Segundo Othon M. Garcia, “ainda que cometamos um número infinito de erros, só há, na verdade, do ponto de vista lógico, duas maneiras de errar: raciocinando mal com dados corretos ou raciocinando bem com dados falsos. (Haverá certamente uma terceira maneira de errar: raciocinando mal com dados falsos). O erro pode, portanto, resultar de um vício de forma — raciocinar mal com dados corretos — ou de matéria — raciocinar bem com dados falsos.” (1)
De acordo com o mesmo
autor, o que diferencia o sofisma da falácia, é
que, embora ambos sejam basicamente raciocínios errados, a falácia é
involuntária. Ao passo que o sofisma tem como objetivo induzir a audiência ao
engano, o raciocínio falacioso decorre de uma falha de quem argumenta. Quem
usa sofismas, sabe o que está fazendo quando, por exemplo, tenta nos empurrar
uma conclusão para a qual não dispõe de dados ou demonstrações suficientes.
Quem se vale de falácias, por sua vez, simplesmente se enganou.
O conhecimento do que é
ou não um raciocínio falacioso certamente é um dos mais úteis que existem
quando vamos analisar criticamente qualquer assunto. As falácias e
inconsistências lógicas abundam em nossa sociedade e são utilizadas o tempo
todo, como podemos verificar facilmente nos pronunciamentos de políticos
demagogos, entre outros casos. Elas permitem que alguém faça declarações
aparentemente racionais e aceitáveis sem o mínimo necessário de conhecimento ou
ainda fugindo de um tema e embaraçando os interlocutores, fazendo-os se
desviarem do assunto tratado.
Reconhecê-las nem sempre é fácil, especialmente
quando aparecem em diálogos, onde podemos acabar engolindo coisas
que, uma vez submetidas a uma análise mais profunda, se revelam sem
fundamento. Existem áreas, até, onde uma falácia acaba se tornando o
discurso predominante pelo qual um determinado grupo se
manifesta. Na área de que tratamos, a religiosa, não é demais dizer que é o
campo onde mais se cometem esses erros. Portanto, não é de se admirar que
determinados incrédulos sejam tão resistentes aos assuntos religiosos: eles
simplesmente se recusam, e com razão, a aceitar como verdades absolutas
afirmações e raciocínios que violam a própria lógica.
Vamos agora examinar
rapidamente algumas falácias e truques retóricos mais
frequentes, a fim de que possamos não apenas nos prevenir contra eles, como
também, quem sabe, mudarmos nossa maneira de falar às pessoas.
Obs: é importante
notar que existem falácias de tal forma cristalizadas em certos grupos ou
comunidades, tão repetidas e consagradas no seu discurso, que dificilmente
terão sua falsidade reconhecida. Em se tratando de assuntos religiosos, isso se
complica, pois o que é uma falácia para um, pode ser uma verdade irretorquível
para outro.
Raciocínio circular ou
petição de princípios
Esse é um erro
comuníssimo em debates ou pregações religiosas. Trata-se simplesmente de
afirmar a mesma coisa com outras palavras. Alguns exemplos:
1. “Por que a Bíblia
é a Palavra de Deus? Ora, porque ela foi inspirada pelo próprio Criador.”
…ou ainda o que eu
chamaria de “variação Tostines”
2. “A Bíblia é
perfeita porque é a Palavra de Deus. E como sabemos que ela é a Palavra de
Deus? Pela sua perfeição.”
Esse exemplo é fácil de
encontrar, especialmente nos meios evangélicos mais conservadores. É importante
ressaltar que ele foi posto aqui apenas para ilustrar um tipo de raciocínio
falacioso muito frequente, não para desmerecer a Bíblia ou a crença de quem
quer que seja.
Um exemplo laico agora:
3. “Eu acho que
alpinismo é um esporte perigoso porque é inseguro e arriscado.”
Dizer que algo é
“inseguro e arriscado” não é o mesmo que dizer que ele é “perigoso”? Ora, o que
essa “explicação" acrescentou que justificasse a ideia de que alpinismo é
perigoso? Nada. Simplesmente repetiu-se a primeira afirmação com outras
palavras.
4. “Por que eu
sou a pessoa mais indicada para o trabalho? Porque eu descobri que, dentre
todos os outros candidatos, e considerando minhas qualificações, eu sou a
melhor pessoa para o trabalho.”
Valem as mesmas
observações. Porém prestemos atenção num detalhe: às vezes, quando a
“justificativa” é muito longa, podemos nos perder e não notarmos que a pessoa
acabou não dando evidências para aquilo que disse. Um exemplo trágico poderia
ser a frase de Goebbels, propagandista do regime nazista alemão: “Uma mentira,
repetida muitas vezes, acaba se tornando uma verdade”. Afirmações muito
repetidas podem ganhar um statustal que as pessoas podem nunca ter
parado para pensar realmente no porquê de acreditarem nelas. Crenças inculcadas
desde a infância ou em períodos de fragilidade emocional são casos típicos. Por
isso, tenhamos a máxima prudência com aquilo que nos chega aos ouvidos e
com a maneira como abordaremos certas crenças arraigadas num debate; antes de
questionar os outros, convém darmos uma olhada na nossa própria fé em certas
premissas, que talvez nunca tenhamos analisado criticamente.
Egocentrismo ideológico
Essa provavelmente não
será achada em manuais de lógica. O que eu batizei de “egocentrismo ideológico”
nada mais é do que um primo do raciocínio circular. Trata-se da incapacidade ou
recusa sistemática em se pôr de um ponto neutro para analisar alguma coisa. O
cerne do problema, aqui, é mais a atitude do debatedor do que propriamente sua
lógica. Mais uma vez, recorramos a exemplos reais e muito comuns:
1. “Como eu sei
que a Bíblia contém toda a Palavra de Deus, perfeita e eterna? Ora, porque,
conforme vemos em Segunda Timóteo 3:16…”
2. “Você tem que
crer naquilo que Jesus disse, porque ele falou ‘Ninguém vai ao Pai senão por
mim.’”
3. “A minha
religião é a única verdadeira, e você não pode questionar isso. Veja só o
que nosso fundador diz em…”
4. “Por que o
Papa, em questões doutrinárias, é infalível? Porque o Concílio de…, sob a
inspiração da Assistência Extraordinária do Espírito Santo dada ao líder da
Igreja, que o promulgou, declarou assim.”
Onde o erro? Ora,
todos os declarantes estavam conversando com alguém que é cético e está
questionando a autoridade da fé que eles têm. E o que eles fazem para
demonstrar que estão certos? Recorrem à mesma autoridade que está sendo
questionada.
Apelar para uma
autoridade que só é reconhecida por uma das partes é sempre desaconselhável
quando a finalidade é a persuasão. Se em matérias científicas, por exemplo, o
currículo de alguém pode dar uma boa ideia de sua capacidade para opinar sobre
um assunto, em religião tal não se aplica da mesma forma. Por isso, é sempre
bom recorrer a outros argumentos diante de um cético; a imposição de autoridade
simplesmente não funcionará.
Supersimplificação e
raciocínio “8 ou 80”
Essas são praticamente
inevitáveis, e se você não se deparar com elas, é porque está debatendo
filosofia ou seu interlocutor é diplomata profissional.
Um bom argumento deve
resumir as questões em debate e simplificá-las para o leitor ou a
audiência. Dizemos que há supersimplificação quando isso é feito de tal
forma que muitos detalhes importantes são deixados de lado e o resumo feito só
permite uma única conclusão. Exemplo:
1. “Os nazistas
usaram alguns escritos de Nietzsche em sua propaganda. A irmã de Nietzsche era
nazista. Portanto, Nietzsche era nazista.”
Já o raciocínio “8 ou
80”, conhecido também como falso dilema, é aquele que só admite duas possibilidades
antagônicas numa determinada questão, mesmo que haja muitas mais, sendo que a
pessoa que o utiliza está, claro, do lado certo. Essa falácia pode ser assim
resumida:
2. “Ou você está
totalmente certo ou eu estou totalmente errado.”
Exemplo radical,
não? No entanto, essa é a forma como muitas pessoas pensam em determinadas
áreas: sem meios-termos, tudo ou é preto ou é branco, sem variações de
cinza. Esse é um meio confortável de simplificar demais assuntos complexos
como moral e espiritualidade, pois é a negação do diálogo. Eis algumas
possíveis aplicações religiosas desse raciocínio falacioso:
3. “A Bíblia
alega ser a Palavra de Deus e sem erros. Se você achar um erro nela, então ela
tem de estar totalmente errada.”
4. “Fulana tinha
câncer e fez uma ‘cirurgia espiritual’ para ajudar na cura. E, de fato, ela se
curou. Ou a cura de Fulana na ‘cirurgia espiritual’ foi um milagre de Deus ou
um prodígio do demônio. Deus não age nessa religião. Então, só pode ter sido
obra de Satanás.”
Cito esses exemplos por
já ter visto alguém usá-los num debate. Fora a questão de fé envolvida aí, o
erro de raciocínio é evidente, pois, no primeiro caso, o fato de achar um erro
na Bíblia ou em qualquer outro livro religioso não significa invalidá-lo por
inteiro, obviamente, mas apenas exigir do leitor um pouco mais de discernimento
ao lê-los, sem o falso conforto de formar uma opinião inflexível e julgar tudo
que ali está sem o trabalho de um maior exame. Já no segundo, fora o
egocentrismo ideológico que não contribui para persuadir a audiência nem
apresenta evidências para comprovar sua tese, excluem-se as outras
possibilidades de explicação: da cura ter-se dado naturalmente, em virtude dos
tratamentos médicos a que Fulana estava se submetendo, ou do fenômeno de
sugestão, etc.
Essas falácias nos levam
diretamente a uma outra, também muito comum, chamada…
Generalização apressada
Falácia de generalização
apressada, como o nome indica, é aquela em que uma pessoa constrói algumas
premissas para um argumento e, em seguida, o conclui rápido demais. Noutras
palavras, é tirar uma conclusão com base em evidências insuficientes, julgar
todas as coisas de um determinado universo com base numa amostragem muito
pequena. Consequentemente, ela passa por cima de detalhes, fatores, circunstâncias
e mesmo dos casos que poderiam refutar a universalidade de suas premissas. É
claro que todo argumento presume algum grau de generalização, mas, neste caso,
ela é excessiva.
Vejamos dois exemplos:
Vejamos dois exemplos:
1. “Minha avó
tem dor de cabeça crônica. Meu vizinho também tem e descobriu que o motivo é um
câncer. Logo, minha avó tem câncer.”
2.. “Nas duas
vezes em que fui assaltado, os bandidos eram negros. Bem que minha mãe fala que
todo negro tem tendência para ladrão!”
Dito assim, parece um
erro tão idiota que uma pessoa teria de ter muito pouca inteligência ou
instrução para incorrer nele. Mas não é bem assim. Esse tipo de falácia é
muito frequente, dentre outras coisas, em certas frases discriminatórias muito
usadas. Quem nunca ouviu algo parecido com os exemplos a seguir?
3. “O pastor da
igreja X roubou o dinheiro dos fiéis. Fulano é pastor. Logo, também é ladrão.”
4. “Meu tio é
candomblecista e já matou um bode para oferecer ao orixá. Beltrano foi ao
terreiro de candomblé. Logo, ele também mata animais para o orixá.”
5. “Fulano
entrou para a igreja X e ficou fanático. Logo, todos os fiéis da igreja X
são fanáticos.”
6. “Fulano
entrou para uma igreja protestante e ficou fanático. Logo, todos os
protestantes são fanáticos.”
7. “Crentes/muçulmanos/bramanistas/etc.
são todos fanáticos.”
8. “Todo
americano é racista.”
É no dia-a-dia que esse
tipo de erro, muito bom para cunhar bordões preconceituosos, é mais encontrado.
Alguns de nós pode até ter crescido ouvindo frases dessa espécie, tendo-as
incorporado de tal maneira que sequer lembramos de questioná-las. Frequentemente
são generalizações feitas com base num único episódio particular, ignorando as
diversas nuances que ele possa ter e aplicando suas características a todo um
grupo de pessoas ou doutrinas. Devemos ter cuidado com elas, são falácias que
podem simplesmente passar despercebidas por anos.
Ataque pessoal ou
argumento ad hominem
Essa falácia é fácil de
reconhecer. Consiste simplesmente em atacar uma pessoa em vez dos
argumentos que ela expõe, usar um traço de seu caráter como pretexto para
desqualificar ou ignorar o que ela diz. Pode ser usado quando não se sabe como
refutar o que o oponente diz ou simplesmente por excesso de preconceito, sendo
um meio muito cômodo (e desonesto) de fugir do debate. Vejamos:
1. “O que Fulano
diz sobre o balanço da empresa não pode ser levado a sério, afinal ele traiu a
mulher.”
2. “O senhor
não tem autoridade para criticar nossa política educacional, pois nunca
concluiu uma faculdade.”
3. “Beltrano não
entende nada de espiritualidade, ele é gay.”
4. “A religião é
uma coisa má. Veja só quantas guerras foram provocadas por ela.”
5. “Não deem
ouvidos ao que ele diz. Como ele abandonou nossa fé, as críticas dele à nossa
organização só podem ser mentiras.”
Talvez nesta última
modalidade o argumento ad hominem seja a falácia com mais possibilidades
de ser explorada autoritariamente, pois a melhor forma de se manter o controle
sobre um grupo é justamente fazer com que ele evite qualquer contato com
informações ou opiniões dissidentes. Não é por outra razão que uma das
primeiras medidas de regimes políticos ilegítimos é a censura e perseguição a
seus críticos e dissidentes. Religiosamente falando, isso é feito pela
difamação de ex-membros, especialmente se eles tentam explicar as razões por
que deixaram o grupo religioso a que pertenciam. Em vários casos,
generalizações excessivas, termos pejorativos e mesmo a proibição de qualquer
contato são usados para se criar a ideia de que todos os ex-membros têm falhas
de caráter, ignorando a possibilidade de abandono por razões de consciência,
discordância doutrinária e toda uma série de fatores que podem levar alguém a
reavaliar honestamente suas crenças. Assim, abafa-se na fonte a possibilidade
de um debate ou questionamento por parte dos que ficaram, já que eles serão
desencorajados a procurar entender os motivos dos dissidentes.
6. “Os
argumentos da empresa X contra nossa fusão não merecem crédito, pois eles são
nossos concorrentes e seus interesses comerciais estão em jogo.” (Também chamado de culpa por
associação)
Neste último exemplo, o
fato de que a empresa X tem motivos comerciais para se opor à fusão das
concorrentes não invalida os seus argumentos e tampouco faz com que os daqueles
a favor da fusão mereçam mais crédito. Fosse assim, por exemplo, poderíamos
invalidar a priori todo os argumentos de defesa do réu de um
processo judicial, já que são motivados pelo seu interesse em continuar livre.
Embora em questões como essa o interesse ou as crenças particulares de alguém
possam sugerir que os argumentos apresentados provavelmente serão
tendenciosos, isso não é desculpa para que sejam ignorados ou abordados apenas
de forma indireta e inadequada através de um truque retórico.
Outra variante nos
leva ao famoso ditado “faça o que eu digo, não o que eu faço”, o chamado tu
quoque(latim para “você também”).
7. “Você diz
que o cigarro é um vício horrível, mas ainda não conseguiu parar. Por que
eu deveria lhe dar ouvidos, então?”
O fato de a pessoa que
nos fala ainda fuma não quer dizer que o cigarro seja menos prejudicial. Ela
pode não ser o melhor exemplo de conduta, mas nem por isso deixa de ter razão
nesse ponto.
Um argumento ad
hominem não é necessariamente uma falácia, desde que aplicado numa
circunstância adequada. Por exemplo, se o seu banco nomeia para o cargo de
diretor uma pessoa com um passado de notórios crimes financeiros, você não pode
ser recriminado por procurar outra instituição.
Neste caso, a probidade da pessoa da pessoa é tão relevante quanto a lógica do que ela diz. Trata-se, então, de uma precaução razoável e justificada. Agora, se essa mesma pessoa, por outro lado, resolve debater a possibilidade de vida após a morte, já é outra história…
Neste caso, a probidade da pessoa da pessoa é tão relevante quanto a lógica do que ela diz. Trata-se, então, de uma precaução razoável e justificada. Agora, se essa mesma pessoa, por outro lado, resolve debater a possibilidade de vida após a morte, já é outra história…
Apelo à ignorância
Resume-se na frase
“ausência de evidência não é evidência de ausência”. Consiste em usar a falta
de provas (ou a inabilidade do oponente em apresentá-las) a favor ou contra
algo para provar uma outra tese.
1. “Você não
tem provas de que Deus existe. Logo, ele não existe.”
2. “Você não
tem provas de que Deus não existe. Logo, ele existe.”
3. “É claro
que houve um dilúvio; ninguém nunca conseguiu provar que não houve.”
Acontece que a mera falta
de provas não prova nada. No máximo, pode sugerir, mas nunca fechar
questão. O fato de eu não poder provar empiricamente que, digamos, os buracos
negros existem não quer dizer que eles não podem existir necessariamente. Ora,
se temos duas teses opostas, e uma não tem evidências confiáveis a seu favor e
a outra sim, fiquemos com esta. Mas se ela também não possui evidências, não
será o problema da outra que a tornará legítima. Por isso, devemos tomar todo o
cuidado para não cair num falso dilema (vide acima) e nos deixemos enganar por
dicotomias falsas, como no exemplo a seguir:
4. “O ‘elo perdido’
entre o homem e os primatas não foi encontrado até hoje. Isso nos mostra que a
Teoria da Evolução está errada e o livro bíblico de Gênese é que está com
a razão ao falar da criação do primeiro casal por Deus.”
Aqui o autor da frase,
além de reduzir toda a Teoria da Evolução ao caso do Homo sapiens,
esqueceu que o fato de que se ela, hipoteticamente, está errada, não quer dizer
que o Gênese esteja certo.
Apelo à multidão
Quem conhece a expressão
“maria-vai-com-as-outras” certamente saberá quando uma falácia de apelo à
multidão está sendo usada. Basicamente, esse é o tipo de raciocínio que
diz “se todos fazem, então eu devo fazer também”. Políticos bons de voto
adoram essa linha de argumento, religiosos proselitistas também.
1. “Você não
acha que se uma religião cresce tanto em tão pouco tempo é porque Deus está com
ela?”
2. “Dez milhões
de pessoas não podem estar erradas. Junte-se à nossa igreja você também.”
3. “Isso é uma
verdade tão sublime que um milhão de pessoas já a aceitaram como regra de fé.”
A questão essencial aqui
é que quantidade não é critério da verdade. O que esse tipo de falácia faz é
desviar a atenção do tema tratado para um outro, aparentemente importante, mas
que é um tópico à parte. O fato de tantas pessoas acreditarem em algo não
significa que seja verdade. Por exemplo, há poucos séculos, acreditava-se
que o oceano era repleto de monstros que inviabilizariam viagens
transatlânticas, e hoje podemos viajar em cruzeiros ao redor do mundo com uma
boa margem de segurança. Em religião, especificamente, é algo ainda pior: se
dez milhões acreditam numa coisa, uns 300 milhões acreditam em outra bastante
diferente; e mesmo a religião mais significativa numericamente não tem uma
vantagem tão grande, pois a soma das outras é ainda superior ao número de fiéis
dela. Existem formas mais inteligentes e honestas de se buscar o consenso do
interlocutor e da audiência.
Apelo ao medo ou
argumento ad baculum
Aqui, o instrumento de
coerção não é a pressão da maioria, mas o temor das consequências de não
adotarmos o ponto de vista da pessoa com quem debatemos. Mais um exemplo tirado
de diálogos religiosos:
1. “Quanto ao
inferno, veja só: eu acredito, você não. Se eu estiver errado, e você certo,
não terei perdido nada. Mas já parou para pensar que, se eu estiver certo e
você errado, você pode sofrer eternamente por isso?”
Ora, isso é um
raciocínio ou uma ameaça? Pois um raciocínio é uma demonstração racional
da validade de uma determinada ideia, o que não é o caso.
Então como analisar esse tipo de argumento? Bem, existem dois tipos de razão para se adotar uma determinada crença: a racional e a prudente. A primeira é baseada na lógica e na objetividade; a segunda, em algum outro fator importante para a pessoa, como medo ou benefício pessoal, mas que não influi na veracidade ou falsidade da crença.
Quando alguém usa um argumento ad baculum, está na realidade dizendo que, se uma ideia ou concepção nos assusta, então é melhor crer que ela é verdade, mesmo que não haja uma razão lógica para demonstrá-la. É fácil mostrar o absurdo disso, bastando mudar o motivo do medo:
Então como analisar esse tipo de argumento? Bem, existem dois tipos de razão para se adotar uma determinada crença: a racional e a prudente. A primeira é baseada na lógica e na objetividade; a segunda, em algum outro fator importante para a pessoa, como medo ou benefício pessoal, mas que não influi na veracidade ou falsidade da crença.
Quando alguém usa um argumento ad baculum, está na realidade dizendo que, se uma ideia ou concepção nos assusta, então é melhor crer que ela é verdade, mesmo que não haja uma razão lógica para demonstrá-la. É fácil mostrar o absurdo disso, bastando mudar o motivo do medo:
2. “Eu acredito
que o bicho-papão mora no armário, você não acredita. Se eu estiver errado, não
terei perdido nada. Mas já parou para pensar que, se eu estiver certo e
você errado, ele pode devorar você?”
Ou ainda, mais
sutilmente:
3. “É melhor
você votar pela condenação do réu ou você pode ser a próxima vítima dele.”
Se para condenar o réu é
necessário apelar para o medo dos jurados em vez de para as provas, então algo
muito errado deve estar acontecendo…
Apelo à tradição
Uma variedade do apelo à
multidão, só que o argumento fundamental neste caso é “quanto mais antigo,
melhor”. Quando uma pessoa apela para a tradição, está apostando que crenças
antigas estão sempre certas, o que obviamente não é verdade, como a medicina demonstra
quase todos os dias. Vejamos alguns exemplos:
1. “A Astrologia
é uma arte adivinhatória praticada há milhares de anos no Oriente. Conta-se que
os antigos reis da Babilônia teriam feito uso dela para saber os dias mais
propícios para as batalhas. Até os imperadores chineses recorriam aos astros
para guiarem seus passos no governo. Com esse currículo respeitável, é
inadmissível que ainda não a considerem uma ciência.”
2. “É claro que
existem duendes, as lendas sobre eles têm séculos e séculos de existência.”
3. “Nosso livro
sagrado têm mais de 3 mil anos de idade e está intacto, logo, só ele pode
conter a verdadeira revelação divina.”
4. “Os primeiros
mártires costumavam fazer ou acreditar nisso. Então deve ser bom.”
5. “Essas
práticas remontam aos primeiros séculos da nossa igreja. Como você pode
questioná-las?”
Familiar? Esse tipo de
argumentação ignora que o fato de um grande número de pessoas, durante muito
tempo, crer que uma coisa é verdade não é motivo para se continuar
crendo. Por exemplo, a escravidão era considerada justificável em inúmeras
nações durante milênios, e nem por isso, hoje, temos que aceitá-la como uma
prática legítima.
Apelo à autoridade
Quando queremos reforçar
nossa tese, podemos recorrer à opinião de pessoas respeitáveis para
corroborá-la. Assim, por exemplo, se quero defender o uso de uma determinada
substância no tratamento de uma doença, poderei citar médicos renomados e
idôneos, desde que eles tenham experiência no combate a essa enfermidade e que
tenham testado a eficácia da substância em questão. Isso é perfeitamente
válido, e até desejável. No entanto, nem sempre se tem esse cuidado na seleção
de citações, e acabamos por citar quaisquer personalidades célebres como se
tivessem mais autoridade que qualquer outro mortal em questões em que não são
especialistas. Ser famoso não quer dizer estar certo sobre tudo. Por exemplo:
1. “Dionne
Warwick é uma boa cantora, mas isso não significa que o serviço esotérico por
telefone para o qual ela faz propaganda realmente funcione e seja a solução de
todos os problemas da vida.”
2. “O mesmo vale
para Mayara Magri e o Instituto Omar Cardoso, bem como para todos os anúncios
publicitários envolvendo celebridades do show-business.”
Da mesma maneira,
principalmente ao se tratar de assuntos polêmicos, fazer citações breves de
especialistas famosos, ainda que afins com a questão em pauta, não significa
necessariamente que eles estão defendendo a tese em questão ou concordando com
todos os pontos que a compõem. Depoimentos de somente uma ou duas frases
aparentemente favoráveis em geral não nos permitem ter uma ideia clara de até
que ponto aquele suposto especialista se aprofundou no assunto e no contexto em
que aquelas palavras foram ditas.
Para termos uma maior segurança nesse ponto, ao nos depararmos com o depoimento dessas autoridades, é melhor que eles sejam suficientemente detalhados para que possamos ter certeza de que sabiam do que estavam falando e das razões pelas quais são favoráveis ou não a uma determinada ideia. O bom senso exige que, antes de nos curvarmos a títulos e fama, procuremos saber que argumentos estão sendo usados e se eles realmente merecem crédito. Afinal, mesmo os sábios têm suas falhas e equívocos.
Para termos uma maior segurança nesse ponto, ao nos depararmos com o depoimento dessas autoridades, é melhor que eles sejam suficientemente detalhados para que possamos ter certeza de que sabiam do que estavam falando e das razões pelas quais são favoráveis ou não a uma determinada ideia. O bom senso exige que, antes de nos curvarmos a títulos e fama, procuremos saber que argumentos estão sendo usados e se eles realmente merecem crédito. Afinal, mesmo os sábios têm suas falhas e equívocos.
Eufemismos
São palavras que
designam coisas potencialmente desagradáveis de forma mais suave. Usadas
até não mais poder por políticos e religiosos, são uma forma polida e ilusória
de tornar belo o feio, e fazer com que mesmo as ideias mais repugnantes se
tornem mais aceitáveis. Seu apogeu está no uso de expressões consideradas politicamente
corretas, tão populares nos Estados Unidos, e que chegam a ser ridículas:
1. “Indivíduo
verticalmente desafiado — anão.”
2. “Homem
afro-americano — homem negro (e por que não nipo-americano,
sino-americano, teuto-americano?).”
Já outros são mais
universais e menos risíveis:
3. “Apropriar-se
ilicitamente de dinheiro público — roubar dinheiro público.”
4. “Ser convidado a retirar-se do
recinto — ser expulso do recinto.”
Eufemismos normalmente
são dispensáveis, só tendo alguma utilidade quando se quer evitar ferir a
suscetibilidade de alguém, que, no caso do politicamente correto, é
exagerada. Um bom argumento deve ser claro, conciso e de preferência sem
eufemismos que possam atrapalhar a comunicação. Se eles são usados com muita
frequência, pode ser o caso de que nosso interlocutor esteja tentando minimizar
ou disfarçar alguma coisa.
Premissas contraditórias
Quando as bases do
argumento são mutuamente excludentes. Por exemplo:
1. “O que
acontece quando uma força irresistível encontra um obstáculo irremovível?”
Ora, o erro aqui é que
não existe força irresistível. Se existisse, então não haveria um obstáculo
irremovível, e vice-versa. Logo, se a pergunta não é coerente consigo mesma,
não pode haver resposta.
2. “Se Deus
pode tudo, ele poderia fazer uma pedra tão pesada que nem ele mesmo pudesse
levantar?”
Novamente, a pergunta
não faz sentido, pois admitir que Deus pode criar tal pedra é admitir também
que ele não pode tudo; e admitir que ele não pode criar a pedra é o mesmo que
negar sua onipotência. Então, não se tem aí nenhum fundamento que possa dar
margem a um raciocínio legítimo.
Mais um exemplo, desta
vez peculiar às religiões salvacionistas, em especial as cristãs:
3. “Deus é o
criador onisciente de todas as coisas. Então ele também criou o mal? Não, o mal
é criação das suas criaturas.”
Vejamos: se Deus é o
criador de tudo, e ainda por cima onisciente (ou seja, sabedor de tudo, mesmo
do futuro), como se pode dizer que o mal não é também criação dele?
Tal como estão, as afirmações se contradizem, pois mesmo que Deus não tenha criado o mal diretamente, se ele é onisciente e cria os seres já sabendo que praticarão atos maus, o máximo que se pode dizer é que ele é seu criador indireto. A própria ideia de ser a origem de tudo que existe implica não só ser criador daquilo que consideramos bom como também do que consideramos mau. Mas se o mal foi criado a despeito da vontade ou do conhecimento de Deus, o que faz mais sentido, então ele não seria onipotente. E aí teríamos mais uma contradição.
Tal como estão, as afirmações se contradizem, pois mesmo que Deus não tenha criado o mal diretamente, se ele é onisciente e cria os seres já sabendo que praticarão atos maus, o máximo que se pode dizer é que ele é seu criador indireto. A própria ideia de ser a origem de tudo que existe implica não só ser criador daquilo que consideramos bom como também do que consideramos mau. Mas se o mal foi criado a despeito da vontade ou do conhecimento de Deus, o que faz mais sentido, então ele não seria onipotente. E aí teríamos mais uma contradição.
Redução ao absurdo
É um raciocínio levado
indevidamente ao extremo. Designado apropriadamente em inglês pela expressão
“slippery slope”, ou seja, rampa escorregadia, na qual um simples empurrão
basta para que se perca totalmente o controle. Essa falácia pode ser expressa
assim:
1. “Você
permite que seu filho de seis anos roube um beijo na bochecha da coleguinha de
escola hoje e logo ele vai querer agarrá-la e, mais tarde, se tornará um maníaco
sexual. Você não tem vergonha?”
Ou seja, quem faz uso
dessa falácia parte do princípio de que um evento qualquer vai necessariamente levar
a outro sem qualquer possibilidade de gradação ou razão aparente, como numa
bola de neve montanha abaixo. É uma mistura de generalização apressada com um
determinismo pessimista, pois só reconhece uma cadeia de eventos possíveis a
partir de um fato. No exemplo citado, pode até ser que o menino tenha alguma
tendência problemática, mas certamente não terá sido o beijo na coleguinha o
fator responsável por isso e de uma criança que dá um beijo na bochecha aos
seis anos até o adulto sexualmente perturbado vai uma boa distância. A
falácia relaciona o beijo ao comportamento doentio sem qualquer motivo
aparente, ignorando todos os graus entre uma coisa e outra.
Mais alguns exemplos:
2. “Se você
permite o aborto em casos de risco de vida para a mãe nos hospitais públicos,
logo todo o mundo vai querer abortar por qualquer motivo, ninguém mais vai
valorizar a gravidez e a taxa de natalidade vai acabar despencando,
prejudicando a economia do país.”
3. “A crença
na vida após a morte é perniciosa, pois quem acredita nisso sempre vai achar
que as coisas vão melhorar no Além e, portanto, vai se acomodar à sua situação
atual, não lutar por seus direitos e permanecer em tamanha inatividade que a
nação logo vai estar subjugada pelos exploradores internacionais. É por isso
que nosso país seria muito melhor se todos fossem ateus.”
Agora alguns só
aparentemente mais aceitáveis:
4. “Se
deixarmos o governo vender uma estatal hoje, daqui a dois ou três anos o país
inteiro vai estar nas mãos do empresariado internacional.”
5. “Não
podem censurar meu livro. Eles começam censurando só o meu e logo vão estar
queimando todos os livros em praça pública e voltaremos ao tempo da
Inquisição!”
6. “Se eu
fizer uma exceção para você vou ter de fazer para todo o mundo.”
7. “Se você
cumprimentar aquele seu amigo que abandonou nossa igreja, ele vai encher sua
cabeça de mentiras, você vai perder a fé e vamos ter de tratar você como um
traidor também.” (cf.
Apelo ao medo ou argumento ad baculum e Ataque pessoal ou
argumento ad hominem, acima).
Nota
1 — Comunicação
em prosa moderna. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1978, p. 307.
- fonte: Azel´s
Home Page