A Santa Sé
tornou-se uma potência financeira que administra fortunas tão colossais quanto
discretas na economia mundial.
Com os Pactos de
Latrão de 1929, entre o governo do Duce e a Santa Sé, resolveu-se o contencioso
com o Estado italiano pela anexação dos territórios antes sujeitos ao Estado
Pontifício.
O acordo financeiro
liquidava as pendências econômicas entre as duas partes mediante um conspícuo
pagamento feito pelo governo italiano e a cessão de uma boa quantidade de ações,
a título de indenização pelos danos causados à Santa Sé com a anexação dos
antigos Estados Pontifícios à Itália e a conseqüente liquidação de grande parte
dos bens patrimoniais eclesiásticos.
Na ocasião, o
Estado garantiu ao Vaticano um subsídio anual de 3.250.000 liras.
Pouco depois, o
Estado italiano reconheceu ao Estado Vaticano uma ulterior indenização una
tantum de um bilhão e 750 milhões de liras da época, entre dinheiro e
títulos.
Para administrar
esse imenso patrimônio, a Santa Sé confiou em um leigo, Bernardino Nogara,
ex-vice-presidente do Banco Comercial Italiano, que aceitou sob a condição de
ter total liberdade para investir em todos os lugares do mundo e de todas as
maneiras que considerasse oportunas, de forma "completamente livre de
qualquer consideração religiosa ou doutrinária".1
Atualmente, a
Cidade do Vaticano tem três instituições financeiras: a "Apsa", que
funciona como banco central; o "Ministério da Economia"; e o
"Ior".
IOR - INSTITUTO DE OBRAS RELIGIOSAS |
O Ior (Instituto de
Obras Religiosas) é o banco do papa (o papa é seu único acionista) e é
completamente independente, pois não tem responsabilidade para com os outros
dois institutos. Tem três conselhos administrativos: o primeiro é constituído
por cardeais de alto nível; o segundo, por banqueiros internacionais que
colaboram com funcionários do banco vaticano; e o terceiro e último é formado
por um conselho de administração que cuida dos negócios do dia-a-dia.
Desde seu
nascimento, o Ior esteve no centro de grandes polêmicas alimentadas também pela
excessiva confidencialidade de seus negócios. Existem documentos, tanto na
Alemanha quando nos Estados Unidos, que parecem demonstrar as transferências de
fundos nazistas do Reichsbank e de bancos suíços controlados pelos nazistas
para o Ior.
O Ior poderia ser
um dos maiores cúmplices do desaparecimento do tesouro da Croácia independente
(um Estado-fantoche alemão), avaliado em cerca de 200 milhões de dólares em
1945. Os nazistas croatas, os ustasas, eram nacionalistas ferrenhos com um ódio
incalculável pelos servos cristãos ortodoxos, a ponto de matar mais de
quinhentos mil deles junto com dezenas de milhares de judeus e ciganos.
Quando, em 1945, o
ditador Ante Pavelic fugiu, junto com seu gabinete e quinhentos religiosos
católicos, encontrou refúgio em Roma, onde viveu por três anos escondido no
Collegio di San Girolamo degli Illirici. Levou consigo o ouro, as jóias e os
títulos roubados das vítimas. O Vaticano, então, ajudou-o a fugir para a
Argentina, em 1949, vestido com roupas de padre e munido de um passaporte válido.
Com a mesma,
mobilidade, a Santa Sé ajudou na fuga de duzentas ustasas e cinco mil
criminosos nazistas, a aristocracia do crime, dentre os quais estava o Dr.
Mengele, Walter Rauff, Adolf Eichmann, Erick Priebke e Franz Stangl.
No comando da
organização de socorro do Vaticano, que os aliados chamaram de "rat
line", caminho dos ratos, estavam Draganovic, monsenhor e ex-coronel
ustasa; e o bispo Alois Hudal, titular da igreja de Santa Maria das Almas em
Roma e homem de confiança do papa Pacelli. As memórias de Hudal, publicadas em
alemão após sua morte, representam a mais detalhada documentação do caminho dos
ratos: "Trabalho realizado pelo Vaticano", como ele afirma.
Em 1998, o
Departamento de Estado americano indicou, no relatório conhecido como "O
destino do tesouro dos ustasas", o Vaticano como possível local onde
procurar as respostas. A Secretaria de Estado vaticana, então dirigida pelo
cardeal Sodano, opôs-se veementemente a tornar públicos os arquivos relativos à
Segunda Guerra Mundial e enviou ao governo americano uma nota diplomática em
que lhe pedia para pressionar a Justiça para arquivar o caso. O Departamento de
Estado se recusou, e a questão ainda espera uma decisão.
Em 1968, dez anos
depois da morte do engenheiro Bernardino Nogara, nomeado pelo papa como
administrador especial da Santa Sé, e quarenta anos depois dos Pactos de
Latrão, as várias participações do Vaticano na indústria, nas finanças e nos
serviços foram estimadas em oito bilhões de dólares.
Depois de Nogara, o
Vaticano recorreu aos serviços de Sindona, e, quando este não foi mais
confiável, aos de Roberto Calvi. Seria preciso esperar a falência do Banco
Ambrosiano, após a morte de Calvi, para descobrir o gigantesco envolvimento do
Vaticano nos negócios ilícitos operados por Sindona e Calvi.
Roberto Calvi se
tornara presidente do Banco Ambrosiano em 1975. Era apelidado de
"Banqueiro de Deus", por sua proximidade com o Ior de Paul Marcinkus.
Calvi criou uma
rede de estruturas ad hoc formada por filiais off-shore nas
Bahamas, uma holding em Luxemburgo, empresas-pirata na América Central e
cofres na Suíça. Ao longo dos anos, criou um império que se desenvolveu
extraordinariamente e que se tornou ponto central não só de lavagem de dinheiro
do crime organizado, como de operações internacionais de vários gêneros: do
tráfico de armas para a Guerra das Malvinas e apoio à ditadura de Somoza ao
financiamento do sindicato católico polonês Solidariedade. Quando a posição do
"Banqueiro de Deus" ficou insustentável, o Ior e a Opus Dei se
retiraram, tirando-lhe qualquer apoio. Calvi foi preso e, após a soltura, fugiu
para Londres em busca de amparo internacional e ameaçou divulgar documentos
bombásticos em seu poder.
Em 17 de junho de
1982, foi encontrado morto enforcado sob a ponte de Black Friars, em Londres. A
polícia inglesa arquivou o caso como "suicídio". Apenas em 1988,
durante um processo civil, o tribunal italiano declarou sua morte como
homicídio, após as analises radiográficas do cadáver terem mostrado ausência
das lesões ósseas na região cervical muito prováveis em caso de morte por
enforcamento, em razão do contragolpe dado quando a corda se estica. Além
disso, o exame das unhas e das mãos de Calvi comprovaram que ele nunca encostou
nos tijolos encontrados em seus bolsos ou na estrutura que sustenta a ponte de
Black Friars. Portanto, o banqueiro foi assassinado (ao que tudo indica, a 100
metros da ponte, em um canteiro de obras), e depois foi encenado seu
"suicídio".
O processo penal
ainda não terminou.
A secretária
pessoal de Calvi morreu 12 horas depois dele, "jogando-se" da janela
de seu escritório no Banco Ambrosiano. Michele Sindona (mentor de Calvi), após
encenar o próprio seqüestro, foi preso e morreu na cadeia em 1986, após tomar
um café com arsênico. Sindona, em um inacreditável dossiê de 27 volumes
redigido pelo FBI, aparece repetidas vezes ligado ao Vaticano.
O bispo Paulo
Hnilica, que também pertencia ao Ior, foi preso após tentar comprar o conteúdo
da maleta desaparecida de Calvi.
Marcinkus invocou
com sucesso a imunidade diplomática e acabou se tornando chefe da segurança e
braço-direito de João Paulo II após a morte prematura de João Paulo I. Ele
atualmente é pároco em Phoenix, no Arizona.
O escritor
investigativo David Yallop, em seu livro In Gods Name (Em nome de Deus), formulou
a hipótese de que João Paulo I tenha sido envenenado (a Santa Sé não autorizou
a autópsia) também por seu empenho em fechar ou limpar o Banco do Vaticano.
Fontes para Estudo
1. David Yallop, // nome di Dio. Nápoles,
Tullio Editore, p. 97-98.
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