segunda-feira, 4 de setembro de 2017

DELÍRIOS RELIGIOSOS

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Uma discussão contemporânea sobre os delírios religiosos




“A ilusão religiosa é a mais implacável e a mais tenaz, ela vincula uma pulsão e está próxima aos delírios psiquiátricos" (Freud, 1927)







Desde que há homens e que eles pensam, idéias religiosas permeiam a maioria das mentes, fazendo com que as questões de ordem religiosa acompanhem a humanidade ao longo de toda a sua história. Elas estão presentes nas perseguições da inquisição, nas guerras religiosas, em disputas políticas, entre outros. Estes temas são explorados nas telas dos cinemas desde a invenção deste e na literatura em geral, como no grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, cuja obra questiona a existência do Diabo. Portanto, dentre as inúmeras formas de expressões psíquicas, me proponho a investigar aquelas que se referem às manifestações psicológicas delirantes de temática religiosa, isto é, os delírios religiosos.

Aqui é importante esclarecer, os próprios delírios religiosos mudam ao longo do tempo, mas, além disso, mudam também as concepções. Apresentarei três: uma concepção na antiguidade; uma leitura da psiquiatria do sec. XIX; e outra do século final do sec. XX e início do XXI. Primeiramente na antiguidade, todas as superstições, ou seja, tudo aquilo que não fosse da religião “oficial”, sob certas condições, tornavam-se verdadeiras ilusões e delírios. Já para os autores da psiquiatria moderna o delírio religioso não é apenas um sintoma. Este constituía uma patologia à parte, a “mania religiosa”, devido a sua consistência e sua tamanha complexidade. 

Hoje, os delírios religiosos são considerados como um sintoma, sendo que a presença de um delírio de conteúdo religioso preenche critérios do DSM-IV para transtorno delirante ou parte do critério A para esquizofrenia constituindo um quadro Psicótico, e caracteriza-se pelo seu conteúdo espiritual, místico ou religioso, com a presença de alucinações visuais e auditivas, podendo ocorrer de forma individual ou coletiva, ocasionando no pior dos casos: o assassinato, suicídio e a automutilação. Estes delírios podem ser combinados com outros delírios, como delírios de grandeza (a crença de que a pessoa afetada foi escolhida por Deus, por exemplo), os delírios de controle ou delírios de culpa. 

Pensemos em alguns acontecimentos históricos onde este sintoma aparece, por vezes em forma de delírio epidêmico¹, como no episódio de Canudos, liderada pelo místico Antônio Conselheiro, que acreditando em uma terra santa constrói um povoado, ou no caso do grande líder religioso nordestino Padre Cícero do Crato (e de sua Juazeiro), este era autor de muitos milagres, ou Jacobina Mucker que liderou o movimento messiânico em São Leopoldo(RS), esta era acometida por transes espirituais, nos quais obtinha poder de cura, sendo considerada por todos como um “cristo feminino”, ou mesmo Joana D`arc que tinha visões e se dizia enviada para liderar os exércitos Franceses. Também cabe citar o caso norte-americano de Charles Manson, o qual se glorificava de ser a personificação do Mal, e que realizou, na noite de 9 de agosto de 1969, o assassinato da atriz Sharon Tate, esposa do cineasta Roman Polanski, autor do filme sobre a presença do Diabo na nossa sociedade (O bebê de Rosemary, 1968). Atribuiu-se a Charles cerca de 50 crimes similares, pois este induzia pessoas a cometerem crimes, hoje ele tem um lote de fãs que ostentam orgulhosamente camisetas com sua imagem, incluindo o músico gótico Mariliyn Manson, que tem composição inspirada em Charles Manson.

Quanto a nossa pergunta norteadora, de forma geral, a literatura nos fala que existem vários modos de distinguir experiências psicóticas de experiência religiosa normal. Lukoff (1985) e Pierre (2001) afirmam que para que as crenças ou as experiências religiosas sejam patológicas, precisam prejudicar a capacidade de a pessoa desempenhar suas atividades diárias. Se o desempenho social ou ocupacional não for prejudicado, então a crença ou experiência religiosa não será patológica, pois, a pessoa psicótica terá dificuldade em estabelecer a relação com outras pessoas no seu ambiente social ou religioso, principalmente porque apresentará outros sintomas da doença psicótica que prejudicarão sua habilidade de se relacionar com os outros. Exemplos de problemas no desempenho são perda da capacidade de manter um emprego, problemas legais com a polícia ou por não conseguir realizar suas obrigações, comportamentos ou ameaças suicidas ou homicidas e dificuldades de pensar com clareza.

Há, então, um certo consenso geral de que critérios específicos existem e podem ajudar a distinguir a pessoa mentalmente doente com psicose da pessoa religiosa e devota que tem experiências místicas. A pessoa religiosa tem insight na natureza extraordinária dos seus relatos, normalmente faz parte de um grupo de pessoas que compartilha as suas crenças e experiências (culturalmente apropriado), não tem outros sintomas de doença mental que afetem o processo de seus pensamentos, é capaz de manter um trabalho e evitar problemas legais, não causar danos a si mesma e, normalmente, tem resultado positivo com o passar do tempo.

Embora existam modos, assim descritos na literatura, para um efetivo diagnóstico, me questiono se isto realmente é suficiente, pois acredito que seja muito mais difícil, em alguns casos, distinguir crenças de experiências psicóticas das não-psicóticas, pois os estados psicóticos e místicos podem ter tantas sobreposições que seja difícil distinguir um do outro. Assim, Dalagarrondo (2008) nos alerta que “(...)não existe um limite nítido, e que isto também depende da cultura e das idéias prevalentes, sendo difícil distinguir as crenças religiosas culturalmente sancionadas² de sintomas psicóticos, pois os delírios religiosos existem em um continuum entre as crenças normais de indivíduos saudáveis e as crenças fantásticas de pacientes psicóticos(...)”. 

Assim, a cultura também pode contribuir para sintomas patológicos, como mostram estudos recentes que analisam a influência que variáveis socioculturais exercem sobre a freqüência, constituição e as formas de manifestações das diversas síndromes psicopatológicas. Desta forma, Dalgalarrando (2008) nos apresenta algumas síndromes “culturais” Brasileiras; estas seriam as Obsessões ou “estar obsedado ou obsididiado” cujo grupo afetado são os espíritas Kardecistas e grupos de religiões afro-brasileiras.(2008,p.389). A partir disto gostaria de levantar a possibilidade de que mesmo o sujeito não possuindo outros sintomas para o diagnóstico de esquizofrenia ou transtorno delirante, este ainda pode possuir um delírio místico-religioso, pois considero que alguém que diz ouvir espíritos já se encontre, em alguma medida, em um estado sintomático/patológico. Por isso, acredito que estas informações, que Pierre(1995) e Luckof(1985) nos colocam sejam insuficientes para o contexto atual.

Sendo assim julgo que estamos dando pouca atenção para um tema muito delicado, estamos olhando pouco para o delírio religioso e sua dimensão na contemporaneidade, esquecendo-nos do tamanho que esta pode alcançar. Não é sem motivo que a cada dia vemos a expansão do número crescente de pessoas recorrendo ao exorcismo, o fenômeno cresce tanto que o Instituto Sacerdos Pontificio Regina Apostolorum (a universidade do vaticano) e o Grupo de pesquisa e Informação Sócio-religiosa (GRIS) decidiram montar um curso intitulado “Exorcismo e oração de libertação”, esta é uma das respostas do vaticano frente ao aumento dos “endemoniados”. São pessoas dizendo-se possuídas pelo demônio, provocando automutilações, suicídios e assassinatos, como o grupo Beasts of Satan, que teve dois integrantes condenados por três rituais assassinos. Assim, o filme “O Ritual” que teve estréia no Brasil em fevereiro de 2011, também demonstra a crescente preocupação da igreja em atender esta demanda que aumenta a cada ano. 

Sugere-se, portanto, um avanço nas pesquisas em torno dos delírios religiosos, tanto individuais, quanto epidêmicos, a fim de que possamos expandir nosso campo de saber, e assim, modificar/criar novas formas de diagnóstico/classificações, pois trata-se de um tema complexo e que apesar de todos os estudos, ainda cabe a ciência fazer um novo movimento. Desta forma, o objetivo deste estudo não é somente fazer uma apresentação dos delírios de temática religiosa, mas levantar hipóteses, suscitar questionamentos e despertar novas discussões.

Sugestão: Leia também um estudo quantitativo

1. Este termo foi utilizado no séc. XX por C. Almeil, este estudou as epidemias no de ordem religiosa. Hoje esta definição não possui classificação em nenhum manual de diagnóstico. Utilizarei esta definição, uma vez que julgo o termo adequado para o presente estudo.

Referências

Harold G. Koenig (2007).Religião, espiritualidade e transtornos psicóticos . Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 95-104.Ed.Escala.

Alvarado C.S. et al.(2007). Da possessão ao delírio . Rev. Psiq. Clín; 34 ( supl ): 42-53.Ed.Escala.

Dantas, Clarissa de Rosalmeida; Pavarin, Lilian Bianchi; Dalgalarrondo, Paulo. (2008) Sintomas de conteúdo religioso em pacientes psiquiátricos. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.21 n.3 São Paulo Sept. 1999

Dalgalarrondo, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2. ed. Porto Alegre : ArtMed, 2008. 440 p.

Freud, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Porto Alegre : L&PM, 2010. 139 p.

Dalgalarrondo, Paulo. (2007).Estudos sobre religião e saúde mental realizados no Brasil: histórico e perspectivas atuais. Rev. psiquiatr. clín. vol.34 suppl.1 São Paulo.

Modólo, Heloisa Mara Luchesi (2006). Delírios religiosos e a estruturação psíquica: O caso Jacobina Mucker-Uma releitura fundamentada na psicologia analítica. São Paulo.

Cambuy, Karine.(2006). Psicologia Clínica e Experiência Religiosa. Rev. De Estudos da Religião. Vol.3, p.77-94.

Historia Viva. Grandes temas:sob a sombra do Diabo nº 12, 2009, Sp.

Dupain (1888) . Clínica de estudo no delírio religioso. [1]

Maria Danielle Figueira Tavares

Enfim, a fobia talvez seja o modo de manterem as coisas no lugar, enquanto o cognitivo , o emocional e a libido se reequilibram. 



Leitura Sugerida

RELIGIÃO E EPILEPSIA




quinta-feira, 27 de julho de 2017

sábado, 10 de junho de 2017

SERMÕES DA MONTANHA




Tomaz da Fonseca
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Excertos

"... Sempre que uma grande e luminosa descoberta fornece benefícios aos mortais, facilitando e adoçando a vida, logo surgem os padres nos púlpitos, condenando-a como obra contra Deus e contra a fé de nossos pais.


Foi deste modo que perseguiram, sacrificaram e desonraram (quantos morreram cobertos de ignomínia e de miséria irresgatável!) Copérnico, que descobrira o movimento da Terra; Newton e La Place, que ensinaram o sistema do mundo; Franklin e Dawis, que abrigaram do raio e das explosões do grisu; Galvani e Volta, que revelaram as correntes eléctricas, hoje dominadoras do mundo; Wheratstone e Morse, que, por meio do telégrafo, fizeram voar o pensamento com a velocidade dum raio... Perseguiram Bacon e Descartes, ultrajaram Look e Espinosa. Le Bon, que iluminou as cidades a gás, foi obrigado a emigrar; Galileu, que nos legou o termómetro, a balança hidrostática e nos revelou o movimento da Terra, foi agarrado e torturado pelo dedo de Deus, nesse tempo ao serviço da Inquisição; Rousseau, que nos ensinou a arte de educar as crianças, foi um dos homens mais perseguido e mais repetidas vezes condenado pela igreja.


Filhos do diabo eram também Quinguet, autor dos candeeiros; Mariotte, dos manómetros; Paulino de Campânia, dos sinos; Finiguerra, da gravura a buril; Dombarle, da charrua; Senefelder, da litografia. Filhos do Diabo foram ainda Pironet, que descobriu a bomba; Sauvage, a hélice; Margraf, o açúcar de beterraba; Fresman, a borracha; Cromston, a fiação mecânica; Robert, a máquina de fabricar papel; Filipps, o sino de mergulhar; Fresnel, os faróis das costas; Deville, o alumínio; Soubeiram, o clorofórmio; Deschamps, a lâmpada económica; Vaucauson, os autómatos; Filippe Chiese, as diligências; Otho Guericke as máquinas pneumáticas; Fischer, as bombas de incêndio; Montgolfier, o carneiro hidráulico; E. Adour, o alambique, Gay Lussac, o alcoómetro; Lee, as pontes pênsis; Baptista Chambrai, a cambraia, e os esposos Curie, o radium. Nenhum deles teve jamais as atenções da Igreja para outro fim que não fosse a perseguição, a calúnia, o extermínio.


Lincoln, que pacificou a América, e Garibaldi, que libertou a Itália, eram dois filhos do Inferno, às ordens de Satanás"...

Montalembert e Lamenais, que defenderam a liberdade da Ciência e a supremacia do livre-exame, foram anatematizados pelo Papa, como inimigos da Verdade. Entre nós: quantas vítimas inocentes, sacrificadas em nome desse Deus? Lembro apenas duas: Damião de Gois, glória de Portugal, condenado pela Inquisição a apodrecer no fundo de um cárcere abominável; e Alves Martins, bispo de Viseu e ministro de Estado, que dava tudo aos pobres, que não tinha guarda-roupa nem cruz de brilhantes, morreu amaldiçoado pela Igreja, chegando os seus próprios colegas a negar-lhe uma missa, a missa fúnebre, a missa que se diz a toda a gente!

À vista destes factos, quais são as obras de Deus? Quais os seus homens? Quem manda ele para nos dirigir e resgatar? Inácio de Loiola, que ensinou à Humanidade a arte de sofrer e ser cadáver; Torquemada, que inaugurou a Inquisição da Espanha, encarcerando, degolando e queimando muitos milhares de cidadãos prestantes; Carlos 9º e Catarina de Médicis, que, em uma noite apenas, cobriram de sangue as ruas de Paris, matando e afogando cegamente o seu povo indefeso; Pedro, o Eremita, e Urbano 2º, os fautores das Cruzadas, onde morreu, com fomes, febres e guerras inúteis, a flor da mocidade de toda a Europa; o patriarca S. Domingos, que fundou o mais tenebroso e sanguinário dos tribunais - a Inquisição -; Simão de Monfort, que massacrou os albigenses, gente simples e de bons costumes que havia numa província ao sul da França; e o abade Citeaux, que nessa guerra de extermínio mandava matar indistintamente velhos e moços, mulheres e crianças, culpados e inocentes, alegando que Deus saberia distinguir os ímpios dos católicos, chegando, desse modo, e num só dia a massacrar 60.000!... Três pessoas distintas, mas todas elas realizando o pensamento e a obra do deus Verdadeiro.


Os soldados do general russo Anhalt, quando atiravam ao ar com as crianças turcas, aparando-as em seguida na ponta das lanças, faziam-no em nome de Deus, entre orações e missas. Igual procedimento tinham os companheiros de Fernão Mendes Pinto, quando, no Oriente, queimavam, gotejando sangue no meio dos incêndios.


Filhos de Deus foram também o frade Jacques Clement e Ravaillac, que apunhalaram respectivamente os reis de França Henrique 3º e 4º, este último o bom, o justiceiro, o laborioso e grande Henrique. Filhos de Deus eram os papas Sérgio 3º, que teve de Marosia um filho adulterino, mais tarde o papa João 11º, que, tendo roubado em Nápoles uma mulher ilustre, viveu depois com ela, publicamente amancebado; Alexandre 6º, que teve de Vanosia, dama romana, quatro filhos e uma filha, e dava banquetes às prostitutas e envenenava os seus inimigos; Paulo 3º que passava o melhor do seu tempo a gerar filhos, que depois elevava a cardeais; Júlio 3º que tinha por amante um lindo moço, de que fez um pequeno cardeal; João 22º, que, mediante 80 soldos pagos à Santa Sé, consentia que os leigos dormissem com as mães e irmãs, e por pouco mais os pais com as filhas; que permitia aos diáconos o assassínio com as condições de darem 240 soldos; aos bispos e aos abades um pouco mais abonados, o direito de apunhalarem o semelhante, se dessem 300 libras."


"Pois são factos há muito averiguados e bem conhecidos dos que estudam e lêem. Mas se ainda fosse só isso!... Que pensaríeis então se vos dissesse, por exemplo, que só uma das obras de Deus, as tais cruzadas à Terra Santa, custaram inutilmente a vida a dois milhões de crentes? Que direis que só desde o papado de Leão 10º a Clemente 9º, os carrascos zelosos da fé, espalhados pela França, Holanda, Alemanha, Flandres e Inglaterra; a Saint-Barthelemy, os missionários da Vendea, de Cevennes, da Irlanda, queimaram degolaram e massacraram para cima de outros dois milhões de seres humanos?

Las Casas, bispo espanhol e testemunha ocular de muitas perseguições e autos de fé, atesta que só na América, se imolaram a Deus, por imposição do clero, dose milhões de indígenas! As guerras religiosas do Japão, provocadas pelos missionários europeus, que iam propagar o catolicismo, custaram o melhor de 400.000 vidas! E à sua parte, a Inquisição, no resto dos países, fez queimar igual número de pessoas, sob o pretexto de heresia ou de fé morta.

Os massacres de Meridol e Cabrières são também dignos de Deus: 22 grandes bairros incendiados, crianças de peito lançadas às chamas, jovens desfloradas e cortadas aos bocados, pobres velhas sem préstimo obrigadas a arrastar-se por cima de brasas vivas, tendo cheios de pólvora os orifícios da maternidade e do anus; os maridos, os pais, os irmãos, tratados pouco mais ou menos da mesma sorte; tudo isto junta mais ao rol de Deus o melhor de 18.000 vidas! A guerra religiosa, que se seguiu ao suplício de João Huss e Jerónimo de Praga, custou 150.000 existências. E, no século 14, o grande cisma do Ocidente cobriu a Europa de cadáveres, pois nada menos de 50.000 foram as vítimas dessa raiva papal.


As cruzadas contra os imperadores, desde Gregório 7º, roubaram à Europa 300.000 homens, pelo menos. Nas dos frades cavaleiros (porque também esses tiveram as suas cruzadas) que desbastaram todas as terras marginais do Báltico, os sacrificados não ficaram abaixo dos 100.000. Igual número sucumbiu na cruzada contra o Languedoc, largo tempo coberto pelas cinzas das fogueiras. As guerras movidas pelos papas e bispos entre si custaram 20.000. A imperatriz Teodora, viuva de Teófilo, em cumprimento da penitência imposta pelo seu confessor, fez massacrar 120.000 maniqueus, em 845. As querelas religiosas entre iconoclastas e iconólatras, eliminaram mais de 60.000 vidas. As disputas sobre a consubstancialidade, em matéria de sacramentos, desbastaram muitas províncias, sendo mais de 300.000 cristãos degolados e queimados por outros igualmente cristãos. E como estas outras vítimas: como estes outros atentados, iníquos, monstruosos!"


Que leia por exemplo, as páginas que tratam do ano mil. Ah! os falsos pavores dessa era terrível, que tantas desgraças e tão grande retrocesso social motivaram no mundo! Foi isso, como digo, no ano mil da nossa era. A igreja e com ela toda a cristandade, clamava que fizessem penitência, porque Deus ia dar fim ao mundo. Pois bem, Deus, que sabia tudo, Deus, que todos os dias falava com os seus padres, e estes que toda a hora recebiam, possuíam a Deus, nenhum disse a verdade às multidões. Deus consentiu que os homens deixassem de cultivar os campos, construir as casas, abrir estradas, educar a mocidade, amar e procriar, ordenando-lhes apenas que rezassem, chorassem e morressem de dor, esterilmente, como lobos famintos num deserto! E isto, durante anos e anos!


Muitos, para não assistirem à pavorosa e universal catástrofe, iam afogar-se nos rios, asfixiar-se nas adegas, abrasar-se nos fornos e, quantos, quantos, não foram sepultar-se vivos, em fundas valas e em negras cavidades subterrâneas! Tudo era desolação e morte, na expectativa , desse fim, E Deus viu tudo, Deus quis tudo, e a Igreja a tudo assistiu, como executora dos mandatos divinos.


Pois bem, todas essas lágrimas essas mortes, essas sepulturas vivas, esses ventres estéreis e, principalmente, esses irreparáveis retrocessos intelectuais, morais e económicos, tudo isso se teria evitado se Deus quisesse ser, por um instante que fosse, não digo já pai amantíssimo, mas simplesmente juiz consciencioso, alma de bom sentir e bom querer. Bastava que dissesse ao seu vigário na Terra uma palavra só; bastava um gesto, um aceno, e tudo se teria remediado e evitado. Mas não quis. E ate parecia ser ele o primeiro a sentir e a confessar o medo. Pois o ano mil passou e tudo continuou como dantes menos as terras e outros bens da gente ignara e simples, que passaram a posse dos conventos.


Duvidais também, porventura, das fomes, dos incêndios e das pestes, que no século 17 encheram de luto o mundo inteiro?


Só nas ruas de Londres, em 1664, caíram 50.000 ingleses fulminados pelas epidemias. Para cúmulo de infortúnio, sobreveio, depois, um tão formidável incêndio, que destruiu quase toda a cidade. E na França, ainda o quadro de luto e de miséria foi mais horrorizante. Do alto do seu trono de nuvens, Deus viu a Franca, agonizando com a cólera; viu morrer, viu pedir misericórdia, e ficou mudo, e conservou-se inerte! Ruas inteiras, bairros completes das mais populosas cidades ficaram desertos e sem vida. E quando, à noite, nas ruas, onde a vida palpitava ainda, alguém passava, acossado de pânico, via constantemente abrirem-se janelas, onde caía um corpo, fechando-se em seguida, muitas vezes para não mais se abrirem. De espaço a espaço, passava pelas ruas o carroção lutuoso e sinistro, que recolhia os mortos e seguia para a vala comum. Por fim não havia já quem os enterrasse. Os corpos eram lançados fora, ao acaso, por todos os pontos da cidade, e assim ficavam, decompondo-se, à vista de Deus, que lá das cumeadas do Infinito se estava revendo e regalando com a perfeição da sua obra.


E o Diabo? Esse não se esquece nunca do bem que precisamos, e por isso nos manda de pronto os seus agentes - Apolónio, Galeno, Gutenberg, Watt Palissy, Lavoisier - recomendando-lhes sempre que trabalhem e lutem no sentido do Bem e da Verdade, comuns a todo o ser criado; que sejam moderados, económicos, magnânimos e justos, a fim de podermos e sabermos, para que mutuamente nos amemos e libertemos da dor e da miséria, até que um dia possamos realizar o nosso grande sonho de beleza, pairando, como águias, por sobre toda a imperfeição das coisas.


Que diferença, pois, entre o bom Deus e o mau Diabo, o qual, apenas pressente estas desgraças, estas crises morais e económicas, logo corre a chamar os seus amigos, a quem vai levar o segredo da maior felicidade, ensinando-Ihes a procurar o ferro, o ouro, a prata, o cobre e a platina; indica os bons terrenos, tanto os que produzem frutos, como os que encerram minas de hulha; marca os pontos onde a vida melhor se poderá viver e dilatar; aplica à indústria o carvão e o vapor, funde os metais, prepara enxadas e charruas. Foi ele que nos ensinou a domesticar o boi e o cavalo, que nos levou ao fundo das minas, aos grandes e inesgotáveis depósitos carboníferos; conduziu-nos através das florestas, desceu connosco ao fundo dos oceanos e, não farto de nos prestar todo este apoio, ajudou-nos ainda a erguer os muros e lançar os telhados da nossa habitação, preparou-nos os remédios na doença, evitou-nos as correntes de ar, as chuvas, as pestes, os tormentos contínuos, as misérias sem fim, e, finalmente, deu-nos a paz, a abundância, a liberdade e o sonho, a resignação e o amor.


E Deus maquinando na sombra! Que virá agora? Que nos dará ele em desconto do bem que o outro nos mandou ?- pergunta a cristandade suplicante, interroga o mundo em desalento ! Ah! dá-nos, por exemplo, o Santo Oficio, Inácio de Loiola e Torquemada, para que seja castigado e destruído esse povo rebelde, que assim tenta desobedecer-lhe, inventando artes de prosperar e ser feliz.


Mas o Diabo surge. E no ponto em que mais acesa encontra a guerra do Absoluto contra o Relativo, aí mesmo alicia os seus agentes. Enquanto um lança ao mar o seu navio, outro faz circular comboios, outro voa nos ares, como as águias do Cáucaso, o povo fraterniza, atenuando assim as cóleras de Deus. Emigra para novas terras, procura novos horizontes, sulca os mares, interna-se em florestas, ama, luta e é feliz, quanto pode sê-lo um perseguido do Infinito.


E Deus sempre descontente. De Roma chovem os anátemas, e os papas, seus intérpretes, ameaçam de morte a humanidade, exigindo suplícios, martírios, agonias. A sociedade clama? Tem fome de pão e sede de justiça? Deus não hesita, manda-a encarcerar, banir, privar dos sentidos, da alegria, do trabalho que redime, do amor que adoça e santifica as almas, do espírito que liberta as consciências, da luz que move o mundo e anima a vida.


E o Diabo contente, porque vê os homens cumprindo os seus deveres. E porque espera e crê na sua obra de resgate, leva-os às fabricas e às minas, ensina-lhes a tecer o linho, cardar a lã, canalizar o gás e a água, sanear as ruas e os pântanos, arborizar os montes, evitar os perigos, prever o tempo, conhecer os astros, anunciar os eclipses e redimir consciências, formando caracteres e organizando povos em comunas livres na livre comunhão de todo o bem. Pio 9º, esse filho de Deus, escreve o Sílabus! Condena humanidade à escravidão e à ignorância! Embora : não conseguirá realizar os seu s planos, porque o Diabo chama Garibaldi, Cavour e Mazzini e manda dar trabalho aos ociosos, pão aos famintos, escola aos ignorantes, património aos deserdados, paz aos perseguidos e felicidade aos miseráveis.


Mas para que vamos tão longe buscar factos que todos vimos já, perto da nossa porta? Lembram-se de quando, há anos, aqui caiu um raio que matou uma família inteira, à hora em que, no campo, preparava o pão de cada dia, abatendo também os bois com que lavravam a terra? Pois toda a gente, de um ao outro extremo do concelho, atribuiu a Deus essa calamidade irreparável. E quando tempos depois, aqui passou o comboio, a que já fizemos referência, comboio que nos conduzia à vida, ao trabalho, à liberdade, fazendo com que as nossas propriedades rendessem o dobro e a nossa produção tivesse mercado e venda pronta, todos disseram à uma: É o Diabo, é o Diabo! Por essa altura voltavam a perturbação e a dor ao coração do povo, sob a forma de cólera-morbus e varíola, que, caindo no seio das famílias, levou filhos e pais parentes e amigos. Debalde se fartaram todos de pedir a Deus misericórdia, para que suspendesse a cólera divina. Fizeram-se preces públicas, prometeram-se juntas de bois aos santos, tranças de cabelo virgem ás santas, romagens de joelhos ás ermidas, jejuns de um ano ao Santíssimo, e de nada valeu a nossa fé. Lembram-se bem não é verdade?...


...Deus, que nos ouve e nos vê decerto nos aplaude, pois está-nos fazendo o mesmo que tem feito aos que na Terra se dizem seus representantes... Querem vocês saber como ele usa assistir aos concílios e outras reuniões da Igreja? Em qualquer dessas assembleias, a que o papa assiste muitas vezes e onde estão cardeais, patriarcas, bispos e padres, ergue-se de lá um, muito solene, muito grave e, dirigindo-se ao espirito invisível, ao mistério, exclama Se Deus aprova, que se deixe estar. Por conseguinte, se o vosso receio é que Deus não esteja satisfeito connosco, digamos nós também, como esses padres, ao começar este serão: - Se Deus não está contente connosco, se não aprova as nossas intenções e decisões que vão seguir-se, que faça o favor de se manifestar, erguendo-se, falando, exteriorizando-se, enfim. ...Como vêem, Deus conforma-se, aprova as nossas decisões. Dá-nos o mesmo apoio que deu aos 318 bispos que, no ano 325, se reuniram em Niceia, para condenarem Ario, que negava a consubstancialidade do filho com o pai, o mesmo que deu aos 150 que, em 381, em Constantinopla, acrescentaram ao símbolo a palavra filioque, o mesmo ainda que deu aos 198 que, em Efeso, no ano de 341, se congregaram para condenar Nestório, que negara a União das duas naturezas em Cristo... Presta-nos o mesmo auxílio que prestou aos 135 bispos reunidos em Efeso, em 449, para excomungarem Flaviano e aplaudirem Eutiques; o mesmíssimo que prestou ainda aos 600 bispos do Oriente que, em 451, voltaram a reunir-se em Calcedónia para aprovarem agora o que haviam reprovado antes, excomungando Eutiques e louvando Flaviano... que morrera na Lídia, desterrado, abandonado, faminto e desonrado.


Deus, emudecendo aqui, junto a nós dá-nos as mesmas provas de amizade e protecção, que deu aos 150 bispos chamados a Constantinopla, em 553, para debaterem a poderosa questão dos três capítulos! Faz-nos a mesma justiça que fez aos 174 bispos reunidos no concílio de; Trulo, em 680, para condenarem o monoteísmo e proclamarem duas vontades em Cristo. (Quando, em 754 compareceram em Constantinopla 338 bispos a fim de condenarem o culto das imagens, anatematizando todo aquele que o defendesse, Deus, que estava tão presente como aqui, fez-lhes o mesmo que acaba de fazer-nos e o mesmo ainda que, 33 anos depois, lhes voltou a fazer, em novo concilio ecuménico, onde voltaram muitos daqueles que viviam ainda, a fim de ser restabelecido o culto das imagens, tão duramente excomungado antes e com à mesmíssima aprovação divina). Aplaude-nos, como aplaudiu os 319 bispos que no ano 861, se reuniram, sob a presidência de Focius, bispo de Siracusa, e com a assistência dos legados pontifícios, condenaram Inácio, patriarca de Constantinopla, bem como igualmente aplaudiu os bispos que, um ano depois, restabeleceram Inácio e excomungaram Focius, voltando ainda a excomungar Inácio e a louvar Focius com os bispos que de novo se juntaram, sempre de acordo com o papa e os seus legados.


Deus mostra por nós a mesma solicitude e carinho que mostrou em 867, aprovando as futuras decisões do grande concílio que em Constantinopla excomungou depois o papa Nicolau. A sua divina misericórdia assiste-nos, tão onipresentemente, como assistiu; ao papa Urbano 2º e seus súbditos, Placença e Clermont, no ano 1095, onde se decidiram e proclamaram as cruzadas. Dá-se aqui o mesmo que em 1074, quando Gregório 7º, cercado da sua corte e assistido, como nós, do Espírito Santo, condenou os padres simoníacos; o mesmo que, dois anos mais tarde, sucedeu em Worms, onde Deus deu a sua plena e incondicional aprovação aos bispos que depuseram o mesmo papa que, por sua vez, reuniu em Roma, na presença do mesmo Deus, 110 bispos, que tiveram licença para excomungar os promotores do concílio anterior. Deus, que logo se passou, indo aprovar e aplaudir as decisões daqueles bispos venerandos que, por sua vez, excomungaram e depuseram o papa, o qual foi obrigado a fugir, indo esconder-se na Torre de Santo Angelo, de onde fugiu, também, para ir morrer abandonado e inconsolável, na pequena Salerno! Esse Deus, justo e clemente, está junto de nós, afirmando-nos a sua adesão, tal como, no 4º concílio de Latrão, aos 71 primazes e metropolitas, aos 412 bispos e patriarcas, aos 800 abades e priores, além de muitos príncipes e embaixadores de vários reinos, que condenaram ao extermínio e à morte os desgraçados albigenses. E quando, mais tarde, o papa Clemente 7." excomungava o seu rival Urbano 7º , também papa, que por sua vez o excomungou a ele, era ainda Deus que presidia aos seus juízos, tal como está hoje presidindo aos nossos. Está aqui como esteve no concílio ecuménico de Pisa, onde, com a sua divina aprovação, foram excomungados os seus vigários infalíveis, Gregório 12º e Bento 13º. Está aqui e tão divinamente como esteve no célebre concílio em que João 22º foi obrigado a abdicar; em que, na sua 4ª e 5ª sessões, foi proclamada a supremacia dos concílios sobre os papas; em que na sessão 37ª, foi deposto o papa Bento 13, que o mesmo concilio havia eleito; e em que finalmente, foi condenado João Huss e Jerónimo de Praga, por haverem proclamado a suprema e única autoridade de Cristo sobre os papas eleitos a poder de dinheiro e capricho dos reis, pelo que se determinou fossem queimados vivos! E isto sempre sobre o olhar magnânimo do supremo Senhor, que, como aqui, não cessava de louvar e aplaudir esse procedimento!


Sim Deus aplaude a nossa obra, com a mesma veemência com que aplaudiu, por dezoito longos anos, a grande multidão de legados pontifícios, cardeais, patriarcas, arcebispos, abades, generais, príncipes e fiéis de todas as categorias, que no concilio de Trento estabeleceram o dogma do Purgatório, definiram a invocação dos Santos, o culto das imagens e relíquias, a doutrina das indulgências, acabando por condenar todos os livros que de algum modo pudessem instruir, esclarecer, aperfeiçoar e libertar a humanidade, ainda semi-cega dos terrores da Idade Media, em que os pregadores eram analfabetos e os santos se recusavam a aprender a ler e a lavar-se. Sim. Deus assiste à nossa obra com tão absoluta omnipresença como assistiu a Gregório 13 e ao seu sacro colégio, quando, em Roma, celebraram e mandaram celebrar festas de publico regozijo pela matança de S. Bartolomeu. Enfim, meus amigos, para terminarmos esta apresentação dos divinos poderes, Deus está tão presente à nossa assembleia, como estava, em 1869 à dos 747 bispos, que, na bastilha de S. Pedro, cheios de medo pelos destinos da Igreja, debateram o dogma da infalibilidade papal, dos quais, por sinal, só 535 o aprovaram, condenando assim a liberdade e a razão, pelo que foram obrigados a suspender as sessões e saírem de Roma a toda a pressa, para não serem escorraçados pela bota irreverente dos piemonteses, supremos senhores da Cidade Eterna.


Portanto Deus calando-se aqui, como sempre fez nesses grandes concílios do passado, mostra que está contente com o que temos feito e, sobretudo, com o que vamos dizer neste sentido...


Lisboa, 5 Janeiro de 1998


(Núcleo de Cidadãos amigos de Tomás da Fonseca)



segunda-feira, 20 de março de 2017

OS ARGUMENTOS MORAIS EM FAVOR DA DEIDADE





Bertrand Russel


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Chegamos, agora, no estágio subsequente do que eu denomino a descendência intelectual que os teístas tem feito em suas argumentações, e deparamo-nos com o que se chama de argumentos morais para a existência de Deus.

Vós todos sabeis, por certo, que costumava haver, antigamente, três argumentos intelectuais a favor da existência de Deus, os quais foram todos utilizados por Immanuel Kant em sua Crítica da Razão Pura; mas, logo depois de haver utilizado tais argumentos, inventou ele um novo, um argumento moral, e isso o convenceu inteiramente.

Kant era como muita gente: em questões intelectuais, mostrava-se cético, mas, em questões morais, acreditava implicitamente nas máximas hauridas no colo de sua mãe. Eis aí um exemplo daquilo que os psicanalistas tanto ressaltam: a influência imensamente mais forte de nossas primeiras associações do que das que se verificam mais tarde.

Kant, como digo, inventou um novo argumento moral quanto à existência de Deus, e o mesmo, em formas várias, se tornou grandemente popular durante o século XIX.

Tem hoje toda a espécie de formas. Uma delas é a que afirma que não haveria o bem ou o mal a menos que Deus existisse.

Não estou, no momento, interessado em saber se há ou não uma diferença entre o bem e o mal. Isso é outra questão.

O ponto em que estou interessado é que, se estamos tão certos de que existe uma diferença entre o bem e o mal, nos achamos, então, na seguinte situação:

É essa diferença devida à determinação de Deus ou não? Se é devida à vontade de Deus, então não existe, para o próprio Deus, diferença entre o bem e o mal, e não constitui mais uma afirmação significativa o dizer-se que Deus é bom.

Se dissermos, como o fazem os teólogos, que Deus é bom, teremos então de dizer que o bem e o mal possuem algum sentido independente da vontade de Deus, porque os desejos de Deus são bons e não-maus independentemente do fato dele os haver feito.

Se dissermos tal coisa, teremos então de dizer que não foi apenas através de Deus que o bem e o mal passaram a existir, mas que são, em sua essência, logicamente anteriores a Deus.

Poderíamos, por certo, se assim desejássemos, dizer que havia uma deidade superior que dava ordens ao Deus que fez este mundo, ou, então, poderíamos adotar o curso seguido por alguns agnósticos – curso que me pareceu, com frequência, bastante plausível –, segundo o qual, na verdade, o mundo que conhecemos foi feito pelo Diabo num momento em que Deus não estava olhando.


Há muito que se dizer em favor disso, e não estou interessado em refutá-lo.


domingo, 19 de março de 2017

PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - O ARGUMENTO QUANTO A REPARAÇÃO DA INJUSTIÇA



Bertrand Russel



Há uma outra forma muito curiosa de argumento moral, que é a seguinte: dizem que a existência de Deus é necessária a fim de que haja justiça no mundo.

Na parte do universo que conhecemos há grande injustiça e, não raro, os bons sofrem e os maus prosperam, e a gente mal sabe qual dessas coisas é mais molesta; mas, para que haja justiça no universo como um todo, temos de supor a existência de uma vida futura para reparar a vida aqui na Terra.

Assim, dizem que deve haver um Deus, e que deve haver céu e inferno, a fim de que, no fim, possa haver justiça. É esse um argumento muito curioso.

Se encarássemos o assunto de um ponto de vista científico, diríamos: “Afinal de contas, conheço apenas este mundo. Nada sei do resto do universo, mas, tanto quanto se pode raciocinar acerca das probabilidades, dir-se-ia que este mundo constitui uma bela amostra e, se há aqui injustiça, é bastante provável que também haja injustiça em outras partes”.

Suponhamos que recebeis um engradado de laranjas e que, ao abri-lo, verificais que todas as laranjas de cima estão estragadas. Não diríeis, em tal caso: “As de baixo devem estar boas, para compensar as de cima”. Diríeis: “É provável que todas estejam estragadas”.

E é precisamente isso que uma pessoa de espírito científico diria a respeito do universo. Diria: “Encontramos neste mundo muita injustiça e, quanto ao que isso se refere, há razão para se supor que o mundo não é governado pela justiça.

Por conseguinte, tanto quanto posso perceber, isso fornece um argumento moral contra a deidade e não a seu favor”.

Sei, certamente, que os argumentos intelectuais sobre os quais vos estou falando não são, na verdade, de molde a estimular as pessoas.

O que realmente leva os indivíduos a acreditar em Deus não é nenhum argumento intelectual. A maioria das pessoas acredita em Deus porque lhes ensinaram, desde tenra infância, a fazê-lo, e essa é a principal razão.


Penso, ainda, que a seguinte e mais poderosa razão disso é o desejo de segurança, uma espécie de impressão de que há um irmão mais velho a olhar pela gente. Isso desempenha um papel muito profundo, influenciando o desejo das pessoas quanto a uma crença em Deus.

PALESTRA COMPLETA

sábado, 18 de março de 2017

O ARGUMENTO TELEOLÓGICO DA EXISTÊNCIA DE DEUS (ARGUMENTO DO DESIGN)





bERTRAND rUSSEL





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O passo seguinte nos conduz ao argumento da prova teleológica da existência de Deus.

Vós todos conheceis tal argumento: tudo no mundo é feito justamente de modo a que possamos nele viver, e se ele fosse, algum dia, um pouco diferente, não conseguiríamos viver nele.

Eis aí o argumento da prova teleológica de Deus. Toma ele, às vezes, uma forma um tanto curiosa; afirma-se, por exemplo, que as lebres têm rabos brancos a fim de que possam ser facilmente atingidas por um tiro. Não sei o que as lebres pensariam deste destino.

É um argumento fácil de se parodiar.

Todos vós conheceis a observação de Voltaire, de que o nariz foi, evidentemente, destinado ao uso dos óculos.

Essa espécie de gracejo acabou por não estar tão fora do alvo como poderia ter parecido no século XVIII, pois que, desde o tempo de Darwin, compreendemos muito melhor por que os seres vivos são adaptados ao meio em que vivem.

Não é o seu meio que se foi ajustando aos mesmos, mas eles é que foram se ajustando ao meio, e isso é que constitui a base da adaptação. Não há nisso prova alguma de desígnio divino.
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Quando se chega a analisar o argumento teleológico da prova da existência de Deus, é sumamente surpreendente que as pessoas possam acreditar que este mundo, com todas as coisas que nele existem, como todos os seus defeitos, deva ser o melhor mundo que a onipotência e a onisciência tenham podido produzir em milhões de anos.
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Realmente não posso acreditar nisso. Achais, acaso, que, se vos fossem concedidas onipotência e onisciência, além de milhões de anos para que pudésseis aperfeiçoar o vosso mundo, não teríeis podido produzir nada melhor do que a Ku-Klux-Klan ou os fascistas?
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Realmente, não me impressiono muito com as pessoas que dizem: “Olhem para mim: sou um produto tão esplêndido que deve haver um desígnio no universo”. Não estou muito impressionado pelo esplendor dessas pessoas.
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Ademais, se aceitais as leis ordinárias da ciência, tereis de supor que não só a vida humana como a vida em geral neste planeta se extinguirão em seu devido curso: isso constitui uma fase da decadência do sistema solar.
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Em certa fase de decadência, teremos a espécie de condições de temperatura, etc., adequadas ao protoplasma, e haverá vida, durante breve tempo, na vida do sistema solar.
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Podeis ver na Lua a espécie de coisa a que a Terra tende: algo morto, frio e inanimado.
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Dizem-me que tal opinião é depressiva e, às vezes, há pessoas que nos confessam que, se acreditassem nisso, não poderiam continuar vivendo.

Não acrediteis nisso, pois que não passa de tolice. Na verdade, ninguém se preocupa muito com o que irá acontecer daqui a milhões de anos.

Mesmo que pensem que estão se preocupando muito com isso, não estão, na realidade, fazendo outra coisa senão enganar a si próprias.

Estão preocupadas com algo muito mais mundano – talvez mesmo com a sua má digestão. Na verdade, ninguém se torna realmente infeliz ante a ideia de algo que irá acontecer a este mundo daqui a milhões e milhões de anos.

Por conseguinte, embora seja melancólico supor-se que a vida irá se extinguir (suponho, ao menos, que se possa dizer tal coisa, embora, às vezes, quando observo o que as pessoas fazem de suas vidas, isso me pareça quase um consolo) isso não é coisa que torne a vida miserável.

Faz apenas com que a gente volte a atenção para outras coisas.


PALESTRA COMPLETA

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sexta-feira, 17 de março de 2017

PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - O ARGUMENTO DA LEI NATURAL





Bertrand Russel




Há, a seguir, um argumento muito comum relativo à lei natural. Foi esse argumento predileto durante todo o século XVIII, principalmente devido à influência de Sir Isaac Newton e de sua cosmogonia.

As pessoas observavam os planetas girar em torno do Sol segundo a lei da gravitação e pensavam que Deus dera uma ordem a tais planetas para que se movessem de modo particular – e que era por isso que eles assim o faziam.

Essa era, certamente, uma explicação simples e conveniente, que lhes poupava o trabalho de procurar quaisquer novas explicações para a lei da gravitação.

Hoje em dia, explicamos a lei da gravitação de um modo um tanto complicado, apresentado por Einstein. Não me proponho fazer aqui uma palestra sobre a lei da gravitação tal como foi interpretada por Einstein, pois que também isso exigiria algum tempo; seja como for, já não temos a mesma espécie de lei natural que tínhamos no sistema newtoniano, onde, por alguma razão que ninguém podia compreender, a natureza agia de maneira uniforme.

Vemos, agora, que muitas coisas que considerávamos como leis naturais não passam, na verdade, de convenções humanas. Sabeis que mesmo nas mais remotas profundezas do sistema estelar uma jarda tem ainda três pés de comprimento.

Isso constitui, sem dúvida, fato notabilíssimo, mas dificilmente poderíamos chamá-lo de lei da natureza.

E, assim, muitíssimas outras coisas antes encaradas como leis da natureza são dessa espécie.

Por outro lado, qualquer que seja o conhecimento a que possamos chegar sobre a maneira de agir dos átomos, veremos que eles estão muito menos sujeitos a leis do que as pessoas julgam, e que as leis a que a gente chega são médias estatísticas exatamente da mesma classe das que ocorreriam por acaso.

Há, como todos nós sabemos, uma lei segundo a qual, no jogo de dados, só obteremos dois seis apenas uma vez em cerca de trinta e seis lances, e não encaramos tal fato como uma prova de que a queda dos dados é regulada por um desígnio; se, pelo contrário, os dois seis saíssem todas as vezes, deveríamos pensar que havia um desígnio.

As leis da natureza são dessa espécie, quanto ao que se refere a muitíssimas delas. São médias estatísticas como as que surgiriam das leis do acaso – e isso torna todo este assunto das leis naturais muito menos impressionante do que em outros tempos.

Inteiramente à parte disso, que representa um estado momentâneo da ciência que poderá mudar amanhã, toda a idéia de que as leis naturais subentendem um legislador é devida à confusão entre as leis naturais e as humanas.

As leis humanas são ordens para que procedamos de certa maneira, permitindo-nos escolher se procedemos ou não da maneira indicada; mas as leis naturais são uma descrição de como as coisas de fato procedem e, não sendo senão uma mera descrição do que elas de fato fazem, não se pode argüir que deve haver alguém que lhes disse para que assim agissem, porque, mesmo supondo-se que houvesse, estaríamos diante da pergunta: “Por que Deus lançou justamente essas leis naturais e não outras?”

Se dissermos que Ele o fez a Seu próprio bel-prazer, e sem qualquer razão para tal, verificaremos, então, que há algo que não está sujeito à lei e, desse modo, se interrompe a nossa cadeia de leis naturais.

Se dissermos, como o fazem os teólogos mais ortodoxos, que em todas as leis feitas por Deus Ele tinha uma razão para dar tais leis em lugar de outras – sendo que a razão, naturalmente, seria a de criar o melhor universo, embora a gente jamais pensasse nisso ao olhar o mundo –, se havia uma razão para as leis ministradas por Deus, então o próprio Deus estava sujeito à lei, por conseguinte, não há nenhuma vantagem em se apresentar Deus como intermediário.

Temos aí realmente uma lei exterior e anterior aos editos divinos, e Deus não serve então ao nosso propósito, pois que Ele não é o legislador supremo.

Em suma, todo esse argumento da lei natural já não possui nada que se pareça com seu vigor de antigamente. Estou viajando no tempo em meu exame dos argumentos.

Os argumentos quanto à existência de Deus mudam de caráter à medida que o tempo passa. Eram, a princípio, argumentos intelectuais, rígidos, encerrando certas idéias errôneas bastante definidas.

Ao chegarmos aos tempos modernos, essas idéias se tornam intelectualmente menos respeitáveis e cada vez mais afetadas por uma espécie de moralizadora imprecisão.

PALESTRA COMPLETA


quinta-feira, 16 de março de 2017

PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS - O ARGUMENTO DA CAUSA PRIMEIRA




Bertrand Russel


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Talvez o mais simples e fácil de se compreender seja o argumento da Causa Primeira.

Afirma-se que tudo o que vemos neste mundo tem uma causa e que, se retrocedermos cada vez mais na cadeia de tais causas, acabaremos por chegar a uma Causa Primeira, e que a essa Causa Primeira se dá o nome de Deus.

Esse argumento, creio eu, não tem muito peso hoje em dia, em primeiro lugar porque causa já não é bem o que costumava ser.

Os filósofos e os homens de ciência têm martelado muito a questão de causa, e ela não possui nada que se assemelhe à vitalidade que tinha antes; mas, à parte tal fato, pode-se ver que o argumento de que deve haver uma Causa Primeira é um argumento que não pode ter qualquer validade.

Posso dizer que quando era jovem e debatia muito seriamente em meu espírito tais questões, eu, durante muito tempo, aceitei o argumento da Causa Primeira, até que, certo dia, aos dezoito anos de idade, li a Autobiografia de John Stuart Mill, lá encontrando a seguinte sentença:

“Meu pai ensinou-me que a pergunta ‘Quem me fez?’ não pode ser respondida, já que sugere imediatamente a pergunta subsequente: ‘Quem fez Deus?’”. Essa simples sentença me mostrou, como ainda hoje penso, a falácia do argumento da Causa Primeira.
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Se tudo tem de ter uma causa, então Deus deve ter uma causa.

Se pode haver alguma coisa sem causa, pode ser muito bem ser tanto o mundo como Deus, de modo que não pode haver validade alguma em tal argumento.

Este é exatamente da mesma natureza que o ponto de vista hindu, de que o mundo se apoiava sobre um elefante e o elefante sobre uma tartaruga, e quando alguém perguntava: “E a tartaruga?”, o indiano respondia: “Que tal se mudássemos de assunto?”

O argumento, na verdade, não é melhor do que este. Não há razão pela qual o mundo não pudesse vir a ser sem uma causa; por outro lado, tampouco há qualquer razão pela qual o mesmo não devesse ter sempre existido.

Não há razão, de modo algum, para se supor que o mundo teve um começo. A idéia de que as coisas devem ter um começo é devida, realmente, à pobreza de nossa imaginação.

Por conseguinte, eu talvez não precise desperdiçar mais tempo com o argumento acerca da Causa Primeira.


PALESTRA COMPLETA


quarta-feira, 15 de março de 2017

A EXISTÊNCIA DE DEUS





Bertrand Russel


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Esta questão da existência de Deus é um assunto longo e sério, e, se eu tentasse tratar do tema de maneira adequada, teria de reter-vos aqui até o advento do Reino dos Céus, de modo que me perdoareis se o abordar de maneira um tanto sumária.

Sabeis, certamente, que a Igreja Católica estabeleceu como dogma que a existência de Deus pode ser provada sem ajuda da razão. Trata-se de um dogma um tanto curioso, mas é um de seus dogmas.

Tiveram de introduzi-lo porque, em certa ocasião, os livres-pensadores adotaram o hábito de dizer que havia tais e tais argumentos que a simples razão poderia levantar contra a existência de Deus, mas eles certamente sabiam, como uma questão de fé, que Deus existia.

Tais argumentos e razões foram minuciosamente expostos, e a Igreja Católica achou que devia acabar com aquilo.


Estabeleceu, por conseguinte, que a existência de Deus pode ser provada sem ajuda da razão, e seus dirigentes tiveram de estabelecer o que consideravam argumentos capazes de prová-lo. Há, por certo, muitos deles, mas tomarei apenas alguns.

O ARGUMENTO DA CAUSA PRIMEIRA

Entrevista Completa

segunda-feira, 13 de março de 2017

QUE É UM CRISTÃO?



Bertrand Russel

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Hoje em dia não é bem assim. Tem-se de ser um pouco mais vago quanto ao sentido de cristianismo. Penso, porém, que há dois itens diferentes e essenciais para que alguém se intitule cristão.

O primeiro é de natureza dogmática – a saber, que tem-se de acreditar em Deus e na imortalidade. Se não se acredita nessas duas coisas, não penso que alguém possa chamar-se, apropriadamente, cristão.

Além disso, como o próprio nome o indica, deve-se ter alguma espécie de crença acerca de Cristo. Os maometanos, por exemplo, também acreditam em Deus e na imortalidade, no entanto, dificilmente poderiam chamar-se cristãos.

Acho que se precisa ter, no mínimo, a crença de que Cristo era, se não divino, pelo menos o melhor e o mais sábio dos homens.

Se não tiverdes ao menos essa crença quanto ao Cristo, não creio que tenhais qualquer direito de intitular-vos cristãos.

Existe, naturalmente, um outro sentido, que poderá ser encontrado no Whitaker's Almanack e em livros de geografia, nos quais se diz que a população do mundo se divide em cristãos, maometanos, adoradores de fetiches e assim por diante – e, nesse sentido, somos todos cristãos.

Os livros de geografia incluem-nos todos, mas isso num sentido puramente geográfico, que, parece-me, podemos ignorar.

Por conseguinte, julgo que, ao dizer-vos que não sou cristão, tenho de contar-vos duas coisas diferentes: primeiro, por que motivo não acredito em Deus e na imortalidade e, segundo, por que não acho que Cristo foi o melhor e o mais sábio dos homens, embora eu lhe conceda um grau muito elevado de bondade moral.


Mas, devido aos esforços bem-sucedidos dos incrédulos no passado, não poderia valer-me de uma definição de cristianismo tão elástica como essa. Como disse antes, antigamente ela possuía um sentido muito mais vigoroso. Incluía, por exemplo, a crença no inferno.

Entrevista Completa

domingo, 12 de março de 2017

UMA ANÁLISE DA IDEIA DE DEUS E DO CRISTIANISMO


Bertrand Russel
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Como vosso presidente vos disse, o assunto que vou falar-vos esta noite se intitula: “Porque não sou cristão”.

Talvez fosse bom, antes de mais nada, que procurássemos formular o que se entende pela palavra “cristão”.

É ela usada, hoje em dia, por um grande número de pessoas, num sentido muito impreciso.

Para alguns, não significa senão uma pessoa que procura viver uma vida virtuosa.

Neste sentido, creio que haveria cristãos em todas as seitas e em todos os credos; mas não me parece que esse seja o sentido próprio da palavra, pois isso implicaria que todas as pessoas que não são cristãs – todos os budistas, confucianos, maometanos e assim por diante – não estão procurando viver uma vida virtuosa. Não considero cristã qualquer pessoa que tente viver decentemente de acordo com sua razão.

Penso que se deve ter uma certa dose de crença definida antes que a gente tenha o direito de se considerar cristão.

Essa palavra não tem hoje o mesmo sentido que tinha ao tempo de Santo Agostinho e de Santo Tomás de Aquino. Naqueles dias, quando um homem se dizia cristão, sabia-se o que ele queria significar.


As pessoas aceitavam toda uma série de crenças estabelecidas com grande precisão, e acreditavam, com toda a força de suas convicções, em cada sílaba de tais crenças.

Entrevista Completa