SINOPSE
John Wycliffe
(1324-1383), teólogo e eclesiástico, foi o precursor inglês da Reforma
Protestante. Condenou a riqueza do clero e defendeu a abolição do dízimo: para
ele, a Igreja deveria se manter com as doações voluntárias. Também defendia uma
espécie de sacerdócio universal dos "eleitos", passando por cima da
hierarquia católica, e repudiava a prática das indulgências, a adoração aos
santos e às relíquias, e a peregrinação.
Wycliffe também contestou alguns
sacramentos, em especial a crisma e a eucaristia, por refutar o conceito de
transubstanciação. Em seus últimos anos de vida, traduziu para a língua
vernácula várias passagens das Escrituras. Seus escritos inspiraram um movimento
de pregadores itinerantes, os lolardos. Estes tiveram o apoio do rei Ricardo
II e de boa parte da nobreza inglesa.
Conseguiram até apresentar uma proposta
de reforma da Igreja na Inglaterra.
Com Henrique IV, as
coisas mudaram drasticamente: o rei, tendo caído nas graças da Igreja Católica,
deu início a uma verdadeira perseguição baseada no De Hereticu Comburendo (Sobre
queimar hereges), que permitia que os bispos torturassem e queimassem aqueles
que fossem considerados hereges.
Em 1409, por ocasião do Sínodo de Londres,
alguns morreram na fogueira. Em 1411, sentindo-se ameaçados, os lolardos
organizaram uma insurreição armada para seqüestrar Henrique IV, tentando
incitar uma revolução camponesa. Mas a chamada às armas foi um fracasso: 37
lolardos morreram enforcados, outros sete, queimados. Em 1428, as teorias de
Wycliffe foram consideradas heréticas e seus restos foram exumados, queimados e
jogados no rio por ordem do papa. O movimento dos lolardos, no entanto,
conseguiu sobreviver até o início do século XVI.
1324 - 1383 |
No período da pré-reforma
destacamos, na Inglaterra a pessoa de John Wycliffe. Num cenário em que Roma
exercia total domínio na Europa, Wycliffe era temido e, consequentemente
perseguido pela igreja de Roma. É bom que o leitor tenha em mente que até a
época da cisão da igreja Ocidental com a Oriental em 1054 quando a Igreja
Ortodoxa se separou de Roma havia somente uma igreja católica, isto é, a igreja
de Roma. E uma só igreja no mundo, a igreja católica, que quer dizer universal.
Até que Humberto excomungou a Miguel Cerulário, (1) patriarca ortodoxo de
Constantinopla, e a igreja passou a ter dois centros de comando: Roma e
Constantinopla. No restante da Europa prevaleceu até a época da Reforma
Protestante apenas um governo, que era o de Roma sobre todas as igrejas,
incluindo a igreja da Inglaterra. Os líderes religiosos que surgem a partir da
cisão entre Roma e o Oriente são todos da igreja católica de Roma. É difícil ao
leitor atual entender esta situação porque só a partir da reforma protestante é
que a igreja foi se organizando em grupos denominacionais distintos.
É neste cenário de movimento
profético que teria começado pelo ano 1100, que surgiu a figura de John
Wycliffe cujos seguidores foram chamados de lolardos. Wycliffe ficou conhecido
como a aurora da reforma na Inglaterra e doutor evangélico na Boêmia.
Na época de Wycliffe o
cristianismo na Europa vivia uma convulsão espiritual e social, e os reis
digladiavam-se em constantes guerras. John Wycliffe se levanta na Inglaterra
acusando o clero de abuso espiritual e de autoritarismo.
Muitos foram os livros escritos
sobre ele e o que se conhece a respeito de Wycliffe vem de seus seguidores, os
lolardos.
O que mais se conhece dele
procede dos relatos dos últimos doze anos de sua vida quando se envolveu em
discussão com os políticos e com o clero inglês exigindo uma reforma na igreja.
A data mais provável de seu
nascimento de acordo com o livro John Wycliffe and the Beginings of English
Nonconformity (K.B.McFarlane, Londres 1952, p 14 – John Wycliffe e o início dos
descontentes ingleses) teria sido em 1324 ou 1330 – os historiadores divergem
quanto a data – de uma família que possuía terras próximo a Richmond em
Yorkshire. Pouco se sabe dos anos anteriores ao seu aparecimento no cenário
nacional, mas é certo que ele estava a par dos acontecimentos ao seu redor.
O domínio romano na Inglaterra
era exercido pelo papado em Avignon (período em que o papado, exilado de Roma
se instalou na França), através de muita burocracia. Nesta época os bispos e
padres começaram a ocupar cargos de ministros de estado do governo civil,
ocasião em que a terça parte dos bens do Estado estava nas mãos do clero que
não pagavam taxas e impostos, o que levantou um grande sentimento anticlerical
na Inglaterra. Um quinto da população era formada pela classe clerical, e os
mosteiros e abadias passaram a ser grandes centros comerciais, negociando gado,
ovelhas e envolvendo-se em todo o mercado da Inglaterra.
É possível que Wycliffe tenha
entrado na universidade de Oxford aos quinze anos de idade em 1345 para estudar
teologia, curso várias vezes interrompido devido a peste negra que assolou a
Europa entre 1349 e 1353. Passando pelos vários estágios da universidade,
Wycliffe se tornou professor, assumindo mais tarde uma cadeira na universidade
de Oxford.
Em uma de suas obras, The
Pastoral Office ele trata das responsabilidades e da fidelidade do ministro, a
responsabilidade do pregador, como o “mais elevado serviço”, como se o próprio
Cristo estivesse ocupado no ministério. A mesma autoridade que concede ao bispo
a autoridade de celebrar os sacramentos, impulsiona-o a pregar a palavra de
Deus, e, portanto, a pregação da palavra de Deus é um privilégio maior do que
ministrar os sacramentos.
O pensamento de Wycliffe pode
ser visto em uma de suas declarações: “O sacerdote deve viver uma vida santa,
em oração, com o coração totalmente entregue a Deus, mantendo sadia conversação
e ensinamento fiel, tendo sempre nos seus lábios os ensinamentos e o evangelho
de Cristo. Que suas obras sejam tão justas que ninguém encontre base alguma
para acusá-lo, e sua vida tão aberta quanto um livro. O exemplo de vida é mais
eficaz que um milhão de sermões”. (In História da Igreja de Philip Schaff Vol 6
p 174).
Wycliffe, durante muitos anos
foi o mais eminente professor – sem dúvida desde os tempos de Grosseteste – com
o cargo de professor na universidade de Oxford. Ele costumava citar em seus
sermões e em suas aulas os autores e pais da igreja latina, como Crisóstomo,
Agostinho, Jerônimo e outros. Mas não era apenas um professor, também um
patriota inglês.
Wycliffe ergueu sua voz contra
o Papa que insistia em exercer domínio na Inglaterra, levantou-se contra o
domínio agrário da igreja que possuía grandes propriedades rurais, e defendia
que Roma deveria pagar imposto das propriedades que detinha na Inglaterra.
Opunha-se fortemente contra o os bispos que mantinham cargos no governo, e
quando o arcebispo Sudbury foi assassinado atribuiu o trágico acontecimento a
um castigo de Deus por exercer o cargo de chanceler, quando deveria estar
cuidando das coisas de Deus.
Seu ponto de vista sobre a
função do governo civil e da igreja ficou registrado nos folhetos De dominio
divino, De dominio civili e na obra Dialogus. Em Divine Lordship (Senhorio
divino) ele discute os direitos de propriedade e o exercício de governo e trata
da diferença entre soberania e mordomia. Senhorio não é propriamente manter
domínio, mas exercer mordomia. Cristo não quis reinar como um governo com
direitos absolutos, mas no compartilhamento com os demais. Por isso foi o mais
perfeito dos servos.
Nesta mesma obra “Civil
Lordship” (senhorio civil) ele declara que nenhum mortal tem direito de se proclamar
senhor.
Todos os crentes são ao mesmo
tempo senhores e servos. Foi a partir de seus escritos nesta área que Gregório
XI escreveu seus artigos incriminando Wycliffe que mais tarde o levaria à
condenação.
Além de professor e patriota,
os historiadores falam de Wycliffe como excelente pregador. Wycliffe foi
reconhecidamente um dos maiores pregadores da pré-reforma, pois 294 de
seus sermões em inglês, e 224 em latim ficaram preservados na história. Devem
ser lembrados seus sermões sobre a oração dominical, o sermão do Monte, os
cânticos da Bíblia, os sete pecados capitais e outros temas, a maioria baseado
no Novo Testamento. Eram pregações simples e diretas. Neles os papas e os
prelados da época são acusados de mundanismo, de serem o anticristo e servos do
diabo, por haverem se desviado da verdadeira mensagem de Cristo.
Além de professor, patriota e
pregador, Wycliffe deixou um legado de grande reformador da igreja. No fim de
sua vida Wycliffe teve de lidar contra as acusações que vinham de toda parte,
afirmando ser ele um herege. Um de seus acusadores chegou a fazer uma lista de
303 heresias.
O Concílio de Constança
levantou acusações contra Wycliffe afirmando que ele afirmava que após a
consagração a substância do pão e do vinho continuava a mesma e que Cristo não
estava presente nos sacramentos.
A pregação de Wycliffe era de
que o papado deveria ser abolido e de que os padres deveriam tirar seu sustento
do trabalho pessoal e não do dinheiro do povo. Afirmava ainda que a escolha do
Papa pelos cardeais e as ordens religiosas eram invenção do Diabo, e pregava
que a salvação poderia ser conseguida sem precisar crer na igreja de Roma como
a mãe das igrejas.
Wycliffe tornou-se mais
conhecido a partir de 366, por escrever dois tratados extensos sobre o senhorio
de Cristo, em que apresenta a teoria da soberania sobre os assuntos temporais
da igreja, numa época em que a igreja pregava que era ela o reino de Deus na
terra detendo o direito de domínio sobre o destino das pessoas.
Convém observar que além de
Wycliffe vários ilustres homens de Deus foram reconhecidos nos séculos 14 e 15
como pré-reformistas. Eles se anteciparam a Lutero duzentos anos antes da
Reforma Protestante, cada um deles cumprindo sua missão: Wycliffe na
Inglaterra, João Huss na Boêmia, Savanarola na França e outros, como Wessel e
Goch no norte da Alemanha. Wycliffe e seus sucessores foram reformadores da
doutrina. Ele é chamado de a Estrela Matutina da Reforma.
Wycliffe iniciou sua linda
carreira de reformista depois de ser enviado pelo rei até a França para
negociar a paz, na guerra que se estendia entre França e Inglaterra havia
décadas. Logo de seu retorno começou a pregar em Oxford e em Londres como
reformador, denunciando o poder e a soberania do Papa nos assuntos civis. Em
cada lugar o professor de Oxford abria sua boca para denunciar os pecados da
igreja. Publicou um panfleto chamando o bispo de Roma de anticristo, de
orgulhoso e mundano e o denunciava como assaltante e ladrão.
Wycliffe pregava que o Papa não
tinha o poder de ligar e desligar mais que qualquer padre, e que os senhores
feudais tinham o direito de confiscar as propriedades do clero se houvesse
necessidade. Com isto o duque de Lancaster, inimigo ferrenho do clero começou
um movimento para confiscar as propriedades eclesiásticas. Piers Ploughman era
apoiado pela opinião pública que exclamava contra o clero: “Tire as terras da
igreja, Senhor, e deixe-a viver apenas dos dízimos”, clamor que foi referendado
pelo Parlamento inglês em 1376 numa proposta feita por Wycliffe.
Este reformador do século 14
não foi apenas professor e denunciador do sistema. Com o fim de contra-atacar a
influência dos frades – que ele passou a denunciar depois de regressar da
França onde foi negociar em Bruges a paz com os franceses – Wycliffe teve a ideia
de formar equipes com evangelistas itinerantes que viajassem por todo o país
pregando o evangelho. Estes “padres maltrapilhos” como ficaram conhecidos, eram
leigos graduados de Oxford. Não se sabe o número de evangelistas que ele enviou
a pregar. Mas o movimento de Wycliffe, que depois se associou a Gerrit de
Groote na Alemanha – sobre o qual também escrevemos – é visto na história na
mesma dimensão do movimento iniciado por João Wesley séculos depois, e do mais
recente Exército da Salvação de Willian Booth.
Wycliffe não criou uma
organização evangelística, no entanto seus evangelistas associados eram
bem-recebidos por todo o país. Um cronista da época escreveu que eles viviam ao
lado de Wycliffe, viajavam a pé e pregando os ensinamentos do mestre de Oxford.
O grande perseguidor de Wycliffe, o bispo Courtenay denunciava-os como
“pregadores itinerantes sem autorização da igreja, com ensinamentos errôneos,
que pregavam suas heresias publicamente em praças, igrejas e lugares profanos
sob a farsa de santidade, mas sem autorização episcopal ou papal”.
O bispo Courtenay foi um
perseguidor atroz de Wycliffe e mais tarde dos lolardos, mas o pré-reformador
jamais se intimidou diante das ameaças da igreja de Roma. Em 1381 compareceu
novamente diante da corte para ser inquirido por suas declarações contrárias às
práticas da igreja. Doze de suas teses reafirmavam que a igreja havia
abandonado as escrituras e que conduzia erroneamente seus negócios.
As autoridades de Oxford
instituíram uma corte formada por 12 mestres para tratar da questão da
Eucaristia, e sem sequer mencionar o nome de Wycliffe, condenaram os que
declaravam que afirmavam que o pão e o vinho continuavam a ser pão e vinho
depois de consagrados, e de que o corpo de Cristo se faz presente apenas
figuradamente na eucaristia. Wycliffe, apesar de tudo, continuou a pregar e a
lecionar na universidade, mas quando apelou para o concílio real o duque
de Lancaster posicionou-se contra ele e o proibiu de falar sobre a questão da
ceia do Senhor na universidade de Oxford. Ele então declarou: “Creio que no fim
a verdade prevalecerá”.
Neste mesmo ano em que Wycliffe
foi julgado tendo que deixar suas atividades em Oxford rompeu na Inglaterra a
Revolta dos Camponeses (Peasant’s Rising 1377-1381). Alguns historiadores
acreditam que os ensinamentos de Wycliffe serviram de semente para brotar na
Inglaterra a revolta dos campesinos, que algum tempo depois poria fim aos
grandes feudos medievais e a escravidão no campo. Ele teria escrito: “Não
existe obrigação moral de se pagar impostos ou dízimos a maus governantes sejam
da igreja ou do Estado. É possível puni-los ou depô-los reivindicando as
riquezas que o clero tirou do povo”. Os seguidores de Wycliffe levaram a culpa
pela insurreição dos campesinos.
Cento e cinqüenta anos depois
da morte de Wycliffe, Tyndale afirmou: “Disseram, nos dias de Wycliffe, e
continuam os hipócritas a afirmar novamente que a palavra de Deus é culpada das
insurreições”(In Philip Schaff, prefácio à exposição de João, Parker Society p
225).
Comentando a perseguição
sofrida por Wycliffe e seus seguidores que foram considerados culpados pela
revolta dos camponeses, Broadman diz: “Mesmo sendo injusto culpá-los de
liderarem a revolta, existe uma questão que não se pode negar, pois o
verdadeiro cristianismo está intimamente ligado com Cristo Jesus e a libertação
dos oprimidos.
Cristo declarou que ele veio
para pregar o evangelho aos pobres, proclamar libertação aos cativos, dar vista
aos cegos e para pôr em liberdade os oprimidos” (Lc 4.18). Este texto descreve
a questão social dos trabalhadores da época que ao tomarem conhecimento das
Escrituras descobriram que Deus não faz acepção de pessoas (At 10.34) e que a
escravidão a que estavam submetidos sob a tutela de líderes que viviam na
luxúria era injusta. Os sermões de Wycliffe gerados nas salas da universidade
de Oxford não tinham tanto apelo quanto as pregações de seu contemporâneo João
Ball que clamava do meio da miséria em que viviam: “Que direito têm estas
pessoas de afirmar serem maiores que nós? Em que base eles são maiores?
Se todos procedemos do mesmo pai e mãe, de Adão e Eva, como podem dizer e
afirmar que são melhores que nós a não ser pelo fato de que nos escravizam pelo
trabalho para poder garantir sua vida de orgulho?” (E.H. Broadbent, The Pilgrim
Church, p 121).
O Bispo Courtenay não desistia
de persegui-lo, e logo que foi elevado ao cargo de supervisor de Canterbury,
convocou, em 1382 um sínodo que ficou conhecido na Inglaterra como o “Sínodo do
Terremoto”, porque a terra tremeu enquanto estavam reunidos. O primaz tinha o
apoio de nove bispos, e logo que a terra tremeu Courtenay interpretou o
episódio como um sinal positivo a seu favor.
A terra tremeu, disse ele, em
apoio aos prelados. Wycliffe que não estava presente no momento do terremoto
interpretou de maneira diferente. “Foi a heresia dos frades com respeito aos
sacramentos que fez a terra tremer, da mesma maneira que tremeu no dia da morte
de Cristo” (In Schaff, Select English Works Vol III p 503).
O concílio condenou 24 artigos
de Wycliffe, 10 dos quais foram considerados hereges, e os demais por
contradizerem as normas de fé da igreja. Os quatro temas principais condenados
no concílio foram as declarações de Wycliffe de que Cristo não está presente
nos sacramentos – na ceia do Senhor – que não há necessidade de se confessar
como forma de se preparar para a morte; de que após a morte do Papa Urbano VI a
igreja inglesa não deveria ter papas, mas, como os gregos, governar a si mesma,
e que a Escritura condena a propriedade de bens temporais. Como resultado
Wycliffe foi proibido de exercer suas funções em Oxford.
Com as modificações políticas
na universidade de Oxford, Wycliffe perdeu todo apoio, não pôde mais pregar,
teve seus escritos confiscados, tendo que se retirar para a reitoria em
Lutterworth onde continuou seu trabalho de tradução da Bíblia do latim para o
inglês. Do exílio forçado publicou o polêmico livreto Cruciata, em que
condenava a cruzada na qual o bispo de Norwich, Henry de Spenser preparava em
apoio ao Papa Urbano VI contra o outro papa que governava em Avignon, Clemente
VII. Para poder pagar este empreendimento o Papa Urbano prometeu indulgência
plena durante um ano a todos os que entrassem para o exército de sua cruzada.
Missas foram realizadas e grandes somas em dinheiro arrecadadas para a guerra
de papas. Foi concedido pleno perdão aos mortos e aos vivos. Wycliffe condenou
tal iniciativa da igreja da Inglaterra como mundana, e declarou que a
indulgência era “a abominação dos lugares santos”. Foi durante este tempo de
confinamento obrigatório que Wycliffe escreveu sua obra teológica Triálogo em
que deixa claro o princípio de que, sempre que a Bíblia e a Igreja não
concordam, devemos obedecer a Bíblia, e sempre que a consciência e a autoridade
humana entrarem em conflito, devemos obedecer a consciência.
Dois anos antes de sua morte
Wycliffe teve um derrame que o deixou paralítico, ao que parece por haver
recebido uma intimação para comparecer perante o Papa. Com coragem e convicção
respondeu ao supremo pontífice que ele, dentre todos os homens tinha o dever de
se submeter às leis de Cristo; que Cristo era para todos e especialmente para
os pobres e que ele, Wycliffe não se submetia a autoridades humanas. Nenhuma
pessoa deveria seguir a Pedro ou Paulo ou a qualquer santo a menos que estes
fossem imitadores de Cristo. Assegurou ao Papa que se estivesse errado ao
pensar desta forma, estava disposto a se arrepender e a enfrentar a morte.
Enquanto realizava o culto em sua igreja teve uma nova paralisia e morreu três
dias depois em 29 de dezembro de 1384.
Pode-se ter uma ideia da
relevância de Wycliffe para a época através de seus perseguidores. Wycliffe, o
homem que trabalhou arduamente para que as Escrituras fossem lidas em inglês
pelo povo era tido como herege e desordeiro. O cronista de St. Albans expressou
o que pensava a hierarquia da igreja a respeito do reformador: “Na festa da
paixão de Sto. Tomás de Canterbury, João de Wycliffe, este instrumento do
diabo, o inimigo da igreja, autor da confusão entre o povo comum, a imagem dos
hipócritas, o ídolo dos heréticos, o provocador de divisões, o semeador de
ódio, o mentiroso, sendo ferido com o julgamento divino, foi deixado paralisado
e continuou a viver até o dia de São Silvestre quando entregou seu espírito de
maldade para habitar nas trevas” (Schaff, Vol VI p 171).
Mesmo depois de morto Wycliffe
não foi deixado em paz. O Bispo Arundel decretou que fosse confiscado e
queimado tudo o que Wycliffe escreveu, e nenhuma de suas obras voltou a ser
impressa. O decreto Lateran de fevereiro de 1413 ordenava que todos os seus
livros fossem queimados e o Concílio de Constança condenou formalmente que
qualquer memória de Wycliffe fosse apagada da face da terra e que seus ossos
exumados do sepulcro onde descansavam fosse lançados bem distantes da igreja. O
decreto dizia: “O santo sínodo declara que John Wycliffe foi um herege de
renome e o excomunga condenando que sua memória seja tida como de alguém que se
tornou um obstinado herege” (In Mansi XXVIII p 635 Philip Schaff Vol. VI p
171).
As palavras de Fuller
descrevendo o cumprimento do decreto de Constância ficaram gravadas nas páginas
da história da Inglaterra: “Queimaram seus ossos e lançaram as cinzas no Swift,
um ribeirinho das proximidades, que levou suas cinzas ao Avon, e o Avon ao
Severn, e o Severn aos mares estreitos e estes para o grande oceano. Assim, as
cinzas de Wycliffe são emblemas de sua doutrina que agora se espalham pelo
mundo todo”.
Anos depois muita polêmica foi
levantada a questão se Wycliffe fez ou não uma tradução da Bíblia em
inglês. E não se faz necessário aqui entrar na polêmica apresentando os
argumentos prós e contra. Vale destacar, no entanto, que várias pessoas foram
perseguidas e mortas por possuírem uma cópia da Bíblia de Wycliffe e o
testemunho dado anos depois por John Huss, em Praga, de possuir uma Bíblia
traduzida do latim para o inglês por este pré-reformador. Uma acusação e defesa
de Wycliffe pode ser encontradas na História da Igreja de Philip Schaff, Volume
VI à p 183.
John Wycliffe serviu com
alegria o povo inglês autenticando a marca de sua personalidade na defesa da autoridade
das Escrituras sobre todas as coisas. Ele defendia a supremacia da autoridade
da Bíblia para leigos e clero, afirmando que a Bíblia deveria ser traduzida em
todos os idiomas do mundo. Declarava que a Bíblia era o manual da salvação,
insistindo que se devia dar atenção ao seu sentido literal. Em seu tratado
sobre o valor das Escrituras com mais de mil páginas impressas ele afirmava que
a Bíblia tinha que ser levada em conta mais que a opinião dos teólogos
medievais.
Para Wycliffe as Escrituras eram
a lei de Cristo, a lei de Deus, a Palavra de Deus, o Livro da Vida; a imaculada
lei do Senhor, verdadeira, completa e perfeita. Tudo de que se precisa para a
salvação nela está contida. É o livro que todo cristão verdadeiro deveria
estudar. É a medida e padrão de toda lógica. Ele dizia: “A lógica em Oxford
muda com frequência, praticamente a cada vinte anos, mas as Escrituras nunca
mudam. São eternas. Toda lógica, filosofia, leis e éticas estão nelas
contidas”. Wycliffe confessou que várias vezes se deixou levar pela lógica
pensando em ser famoso e em ganhar fortuna, mas agradecia a Deus que havia se
convertido e aceitado as Escrituras como fonte de toda lógica.
Os lolardos
A maior parte do que se sabe da
vida e dos ensinamentos de Wycliffe chegaram até nós através de seus
seguidores, conhecidos como Lolardos. Estes se tornaram uma séria ameaça à
igreja institucionalizada. Seguindo os ensinamentos de Wycliffe, eles criam que
o cristianismo deveria ser fiel às Escrituras e que toda pessoa deveria ter
acesso à Bíblia Sagrada, interpretando-a por si mesmo, isto numa época em que a
igreja reclamava ter o direito exclusivo da autoridade bíblica, e a sociedade
tinha de obedecer ao que a igreja decidia. Foram os lolardos que fixaram as
teses de Wycliffe na catedral de Westminster em 1395 conhecidas como a “quinta
conclusão” criticando o uso da água, do sal e dos incensos na missa.
Wycliffe pregava a separação
entre a igreja e o Estado ensinando que o clero deveria viver separadamente da
sociedade civil, não se intrometendo nos assuntos do governo, concentrando suas
energias apenas nos valores espirituais, pois estavam tão ocupados com as
atividades governamentais que haviam se esquecido de suas obrigações
espirituais. Seus seguidores, os lolardos exigiam que o clero vivesse de
prebendas e que tirasse seu sustento de seu próprio trabalho e não do trabalho
dos demais. Essas e outras questões levaram os lolardos a influenciar
substancialmente a Inglaterra nos cinquenta anos seguintes após a morte de Wycliffe.
Os ensinamentos de Wycliffe e
dos lolardos foram condenados pela igreja em 1384, o que não inibiu o
crescimento do grupo até 1431. Eles exigiam uma volta da igreja à verdadeira
fé, à simplicidade e a autonomia da igreja.
A predestinação e o senhorio de
Cristo foram os dois temas fortes pregados por Wycliffe e mantidos pelos
lolardos, estes, inclusive, divulgavam a ideia de que os mosteiros deveriam ser
fechados e o clero eliminado para que a igreja voltasse aos princípios do Novo
Testamento.
Os ensinamentos de Wycliffe
tiveram o suporte teológico de Westminster ganhando apoio popular,
especialmente o tema da predestinação, pois era um período em que a igreja de
Roma dava excessiva ênfase à salvação pelas obras de caridade. O clero se
empenhava a que as pessoas encontrassem a graça através dos sacramentos, da
eucaristia e da confissão auricular a fim de serem salvas. A pregação de que
somente os predestinados seriam salvos batia fortemente contra a crença de que
a salvação era conseguida pelas boas-obras. Já no século XV os lolardos
passaram a agir separadamente da igreja preparando o terreno para a reforma
Protestante.
Wycliffe também pregava contra
a doutrina da transubstanciação, a crença católico-romana de que na eucaristia
pão e vinho se transformam literalmente no corpo de Cristo, e este seu
posicionamento doutrinário levou-o a perder bastante apoio ao redor de 1382,
especialmente das classes abastadas. A igreja da Inglaterra até que suportava
as críticas de Wycliffe e de seus seguidores ao seu estilo de vida, mas não
aceitava a negação da doutrina da transubstanciação, doutrina da igreja
instituída no ano 850 no concílio de Paiva, juntamente com a decisão de que o
rosário e a coroa da virgem Maria são também eficazes na salvação do homem.
Os lolardos ensinavam que o
sacerdote deveria ser “verdadeiramente” um sacerdote, e defendiam o ensinamento
de que qualquer pessoa piedosa tinha autoridade para dar a ceia sem o
necessário apoio da igreja romana. Eles enfatizavam a autoridade exclusiva das
Escrituras sobre bispos e padres, pregavam pobreza apostólica e a taxação das
propriedades religiosas. Fundamentalmente criam que a igreja católica era
corrupta, e saíram em busca da verdadeira igreja. Decididamente contribuíram
para espalhar a Bíblia na linguagem do povo.
Para a igreja romana, os
lolardos ficaram ainda mais perigosos quando receberam apoio da realeza que
também foi atraída pela doutrina que ensinavam. Receberam apoio de Sir Thomas
Latimer, e de Sir John Montague que adotaram os ensinamentos de Wycliffe como
parte de sua política de governo. Entre 1384 e 1396 escritos lolardicos
conhecidos como Florentum circularam livremente na Inglaterra, bem como
traduções da Bíblia, e isto só se tornou possível graças a generosas ofertas
dos nobres ingleses.
A igreja romana começou a fazer
pressão sobre o governo da Inglaterra porque os leigos começaram a ler a Bíblia
popularizando as idéias de Wycliffe, daí o expurgo ocorrido na universidade de
Oxford em 1382. A perseguição aos lolardos aumentou significativamente e a
igreja passou a declarar como herética a maioria dos ensinamentos de Wycliffe.
Com o expurgo feito na universidade os lolardos se espalharam por toda parte
pregando o evangelho de Jesus Cristo.
Dois arcebispos de Canterbury,
Courtenay e Thomas Arundel ficaram conhecidos como os maiores perseguidores dos
lolardos, caçando-os por toda a Inglaterra, especialmente empenhados na caça
aos pregadores leigos. Um dos grandes pregadores daquele tempo perseguido pelos
bispos foi Swinderby, citado por McFarlane “como um dos maiores evangelistas
lolardos”. Swinderby traduziu para a linguagem popular os ensinamentos de
Wycliffe e percorreu vilas e cidades, como pregador leigo, celebrando missas e
cerimônias, mesmo tendo contra ele um mandato de prisão expedido em 1388.
Depois de ser julgado em Bodenham, Swinderby saiu de circulação e retirou-se
para seu esconderijo, protegido pelos escoceses que viviam nas montanhas. Foi
ele quem levou à conversão um nobre inglês, John Oldcastle, sobre quem leremos
mais adiante (Alguns historiadores, como Fox especulam que Swinderby foi
queimado como herege sob o governo de Henry IV, mas outro historiador,
Mcfarlane não confirma este acontecimento – In The Morning Star, p 61).
Vilas e cidades passaram a
aderir aos ensinamentos dos lolardos, mas Courtenay e Arundel os perseguiam por
toda parte. Um dos exemplos foi em Leicester onde a obra continuou a florescer
mesmo depois da partida de Swinderby. O bispo Courtenay esteve na cidade em
1389 e os lolardos tiveram que fugir, especialmente depois que oito deles foram
excomungados pelo bispo. E excomunhão significava desterro, perseguição e
morte. Significava não ter onde comprar alimentos nem mesmo onde dormir.
A ordem dos dominicanos – agora
totalmente desviada de seu propósito original – posicionou-se contra os
lolardos e pressionou o Papa Bonifácio IX a escrever ao rei Ricardo expressando
sua preocupação dos perigos que os lolardos representavam. Os seguidores de
Wycliffe que ainda estavam na universidade de Oxford foram presos e logo depois
foi expedido um estatuto, conhecido como De Herético Comburendo condenando
severamente os lolardos. O documento de 1401 apresentava uma estratégia de como
combater a heresia na Inglaterra.
Convém lembrar que nesta época
a igreja da Inglaterra não se submetia totalmente ao Papa e até desconhecia a
inquisição papal, em que as pessoas consideradas heréticas eram torturadas em
aparelhagens inventadas para levar ao suplício e à confissão, no qual os
dominicamos eram especializados. Os dominicanos perseguiam os lolardos e os
hereges por toda a Europa, especialmente na França e na Itália, diferentemente
dos franciscanos que indiretamente apoiavam o movimento dos lolardos. As penas
na Inglaterra eram mais brandas que em outras partes da Europa.
Quando algum material de
Wycliffe era encontrado, os acusados eram interrogados e levados a renunciar
aos ensinamentos. Caso recusassem eram aprisionados em cadeias civis ou nos
porões das igrejas, e em casos extremos eram queimados na fogueira.
Em 1384 as autoridades
expediram ordens de prender os seguidores de Wycliffe, e a partir de 1401 quem
possuísse escritos dele deveria ser preso e o material confiscado. Os que
recusavam eram mortos em estacas na fogueira. A partir desta época os lolardos
passaram a agir na clandestinidade.
O bispo Arundel era incansável
na perseguição aos lolardos e conseguiu o apoio do novo rei Henry de Lancaster
quando este subiu ao poder em 1399. O novo rei não temia apenas o bispo, mas
também os lolardos com sua pregação de reforma social e política. Sempre que o
evangelho é pregado de maneira íntegra, vai de encontro a qualquer opressão
social, e os lolardos combatiam severamente a burguesia católica.
Para remediar a questão, o rei
Henry de Lancaster e o parlamento inglês trataram de legislar sobre a questão
em 1400. O ato falava a respeito do perigo que os lolardos representavam para a
estabilidade social e estabeleceu uma série de medidas para remediar a questão.
Todos os leigos tiveram sua licença de pregadores canceladas, e “ninguém devia
pregar, ensinar ou instruir aberta ou privativamente, imprimir ou escrever
livros contrários à fé católica ou falar contra qualquer determinação da Santa
Igreja. Os lolardos foram proibidos de tentar convencer (fazer convertidos) e
de lecionar nas escolas”. (In The
progress of Lollardy, G.H.W.Parker, The Morning Star, p 63).
A publicação desta lei
colocava sob suspeita todos os seguidores de Wycliffe, pois mandatos
posteriores exigiam que todos os que possuíssem livros considerados hereges
deveriam entregá-los, e as pessoas que se recusassem a obedecer, colocadas na
prisão ou julgadas pelas cortes civis. Quem se recusasse a negar os
ensinamentos dos lolardos deveria ser considerado herético e queimado na
fogueira. Desta maneira, os velhos métodos usados pela igreja nos países
europeus para perseguir e matar passaram a ser usados também na Inglaterra, e
os lolardos foram as maiores vítimas.
Com a promulgação de tais leis,
os lolardos além de serem perseguidos pelas autoridades da igreja, passaram a
ter em seu encalço as autoridades civis, desencadeando uma grande perseguição
contra os opositores da igreja no século XV.
Os lolardos, seguidores de
Wycliffe foram severamente perseguidos sob rígida inquisição dos bispos e pelo
parlamento inglês. Por todo os anos do século XV – a partir de 1400 em diante –
a Inglaterra foi banhada pelo sangue dos mártires, e centenas de fogueiras eram
acesas para queimar os que a igreja católica considerava “hereges”. Thomas
Arundel, o bispo, os perseguiu por toda parte e o Bispo da Noruega Henry
Spenser declarou morte por decapitação e fogueira a qualquer lolardo que fosse
encontrado sob seu domínio religioso. Devido a tais ameaças, muitos dos
seguidores de Wycliffe desistiram de suas ideias, tal a força da hierarquia
católica no mundo da época. Os grilhões de Roma atacavam, prendiam e levavam à
fogueira os pré-reformistas.
De 1390 a 1425 de cada dois
homens que se viam caminhando pelas estradas, um deles, podia-se afirmar era
lolardo. Em 1401 o Parlamento inglês declarou os Lolardos como hereges
autorizando que fossem presos e queimados. O estatuto se referia aos Lolardos
como uma nova seita, e os proibia de pregar o Evangelho, de manter escolas e
conventos e de publicar qualquer livro. Os Lolardos deveriam ser presos e
julgados nas cortes diocesanas, e caso fossem declarados culpados, deveriam ser
entregues às autoridades civis para serem queimados, em lugar visível, bem
alto, para que a punição servisse de exemplo a todos os que os vissem.
No ano de 1401, incansável no
trabalho de erradicar os lolardos, o Bispo Thomas Arundel perseguiu e levou à
morte na fogueira Willian Sawtre, capelão que se negou a abandonar os
ensinamentos de Wycliffe. Foi morto para servir de exemplo a todo religioso que
não se submetesse às leis da Santa Igreja. Apesar da ameaça da igreja, outro
mártir, John Baldby, um alfaiate, continuou a tarefa de seus antecessores
pregando a reforma, mas foi condenado como herege e queimado na fogueira
em 1410. O príncipe Filipe, amigo de Baldby pedia que este renunciasse à sua
crença para não ser morto, “mas, durante o interrogatório Baldby defendeu sua
fé na Escritura e em Cristo, e sua convicção e disposição de morrer por amor a
Cristo causou espanto e admiração até mesmo dos que o perseguiam” (obra citada
p 64).
John Huss e os lolardos
Estudantes que vinham da Boêmia
para estudar em Oxford foram fortemente influenciados pelos ensinamentos
deixados por Wycliffe e tomaram conhecimento dos lolardos, pois apesar da
perseguição alguns ousavam ensinar abertamente contrariando os editos de Thomas
Arundel. A partir de Oxford, os ensinamentos de Wycliffe atravessaram as
fronteiras e fizeram outro mártir em Praga, João Huss, sobre quem escreveremos
à parte. O diretor da universidade de Oxford Willian Taylor dispôs-se a
divulgar as ideias dos lolardos na Catedral de St. Cross em 1406. Quem mais
trabalhou neste sentido, no entanto foi um jovem de nome Peter Payne que
estudava em Oxford desde o início do século e tornou-se seguidor das idéias de
Wycliffe. Parece ter sido ele que, em 1406 enviou escritos de Wycliffe em nome
da universidade de Oxford para a universidade de Praga como sendo um documento
oficial. De boa fé o documento foi recebido em Praga e usado por João Huss para
defender os ensinamentos de Wycliffe, o que levantou suspeitas do bispo Arundel
que convocou uma reunião em Oxford em 1407 (G.H.W. Parker em seu livro The
Morning Star Paternoster, Inglaterra p 65).
Como águas que correm nos
subterrâneos para depois emergir formando novamente o leito do rio, assim foram
os ensinamentos de Wycliffe. Eram tão fortes na Inglaterra que em 1394 eles
apresentaram uma petição ao Parlamento contendo as Doze Conclusões. Nelas,
expunham que a Igreja Romana era a madrasta da igreja da Inglaterra, que muitos
padres ordenados pela igreja não haviam sido ordenados por Deus; condenaram as
peregrinações, a missa, a transubstanciação, as imagens, o uso de cruzes, o
incenso, a confissão e as indulgências inventadas para o enriquecimento do
clero. Para eles a igreja católica se corrompera lidando com assuntos
temporais, e sem autoridade de argumentar que era a verdadeira herdeira da fé
apostólica.
Parte da corrupção consistia em
se fazer orações pelos mortos. Os lolardos criam no sacerdócio de todos os
santos e desafiavam a igreja a provar que tinha autoridade de nomear um
sacerdote. As Doze Conclusões denunciavam ainda a guerra, o aborto e a pena de
morte.
Apesar de perseguidos, os
cristãos mantiveram-se firmes na fé e contribuíram grandemente para a reforma
que viria mais de um século depois.
John Oldcastle
Entre os lolardos destaca-se a
nobre figura de Sir John Oldcastle. Conforme a história, Oldcastle era um jovem
soldado de família abastada da Inglaterra que acatou a mensagem do evangelho
pregado por Swinderby, um dos lolardos, convertendo-se a Cristo. Para não ser
perseguido e morto, ainda que rejeitando o ensinamento católico e as imposições
do Papa permaneceu católico.
Nascido de uma família nobre de
Herefordshire em 1378, desde jovem John Oldcastle serviu fielmente a Inglaterra
e ao rei Henrique IV. Depois de casado recebeu o título de Barão com o codinome
de Lord Cobham e passou a possuir terras por toda a Inglaterra. Tornou-se um
dos líderes do movimento dos lolardos. Ao redor de 1410 o Bispo Arundel começou
a suspeitar de suas ideias religiosas e tentou dissuadi-lo a abandonar seus
pontos de vistas. Oldcastle, no entanto, tinha grande favorecimento do rei por
haver servido com distinção na França e mantinha muita expectativa com a subida
ao trono do Príncipe Henrique que seria elevado ao trono em 1413.
Seu castelo em Cowling era um
refúgio para os pregadores itinerantes, para os Irmãos que peregrinavam pela
Inglaterra, refúgio para os que eram perseguidos pela igreja, e também servia
como local de reuniões, apesar destas serem proibidas sob severas penas. O rei
Henrique IV, seu amigo, não interferia em sua vida, mas logo que seu filho,
Henrique V assumiu o trono, o novo rei atacou o castelo e aprisionou a
John Oldcastle. Oldcastle fugiu da Torre onde era mantido preso e passou a se
esconder de cidade em cidade, evitando ser preso ou denunciado pelos espiões a
serviço do clero. No entanto, na mesma época muitos foram presos, torturados e
mortos, incluindo trinta e nove líderes lolardos.
Sir John Oldcastle, o nobre
inglês que apoiava o movimento da reforma dos seguidores de Wycliffe precisou
comparecer perante o Bispo Arundal, e em momento algum abandonou suas ideias,
mesmo sabendo da morte que o esperava. “O Papa – dizia Oldcastle – não tinha
autoridade para decidir temas como a transubstanciação; o Papa era a cabeça do
anticristo e os monges e frades formavam a cauda. Ele insistia que a eucaristia
era “Cristo em forma de pão”. (The Morning Star p 65).
Depois John Oldcastle foi
capturado em Gales e queimado na fogueira, sendo o primeiro nobre inglês a ser
morto por sua fé (Broadman, E.H. Pilgrim Church p 122). Esses valorosos
cristãos eram despojados de suas terras e mortos pela igreja institucionalizada.
Por que morrer? Para defender a
fé. A igreja havia se corrompido e o Papa e os bispos, especialmente nesta
época o Bispo Arundal, perseguiam os lolardos toda Inglaterra e pela Europa.
O movimento dos lolardos
preparou o terreno para a grande cisão que haveria de acontecer com Lutero na
Alemanha anos depois. Lutero, com o apoio dos feudos e dos reis da época
quebrou a coluna vertebral do domínio romano, mas não livrou seus seguidores de
continuarem sendo perseguidos por toda a Europa, agora pelos seguidores do
reformador Lutero como veremos noutro episódio.
O movimento iniciado por
Wycliffe nunca se transformou em organização, mas os resultados na Inglaterra
se fizeram sentir por mais de um século por seus seguidores, os lolardos, ou
wiclifistas. Dez anos depois da morte de Wycliffe, uma bula assinada pelo Papa
Bonifácio IX em 1396 condenava os Lolardos ou Pedintes dos países baixos.
E os Lolardos, sem dúvida
alguma, representam a semente dos mártires que corajosamente acenderam a chama
da Reforma da Igreja.
O sentido de Lolardos.
O termo Lolardo apareceu na
Inglaterra vindo da Holanda e da região de Colônia. Como falamos, muitos
discutem a origem do nome Lolardo e também do termo huguenotes. Os
historiadores abandonaram a idéia de que o nome teria surgido a partir do
holandês Walter Lollard que foi queimado em Colônia em 1322.
A etimologia da palavra Lolardo
sempre foi objeto de especulação. Alguns achavam que a palavra deriva do alemão
lollen (cantar), referindo-se aos lolardos que entoavam cânticos nos funerais.
Outros afirmam que provinha do latim lolium (erva daninha), uma alusão à
parábola do joio. Considerando, no entanto, que os lolardos criam que podia
haver “verdadeiros crentes” fora da estrutura da igreja romana, o nome poderia
ser uma paródia às suas crenças. No entanto, na parábola do joio a erva daninha
não é “lolium”, mas “zizania”. Assim, é bem possível que derive da palavra
alemã que significa “pranteadores”, numa referência às orações de lamentações que
eles faziam publicamente.
Créditos a João A. de Souza
Filho
(1) Miguel I
Cerulário ( 1000 - 1059), foi o patriarca de
Constantinopla ente 1043 e 1054 Foi durante o seu patriarcado que ocorreu
o Grande Cisma do Oriente, que dividiu a Igreja Católica e
a Igreja Ortodoxa. A divisão perdura até os dias de hoje, mas a excomunhão
mútua (entre os líderes das duas igrejas) já foi desfeita.
Em 1964, na cidade
de Jerusalém, o encontro entre o Papa Paulo VI e
o Patriarca Atenágoras I de Constantinopla anulou a excomunhão mútua
feita pelas lideranças da Igreja Ocidental e pela Igreja
Oriental.
No momento histórico de pandemia em todo país nada é mais melhor do que ler um bom conteúdo cristão e somar conhecimento. Muito bom 👏👏
ResponderExcluir