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Chegamos, agora, no estágio subsequente
do que eu denomino a descendência intelectual que os teístas tem feito em suas
argumentações, e deparamo-nos com o que se chama de argumentos morais para a
existência de Deus.
Vós todos sabeis, por certo, que
costumava haver, antigamente, três argumentos intelectuais a favor da
existência de Deus, os quais foram todos utilizados por Immanuel Kant em sua
Crítica da Razão Pura; mas, logo depois de haver utilizado tais argumentos,
inventou ele um novo, um argumento moral, e isso o convenceu inteiramente.
Kant era como muita gente: em
questões intelectuais, mostrava-se cético, mas, em questões morais, acreditava
implicitamente nas máximas hauridas no colo de sua mãe. Eis aí um exemplo
daquilo que os psicanalistas tanto ressaltam: a influência imensamente mais
forte de nossas primeiras associações do que das que se verificam mais tarde.
Kant, como digo, inventou um novo
argumento moral quanto à existência de Deus, e o mesmo, em formas várias, se
tornou grandemente popular durante o século XIX.
Tem hoje toda a espécie de formas.
Uma delas é a que afirma que não haveria o bem ou o mal a menos que Deus
existisse.
Não estou, no momento, interessado em
saber se há ou não uma diferença entre o bem e o mal. Isso é outra questão.
O ponto em que estou interessado é
que, se estamos tão certos de que existe uma diferença entre o bem e o mal, nos
achamos, então, na seguinte situação:
É essa diferença devida à
determinação de Deus ou não? Se é devida à vontade de Deus, então não existe,
para o próprio Deus, diferença entre o bem e o mal, e não constitui mais uma
afirmação significativa o dizer-se que Deus é bom.
Se dissermos, como o fazem os
teólogos, que Deus é bom, teremos então de dizer que o bem e o mal possuem
algum sentido independente da vontade de Deus, porque os desejos de Deus são
bons e não-maus independentemente do fato dele os haver feito.
Se dissermos tal coisa, teremos então
de dizer que não foi apenas através de Deus que o bem e o mal passaram a
existir, mas que são, em sua essência, logicamente anteriores a Deus.
Poderíamos, por certo, se assim
desejássemos, dizer que havia uma deidade superior que dava ordens ao Deus que
fez este mundo, ou, então, poderíamos adotar o curso seguido por alguns
agnósticos – curso que me pareceu, com frequência, bastante plausível –, segundo
o qual, na verdade, o mundo que conhecemos foi feito pelo Diabo num momento em
que Deus não estava olhando.