Tomaz da Fonseca
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Excertos
"... Sempre que uma grande e luminosa descoberta fornece benefícios aos
mortais, facilitando e adoçando a vida, logo surgem os padres nos púlpitos,
condenando-a como obra contra Deus e contra a fé de nossos pais.
Foi deste modo que perseguiram, sacrificaram e desonraram (quantos morreram
cobertos de ignomínia e de miséria irresgatável!) Copérnico, que descobrira o
movimento da Terra; Newton e La Place, que ensinaram o sistema do mundo;
Franklin e Dawis, que abrigaram do raio e das explosões do grisu; Galvani e
Volta, que revelaram as correntes eléctricas, hoje dominadoras do mundo;
Wheratstone e Morse, que, por meio do telégrafo, fizeram voar o pensamento com
a velocidade dum raio... Perseguiram Bacon e Descartes, ultrajaram Look e
Espinosa. Le Bon, que iluminou as cidades a gás, foi obrigado a emigrar;
Galileu, que nos legou o termómetro, a balança hidrostática e nos revelou o
movimento da Terra, foi agarrado e torturado pelo dedo de Deus, nesse tempo ao
serviço da Inquisição; Rousseau, que nos ensinou a arte de educar as crianças,
foi um dos homens mais perseguido e mais repetidas vezes condenado pela igreja.
Filhos do diabo eram também Quinguet, autor dos candeeiros; Mariotte, dos
manómetros; Paulino de Campânia, dos sinos; Finiguerra, da gravura a buril;
Dombarle, da charrua; Senefelder, da litografia. Filhos do Diabo foram ainda
Pironet, que descobriu a bomba; Sauvage, a hélice; Margraf, o açúcar de
beterraba; Fresman, a borracha; Cromston, a fiação mecânica; Robert, a máquina
de fabricar papel; Filipps, o sino de mergulhar; Fresnel, os faróis das costas;
Deville, o alumínio; Soubeiram, o clorofórmio; Deschamps, a lâmpada económica;
Vaucauson, os autómatos; Filippe Chiese, as diligências; Otho Guericke as máquinas
pneumáticas; Fischer, as bombas de incêndio; Montgolfier, o carneiro
hidráulico; E. Adour, o alambique, Gay Lussac, o alcoómetro; Lee, as pontes
pênsis; Baptista Chambrai, a cambraia, e os esposos Curie, o radium. Nenhum
deles teve jamais as atenções da Igreja para outro fim que não fosse a
perseguição, a calúnia, o extermínio.
Lincoln, que pacificou a América, e Garibaldi, que libertou a Itália, eram dois
filhos do Inferno, às ordens de Satanás"...
Montalembert e Lamenais, que defenderam a liberdade da Ciência e a supremacia
do livre-exame, foram anatematizados pelo Papa, como inimigos da Verdade. Entre
nós: quantas vítimas inocentes, sacrificadas em nome desse Deus? Lembro apenas
duas: Damião de Gois, glória de Portugal, condenado pela Inquisição a apodrecer
no fundo de um cárcere abominável; e Alves Martins, bispo de Viseu e ministro
de Estado, que dava tudo aos pobres, que não tinha guarda-roupa nem cruz de
brilhantes, morreu amaldiçoado pela Igreja, chegando os seus próprios colegas a
negar-lhe uma missa, a missa fúnebre, a missa que se diz a toda a gente!
À vista destes factos, quais são as obras de Deus? Quais os seus homens? Quem
manda ele para nos dirigir e resgatar? Inácio de Loiola, que ensinou à
Humanidade a arte de sofrer e ser cadáver; Torquemada, que inaugurou a
Inquisição da Espanha, encarcerando, degolando e queimando muitos milhares de
cidadãos prestantes; Carlos 9º e Catarina de Médicis, que, em uma noite apenas,
cobriram de sangue as ruas de Paris, matando e afogando cegamente o seu povo
indefeso; Pedro, o Eremita, e Urbano 2º, os fautores das Cruzadas, onde morreu,
com fomes, febres e guerras inúteis, a flor da mocidade de toda a Europa; o
patriarca S. Domingos, que fundou o mais tenebroso e sanguinário dos tribunais
- a Inquisição -; Simão de Monfort, que massacrou os albigenses, gente simples
e de bons costumes que havia numa província ao sul da França; e o abade
Citeaux, que nessa guerra de extermínio mandava matar indistintamente velhos e
moços, mulheres e crianças, culpados e inocentes, alegando que Deus saberia
distinguir os ímpios dos católicos, chegando, desse modo, e num só dia a
massacrar 60.000!... Três pessoas distintas, mas todas elas realizando o
pensamento e a obra do deus Verdadeiro.
Os soldados do general russo Anhalt, quando atiravam ao ar com as crianças
turcas, aparando-as em seguida na ponta das lanças, faziam-no em nome de Deus,
entre orações e missas. Igual procedimento tinham os companheiros de Fernão
Mendes Pinto, quando, no Oriente, queimavam, gotejando sangue no meio dos
incêndios.
Filhos de Deus foram também o frade Jacques Clement e Ravaillac, que
apunhalaram respectivamente os reis de França Henrique 3º e 4º, este último o
bom, o justiceiro, o laborioso e grande Henrique. Filhos de Deus eram os papas
Sérgio 3º, que teve de Marosia um filho adulterino, mais tarde o papa João 11º,
que, tendo roubado em Nápoles uma mulher ilustre, viveu depois com ela,
publicamente amancebado; Alexandre 6º, que teve de Vanosia, dama romana, quatro
filhos e uma filha, e dava banquetes às prostitutas e envenenava os seus
inimigos; Paulo 3º que passava o melhor do seu tempo a gerar filhos, que depois
elevava a cardeais; Júlio 3º que tinha por amante um lindo moço, de que fez um
pequeno cardeal; João 22º, que, mediante 80 soldos pagos à Santa Sé, consentia
que os leigos dormissem com as mães e irmãs, e por pouco mais os pais com as
filhas; que permitia aos diáconos o assassínio com as condições de darem 240
soldos; aos bispos e aos abades um pouco mais abonados, o direito de apunhalarem
o semelhante, se dessem 300 libras."
"Pois são factos há muito averiguados e bem conhecidos dos que estudam e
lêem. Mas se ainda fosse só isso!... Que pensaríeis então se vos dissesse, por
exemplo, que só uma das obras de Deus, as tais cruzadas à Terra Santa, custaram
inutilmente a vida a dois milhões de crentes? Que direis que só desde o papado
de Leão 10º a Clemente 9º, os carrascos zelosos da fé, espalhados pela França,
Holanda, Alemanha, Flandres e Inglaterra; a Saint-Barthelemy, os missionários da
Vendea, de Cevennes, da Irlanda, queimaram degolaram e massacraram para cima de
outros dois milhões de seres humanos?
Las Casas, bispo espanhol e testemunha ocular de muitas perseguições e autos de
fé, atesta que só na América, se imolaram a Deus, por imposição do clero, dose
milhões de indígenas! As guerras religiosas do Japão, provocadas pelos
missionários europeus, que iam propagar o catolicismo, custaram o melhor de
400.000 vidas! E à sua parte, a Inquisição, no resto dos países, fez queimar
igual número de pessoas, sob o pretexto de heresia ou de fé morta.
Os massacres de Meridol e Cabrières são também dignos de Deus: 22 grandes
bairros incendiados, crianças de peito lançadas às chamas, jovens desfloradas e
cortadas aos bocados, pobres velhas sem préstimo obrigadas a arrastar-se por
cima de brasas vivas, tendo cheios de pólvora os orifícios da maternidade e do
anus; os maridos, os pais, os irmãos, tratados pouco mais ou menos da mesma
sorte; tudo isto junta mais ao rol de Deus o melhor de 18.000 vidas! A guerra
religiosa, que se seguiu ao suplício de João Huss e Jerónimo de Praga, custou
150.000 existências. E, no século 14, o grande cisma do Ocidente cobriu a
Europa de cadáveres, pois nada menos de 50.000 foram as vítimas dessa raiva
papal.
As cruzadas contra os imperadores, desde Gregório 7º, roubaram à Europa 300.000
homens, pelo menos. Nas dos frades cavaleiros (porque também esses tiveram as
suas cruzadas) que desbastaram todas as terras marginais do Báltico, os
sacrificados não ficaram abaixo dos 100.000. Igual número sucumbiu na cruzada
contra o Languedoc, largo tempo coberto pelas cinzas das fogueiras. As guerras
movidas pelos papas e bispos entre si custaram 20.000. A imperatriz Teodora,
viuva de Teófilo, em cumprimento da penitência imposta pelo seu confessor, fez
massacrar 120.000 maniqueus, em 845. As querelas religiosas entre iconoclastas
e iconólatras, eliminaram mais de 60.000 vidas. As disputas sobre a
consubstancialidade, em matéria de sacramentos, desbastaram muitas províncias,
sendo mais de 300.000 cristãos degolados e queimados por outros igualmente
cristãos. E como estas outras vítimas: como estes outros atentados, iníquos,
monstruosos!"
Que leia por exemplo, as páginas que tratam do ano mil. Ah! os falsos pavores
dessa era terrível, que tantas desgraças e tão grande retrocesso social
motivaram no mundo! Foi isso, como digo, no ano mil da nossa era. A igreja e
com ela toda a cristandade, clamava que fizessem penitência, porque Deus ia dar
fim ao mundo. Pois bem, Deus, que sabia tudo, Deus, que todos os dias falava
com os seus padres, e estes que toda a hora recebiam, possuíam a Deus, nenhum
disse a verdade às multidões. Deus consentiu que os homens deixassem de
cultivar os campos, construir as casas, abrir estradas, educar a mocidade, amar
e procriar, ordenando-lhes apenas que rezassem, chorassem e morressem de dor,
esterilmente, como lobos famintos num deserto! E isto, durante anos e anos!
Muitos, para não assistirem à pavorosa e universal catástrofe, iam afogar-se
nos rios, asfixiar-se nas adegas, abrasar-se nos fornos e, quantos, quantos,
não foram sepultar-se vivos, em fundas valas e em negras cavidades
subterrâneas! Tudo era desolação e morte, na expectativa , desse fim, E Deus
viu tudo, Deus quis tudo, e a Igreja a tudo assistiu, como executora dos
mandatos divinos.
Pois bem, todas essas lágrimas essas mortes, essas sepulturas vivas, esses
ventres estéreis e, principalmente, esses irreparáveis retrocessos
intelectuais, morais e económicos, tudo isso se teria evitado se Deus quisesse
ser, por um instante que fosse, não digo já pai amantíssimo, mas simplesmente
juiz consciencioso, alma de bom sentir e bom querer. Bastava que dissesse ao
seu vigário na Terra uma palavra só; bastava um gesto, um aceno, e tudo se
teria remediado e evitado. Mas não quis. E ate parecia ser ele o primeiro a
sentir e a confessar o medo. Pois o ano mil passou e tudo continuou como dantes
menos as terras e outros bens da gente ignara e simples, que passaram a posse
dos conventos.
Duvidais também, porventura, das fomes, dos incêndios e das pestes, que no
século 17 encheram de luto o mundo inteiro?
Só nas ruas de Londres, em 1664, caíram 50.000 ingleses fulminados pelas
epidemias. Para cúmulo de infortúnio, sobreveio, depois, um tão formidável
incêndio, que destruiu quase toda a cidade. E na França, ainda o quadro de luto
e de miséria foi mais horrorizante. Do alto do seu trono de nuvens, Deus viu a
Franca, agonizando com a cólera; viu morrer, viu pedir misericórdia, e ficou
mudo, e conservou-se inerte! Ruas inteiras, bairros completes das mais
populosas cidades ficaram desertos e sem vida. E quando, à noite, nas ruas,
onde a vida palpitava ainda, alguém passava, acossado de pânico, via
constantemente abrirem-se janelas, onde caía um corpo, fechando-se em seguida,
muitas vezes para não mais se abrirem. De espaço a espaço, passava pelas ruas o
carroção lutuoso e sinistro, que recolhia os mortos e seguia para a vala comum.
Por fim não havia já quem os enterrasse. Os corpos eram lançados fora, ao
acaso, por todos os pontos da cidade, e assim ficavam, decompondo-se, à vista
de Deus, que lá das cumeadas do Infinito se estava revendo e regalando com a
perfeição da sua obra.
E o Diabo? Esse não se esquece nunca do bem que precisamos, e por isso nos
manda de pronto os seus agentes - Apolónio, Galeno, Gutenberg, Watt Palissy,
Lavoisier - recomendando-lhes sempre que trabalhem e lutem no sentido do Bem e
da Verdade, comuns a todo o ser criado; que sejam moderados, económicos,
magnânimos e justos, a fim de podermos e sabermos, para que mutuamente nos
amemos e libertemos da dor e da miséria, até que um dia possamos realizar o
nosso grande sonho de beleza, pairando, como águias, por sobre toda a
imperfeição das coisas.
Que diferença, pois, entre o bom Deus e o mau Diabo, o qual, apenas pressente
estas desgraças, estas crises morais e económicas, logo corre a chamar os seus
amigos, a quem vai levar o segredo da maior felicidade, ensinando-Ihes a
procurar o ferro, o ouro, a prata, o cobre e a platina; indica os bons
terrenos, tanto os que produzem frutos, como os que encerram minas de hulha;
marca os pontos onde a vida melhor se poderá viver e dilatar; aplica à
indústria o carvão e o vapor, funde os metais, prepara enxadas e charruas. Foi
ele que nos ensinou a domesticar o boi e o cavalo, que nos levou ao fundo das
minas, aos grandes e inesgotáveis depósitos carboníferos; conduziu-nos através
das florestas, desceu connosco ao fundo dos oceanos e, não farto de nos prestar
todo este apoio, ajudou-nos ainda a erguer os muros e lançar os telhados da
nossa habitação, preparou-nos os remédios na doença, evitou-nos as correntes de
ar, as chuvas, as pestes, os tormentos contínuos, as misérias sem fim, e,
finalmente, deu-nos a paz, a abundância, a liberdade e o sonho, a resignação e
o amor.
E Deus maquinando na sombra! Que virá agora? Que nos dará ele em desconto do
bem que o outro nos mandou ?- pergunta a cristandade suplicante, interroga o
mundo em desalento ! Ah! dá-nos, por exemplo, o Santo Oficio, Inácio de Loiola
e Torquemada, para que seja castigado e destruído esse povo rebelde, que assim
tenta desobedecer-lhe, inventando artes de prosperar e ser feliz.
Mas o Diabo surge. E no ponto em que mais acesa encontra a guerra do Absoluto
contra o Relativo, aí mesmo alicia os seus agentes. Enquanto um lança ao mar o
seu navio, outro faz circular comboios, outro voa nos ares, como as águias do
Cáucaso, o povo fraterniza, atenuando assim as cóleras de Deus. Emigra para
novas terras, procura novos horizontes, sulca os mares, interna-se em florestas,
ama, luta e é feliz, quanto pode sê-lo um perseguido do Infinito.
E Deus sempre descontente. De Roma chovem os anátemas, e os papas, seus
intérpretes, ameaçam de morte a humanidade, exigindo suplícios, martírios,
agonias. A sociedade clama? Tem fome de pão e sede de justiça? Deus não hesita,
manda-a encarcerar, banir, privar dos sentidos, da alegria, do trabalho que
redime, do amor que adoça e santifica as almas, do espírito que liberta as
consciências, da luz que move o mundo e anima a vida.
E o Diabo contente, porque vê os homens cumprindo os seus deveres. E porque
espera e crê na sua obra de resgate, leva-os às fabricas e às minas,
ensina-lhes a tecer o linho, cardar a lã, canalizar o gás e a água, sanear as
ruas e os pântanos, arborizar os montes, evitar os perigos, prever o tempo,
conhecer os astros, anunciar os eclipses e redimir consciências, formando
caracteres e organizando povos em comunas livres na livre comunhão de todo o
bem. Pio 9º, esse filho de Deus, escreve o Sílabus! Condena humanidade à
escravidão e à ignorância! Embora : não conseguirá realizar os seu s planos,
porque o Diabo chama Garibaldi, Cavour e Mazzini e manda dar trabalho aos
ociosos, pão aos famintos, escola aos ignorantes, património aos deserdados,
paz aos perseguidos e felicidade aos miseráveis.
Mas para que vamos tão longe buscar factos que todos vimos já, perto da nossa
porta? Lembram-se de quando, há anos, aqui caiu um raio que matou uma família
inteira, à hora em que, no campo, preparava o pão de cada dia, abatendo também
os bois com que lavravam a terra? Pois toda a gente, de um ao outro extremo do
concelho, atribuiu a Deus essa calamidade irreparável. E quando tempos depois,
aqui passou o comboio, a que já fizemos referência, comboio que nos conduzia à
vida, ao trabalho, à liberdade, fazendo com que as nossas propriedades
rendessem o dobro e a nossa produção tivesse mercado e venda pronta, todos
disseram à uma: É o Diabo, é o Diabo! Por essa altura voltavam a perturbação e
a dor ao coração do povo, sob a forma de cólera-morbus e varíola, que, caindo
no seio das famílias, levou filhos e pais parentes e amigos. Debalde se
fartaram todos de pedir a Deus misericórdia, para que suspendesse a cólera
divina. Fizeram-se preces públicas, prometeram-se juntas de bois aos santos,
tranças de cabelo virgem ás santas, romagens de joelhos ás ermidas, jejuns de
um ano ao Santíssimo, e de nada valeu a nossa fé. Lembram-se bem não é
verdade?...
...Deus, que nos ouve e nos vê decerto nos aplaude, pois está-nos fazendo o
mesmo que tem feito aos que na Terra se dizem seus representantes... Querem
vocês saber como ele usa assistir aos concílios e outras reuniões da Igreja? Em
qualquer dessas assembleias, a que o papa assiste muitas vezes e onde estão
cardeais, patriarcas, bispos e padres, ergue-se de lá um, muito solene, muito
grave e, dirigindo-se ao espirito invisível, ao mistério, exclama Se Deus
aprova, que se deixe estar. Por conseguinte, se o vosso receio é que Deus não
esteja satisfeito connosco, digamos nós também, como esses padres, ao começar
este serão: - Se Deus não está contente connosco, se não aprova as nossas
intenções e decisões que vão seguir-se, que faça o favor de se manifestar,
erguendo-se, falando, exteriorizando-se, enfim. ...Como vêem, Deus conforma-se,
aprova as nossas decisões. Dá-nos o mesmo apoio que deu aos 318 bispos que, no
ano 325, se reuniram em Niceia, para condenarem Ario, que negava a
consubstancialidade do filho com o pai, o mesmo que deu aos 150 que, em 381, em
Constantinopla, acrescentaram ao símbolo a palavra filioque, o mesmo ainda que
deu aos 198 que, em Efeso, no ano de 341, se congregaram para condenar
Nestório, que negara a União das duas naturezas em Cristo... Presta-nos o mesmo
auxílio que prestou aos 135 bispos reunidos em Efeso, em 449, para excomungarem
Flaviano e aplaudirem Eutiques; o mesmíssimo que prestou ainda aos 600 bispos
do Oriente que, em 451, voltaram a reunir-se em Calcedónia para aprovarem agora
o que haviam reprovado antes, excomungando Eutiques e louvando Flaviano... que
morrera na Lídia, desterrado, abandonado, faminto e desonrado.
Deus, emudecendo aqui, junto a nós dá-nos as mesmas provas de amizade e
protecção, que deu aos 150 bispos chamados a Constantinopla, em 553, para
debaterem a poderosa questão dos três capítulos! Faz-nos a mesma justiça que
fez aos 174 bispos reunidos no concílio de; Trulo, em 680, para condenarem o
monoteísmo e proclamarem duas vontades em Cristo. (Quando, em 754 compareceram
em Constantinopla 338 bispos a fim de condenarem o culto das imagens, anatematizando
todo aquele que o defendesse, Deus, que estava tão presente como aqui, fez-lhes
o mesmo que acaba de fazer-nos e o mesmo ainda que, 33 anos depois, lhes voltou
a fazer, em novo concilio ecuménico, onde voltaram muitos daqueles que viviam
ainda, a fim de ser restabelecido o culto das imagens, tão duramente
excomungado antes e com à mesmíssima aprovação divina). Aplaude-nos, como
aplaudiu os 319 bispos que no ano 861, se reuniram, sob a presidência de
Focius, bispo de Siracusa, e com a assistência dos legados pontifícios,
condenaram Inácio, patriarca de Constantinopla, bem como igualmente aplaudiu os
bispos que, um ano depois, restabeleceram Inácio e excomungaram Focius,
voltando ainda a excomungar Inácio e a louvar Focius com os bispos que de novo
se juntaram, sempre de acordo com o papa e os seus legados.
Deus mostra por nós a mesma solicitude e carinho que mostrou em 867, aprovando
as futuras decisões do grande concílio que em Constantinopla excomungou depois
o papa Nicolau. A sua divina misericórdia assiste-nos, tão onipresentemente,
como assistiu; ao papa Urbano 2º e seus súbditos, Placença e Clermont, no ano
1095, onde se decidiram e proclamaram as cruzadas. Dá-se aqui o mesmo que em
1074, quando Gregório 7º, cercado da sua corte e assistido, como nós, do
Espírito Santo, condenou os padres simoníacos; o mesmo que, dois anos mais
tarde, sucedeu em Worms, onde Deus deu a sua plena e incondicional aprovação
aos bispos que depuseram o mesmo papa que, por sua vez, reuniu em Roma, na
presença do mesmo Deus, 110 bispos, que tiveram licença para excomungar os
promotores do concílio anterior. Deus, que logo se passou, indo aprovar e
aplaudir as decisões daqueles bispos venerandos que, por sua vez, excomungaram
e depuseram o papa, o qual foi obrigado a fugir, indo esconder-se na Torre de
Santo Angelo, de onde fugiu, também, para ir morrer abandonado e inconsolável,
na pequena Salerno! Esse Deus, justo e clemente, está junto de nós,
afirmando-nos a sua adesão, tal como, no 4º concílio de Latrão, aos 71 primazes
e metropolitas, aos 412 bispos e patriarcas, aos 800 abades e priores, além de
muitos príncipes e embaixadores de vários reinos, que condenaram ao extermínio
e à morte os desgraçados albigenses. E quando, mais tarde, o papa Clemente
7." excomungava o seu rival Urbano 7º , também papa, que por sua vez o
excomungou a ele, era ainda Deus que presidia aos seus juízos, tal como está
hoje presidindo aos nossos. Está aqui como esteve no concílio ecuménico de
Pisa, onde, com a sua divina aprovação, foram excomungados os seus vigários
infalíveis, Gregório 12º e Bento 13º. Está aqui e tão divinamente como esteve
no célebre concílio em que João 22º foi obrigado a abdicar; em que, na sua 4ª e
5ª sessões, foi proclamada a supremacia dos concílios sobre os papas; em que na
sessão 37ª, foi deposto o papa Bento 13, que o mesmo concilio havia eleito; e
em que finalmente, foi condenado João Huss e Jerónimo de Praga, por haverem
proclamado a suprema e única autoridade de Cristo sobre os papas eleitos a
poder de dinheiro e capricho dos reis, pelo que se determinou fossem queimados
vivos! E isto sempre sobre o olhar magnânimo do supremo Senhor, que, como aqui,
não cessava de louvar e aplaudir esse procedimento!
Sim Deus aplaude a nossa obra, com a mesma veemência com que aplaudiu, por
dezoito longos anos, a grande multidão de legados pontifícios, cardeais,
patriarcas, arcebispos, abades, generais, príncipes e fiéis de todas as
categorias, que no concilio de Trento estabeleceram o dogma do Purgatório,
definiram a invocação dos Santos, o culto das imagens e relíquias, a doutrina
das indulgências, acabando por condenar todos os livros que de algum modo
pudessem instruir, esclarecer, aperfeiçoar e libertar a humanidade, ainda
semi-cega dos terrores da Idade Media, em que os pregadores eram analfabetos e
os santos se recusavam a aprender a ler e a lavar-se. Sim. Deus assiste à nossa
obra com tão absoluta omnipresença como assistiu a Gregório 13 e ao seu sacro
colégio, quando, em Roma, celebraram e mandaram celebrar festas de publico regozijo
pela matança de S. Bartolomeu. Enfim, meus amigos, para terminarmos esta
apresentação dos divinos poderes, Deus está tão presente à nossa assembleia,
como estava, em 1869 à dos 747 bispos, que, na bastilha de S. Pedro, cheios de
medo pelos destinos da Igreja, debateram o dogma da infalibilidade papal, dos
quais, por sinal, só 535 o aprovaram, condenando assim a liberdade e a razão,
pelo que foram obrigados a suspender as sessões e saírem de Roma a toda a
pressa, para não serem escorraçados pela bota irreverente dos piemonteses,
supremos senhores da Cidade Eterna.
Portanto Deus calando-se aqui, como sempre fez nesses grandes concílios do
passado, mostra que está contente com o que temos feito e, sobretudo, com o que
vamos dizer neste sentido...
Lisboa, 5 Janeiro de 1998
(Núcleo de Cidadãos amigos de Tomás da Fonseca)