
haviam se aperfeiçoado, as cidades haviam se desenvolvido. O aumento das áreas
cultivadas e do produto das colheitas fez os camponeses perderem o interesse de
emigrar. Os mercadores se contentaram com os resultados das primeiras quatro
Cruzadas, que haviam assegurado a eliminação da função mediadora entre leste e
oeste exercitada pelo Império Bizantino. Os cavaleiros, por sua vez, tiveram a
possibilidade de ingressar nas tropas mercenárias das monarquias nacionais
européias, cujo poder só crescia.3
Mas não houve apenas Cruzadas pela
reconquista de lugares sagrados na Terra Santa: houve Cruzadas contra os
hereges,4 Cruzadas contra reis e imperadores católicos, e outras que
se dirigiram ao norte e ao leste da Europa.
As ordens cavalheirescas
Os Templários
A ordem militar religiosa do Templo (Pauperes
Commilitones Christi Templique Salomonis, Pobres Cavaleiros de Cristo e do
Templo de Salomão) foi fundada em 1119, em Jerusalém, por Hugo de Payens, para
defender os lugares sagrados e proteger os peregrinos. De 1128 em diante, foi
criado um regulamento próprio, inspirado em Bernardo Chiaravalle, fundador da
Ordem Cisterciense. A estrutura interna previa uma classe de cavaleiros, uma de
escudeiros e uma de capelães; no ápice, estava o grão-mestre, auxiliado por
alguns dignitários. O símbolo da ordem era a cruz vermelha sobre fundo branco
para os cavaleiros, e sobre fundo marrom para os escudeiros. Os Templários se
destacaram por seu valor e pelos vários episódios de guerra contra os árabes
(Batalhas de Acre, em 1189; Gaza, em 1244; al-Mansura, em 1250), e seu número
aumentou notavelmente no Oriente e no Ocidente.
Enriquecendo, por causa das várias
doações e se tornando uma poderosa força financeira, independente do reino
cruzado de Jerusalém, a ordem atraiu a hostilidade dos soberanos. Felipe IV (o
Belo) da França, em especial, em 1307, pediu ao papa Clemente V a proibição da
ordem, dando início a uma feroz caça a seus membros ativos na França, muitas
vezes torturados e condenados à morte, com as mais variadas e fantasiosas
acusações: heresia, bruxaria, sodomia (o lacre dos Templários mostrava dois
cavaleiros, mas um só cavalo, o que, dentre outras coisas, foi utilizado para
acusá-los de sodomia). Conta-se que dois mil Templários foram presos e
torturados, e centenas foram queimados. Em 1312, com a bula Ad providam, o
papa decretou oficialmente a dissolução da ordem e a transferência de seus bens
para os jerosolimitanos.
Os Cavaleiros Teutônicos
Esta ordem, nascida também na Terra
Santa a partir de 1200, foi utilizada pela Igreja Católica e por reis e
imperadores cristãos para conquistar novos territórios no Báltico e nos países
eslavos, lutando contra povos pagãos ou de religião ortodoxa grega. Os
Teutônicos e os outros cruzados do norte foram conquistadores e dominadores
impiedosos, similares a seus colegas na Terra Santa.5
Como recompensa pelos serviços
prestados, a Ordem Teutônica ganhou grande parte dos territórios conquistados
em forma de feudo. Em um segundo momento, no entanto, esses territórios foram
militarmente redimensionados pelo rei da Polônia, e os cavaleiros tiveram de se
contentar com a Prússia Oriental. Eles tentaram estender seus domínios até a
Rússia, mas lutaram contra um inimigo natural invencível (Napoleão, Mussolini e
Hitler o conhecem bem). Lembremos uma batalha especial dos Cavaleiros
Teutônicos:
A batalha no gelo (1242)
O nobre Alexandr Nevsky reunira um
exército de camponeses para defender a Rússia das incursões dos Cavaleiros
Teutônicos... Obviamente, estes estavam convictos da superioridade das
armaduras pesadas que lhes cobriam o corpo e os cavalos.
Na frente desse exército de
guerreiros profissionais, dedicados às orações e aos saques, estava a horda de
pobres malvestidos em sua primeira primavera na gélida Rússia. O plano era
simples. Aliás, muito simples. Os russos iniciaram a batalha na borda do lago
Peipus. O lago estava congelado, tudo estava coberto de neve, e não se podia
perceber onde terminava a terra firme e onde começava o lago. Quando os
Cavaleiros Teutônicos atacaram as fileiras do nobre Alexandr, os russos, após
uma leve resistência, fugiram abandonando as armas.
Os cavaleiros, tomados de excitação,
esporearam seus cavalos e correram atrás dos soldados em fuga. Os russos os
atraíram para cima do lago, onde o gelo era mais fino. Em dado momento, ele
começou a ceder com o peso da cavalaria teutônica, que morreu na água gelada.
Foram necessários poucos segundos
para que, do exército, só restassem as pegadas dos cavalos na neve.
Foi a última vez que os Cavaleiros
Teutônicos apareceram.6
As ordens cavalheirescas continuaram
a obra de destruição ainda por um bom tempo. Durante o cerco a Belgrado, em
1456, oitenta mil muçulmanos foram mortos. Na Polônia, no século XV, os monges
guerreiros saquearam 1019 igrejas e 18 mil povoados.
Fontes de Estudo
Capítulo 6 As Cruzadas: duzentos anos
de guerras, roubos e crimes em nome de Jesus
1. Steven Runciman, Storia
delle Crociate, Einaudi, Turim, 1966, p. 94.
2. Steven Runciman, op. cit, p.
110.
3.
Em parte devemos este parágrafo ao compêndio sobre as Cruzadas de
"Galarico, il bárbaro", hospedado no servidor do CRIAD da
Universidade degli Studi di Bologna: URL http://www.criad.unibo. it/galarico/
4. Steven Runciman, op. cit, p.
810.
5.
Cf. a obra de Eric Christiansen, Le Crociate del Nord, il Báltico e
Ia frontiera cattolica (1100-1525), Il Mulino, Bolonha, 1983.
6.
Jacopo Fo & C, La vera storia dei mondo, Demetra edizioni,
1987, Verona.
capítulo 7 As heresias medievais
1.
David Christie-Murray, I percorsi delle eresie. Milão, Rusconi,
1998, p. 152.
2.
Citado em R. Nelli, Scrittori anticonformisti del Medioevo
provenzale, Terra e politici II, Milão, Luni, 1996, p. 229-31.
3. David Christie-Murray, op.
cit, p. 13.
4.
Ibid.,p. 160-1.
5.
AAW, Storia di Milano, vol. III, Milão, Fondazione Treccani degli
Alfieri, 1954, p. 65.
6.
Alguns estudiosos levantaram a hipótese de que essa frase poderia
significar que eles consideravam seus bens comuns a toda a humanidade, cf. AAW,
Storia di Milano.
7. Ibid.
8. David Christie-Murray, op.
cit, p. 148-9.
9.
Ibid., p. 147.
10."Albigense" deriva de
Albi, cidade da França meridional; "concorenzzianos", de Concorezzo,
cidade às portas de Milão; ambas localidades onde evidentemente havia grandes núcleos
de cátaros.
11. Na realidade, do ponto de vista
doutrinário, estes também se dividiam em várias correntes, cf. Merlo Grado
Giovanni, Eretici ed eresie medievale, Bolonha, Il Mulino, 1989, p.
39-45 e p. 92-98.
12. G.G. Merlo, Eretici ed eresie
medieval!, Bolonha, Il Mulino, 1989, p. 46.
13. David Christie-Murray, op. cit, p. 154-5.
14. Benazzi, D'Amico, // libro
nero dell'inquisizione. La ricostruzione dei grandi processi, Casale
Monferrato, Edizioni Piemme, 1998, p. 29.
15.Ibid.,p.30.
16. Giorgio Tourn, / valdesi: La
singolare vicenda di un popolo-chiesa. Turim, Claudiana, 1999, p. 84-86.
17.lbid.
18. Romano Canosa, Storia
dell'Inquisizione in Itália, vol. 5, Roma, Sapere 2000,1990, p. 54.
19. David Christie-Murray, op. cit, p. 160.
20. Benazzi, D'Amico, op. cit, p.
50.
21. Eugênio Anagnine, Dolcino e il
movimento ereticale all'inizio del Trecento, La Nuova Itália, Florença,
1964, p. 191-2.
22. David Christie-Murray, op. cit, p. 167-8.
23. Lembremos que, durante os sermões
de Hus, acontecia o chamado"Cisma do Ocidente", que assistia à
contraposição de dois papas nomeados pelo mesmo colégio de cardeais. Em
seguida, o Concilio de Constância complicaria ainda mais as coisas, nomeando um
terceiro papa, Martinho V.
24. Sim, outra Cruzada. Dado o
sucesso das Cruzadas contra os infiéis na Terra Santa, os papas resolveram lançar
algumas também contra os monarcas cristãos que não apoiassem o poder papal. David Christie-Murray, op. cit, p. 168-9.
25. David Christie-Murray, op. cit, p. 169. 26.Ibid., p. 171.
Nenhum comentário:
Postar um comentário