“Se o
teu irmão, filho de tua mãe
ou teu filho ou tua filha, ou tua mulher que
repousa sobre o teu seio, ou o amigo a quem amas como à tua alma, te quiser
persuadir, dizendo-te em segredo: Vamos, e sirvamos a deuses estranhos (...),
não cedas ao que te diz, nem o ouças, nem teus olhos lhe perdoem (...), mas
logo o matarás; seja a tua mão a primeira sobre ele, e depois todo o povo lhe
ponha a mão. (...)”. “Se ouvires alguns que dizem: Alguns
filhos de Belial saírem do meio de ti, e perverteram os habitantes da sua
cidade, e disseram: Vamos e sirvamos aos deuses estranhos, que vós não
conheceis; informa-te com solicitude e diligência, e, averiguada a verdade do
fato, se achares ser certo o que se disse, e que, efetivamente se cometeu tal
abominação, imediatamente farás passar à espada os habitantes daquela cidade; e
destruí-la-ás com tudo que há nela, até aos gados. Juntarás também no
meio das suas praças todos os móveis que nela se acharem, e queimá-los-ás
juntamente com a cidade, de maneira que consumas tudo em honra do Senhor teu
Deus, e que seja um túmulo perpétuo, e não seja mais reedificada, e não se
te pegará às mãos nada deste anátema, para que o Senhor aplaque a ira do seu
furor, e se compadeça de ti (...).” (Bíblia Sagrada, Deuteronômio, 13, 6-9 e 12-27.
Grifos nossos.),
No ano de 1492 cerca de
93 mil judeus foram expulsos da Espanha pelos reis católicos e refugiaram-se em
Portugal onde o rei Dom Manuel I, se mostrava mais tolerante com a comunidade
judaica. A partir de 1497 os reis católicos pressionaram o reino português na
questão do asilo dado aos judeus, o que fez com que Dom Manuel obrigasse a
conversão forçada dos judeus. Estes judeus convertidos por decreto passaram a
ser conhecidos como cristãos-novos.
Em 1506 o “Pogrom” de
Lisboa ou a Matança da Páscoa, resultou na morte de aproximadamente 3000 judeus,
incitados pelos prelados onde são
trucidados pelos piedosos católicos em praça pública.
Essa perseguição
ferrenha aos judeus que se deu na época dos descobrimentos, motivou a corrida
de muitos judeus para o Novo Mundo, incluindo o Brasil, nas cidades do Rio de
Janeiro, Salvador, Pernambuco e Paraíba.
Paraiba Judaica
Desde o século XVI a
Paraíba foi um foco de judaísmo. Os cristãos-novos que aqui viviam não eram
abastados como os da Bahia ou do Rio de Janeiro, mas também tinham algumas
posses. Tiravam sua subsistência da agricultura e possuíam alguns escravos. Seu
número cresceu após a expulsão dos holandeses, quando judeus que não quiseram
deixar o Brasil penetraram fundo no sertão.
Não demorou muito para
que os judeus que fixaram residência por aqui e os paraibanos descendentes de
judeus aparecem como suspeitos de judaísmo. O primeiro visitador que a
Inquisição mandou ao Brasil no ano de 1595, Heitor Furtado, já teve ordem de
investigar a Paraíba. João Nunes, cristão-novo que aí viveu em fins do século
XVI, e teve importante papel na colonização local, foi denunciado por ter dito
“quando me ergo pela manhã que rezo uma Ave Maria, amarga-me a boca”.
Segundo dados obtidos do
site do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, a cidade de Filipéia de
Nossa Senhora das Neves (João
Pessoa ), no ano de 1625 – 40 anos de sua fundação, tinha
cerca de 80 casas, 3 igrejas e 3 conventos o que, pela proporção, dá par se
notar o valor da Igreja durante a colonização.
Pesquisas mais
exaustivas poderão esclarecer ainda obscuros ângulos da realidade dos ‘judeus’
da Paraíba. As suspeitas aparentes repetiam as seculares acusações de que
“faziam ajuntamentos”, costumavam estar na Igreja com muito pouco acato e
reverência no tempo em que se alevantava o “Santíssimo Sacramento” quando
falavam uns com os outros, e não traziam livros de rezas nem de contas”.
A chegada aqui do Santo
Ofício, em 1595, não teve muita repercussão porque a população era muito
pequena, foram cerca de 16 denúncias e os casos mais interessantes foram de
bigamia e sodomia, embora tivessem alguns casos judaizantes.
Na quaresma de 1673, a Inquisição de
Lisboa ordenou que se publicasse um edital na igreja de Nossa Senhora das
Neves, chamando todos fieis católicos a vir denunciar sob pena de excomunhão.
Deviam contar tudo que presenciaram ou “ouviram” contra a Santa Fé Católica. O
vigário da Igreja de Nossa Senhora das Neves, padre Francisco Arouche e
Abrantes, leu o edital no púlpito. A população se agitou e de boca em boca
corria a notícia da excomunhão. Amedrontados, sussurravam que as iras do
inferno iriam desabar sobre os cúmplices.
Acontece então algo
surpreendente: apenas oito pessoas se apresentaram perante o vigário para
cumprir as ordens da Igreja. Todos repetiram que o faziam por medo. Durante os
treze meses que durou o inquérito, de 26 de fevereiro de 1673 a 20 de março de 1674,
o vigário ouviu apenas as denúncias desses oito paraibanos. A maioria dos
denunciantes pertencia à governança. A população que ouviu a chamada da Igreja
não compareceu para denunciar.
Esse fenômeno já se
havia passado na Bahia, durante a “grande inquirição” de 1646. Os oito
denunciantes repetiram que “ouviram dizer” sobre feitiçarias e superstições,
mas principalmente sobre “judaísmo”. Na Paraíba, a heresia judaica se entende
durante séculos. Na investida inquisitorial do século XVIII, quando são presos
em poucos anos cerca de cinqüenta paraibanos, as evidências sobre as
‘sinagogas’ e as reuniões secretas aumentaram. O Santo Ofício obteve vantagens
econômicas com suas prisões, cujo montante ainda não foi avaliado.
Passemos ao século
XVIII, onde poderemos focalizar as famílias de judeus da Paraíba.
Posso mostrar-lhe um
impresso, de autoria de Sérgio Maia, onde se vê a Capela do Engenho Santo André,
e onde foram travadas renhidas batalhas contra os holandeses. Hoje existem
apenas ruínas. O Engenho Santo André é hoje a usina de açúcar Santana, no
município atual de Santa Rita, Paraíba, disse o professor Carlos André Macêdo Cavalcanti.
Continuando diz o
historiador Carlos André
que nesse Engenho Santo André viveu Clara Henriques da Fonseca, condenada pela
Inquisição de Lisboa, em 17 de junho de 1731. Era mãe de Antônio da Fonseca
Rego, morador no Engenho Velho, município de Santa Rita, condenado em 6 de
julho de 1732. Antônio da Fonseca Rego casou com Maria de Valença, natural do
Engenho do Meio, também na várzea do rio Paraíba, também condenada pela
Inquisição de Lisboa em 17 de junho de 1731 e em 20 de julho de 1756 a cárcere e hábitos
perpétuos sem remissão.
Foram dois processos.
São os pais dele Joana Nunes da Fonseca, casada com João Soares Filgueira. O
casal já era falecido em 1777. Residia na serra do Martins, Rio Grande do
Norte, fugindo da Inquisição portuguesa. São pais dele Florência Nunes da
Fonseca, casada com João Francisco Fernandes Pimenta. Abandonando o refúgio da
serra do Martins, o casal foi residir em Catolé do Rocha, na Paraíba, no início
do século XIX. Três filhas do casal casaram com dois filhos de Antônio Ferreira
Maia. Cosma casou com Francisco Alves Maia, ela falecida em 2 de março de 1827,
ele falecido em 5 de agosto de 1831. Damiana casou com Manoel Alves Ferreira
Maia, foi sua primeira mulher e Maria, a terceira filha dos descendentes
judeus, também casou com o cunhado, o viúvo Manoel Alves Ferreira Maia.
Grande parte da família
Maia do Catolé do Rocha tem como herança o sangue dos hebreus, que se perpetua
através dos tempos em todas as partes do globo terrestre. Américo Sérgio Maia,
autor destes apontamentos a que agora me refiro, é descendente de Cosma e
Damiana por parte de pai e parte de mãe.
Por aqui vocês vêem a
dimensão lírica da História, o emocionante disso tudo, abrangendo um casal e
toda uma família vítima da Inquisição, que foi levada para Lisboa e tiveram
destinos trágicos.
Mas, a História
continua. Quando falo nessa dimensão lírica é para realçar essa capacidade,
essa potencialidade, a força que vem da própria vida, que nem a Inquisição, nem
o nazismo, nem nenhum regime totalitário é capaz de matar. A vida continua
devido a esse impulso lírico.
Vemos também, dentro da História
da Paraíba, o deslocamento de famílias, de núcleos familiares daqui da Paraíba,
do Rio Grande do Norte e do Ceará para o interior, para o sertão. O que se deu
juntamente no século XVIII no momento em que se intensificava o povoamento do
sertão.
Assim, quero continuar
falando sobre essa família ilustre da Paraíba.
Antônio da Fonseca Rego
era filho de Clara Henriques, como vocês viram. Clara Henriques é uma figura
que emociona quando a gente passa a vista no rol dos culpados registrados no
livro de Anita Levinsky, porque ela emerge como a própria figura da máter
dolorosa. Ela era uma senhora de 71 anos, uma matriarca, parente de todo mundo,
porque esses cristãos-novos daqui da várzea da Paraíba eles constituíam uma
grande família: os Fonseca, os Henriques, Nunes, Pereira, Chaves. Mas todos
entrelaçados e descendentes de dois casais que remontam à época dos holandeses.
De Ambrósio Vieira, casado com Joana do Rego, que por sinal se multiplicam essa
Joana do Rego, de geração em geração e Diogo Nunes Tomaz, casado com Guiomar
Nunes, que também tem outra seqüência de Guiomar Nunes.
Pois bem, Clara Henrique morava no Engenho de
Santo André, ali num sítio histórico, e ali toda essa comunidade se reunia. Se
eles foram processados, não foram inocentes, porque eles realmente judaizavam.
Nas suas reuniões celebravam seus sabás, os jejuns de expiação e todo o ritual
do calendário judaico.
Clara Henriques foi uma
grande figura e foi presa quando já era viúva; foi para Portugal e não voltou.
Deve ter morrido. Antônio da Fonseca Rego foi acusado de judaísmo e feitiçaria.
Maria de Valença, que foi processada duas vezes, na primeira foi levada para
Portugal em 1731. Quando foi posta em liberdade não pôde voltar e foi acolhida
numa casa de cristão-novos, por sinal na casa de um irmão do teatrólogo Antônio José da Silva. Como
se sabe, naqueles interrogatórios da Inquisição a pressão era muito grande, e
por conta disso ela denunciou o marido, e quando ele chegou lá denunciou o
filho Simão, que deveria ter uns 15 anos. Simão depois se tornou um olheiro, um
espião a serviço da Inquisição.
Eu pergunto, prossegue o
professor Carlos André ,
teria sido uma lavagem cerebral? Simão quando foi solto ficou abrigado na mesma
casa onde a mãe estava e denunciou que ela estava preparando o jejum da
expiação. Justamente quando estavam reunidos na casa de um cunhado, para
iniciar o jejum, chega o pessoal da Inquisição e prende todo mundo. É esta a
prisão de Clara pela segunda vez, que já não andava boa do juízo. O processo
vai para Roma, demora sete anos para voltar para Lisboa, sem uma solução em
face da sua doença mental. Como não soubessem o que fazer com ela, mandaram-na
para Évora, sendo afinal libertada, tendo morrido na miséria, mendigando nas
ruas de Évora.
Simão foi mandado para o
Rio de Janeiro e durante a viagem endoideceu, e ficava dizendo que era judeu,
talvez por remorso, retornando do Rio para Lisboa.
Tem também o processo de
Luiz de Valença. Vamos ter notícia de Luiz de Valença porque ele compareceu no
mesmo auto de fé do padre Malagrida, tendo morrido no cárcere.
Com esse relato vocês
podem ter uma idéia do que significou a Inquisição na Paraíba. Outra família
que também se tem notícia é a de João Inácio Cardoso Darão. Esse conseguiu
fugir aqui das perseguições, foi para o Ceará e lá se casou com uma moça da
família Alencar, em
Barbalha. Depois volta e se refugia em Mari do Seixas, saindo
de lá para Pombal. Era uma família de artesãos, que passaram a arte da
ourivesaria para os filhos.
Era uma família pequena.
João Inácio era casado com Catarina Liberato de Alencar. Deles descende o
professor Inácio Tavares de Araújo e José Romero Araújo Cardoso, que é escritor
e professor de Geografia em
Mossoró. O interessante dessa família é que eles conservaram
na memória familiar a sua ascendência judaica e conservam viva na
memória a história de Branca Dias, da Branca Dias da Paraíba..
Segundo o professor
Inácio, na memória da família (não tem documento) João Inácio e Francisco se
diziam que eram filhos de Simão Dias Cardoso de Araújo, morador no Engenho
Velho, nas margens do Gramame. Ora, esse Simão Dias aqui da margem do Gramame é
dado, embora não tenha documentação, como pai da própria Branca Dias. Estou
apenas passando aquilo que colhi na família.
No rol de culpados de
Anita Novinsky nós vamos encontrar um João Almeida , um Inácio Cardoso e um Pedro Cardoso,
filhos de Francisco Cardoso. Mas esse Francisco Cardoso era o senhor do
engenho, do Engenho Tibiri. Acredito que haja uma relação desses três com essa
descendência de João Inácio Como se vê, a história continua através
da família, que é instituição legítima, primeira da sociedade.
No rol dos culpados de
Anita Novinsky, vamos encontrar um Manoel Homem, cristão-novo, natural do
Engenho das Tabocas e morador no Taipu. Viúvo, senhor de engenho, filho de
Antônio de Figueiroa, lavrador de cana. Testemunha: Antônio Nunes Chaves, 12 de
maio de 1732. E nada mais consta.
Mas acontece que no
volume II, da NOBILIARQUIA
PERNAMBUCANA, vamos encontrar o seguinte: e o sobredito, Manoel
Homem de Figueiroa, que ainda vive em crescida idade, foi filho de Antônio de
Figueiroa, que o era de Jorge Homem Pinto e de sua mulher D. Ana de Carvalho.
Na mesma fonte
encontra-se que Antônio de Figueroa teria nascido em 1634 e Jorge Homem Pinto
falecido em 1651. Poderíamos fazer uma relação entre esse número Homem
constante do rol dos culpados com esse Manoel Homem citado por Borges da
Fonseca (fica em aberto o assunto; trouxe-o apenas para ilustrar).
Manoel Homem foi casado
com Margarida de Albuquerque, herdeira do Taipu. Dessa descendência se
encaminha (faltam alguns zeros) para José Lins do Rego.
Outra família: Diogo
Nunes Tomaz, esse é o segundo nome. Foi casado com D. Vitória Barbalha Bezerra,
neta por via materna de Duarte Gomes da Silveira. Ele é um ramo do morgado.
Como ela não mostrou arrependimento, foi queimada viva. Ela morava no Engenho
Santo André, mas era pernambucana, tanto que lá é tida como heroína, e nós
também, porque ela morava aqui. Ele era da vila de Serinhaém, e morador na
Paraíba. Lá no rol dos culpados ele é dado sem ofício, já devia ser um homem
idoso. Era pai de Diogo Nunes Tomaz, casado com Catarina Ferreira Barreto, que
foi preso em 1729 e vemos, através de depoimento, porque não houve inventário,
que ele era primo da morgada.
Esse é o Brasil dos 500
anos, o Brasil das nossas raízes, porque não se pode fazer uma comemoração,
escrever-se sobre a nossa história sem a história das nossas famílias, a
história dos povoadores desses nossos municípios, porque eles é que realmente
fizeram a história.
Sugestão de Leitura
Branca Dias
Sugestão de Leitura
Branca Dias
Homero, boa noite!
ResponderExcluirSou parente de Clara Henriques e Ambrósio Vieira. Poderia citar a fonte do texto? Estou fazendo um livro de família.
Obrigado pelas informações valiosas. Meu contato: contatopedromota@gmail.com
Boa noite Pedro Mota
ResponderExcluirSó agora é que li seu pedido, tudo que escrevi é um resumo de diversos artigos publicados em livros e revistas. Não é fácil lembrar agora depois de cinco anos, mas dê um click em Branca Dias, lá encontrarás algumas fontes, uma delas é Irineu Joffily
https://porquenaosoucristao.blogspot.com.br/2013/06/inquisicao-branca-dias.html
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