Lutero
movera uma montanha, e dela irrompeu um rio em cheio. Teólogos e sacerdotes
aderiram à Reforma, às vezes inserindo nela suas próprias inovações
doutrinárias, outras vezes dando vida a Igrejas autônomas. Pensadores originais
encontraram coragem para expor as próprias teses. Antigas minorias religiosas,
como os valdenses, encontraram novo vigor.
A seguir,
damos uma lista em nada exaustiva das várias doutrinas e correntes de
pensamento, remetendo-nos à bibliografia para os aprofundamentos.
Huldreich Zwingli
Sacerdote
suíço, demonstrava fortes tendências democráticas e uma grande admiração pelo humanismo.
Em 1520, pregou a necessidade de abolir as nomeações vitalícias e fez circular
os escritos de Lutero. Declarou-se contra a vida monástica, o celibato do
clero, a interferência dos santos, a existência do Purgatório e o aspecto
sacrificatório da missa; mas diferentes concepções da Eucaristia o separavam de
Lutero.
O papa ofereceu a Zwingli "qualquer coisa, com exceção do trono
papal", para que ele se submetesse a Roma, contudo a tentativa de
corrupção não teve sucesso. Zwingli tentou formar uma aliança entre os cantões
suíços reformados para obrigar os católicos a cessar as perseguições aos
protestantes, porém a tentativa falhou exatamente por causa das divergências
entre ele e Lutero. Quando o cantão católico de Schwyz mandou para a fogueira
um pregador de Zurique, não hesitou em declarar a guerra, sendo o primeiro a
pegar em armas para defender a própria fé. Morreu na batalha de Kappel (1531).1
Brownistas ou barrowistas
Eram
seguidores de Robert Browne e de seu discípulo Barrow. Afirmavam que qualquer
tipo de estrutura eclesiástica representava uma abominação e que o sistema da
Igreja era uma falácia.
Para eles,
até mesmo a Igreja Anglicana ainda conservava muitos resíduos do papismo
católico.
Por suas
teorias e pela irredutibilidade contra o poder da Igreja Anglicana, Browne foi
preso 32 vezes. Finalmente, aos 80 anos, foi submetido à autoridade do
arcebispo de Canterbury. Barrow, seu colaborador, compartilhava com ele muitas
idéias, mas ambos divergiam em um ponto específico: o da voluntariedade do
fiel. Para Barrow, levar a palavra de Deus aos profanos era dever dos
príncipes. Foi acusado de ser autor de alguns libelos anônimos antianglicanos e
executado junto com dois seguidores. Em 1583, outros dois barrowistas foram
mortos por publicar os escritos de Browne.
Os anabatistas
Para
alguns cristãos, os batismo era uma coisa séria, e por isso só podia ser
celebrado em adultos conscientes que sabiam o que faziam, como acontecia nos
primórdios da Igreja apostólica. Os mais extremistas também pretendiam viver em
paz em suas comunidades, onde praticavam a comunhão dos bens.
Os grupos
e movimentos que rejeitavam o batismo das crianças, ainda que bem diferentes
entre si, foram chamados de "anabatistas".
Um de seus
expoentes mais famosos foi o holandês Menno Simons (1496-1561). Padre católico,
ficou tão impressionado com o martírio de um pregador anabatista que começou a
estudar a Bíblia e acabou virando, ele próprio, um pastor anabatista, sendo
perseguido por católicos e luteranos. Seu movimento se espalhou pela Alemanha,
Países Baixos e Suíça.
Em 1553, a
cidade de Münster se rebelou contra o bispo-feudatário e aderiu à Reforma.
Lá, o
pastor anabatista Bernhard Rothmann, então padre católico, saiu vencedor de uma
disputa pública com católicos e luteranos a respeito do batismo dos adultos. A
partir daquele momento, a cidade se tornou refúgio dos anabatistas, que
instauraram um regime teocrático.
Luteranos
e católicos espalharam por Mimster os mais fantasiosos boatos, na tentativa de
desacreditar os anabatistas: que o instituto da propriedade privada seria
abolido, que os moradores se tornariam polígamos, e que os anabatistas matariam
sem piedade os fiéis de outras crença?. No Final, os luteranos luteranos e o
arcebispo católico se aliaram para reconquistar a cidade pelas armas, e os
líderes contrários foram executados.
Jacob
Hutter fundou uma seita que praticava a comunhão dos bens. Foi executado em
1536. Havia muitos huteritas na Morávia, mas o movimento sofreu grandes perdas
durante a Guerra dos Trinta Anos. Os que sobreviveram se refugiaram na Hungria
e, mais tarde, na Rússia.
O italiano
Bernardino Ochino (1487-1546), superior da Ordem dos Capuchinhos, recebera do
papa a permissão para estudar os livros protestantes, a fim de refutá-los. Mas,
ao contrário, foi convertido e aderiu ao calvinismo. Após inúmeras travessias e
peregrinações, terminou seus dias na Morávia, como hóspede de uma comunidade
huterita.
O ex-monge
beneditino Michael Sattler, em 1527, trabalhou para criar uma federação de
congregações anabatistas autônomas. Foi torturado e morto cruelmente.
Muitas
congregações anabatistas só encontraram refúgio contra as perseguições com a
emigração para a América, onde se encontram até hoje.
Thomas Müntzer, o teólogo da revolução
O
protestante radical Thomas Müntzer também recebeu o rótulo de anabatista. Ele
fundou a Liga dos Eleitos, uma comunidade sem padres ou propriedade privada. A
Liga logo assumiu o aspecto de um grupo subversivo contra o poder dos padres e
da Igreja. Müntzer era um autêntico profeta d revolução e assumiu a liderança
da revolta camponesa criticada por Lutero. Participou da batalha de
Frankenhausen, em 15 de maio de 1525, na qual as tropas aliadas de príncipes
católicos e luteranos cercaram e massacraram com a artilharia um exército de
oito mil camponeses. Foi capturado, torturado e executado.2
Unitaristas ou antitrinitários
É o nome
dado a uma miríade de movimentos que negavam o dogma da Trindade e a divindade
da pessoa de Cristo.
O
movimento antitrinitário de maior influência talvez tenha sido o socianismo,
que deve seu nome ao advogado Lélio Socini, natural de Siena, e de seu
sobrinho, Fausto. Lélio Socini levou uma vida errante, entre a Itália e a
Suíça, que, graças à Reforma, se tornara um refúgio para os antitrinitários italianos.
Posteriormente, as teses unitaristas também foram declaradas ilegais.
Os
socianistas eram a favor da liberdade de culto e rejeitavam tanto a idéia de
impor a própria idéia aos outros quanto a busca deliberada do martírio. O
socianismo fez adeptos na Transilvânia (onde o movimento antitrinitário era
muito influente), na Ucrânia, Holanda e Polônia, onde ganhou grande importância
e sofreu perseguições por parte dos soberanos Sigismundo III (1566-1632) e João
Casimiro (1609-1672), jesuíta e cardeal.
Miguel Serveto e as fogueiras
protestantes
Outra
doutrina antitrinitária foi a de Miguel Serveto, nascido em Villanueva,
Espanha, por volta de 1510. Filósofo, teólogo, médico, geógrafo, astrólogo,
filólogo de grande cultura clássica, crescido no clima de grande fervor
cultural do Renascimento, ele aspirava a uma religião universal que unificasse
não só os cristãos, mas também os outros "povos do Livro": os judeus
e os muçulmanos. Para obter esse resultado, propôs uma solução aparentemente
simples: a abolição dos dogmas da Trindade, que não está nas Escrituras.
Em alguns
escritos, chegou a afirmar que, no primeiro Concilio de Nicéia, a Igreja traiu
a si própria e ao Evangelho. Suas idéias atraíram para si o ódio dos
protestantes suíços e dos católicos.
Apesar das
perseguições e de um processo no qual foi condenado, Serveto ainda passou
vários anos viajando pela Europa com nome falso, estudando, escrevendo e
publicando tratados anônimos.
Em 1546,
começou a se corresponder com Calvino, prática que logo foi interrompida em
meio a insultos recíprocos.
Em 1553, o
intelectual espanhol foi preso e processado pelo tribunal da Inquisição de
Vienne (França). Para escapar da morte, tentou esconder a própria identidade,
dizendo se chamar Miguel Villanovanus. Mas Calvino enviou à Inquisição católica
materiais comprometedores, o que permitiu sua identificação. Serveto conseguiu
fugir e se refugiou em Genebra, sempre usando nome falso. Lá foi reconhecido e,
acusado publicamente, sempre por Calvino, sofreu um processo muito parecido com
o da Inquisição.
Condenado à fogueira em 1553, foi executado no dia seguinte ao
proferimento da sentença.
Alguns
meses depois, foi encerrado também o processo católico, com uma condenação
póstuma por heresia. Sua efígie foi estrangulada e queimada em fogo lento.
FONTES PARA ESTUDO
1. David Christie-Murray, I percorsi delle
eresie. Milão, Rusconi, 1998, p. 197-8.
2. Ernst Bloch, Thomas Müntzer teólogo delia
rivoluzione. Feltrinelli, Milão, 1980, p. 78-86.
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